sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

ESCATOLOGIA INDIVIDUAL

Capítulo Introdutório.
A Escatologia na Filosofia e na Religião.
1. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA É UMA QUESTÃO NATURAL. Alguma doutrina das últimas coisas não é coisa peculiar à religião cristã. Onde quer que as pessoas tenham refletido seriamente sobre a vida humana, seja no indivíduo, seja na raça, não inquiriram apenas donde ela surgiu e como veio a ser o que é, mas também para onde está destinada. Elas levantaram a questão, Qual é o fim ou o destino final do indivíduo, e qual a meta rumo à qual a raça humana está se movendo? O homem perece na morte, ou entra noutro estado de existência, quer de bem-aventurança, quer de infortúnio? As gerações dos homens virão e passarão, numa sucessão interminável e finalmente sucumbirão no esquecimento, ou a raça dos filhos dos homens e toda a criação estarão a mover-se para algum telos divino, para um fim que lhe foi designado por Deus? E se a raça humana está se movendo para alguma condição final, ideal, as gerações que vêm e passam participarão disso de algum modo, e, se for assim, como participarão? Ou servirão elas apenas como uma passagem que leva ao grandioso clímax? Naturalmente, só os que crêem que, assim como a história do mundo teve um princípio, também terá um fim, podem falar de uma consumação e podem ter uma doutrina da escatologia.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 664)

A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA

A questão do destino final do indivíduo e da raça ocuparam importante lugar nas especulações dos filósofos. Platão ensinava a imortalidade da alma, isto é, sua existência continuada após a morte, e esta doutrina persistiu como um importante dogma da filosofia até à época presente. Spinoza não teve lugar para ela em seu sistema panteísta, mas Wolff e Leibnitz a defenderam com toda sorte de argumentos. Kant dava ênfase à insustentabilidade desses argumentos, mas, não obstante, conservou a doutrina da imortalidade como um postulado da razão prática. A filosofia idealista do século dezenove a rejeitou. De fato, como diz Haering, “O panteísmo de todos os tipos limita-se a um definido modo de contemplação, e não leva a nenhuma realidade ‘última’”. Os filósofos não refletiam somente sobre o futuro do indivíduo; também pensavam profundamente no futuro do mundo. Os estóicos falavam de sucessivos ciclos de mundos, e os budistas, de eras de mundos, em cada uma das quais um novo mundo aparece e volta a desaparecer. Até mesmo Kant especulava sobre o nascimento e a morte dos mundos.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 664)

A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA RELIGIÃO

Contudo, é especialmente na religião que encontramos concepções escatológicas. Mesmo as religiões falsas, tanto as mais primitivas como as mais evoluídas, têm sua escatologia. O budismo tem o seu nirvana, o maometanismo o seu paraíso sensual, e os índios americanos os seus felizes campos de caça. A crença na permanente existência da alma aparece em toda parte e sob diversas formas. Diz J. T. Addison: “A crença em que a alma do homem sobrevive à sua morte, tão perto está de ser universal que não temos nenhum registro confiável de alguma tribo, nação ou religião em que ela não esteja em destaque”. Pode manifestar-se na convicção de que os mortos continuam pairando nos arredores e por perto, no culto aos antepassados, na busca de comunicação com os mortos, na concepção de um mundo subterrâneo habitado pelos mortos, ou na idéia da transmigração das almas; mas, numa ou noutra forma, está sempre presente. Nessas religiões, porém tudo é vago e incerto. É somente na religião cristã que a doutrina das últimas coisas recebe maior precisão e traz consigo uma segurança que só pode ser divina. Naturalmente, os que não se contentam em descansar sua fé exclusivamente na Palavra de Deus, mas a fazem depender da experiência e das produções da consciência cristã, estão em grande desvantagem aqui. Embora possam experimentar um despertamento espiritual, a iluminação divina, o arrependimento e a conversão, e possam observar os frutos da graça em suas vidas, não podem experimentar nem ver as realidades do mundo futuro. Terão que aceitar o testemunho de Deus a respeito delas, ou que continuar andando às apalpadelas no escuro. Se não desejam construir a casa da sua esperança em vagas e indeterminadas aspirações, terão que retornar ao firme fundamento da Palavra de Deus.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 665)

A Escatologia na História da Igreja Cristã

Falando em termos gerais, pode-se dizer que o cristianismo nunca olvidou as gloriosas predições concernentes ao seu futuro do cristão individual. Nem o cristão individual nem a igreja puderam deixar de pensar nelas e de nelas achar consolação. Às vezes, porém, a igreja, subjugada pelas preocupações da vida ou enredada em seus prazeres pouco pensou no futuro. Além disso, sucedeu repetidamente que ora pensava mais num elemento particular da sua esperança futura, ora noutro. Nas épocas de apostasia, a esperança cristã às vezes ficava obscurecida e incerta, mas nunca se extinguiu completamente. Ao mesmo tempo, deve-se dizer que jamais houve um período da história da igreja em que a escatologia fosse o centro do pensamento cristão. Os outros loci ou pontos da dogmática tiveram desenvolvimento, mas não se pode dizer isto da escatologia. Pode-se distinguir três períodos na história do pensamento escatológico.
1. DA ERA APOSTÓLICA AO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO. Já no primeiro período, a igreja estava perfeitamente cônscia dos elementos distintos da esperança cristã, como, por exemplo, que a morte física não é ainda a morte eterna, que as almas dos mortos continuam vivendo, que Cristo virá outra vez, que haverá uma bendita ressurreição do povo de Deus, que esta será seguida por um julgamento geral no qual a condenação eterna será pronunciada contra os ímpios, mas o fiéis serão recompensados com as glórias eternas do céu. Mas estes elementos eram simplesmente visto como outras tantas partes separadas da esperança futura, e ainda não tinham sido elaboradas dogmaticamente. Embora fossem bem compreendidos os vários elementos, não se via claramente a sua interrelação. A princípio, parecia que a escatologia estava no caminho certo para se tornar o centro da elaboração da doutrina cristã, pois nos dois primeiros séculos o quiliasma era muito proeminente, conquanto não tão proeminente como alguns gostariam de fazer-nos acreditar. Todavia, como veio a ser, a escatologia não se desenvolveu neste período.
2. DO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO À REFORMA. Sob a direção do Espírito Santo, a atenção da igreja voltou-se do futuro para o presente, e o quiliasma aos poucos foi sendo esquecido. Especialmente sob a influência de Orígenes e Agostinho, conceitos antiquiliásticos se tornaram dominantes na igreja. Mas embora estes conceitos fossem considerados ortodoxos, não foram ponderados exaustivamente, nem desenvolvidos sistematicamente. Havia uma crença geral na vida após a morte, mas volta do Senhor, na ressurreição dos mortos, no juízo final e no reino da glória, mas muito pouca reflexão sobre o modo de sua ocorrência. A idéia de um reino material e temporal abriu caminho para as da vida eterna e da salvação futura. Com o transcorrer do tempo, a igreja foi colocada no centro das atenções, a igreja hierárquica foi identificada com o reino de Deus. Ganhou terreno a idéia de que fora dessa igreja não há salvação, e a de que a igreja determina o adequado treinamento pedagógico para o futuro. Muita atenção foi dada ao estado intermediário e, particularmente, à doutrina do purgatório. Em conexão com isto, a mediação da igreja foi trazida para o primeiro plano – as doutrinas da missa, das orações pelos mortos e das indulgências. Como um protesto contra este eclesiasticismo, o quiliasma apareceu em várias seitas. Em parte, isto constituiu uma reação de natureza pietista contra o externalismo e a mundaneidade da igreja.
3. DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. O pensamento da Reforma centralizou-se primariamente em torno da idéia da aplicação e apropriação da salvação, e procurava desenvolver a escatologia segundo este ponto de vista. Muitos dos antigos teólogos reformados (calvinistas) trataram dela apenas como um adjunto da soteriologia, focalizando a glorificação dos crentes. Conseqüentemente, só uma parte da escatologia foi estudada e levada a uma maior desenvolvimento. A Reforma adotou o que a Igreja eterna, e pôs de lado a crassa forma de quiliasma que apareceu nas seitas anabatistas. Em sua oposição a Roma, também refletiu bastante sobre o estado intermediário e rejeitou os diversos dogmas desenvolvidos pela Igreja Católica Romana fizeram muito pelo desenvolvimento da escatologia. No pietismo o quiliasma reapareceu. O racionalismo do século dezoito conservou da escatologia apenas a simples idéia duma imortalidade incolor, da mera sobrevivência da alma após a morte. Sob a influência da filosofia da evolução, com sua idéia de um progresso interminável, aquela doutrina se tornou, se não obsoleta, ao menos obsolescente. A teologia”liberal” ignorou inteiramente os ensinos escatológicos de Jesus e deu toda a ênfase aos Seus preceitos éticos. Como resultado, ela não tem uma escatologia que mereça este nome. O interesse pelo mundo além abriu alas para o interesse pelas coisas deste mundo; a bendita esperança da vida eterna foi substituída pela esperança social de um reino de Deus exclusivamente deste mundo; e a anterior segurança quanto à ressurreição dos mortos e à glória futura, foi suplantado pela vaga confiança em que Deus pode ter em depósito coisas ainda melhores para o homem do que as bênçãos que ele desfruta agora. Diz Gerald Birney Smith: “Em nenhuma esfera as mudanças de pensamento foram mais marcantes que na parte da teologia que trata da vida futura. Onde os teólogos continuavam falando pormenorizadamente a respeito das ‘últimas coisas’, agora eles expõem em termos algo gerais a barata base para uma confiança otimista na continuação da vida além da morte física.” Contudo, há no presente alguns sinais de uma mudança para melhor. Uma nova onda de premilenismo apareceu, e este não se limita às seitas, mas também achou entrada nalgumas das igrejas dos nossos dias, e os seus defensores propõem uma filosofia cristã da história, baseada particularmente no estudo de Daniel e Apocalipse, e ajuda a fixar mais uma vez a atenção no final dos séculos. Weiss e Schweitzer chamaram a atenção para o fato de que os ensinos escatológicos de Jesus foram muito mais importantes, em Seu esquema de pensamento, do que os Seus ensinos éticos, os quais representam, afinal de contas, apenas uma “Interimsethik” (“ética do ínterim”). E Karl Barth também salienta o elemento escatológico da revelação divina.

Relação da Escatologia com o Restante da Dogmática

1. CONCEPÇÕES ERRÔNEAS QUE OBSCURECEM ESTA RELAÇÃO. Quando Kliefoth escreveu sua Escatologia (Eschatologie), queixou-se do fato de que até então nunca aparecera um compreensivo e adequado tratado de escatologia de maneira completa; e depois chamou a atenção para o fato de que nas obras dogmáticas aparece muitas vezes, não como uma das principais divisões e uniforme em relação a estas, mas apenas como um apêndice fragmentário e tratado com negligência, enquanto que algumas das suas questões são discutidas noutros loci isto é, noutras partes. Havia boas razões para as suas reclamações. Em geral se pode dizer que, mesmo agora, a escatologia é o menos desenvolvido de todos os loci da dogmática. Além disso, com freqüência se lhe dá um lugar muito subordinado no tratamento sistemático da teologia. Coccejus (Cocceio) cometeu o erro de dispor o conjunto global da dogmática segundo o esquema das alianças, e assim a tratou como um estudo histórico, e não como uma apresentação sistemática de todas as verdades da religião cristã. Nesse esquema, a escatologia só poderia aparecer como “finale” da história, e de modo nenhum como um dos elementos constitutivos de um sistema de verdade. Uma discussão histórica das ultimas coisas pode fazer parte da historia revelationis (história da revelação), mas, como tal, não pode ser apresentada como parte integrante da dogmática. A dogmática não é uma ciência descritiva, e, sim, normativa, na qual visamos à verdade absoluta, e não a uma simples verdade histórica. Os teólogos reformados (calvinistas) em geral viam este ponto com muita clareza, e, portanto, discutiam as últimas coisas de maneira sistemática. Todavia, nem sempre lhe fizeram justiça como uma das principais divisões da dogmática, mas lhe deram um lugar subordinado num dos outros loci. Vários deles a concebiam como tratando apenas da glorificação dos santos ou da consumação do governo de Cristo, e a introduziam na conclusão da sua discussão da soteriologia objetiva e subjetiva. O resultado foi que algumas partes da escatologia receberam a devida ênfase, ao passo que outras partes foram pouco menos que negligenciadas. Nalguns casos, o conteúdo da escatologia foi repartido entre diferentes loci. Outro erro, que alguns cometeram, é que perderam de vista o caráter teológico da escatologia. Não podemos subscrever a seguinte declaração de Pohle (católico romano) em sua obra sobre A Escatologia, ou a Doutrina Católica das Últimas Coisas (Eschatology, or the Catholic of the Last Things): “A escatologia é antropológica e cosmológica, antes que teológica: pois, embora trate Deus como o Consumador e Juiz Universal, estritamente falando, o seu assunto é o universo criado, isto é, o homem e o cosmos”. Se a escatologia não fosse teologia, não teria lugar próprio na dogmática.
2. O CONCEITO CORRETO DESTA RELAÇÃO. Estranhamente, o mesmo escritor católico romano diz: “A escatologia é a coroa e o selo da teologia dogmática”, o que está perfeitamente certo. É o único lócus ou ponto da teologia no qual todos os outros loci chegam a um ponto culminante, a uma conclusão final. O doutor Kuyper assinala corretamente que cada um dos outros loci deixa alguma questão sem resolver, a que a escatologia deve dar uma resposta. Na teologia propriamente dita a questão é sobre como Deus é final e perfeitamente glorificado na obra das Suas mãos, e como se realiza plenamente o conselho de Deus; na antropologia, a questão sobre como a ruinosa influência do pecado é dominada completamente; na cristologia, a questão sobre como a obra de Cristo é coroada com a vitória perfeita; na soteriologia, a questão sobre como a obra do Espírito Santo por fim resulta na completa redenção e glorificação do povo de Deus; e na eclesiologia, a questão da apoteose final da igreja. Todas essas questões devem encontrar em sua resposta no derradeiro lócus da dogmática, fazendo deste o verdadeiro selo da teologia dogmática. Haering atesta o mesmo fato, quando diz: “De fato, ela (a escatologia) derrama calara luz sobre cada segmento doutrinário particular. A universalidade do plano divino de salvação, a comunhão pessoal com um Deus pessoal asseverada sem reserva, a significação permanente do Redentor sustentada, o perdão do pecado entendido como unido à vitória sobre o poder do pecado – sobre estes pontos a escatologia deve tirar toda dúvida, mesmo quando exposições indefinidas, feitas nas partes anteriores, não possam ser logo reconhecidas como tais. Tampouco é difícil descobrir a razão disto. Na doutrina das últimas coisas, a comunhão entre Deus e o homem é exposta como completada, e, daí, a idéia de nossa religião, o princípio cristão, é apresentado em sua pureza; não, porém, como uma simples idéia no sentido de um ideal jamais concretizado completamente, mas como uma realidade perfeita – e é evidente, que dificuldades estão implícitas nisso! Portanto, dever-se-á no fim, na apresentação da escatologia, senão mais cedo, que a realidade desta comunhão com Deus recebeu o que lhe é devido irrestritamente.”
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 669)

O Nome “Escatologia”

Vários nomes têm sido aplicados ao último lócus da dogmática, dos quais o mais comum é de novissimis (das últimas coisas) ou escatologia. Kuyper emprega a expressão consummatione saeculi (da consumação dos séculos). O nome “escatologia” baseia-se nas passagens da Escritura que falam sobre “os últimos dias” (eschatai hemerai), Is 2.2; Mq 4.1, os “últimos tempos” (eschatos ton chronon), 1 Pe 1.20, e “a última hora” (eschate hora), 1 Jo 2.18. É verdade que estas expressões às vezes se referem a toda a dispensação do Novo Testamento, mas mesmo assim incorporam uma idéia escatológica. A profecia do Velho Testamento distingue somente dois períodos, quais sejam, “esta era” (olam hazzeh, gr. Aion houtos), e “a era vindoura” (olam habba’, gr. Aion mellon). Visto que os profetas descrevem a vinda do Messias e o fim do mundo como coincidentes, os “últimos dias” são os dias imediatamente anteriores à vinda do Messias e ao fim do mundo. Em parte alguma eles traçam uma clara linha de distinção entre uma primeira e uma segunda vinda do Messias. No Novo Testamento, porém, é mais que evidente que a vinda do Messias é dupla, e que a era messiânica inclui dois estágios, a presente era messiânica e a consumação futura. Conseqüentemente, a dispensação do Novo Testamento pode ser considerada sob dois aspectos diferentes. Se se fixar a atenção na vinda futura do Senhor, e se tudo que a precede for considerado pertencente a “esta era”, se considerará que os crentes neotestamentários estão vivendo nas vésperas desse importante evento – a volta do Senhor em glória e a consumação final. Se, por outro lado, a atenção for centralizada na primeira vinda de Cristo, será natural considerar os crentes desta dispensação como já vivendo na era futura, embora somente em princípio. Esta descrição da condição deles não é incomum no Novo Testamento. O reino de Deus já está presente, a vida eterna já se realizou em princípio, o Espírito é o penhor das primícias da herança celestial, e os crentes já estão sentados nos lugares celestiais com Cristo. Mas, conquanto algumas das realidades escatológicas sejam assim projetadas para o presente, não se realizarão plenamente, até ao tempo da consumação futura. E quando falamos de “escatologia”, temos em mente mais particularmente os fatos e eventos que estão relacionados com a segunda vinda de Cristo e que marcarão o fim da presente dispensação e penetrarão nas glórias eternas do futuro.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 669)

Escatologia Geral e Individual

1. ESCATOLOGIA GERAL. O nome “escatologia” chama a tenção para o ato de que a história do mundo e da raça humana finalmente chegará à sua consumação. Não é um processo indefinido e infindável, mas uma história que se move em direção a um fim determinado. Segundo a Escritura, esse fim virá com uma tremenda crise, e os fatos e eventos associados a esta crise compõem o conteúdo da escatologia. Estritamente falando, também determinam os seus limites. Mas, uma vez que outros elementos podem ser incluídos sob o título geral, é costume falar da série de eventos ligados ao retorno de Jesus Cristo e ao fim do mundo como constituindo a escatologia geral – uma escatologia que diz respeito a todos os homens. Os assuntos que requerem consideração nesta divisão são o retorno de Cristo, a ressurreição geral, o juízo final, a consumação do Reino e a condição final dos justos e os ímpios.
2. ESCATOLOGIA INDIVIDUAL. Além dessa escatologia geral, há também uma escatologia individual, que deve ser levada em consideração. Os eventos citados podem constituir a escatologia completa, no sentido estrito da palavra; todavia, não podemos fazer justiça a isto sem mostrar como as gerações que morreram participarão nos eventos finais. Para o indivíduo, o fim da presente existência vem com a morte, que o transfere completamente da era presente para a futura. Na medida em que é removido da presente era, com o seu desenvolvimento histórico, é introduzido na era futura, que é a eternidade. Na mesma medida em que há uma mudança de localidade, há também uma mudança de era. As coisas referentes à condição do indivíduo, entre a sua morte e a ressurreição geral, pertencem à escatologia pessoal ou individual. A morte física, a imortalidade da alma e a condição intermediária requerem discussão aqui. O estudo destes assuntos atenderão ao propósito de relacionar a condição dos que morrem antes da parousia com a consumação final.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 670)

A MORTE FÍSICA

A idéia escriturística da morte inclui a morte física, a morte espiritual e a morte eterna. Naturalmente, a morte física e a espiritual são discutidas em conexão com a doutrina do pecado, e a morte eterna é considerada mais particularmente na escatologia geral. Por essa razão, uma discussão da morte em qualquer sentido da palavra poderia parecer fora de lugar na escatologia individual. Todavia, dificilmente se poderia deixar totalmente fora de consideração, ao se fazer a tentativa de relacionar as gerações passadas com a consumação final.
A. Natureza da Morte Física.
A Bíblia contém algumas indicações instrutivas quanto à natureza da morte física. Fala desta de várias maneiras. Em Mt 10.28 e Lc 12.4, fala-se dela como a morte do corpo, em distinção da morte da alma (psyche). Ali o corpo é considerado como um organismo vivo, e a psyche é evidentemente o pneuma do homem, o elemento espiritual que constitui o princípio da sua vida natural. Este conceito da morte natural também está subjacente à linguagem de Pedro em 1 Pe 3.14-18. Noutras passagens é descrita como o término da psyche, isto é, da vida animal, ou como a perda desta., Mt 2.20; Mc3.4; Lc 6.9; 14.26; Jo 12.25; 13.37, 38; At 15.26; 20.24, e outras passagens. E, finalmente, também é descrita como separação de corpo e alma, Ec 12.7 (comp. Gn 2.7); Tg 2.26, idéia também básica em passagens como Jo 19.30; At 7.59; Fp 1.23. Cf. também o emprego de êxodos (“partida”) em Lc 9.31; 2 Pe 1.15, 16.
Em vista disso tudo, pode-se dizer que, de acordo com a Escritura, a morte física é o término da vida física pela separação de corpo e alma. Jamais uma aniquilação, apesar de algumas seitas descreverem a morte dos ímpios como tal. Deus não aniquila coisa alguma de Sua criação. A morte não é uma cessação da existência, mas uma disjunção das relações naturais da vida. A vida e a morte não são antagônicas entre si como ocorre com a existência e a não existência, mas são mutuamente opostas somente como diferentes modos de existência. É deveras impossível dizer exatamente o que é a morte. Falamos dela como a cessação da vida física, mas então surge imediatamente a pergunta: O que é precisamente a vida? E não temos resposta. Não sabemos o que é a morte em sua essência, mas a conhecemos somente em suas relações e ações. E a experiência nos ensina que, onde estas são separadas e cessam, a morte entra. A morte é um rompimento das relações naturais da vida. Pode-se dizer que o pecado é per se (por si mesmo) morte, porque representa um rompimento das relações vitais do homem, criado à imagem de Deus, com o seu Criador. Significa a perda dessa imagem e, conseqüentemente, perturba todas as relações da vida. Este rompimento também se dá na separação de corpo e alma, chamada morte física.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 671)

Relação Entre o Pecado e a Morte

Os pelagianos e os socinianos ensinam que o homem foi criado mortal, não meramente no sentido de que ele poderia cair presa da morte, mas no sentido de que ele, em virtude da sua criação, estava sob a lei da morte, e, no transcurso do tempo, estava destinado a morrer. Isto significa que Adão não era somente suscetível de morte, mas estava realmente sujeito à morte antes de cair. Os defensores deste conceito eram movidos primariamente pelo desejo de fugir da prova do pecado original extraída do sofrimento e morte das crianças. A ciência dos dias atuais parece dar apoio a essa posição acentuando o fato de que a morte é lei da matéria organizada, visto que esta traz consigo a semente da decadência e da dissolução. Alguns dos chamados pais primitivos da igreja e alguns teólogos mais recentes, como Warbuton e Laidlaw, assumem a posição de que Adão de fato foi criado mortal, isto é, sujeito à lei da dissolução mas que, no caso dele, a lei só foi efetiva porque ele pecou. Se tivesse comprovado a sua obediência, teria sido exaltado a um estado de imortalidade. Seu pecado não produziu nenhuma mudança em seu ser constitucional, nesse aspecto, mas, sob a sentença de Deus, fê-lo sujeito à lei da morte e o privou da dádiva da imortalidade, que poderia ter tido sem experimentar a morte.
Naturalmente, neste conceito a entrada fatual da morte continua tendo caráter penal. É um conceito que encaixaria muito bem na posição supralapsária, mas não é exigido por esta. Na realidade, essa teoria procura apenas enquadrar os fatos revelados na Palavra de Deus nos pronunciamentos da ciência, mas mesmo estes não a consideram imperativa. Suponhamos que a ciência provasse conclusivamente que a morte reinava no mundo vegetal e animal antes da entrada do pecado; mesmo então não se seguiria necessariamente que ela também prevalecia no mundo dos seres racionais e morais. E ainda que ficasse estabelecido sem sombra de dúvida que todos os organismos físicos, os humanos inclusive, trazem dentro de si as sementes da dissolução, isto ainda não provaria que o homem não foi uma exceção à regra, antes da Queda. Diremos nós que o absoluto poder de Deus, pelo qual o universo foi criado, não era suficiente para manter o homem com vida indefinidamente? Além disso devemos ter em mente os seguintes dados da Escritura: (1) O homem foi criado à imagem de Deus, e isto, em vista das perfeitas condições em que a imagem de Deus existiu originariamente, por certo exclui a possibilidade de que trouxesse consigo as sementes da dissolução e da mortalidade. (2) A morte física não é apresentada na Escritura como resultado natural da continuidade da condição original do homem, devido ao seu fracasso em não conseguir subir às alturas da imortalidade pelo caminho da obediência; mas, sim, como resultado da sua morte espiritual, Rm 6.23; 5.21; 1 Co 15.56; Tg 1.15. (3) As expressões bíblicas certamente indicam a morte como uma coisa introduzida no mundo da humanidade pelo pecado, e como uma punição positiva pelo pecado, Gn 2.17; 3.19; m 5.12, 17; 6.23; 1 Co 15.21; Tg 1.15. (4) A morte não é descrita como algo natural na vida do homem, mera falha de um ideal, e sim assaz decisivamente como algo alheio e hostil à vida humana: é uma expressão da ira divina, Sl 90.7, 11, um julgamento, Rm 1.32, uma condenação, Rm 5.16 e uma maldição, Gl 3.13, e enche os corações dos filhos dos homens de temor e tremor, justamente porque é tida como uma coisa antinatural.
Tudo isso não significa, porém, que não poderia ter havido morte nalgum sentido da palavra no mundo da criação inferior, independentemente do pecado, mas, mesmo ali, é evidente que a entrada do pecado trouxe um cativeiro de corrupção que era estranho à criatura, Rm 8.20-22. Por estrita justiça, Deus poderia ter imposto a morte ao homem no mais completo sentido da palavra imediatamente após a sua transgressão, Gn 2.17. Mas, por Sua graça comum, restringiu a operação do pecado e da morte, e, por Sua graça especial em Cristo Jesus, venceu estas forças hostis, Rm 5.17; 1 Co 15.45; 2 Tm 1.10; Hb 2.14; Ap 1.18; 20.14. A morte realiza agora plenamente a sua obra só nas vidas que recusam a libertação do seu jugo, libertação oferecida em Cristo Jesus. Os que crêem em Cristo estão livres do poder da morte, foram restaurados à comunhão com Deus, e foram revestidos de uma vida sem fim, Jo 3.36; 6.40; Rm 5.17-21; 8.23; 1 Co 15.26, 51-57; Ap 20.14; 21.3, 4.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 673)

Significado da Morte dos Crentes

A Bíblia fala da morte física como punição, como “o salário do pecado”. Dado, porém, que os crentes estão justificados e não estão mais na obrigação de prestar qualquer satisfação penal, surge naturalmente a questão: Por que eles têm que morrer? É mais que evidente que, quanto a eles, o elemento penal e retirado da morte. Não se acham mais sob a lei, quer como exigência da aliança das obras, quer como poder condenatório, visto haverem obtido completo perdão por todos os seus pecados. Cristo se fez maldição por eles, e, assim, removeu a pena do pecado. Mas, se é assim, por que Deus ainda julga necessário faze-los passar pela dolorosa experiência da morte? Por que simplesmente não os transfere de uma vez para o céu? Não se pode dizer que a destruição do corpo é absolutamente essencial para uma perfeita santificação, uma vez que isso é contraditado pelos exemplos de Enoque e Elias. Tampouco é satisfatório dizer que a morte liberta o crente dos males e sofrimentos da presente vida e dos estorvos do pó, livrando o espírito do grosseiro e carnal corpo atual. Deus poderia também realizar esta libertação por uma transformação súbita, como a que os santos vivos experimentarão por ocasião da parousia. É evidente que a morte dos crentes deve ser considerada como a culminação dos corretivos que Deus ordenou para a santificação do Seu povo. Conquanto a morte, em si mesma, continue sendo um verdadeiro mal natural para os filhos de Deus, uma coisa antinatural que, como tal, é temida por eles, na economia da graça se faz subserviente ao seu progresso espiritual e aos melhores interesses do reino de Deus. A própria idéia da morte, as aflições que cercam a morte, o sentimento de que as doenças são prenúncios da morte, e a consciência da aproximação da morte – tudo isso tem um efeito benéfico sobre o povo de Deus. Serve para humilhar os orgulhosos, para mortificar a carnalidade, para refrear o mundanismo e para fomentar a mentalidade espiritual. Na união mística com o seu Senhor, os crentes são levados a participar das experiências de Cristo. Justamente como Ele entrou em Sua glória pelo caminho dos sofrimentos e morte, eles também só podem tomar posse da sua herança eterna por meio da santificação. Muitas vezes a morte é a prova suprema do vigor da fé que há neles, e com freqüência provoca extraordinárias manifestações da consciência de vitória precisamente na hora da derrota aparente, 1 Pe 4.12, 13. Ela completa a santificação das almas dos crentes, de sorte que eles passam imediatamente a ser “espíritos dos justos aperfeiçoados”, Hb 12.23; Ap 21.27. Para os crentes, a morte não é o fim, mas o inicio de uma vida perfeita. Eles adentram a morte com a certeza de que o seu aguilhão já foi retirado, 1 Co 15.55, e de que ela é para eles a porta do céu. Eles dormem em Jesus, 1 Ts 4.14 (Almeida, Rev. e Corrigida; cf. também Ap 14.13), e sabem que até os seus corpos serão finalmente arrebatados do poder da morte, para estarem para sempre com o Senhor, Rm 8.11; 1 Ts 4.16, 17. Disse Jesus: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). E Paulo tinha a bem-aventurada consciência de que, para ele, o viver é Cristo, e o morrer era lucro. Daí, pôde ele entoar com jubilosas notas, no fim de sua carreira: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”, 2 Tm 4.7, 8.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual a idéia fundamental da concepção bíblica da morte? 2. A morte é apenas resultado natural do pecado, ou é uma positiva punição pelo pecado? 3. Se é punição, como se pode provar isto pela Escritura? 4. Em que sentido o homem, como foi criado por Deus, era mortal? Em que sentido era imortal? 5. Como se pode reprovar a posição dos pelagianos? 6. Em que sentido a morte realmente deixou de ser morte para os crentes? 7. A que propósito a morte atende em suas vidas? 8. Quando se põe fim total ao poder da morte para eles?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Dick, Lect. On Theol., p. 426-433; Dabney, Syst. and Polemic Theol., p. 817-821; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 536-540; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 569-573; Schmid, Dogm. Theol. of the Ev. Luth. Church, p. 626-631; Pope, Chr. Theol. III, p. 371-376; Valentine, Chr. Theol. II, p. 389-391; Hovey, Eschatology, p. 13-22; Dahle, Life After Death, p. 24-58; Kennedy, St. Paul’s Conception of the Last Things, p. 103-157; Strong, Syst. Theol., p. 982, 983; Pohle-Preuss, Eschatology, p. 5-17.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 674)

A Imortalidade da Alma

No capítulo anterior foi assinalado que a morte física é a separação de corpo e alma, e marca o fim da nossa presente existência física. Necessariamente envolve e resulta na decomposição do corpo. Marca o fim da nossa presente vida e o fim do “corpo natural”. Mas agora surge a questão: Que acontece com a alma? A morte física dá fim à sua vida, ou ela continuará a existir e a viver após a morte? Sempre foi firme convicção da igreja de Jesus Cristo que a alma continua a viver depois da sua separação do corpo. Esta doutrina da imortalidade da alma requer breve consideração nesta altura.
A. Diferentes Conotações do Termo “Imortalidade”.
Numa discussão da doutrina da imortalidade, deve-se ter em mente que o termo “imortalidade” nem sempre é empregado no mesmo sentido. São indispensáveis certas distinções para evitar confusão.
1. No sentido mais absoluto da palavra, só se atribui imortalidade a Deus. Paulo fala dele em 1 Tm 6.15, 16 como o “bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores: o único que possui imortalidade”. Isto não significa que nenhuma de Suas criaturas seja imortal nalgum sentido da palavra. Entendida naquele sentido irrestrito, esta palavra de Paulo ensinaria também que os anjos não são imortais, e certamente não é esta a intenção do apostolo. O sentido evidente da sua afirmação é que Deus é o único ser que possui imortalidade “como uma qualidade original, eterna e necessária”. Seja qual for a imortalidade que se possa atribuir a quaisquer criaturas suas, é dependente da vontade divina, é-lhes conferida, e, portanto, teve um começo. Deus, por outro lado, é necessariamente livre de todas as limitações temporais.
2. A imortalidade, no sentido de uma existência continuada ou sem fim, também é atribuída a todos os espíritos, a alma humana inclusive. Uma das doutrinas da religião ou filosofia natural é que, quando o corpo é dissolvido, a alma não comparte a sua dissolução, mas retém a sua identidade como um ser individual. Esta idéia da imortalidade da alma está em perfeita harmonia com o que a Bíblia ensina acerca do homem, mas a Bíblia, a religião e a teologia não estão interessadas primariamente nesta imortalidade puramente quantitativa e incolor – a pura e simples existência contínua da alma.
3. Ainda, o termo “imortalidade” é empregado na linguagem teológica para designar o estado do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes da decadência e da morte. Neste sentido da palavra, o homem era imortal antes da Queda. Esse estado evidentemente não excluía a possibilidade do homem se tornar sujeito à morte. Embora o homem, no estado de retidão, não estivesse sujeito à morte, estava propenso a essa sujeição. Era inteiramente possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da morte; e o fato é que ele caiu vítima dele.
4. Finalmente, a palavra “imortalidade” designa, especialmente na linguagem escatológica, o estado do homem no qual ele é impérvio à morte e não tem a mínima possibilidade de se tornar sua presa. Neste supremo sentido da palavra, o homem não era imortal em virtude da sua criação, apesar de ter sido criado à imagem de Deus. Esta imortalidade seria o resultado, se Adão tivesse cumprido a condição da aliança das obras, mas agora só pode resultar da obra de redenção, quando se completar na consumação.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 676)

Testemunho da Revelação Geral Quanto à Imortalidade da Alma

A pergunta de Jó, “Morrendo o homem porventura tornará a viver?” (Jó 14.14) é de interesse perene. E com ela sempre se repete a pergunta se os mortos voltarão a viver. A resposta a essa indagação sempre foi afirmativa. Conquanto os evolucionistas não possam admitir que a fé na imortalidade da alma é uma qualidade original do homem, não se pode negar que esta fé é pouco menos que universal e se encontra até nas formas inferiores de religião. Sob a influência do materialismo, muitos se inclinam a duvidar, e até a negar a vida futura do homem. Todavia, esta atitude negativa não é a que prevalece. Num recente simpósio sobre “imortalidade”, que inclui as idéias de cerca de cem homens representativos, as opiniões são praticamente unânimes em favor de uma vida futura. Os argumentos históricos e filosóficos em prol da imortalidade da alma não são absolutamente conclusivos, mas certamente são testemunhos importantes da existência continuada, pessoal e consciente do homem. São os seguintes:
1. ARGUMENTO HISTÓRICO. O consensus gentium (consenso dos povos) é tão forte com relação à imortalidade da alma, como com referencia à existência de Deus. Sempre houve eruditos descrentes que negavam a existência permanente do homem, mas em geral se pode dizer que a crença na imortalidade da alma se acha em todas as raças e nações, não importa seu estágio de civilização. Vê-se que uma noção tão comum só pode ser considerada como um instinto natural ou como algo envolvido na própria constituição da natureza humana.
2. ARGUMENTO METAFÍSICO. Este argumento se baseia na simplicidade (ontológica) da alma humana, e desta se infere a sua indissolubilidade. Na morte a matéria se dissolve em suas partes. Mas a alma, como uma entidade espiritual, não se compõe de várias partes, e, portanto, é incapaz de divisão ou dissolução. Conseqüentemente, a decomposição do corpo não leva consigo a destruição da alma. Mesmo quando aquele perece, esta permanece intacta. Este argumento é muito antigo, e já utilizado por Platão.
3. ARGUMENTO TEOLÓGICO. A impressão que se tem é que os seres humanos são dotados de capacidades quase infinitas que nunca se desenvolvem plenamente nesta vida. É como se, na maioria, os homens mal tenham começado a realizar algumas das grandes coisas às quais aspiram. Há idéias que não se concretizam, apetites e desejos não satisfeitos nesta existência, anseios e aspirações frustrados. Pois bem, argumenta-se que Deus não teria conferido aos homens essas habilidades e talentos só para faze-los fracassar em suas realizações, não teria dado aos corações esses desejos e aspirações só para decepciona-los. Ele deve ter providenciado uma existência futura, na qual a vida humana alcançara fruição real.
4. ARGUMENTO MORAL. A consciência humana atesta a existência de um Governante do universo que exerce justiça. Todavia, as exigências da justiça não são satisfeitas na presente vida. Há uma distribuição desigual e aparentemente injusta do bem e do mal. Muitas vezes os ímpios prosperam, aumentam suas riquezas, e gozam abundantemente dos prazeres da vida, enquanto que, freqüentemente, os justos vivem na pobreza, enfrentam penosos e humilhantes contratempos e padecem muitas aflições. Daí, deverá haver um futuro estado de existência no qual a justiça reinará suprema e as desigualdades do presente serão retificadas.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 677)

Testemunho da Revelação Especial Quanto à Imortalidade da Alma

As provas históricas e filosóficas da sobrevivência da alma não são absolutamente demonstrativas e, portanto, a ninguém compelem à crença. Para maior segurança nesta matéria, pe necessário dirigir os olhos da fé para a Escritura. Aqui também devemos firmar-nos na voz da autoridade. Ora, a posição da Escritura com respeito a esta questão pode, a princípio, parecer um tanto dúbia. Ela fala de Deus como o único que tem imortalidade (1 Tm 6.15), e nunca afirma isso a respeito do homem. Não há nenhuma menção explícita da imortalidade da alma, e muito menos qualquer tentativa de provar isso de maneira formal. Daí, os russelitas ou os da aurora do milênio freqüentemente desafiam os teólogos a indicarem uma única passagem em que a Bíblia ensine que a alma do homem é imortal. Mas, mesmo que a Bíblia não afirme explicitamente que a alma do homem é imortal, e não procure provar isso de maneira formal, como tampouco procura apresentar prova formal da existência de Deus, não significa que a Escritura o negue ou o contradite ou o ignore. Ela pressupõe claramente em muitas passagens que o homem continua sua existência consciente após a morte. De fato, ela trata da verdade da imortalidade do homem de modo muito parecido ao modo como trata de existência de Deus, isto é, ela a pressupõe como um postulado incontestável.
1. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO VELHO TESTAMENTO. Repetidamente se assevera que o Velho Testamento, particularmente o Pentateuco, não ensina, de modo nenhum, a imortalidade da alma. Ora, é mais que certo que essa grande verdade é revelada com menor clareza no Velho Testamento que no Novo; mas os fatos a respeito não autorizam a asserção de que ela está completamente ausente do Velho Testamento. É um fato bem conhecido e geralmente reconhecido que a revelação de Deus na Escritura é progressiva e aumenta gradativamente em clareza; e é evidente que a doutrina da imortalidade, no sentido de uma vida eterna e bem-aventurada, só poderia ser revelada em todos os seus aspectos depois da ressurreição de Jesus Cristo, que “trouxe à luz a vida e a imortalidade” 2 Tm 1.10. Mas, embora tudo isso seja verdade, não se pode negar que o Velho Testamento dá a entender a existência continuada e consciente do homem, quer no sentido de uma pura imortalidade ou sobrevivência da alma, quer no de uma bem-aventurada vida futura. Isso está implícito:
a. Em sua doutrina de Deus e do homem. As próprias raízes da esperança de Israel quanto à imortalidade estavam e sua crença em Deus como o seu Criador e Redentor, o Deus da Aliança, que nunca falharia com ele. Ele era para os israelitas o Deus vivo, eterno e fiel, em cuja comunhão eles encontravam alegria, vida, paz e perfeita satisfação. Teriam eles palpitado por Ele como palpitaram, ter-se-iam confiado a Ele completamente, na vida e na morte, e O teriam exaltado em seus cânticos como sua porção para sempre, se achassem que tudo que Ele lhes oferecia era apenas uma breve fração de tempo? Como poderiam auferir real consolo da redenção prometida por Deus, se considerassem a morte como o fim de sua existência? Além disso, o Velho Testamento descreve o homem como criado à imagem de Deus, criado para a vida, e não para a mortalidade. Em distinção dos animais irracionais, ele possui uma vida que transcende o tempo e já contém em si uma garantia de imortalidade. Foi criado para comunhão com Deus, é pouco menor do que os anjos, e Deus pôs a eternidade no seu coração, Ec 3.11.
b. Em sua doutrina do sheol. O Velho Testamento nos ensina que os mortos descem ao sheol. A discussão desta doutrina pertence ao capítulo subseqüente. Mas, seja qual for a interpretação válida do sheol veterotestamentário, e o que quer que se possa dizer da condição dos que descem para esse lugar, certamente este é descrito como um estado de existência mais ou menos consciente, embora não de bem-aventurança. O homem só entra no estado de perfeita bem-aventurança se libertado do sheol. Nesta libertação chegamos ao verdadeiro âmago da esperança veterotestamentária de uma imortalidade bem-aventurada. Isso é ensinado claramente em diversas passagens, como Sl 16.10; 49.14, 15.
c. Em suas freqüentes advertências contra a consulta aos mortos ou a “espíritos familiares” (segundo a versão utilizada pelo Autor, em todas as passagens abaixo citadas), isto é, pessoas que podiam invocar os espíritos dos mortos e comunicar as suas mensagens aos consulentes, Lv 19.31; 20.27; Dt 18.11; Is 8.19; 29.4. Não diz a Escritura que é impossível consultar os mortos, mas, antes, parece pressupor a possibilidade, condenando a prática.*
d. Em seus ensinamentos a respeito da ressurreição dos mortos. Esta doutrina não é ensinada explicitamente nos livros mais antigos do Velho Testamento. Contudo, Cristo assinala que ela foi ensinada implicitamente na declaração, “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”, Mt 22.32, cf. Êx 3.6, e repreende os judeus por não compreenderem as Escrituras sobre este ponto. Alem disso, a doutrina da ressurreição é ensinada explicitamente em passagens como Jó 19.23-27; Sl 16.9-11, 17.15; 49.15; 73.24; Is 26.19; Dn 12.2.
e. Em certas passagens notáveis do Velho Testamento, que falam da alegria do crente em comunhão com Deus depois da morte. Estas são, no mais importante, idênticas às passagens citadas no item anterior, quais sejam Jó 19.25-27; Sl 16.9-11; 17.15; 73.23, 24, 26. elas exalam a confiante expectação de venturas na presença de Jeová.**

2. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO NOVO TESTAMENTO. No Novo Testamento, depois que Cristo trouxe à luz a vida e a imortalidade, naturalmente as provas de multiplicam. Outra vez as passagens que as contêm podem ser divididas em várias classes como referentes:
a. À sobrevivência da alma. Ensina-se claramente uma existência continuada dos justos e dos ímpios. Que as almas dos crentes sobreviverão, vê-se de passagens como Mt 10.28; Lc 23.43; Jo 11.25, 26; 14.3; 2 Co 5.1; e várias outras passagens evidenciam muito bem que se pode dizer a mesma coisa das almas dos ímpios, Mt 11.21-24; 12.41; Rm 2.5-11; 2 Co 5.10.
b. À ressurreição pela qual o corpo também é levado a participar da existência futura. Para os crente, a ressurreição significa a redenção do corpo e a entrada na perfeita vida de comunhão com Deus, na plena bem-aventurança da imortalidade. Esta ressurreição é ensinada em Lc 20.35, 36; Jo 5.25-29; 1 Co 15; 1 Ts 4.16; Fp 3.21, e noutras passagens. Para os ímpios, a ressurreição também significará uma renovada e continuada existência do corpo, mas isto dificilmente poderá chamar-se vida. A Escritura a denomina morte eterna. A ressurreição dos ímpios é mencionada em Jo 5.29; At 24.15; Ap 20.12-15.
c. À vida bem-aventurada dos crentes, na comunhão com Deus. Há numerosas passagens no Novo Testamento que acentuam o fato de que a imortalidade dos crentes não é uma simples existência sem fim, mas uma encantadora vida de felicidade na comunhão com Deus e com Jesus Cristo, a pela fruição da vida que é implantada na alma enquanto ainda na terra. Dá-se clara ênfase a isso em passagens como Mt 13.43; 25.34; Rm 2.7, 10; 1 Co 15.49; Fp 3.21; 2 Tm 4.8; Ap 21.4; 22.3, 4.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 679)

A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO NOVO TESTAMENTO

No Novo Testamento, depois que Cristo trouxe à luz a vida e a imortalidade, naturalmente as provas de multiplicam. Outra vez as passagens que as contêm podem ser divididas em várias classes como referentes:
a. À sobrevivência da alma. Ensina-se claramente uma existência continuada dos justos e dos ímpios. Que as almas dos crentes sobreviverão, vê-se de passagens como Mt 10.28; Lc 23.43; Jo 11.25, 26; 14.3; 2 Co 5.1; e várias outras passagens evidenciam muito bem que se pode dizer a mesma coisa das almas dos ímpios, Mt 11.21-24; 12.41; Rm 2.5-11; 2 Co 5.10.
b. À ressurreição pela qual o corpo também é levado a participar da existência futura. Para os crente, a ressurreição significa a redenção do corpo e a entrada na perfeita vida de comunhão com Deus, na plena bem-aventurança da imortalidade. Esta ressurreição é ensinada em Lc 20.35, 36; Jo 5.25-29; 1 Co 15; 1 Ts 4.16; Fp 3.21, e noutras passagens. Para os ímpios, a ressurreição também significará uma renovada e continuada existência do corpo, mas isto dificilmente poderá chamar-se vida. A Escritura a denomina morte eterna. A ressurreição dos ímpios é mencionada em Jo 5.29; At 24.15; Ap 20.12-15.
c. À vida bem-aventurada dos crentes, na comunhão com Deus. Há numerosas passagens no Novo Testamento que acentuam o fato de que a imortalidade dos crentes não é uma simples existência sem fim, mas uma encantadora vida de felicidade na comunhão com Deus e com Jesus Cristo, a pela fruição da vida que é implantada na alma enquanto ainda na terra. Dá-se clara ênfase a isso em passagens como Mt 13.43; 25.34; Rm 2.7, 10; 1 Co 15.49; Fp 3.21; 2 Tm 4.8; Ap 21.4; 22.3, 4.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 679)

Objeções à Doutrina da Imortalidade Pessoal e Seus Modernos Substitutos

1. A PRINCIPAL OBJEÇÃO. A crença na imortalidade da alma sofreu declínio por algum tempo, sob a influencia de uma filosofia materialista. O principal argumento contra ela foi forjado nas oficinas da psicologia fisiológica, e corre mais ou menos como segue: A mente ou a alma não tem existência substancial independente, mas é simples produto ou função da atividade cerebral. O cérebro humano é a causa produtora dos fenômenos mentais, exatamente como o fígado é a causa produtora da bílis. A função não pode persistir quando o órgão decai. Quando o cérebro deixa de agir, o fluxo da vida mental pára.
2. SUBSTITUTOS DA DOUTRINA DA IMORTALIDADE PESSOAL. O desejo de imortalidade está implantado tão profundamente na alma humana que, mesmo os que aceitam os ditames de uma filosofia materialista, procuram algum tipo de substituto para a rejeitada noção da imortalidade pessoal da alma. Sua esperança quanto ao futuro assume uma das seguintes formas:
a. Imortalidade racial. Há os que se consolam com a idéia de que o individuo continuará a viver nesta terra em sua posteridade, em seus filhos e netos, até gerações intermináveis. O individuo busca compensação para a sua falta de esperança numa imortalidade pessoal na noção de que ele contribui com sua parte para a vida da raça e continuará vivendo nela. Mas a idéia de que o homem continua a viver em sua progênie, seja qual for a porção de verdade que contenha, dificilmente poderá servir de substituto da doutrina da imortalidade pessoal. Certamente não faz justiça aos dados da Escritura, e não satisfaz aos anseios mais profundos do coração humano.
b. Imortalidade de comemoração. De acordo com o positivismo, esta é a única imortalidade que devemos desejar e buscar. Cada qual deve ter em vista fazer alguma coisa para estabelecer um nome para si mesmo e que passe para os anais da história. Se o fizer, continuará a viver nos corações e mentes de uma posteridade agradecida. Isso também fica aquém da imortalidade pessoal que a Escritura nos leva a esperar. Além disso, é uma imortalidade da qual uns poucos participam. Os nomes da maioria dos homens não ficam registrados nas páginas da história, e muitos dos que estão registrados nas páginas da história, e muitos dos que estão registrados logo são esquecidos. E numa grande extensão se pode dizer que os melhores e os piores participam igualmente dela.
c. Imortalidade de influencia. Esta se relaciona de perto com a imediatamente anterior. Se o homem deixar sua marca na vida e realizar alguma coisa de valor duradouro, sua influencia continuará por muito tempo depois de sua partida. Jesus e Paulo, Agostinho e Tomaz de Aquino, Lutero e Calvino – todos eles estão bem vivos na influencia que até hoje exercem. Embora isto seja perfeitamente verdadeiro, esta imortalidade de influencia é apenas um pobre substituto da imortalidade pessoal. Todas as objeções levantadas contra a imortalidade de comemoração aplicam também a este caso.
3. RECUPERAÇÃO DA FÉ NA IMORTALIDADE. No presente, a interpretação materialista do universo está dando caminho a uma interpretação mais espiritual: e o resultado é que a fé na imortalidade pessoal voltou a obter apoio. Embora o doutor William James subscreva a fórmula, “O pensamento é uma função do cérebro”, nega que isto nos force logicamente a descrer da doutrina da imortalidade. Ele sustenta que esta conclusão dos cientistas se baseia na equivocada noção de que a função da qual aquela fórmula fala é necessariamente uma função produtiva, e assinala que também pode ser uma função permissiva ou transmissiva. O cérebro pode simplesmente transmitir, e na transmissão da cor, o pensamento, justamente como um vidro colorido, um prisma ou uma lente refratária, pode transmitir luz e ao mesmo tempo pode determinar sua cor e direção. A luz existe independentemente do vidro ou da lente; assim também o pensamento existe independentemente do cérebro. James chega à conclusão de que, pela estrita lógica, é possível crer na imortalidade. Alguns evolucionistas agora baseiam a doutrina da imortalidade condicional na luta pela existência. E cientistas como William James, Sir Oliver Lodge e James H. Hyslop, atribuem grande significação às supostas comunicações com os mortos. Com base nos fenômenos psíquicos, o primeiro inclinou-se a crer na imortalidade, enquanto que os outros dois a abraçaram como um fato estabelecido.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. A doutrina da imortalidade se acha no Pentateuco? 2. Que explica a relativa escassez de provas em seu favor no Velho Testamento? 3. Em que Platão baseou sua crença na imortalidade da alma? 4. Como Kant julgava os argumentos naturais comumente usados em prol da doutrina da imortalidade? 5. Há algum lugar para a crença na imortalidade pessoal, quer no materialismo, quer no panteísmo? 6. Por que a doutrina da “imortalidade social”, assim chamada, não satisfaz? 7. A imortalidade da alma, no sentido filosófico, é a mesma coisa que a vida eterna? 8. Como devemos julgar as supostas comunicações espíritas com os mortos?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 645-655; Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 3-24; Hodge, Syst., Theol. III, p. 713-730; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 817-823; Dick, Lect. On Theol., Lectures LXXX, LXXXI; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 535-548; Heagle, Do the Dead Still Live?; Dahl, Life After Death, p. 59-84; Salmond. Christian Doctrine of Immortality, cf. Índice; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 164-179; Brown, The Christian Hope, cf. Índice; Randall, The New Light on Immortality; Macintosh, Theology as an Empirical Science, p. 72-80; Althaus, Die Letzten Dinge, p. 1-76; A.G. James, Personal Immortality, p. 19-52; Rimmer, The Evidences for Immortality; Lawton, The Drama of Life After Death; Addison, Life Beyond Death, p. 3-132.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 681)

O Estado Intermediário

A. Conceito Bíblico de Estado Intermediário.
1. DESCRIÇÃO BÍBLICA DOS CRENTES ENTRE A MORTE E A RESSURREIÇÃO. A posição usual das igrejas reformadas (calvinistas) é que as almas dos crentes, imediatamente após a morte, ingressam nas glórias do céu. Em resposta à pergunta, “Que consolo te dá a ressurreição do corpo?”, o Catecismo de Heidelberg diz: “Que minha alma, após esta vida, não somente é levada de imediato a Cristo, sua Cabeça, mas também que este meu corpo, ressuscitado pelo poder de Cristo, se unirá de novo à minha alma e virá a ser como o corpo glorioso de Cristo”. A Confissão de Westminster fala com o mesmo espírito quando afirma que, na morte, “As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas na santidade, são recebidas no mais alto dos céus, onde vêem a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção dos seus corpos”. De modo similar, a Segunda Confissão Helvética declara: “Cremos que os fiéis, depois da morte física, vão diretamente para Cristo”. Vê-se que este conceito encontra ampla justificação na Escritura, e é bom tomar nota disto, visto que durante o ultimo quarto do século* alguns teólogos reformados (calvinistas) assumiram a posição de que os crentes, ao morrerem, entram num lugar intermediário e ali permanecem até o dia da ressurreição.
Todavia, a Bíblia ensina que a alma do crente, quando separada do corpo, entra na presença de Cristo. Diz Paulo, “estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor”, 2 Co 5.8. Aos filipenses ele escreve que o tem “o desejo de partir e estar com Cristo”, Fp 1.23. E Jesus deu ao malfeitor arrependido a jubilosa certeza, “Hoje estarás comigo no paraíso”, Lc 23.43. E estar com Cristo é também estar no céu. À luz de 2 Co 12.3, 4, “paraíso” só pode ser um designativo do céu. Além disso, Paulo afirma que, “se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus”, 2 Co 5.1. E o escritor de Hebreus anima os corações dos seus leitores com este pensamento, entre outros, que eles chegaram “à universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus”, Hb 12.22, 23. Que o estado futuro dos crentes, após a morte, merece muito maior preferência, comparado com o estado presente, vê-se claramente nas asserções de Paulo em 2 Co 5.8 e Fp 1.23, acima citadas. É um estado no qual os crentes estão verdadeiramente vivos e plenamente conscientes, Lc 16.19-31; 1 Ts 5.10; um estado de repouso e felicidade sem fim, Ap 14.13.
2. DESCRIÇÃO BÍBLICA DO ESTADO DOS ÍMPIOS ENTRE A MORTE E A RESSURREIÇÃO. Diz a Confissão de Westminster que as almas dos ímpios, após a morte, “soa lançadas no inferno, onde ficarão, em tormentos e em trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia final”. Ademais, acrescenta: “Além destes dois lugares (céu e inferno) destinados às almas separadas de seus respectivos corpos, as Escrituras não reconhecem nenhum outro lugar”. E a Segunda Confissão Helvética prossegue, depois da citação acima feita: “De modo semelhante, cremos que os incrédulos são precipitados no inferno, do qual não há retorno aberto para os ímpios, pois coisa alguma que os que vivem façam”. A única passagem que realmente pode ser focalizada aqui é a parábola do rico e Lázaro, em Lucas 16, onde hades denota inferno, o lugar de tormento eterno. O rico achou-se no lugar de tormento; sua condição é descrita como fixa para sempre; e ele estava cônscio da sua condição miserável, procurou lenitivo para a dor que estava sentindo, e mostrou desejo de que os seus irmãos fossem advertidos, para que evitassem semelhante condenação. Em acréscimo a essa prova direta, há também uma prova mediante dedução. Se os justos entram em seu estado eterno imediatamente, a pressuposição é que isso é igualmente verdadeiro quanto aos ímpios também. Deixamos fora de consideração aqui um par de passagens, de interpretação incerta, a saber, 1 Pe 3.19 e 2 Pe 2.9.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 683)

A Doutrina do Estado Intermediário na História

Nos primeiros anos da igreja cristã pouco se pensou num estado intermediário. A idéia de que Jesus logo voltaria como Juiz fazia o intervalo parecer pouco importante. O problema do estado intermediário surgiu quando se evidenciou que Jesus não voltaria de imediato. O verdadeiro problema que incomodava os chamados pais primitivos era sobre como conciliar o juízo e a retribuição na morte com o juízo geral e a retribuição após a ressurreição. Atribuir demasiada importância àqueles parecia privar estes da sua significação, e vice-versa. Não havia unanimidade entre os chamados pais primitivos da igreja, mas a maioria deles procurava resolver a dificuldade supondo um estado distinto e intermediário entre a morte e a ressurreição. Diz Addison: “Durante muitos séculos, foi geralmente aceita a conclusão geral de que num hades subterrâneo os justos gozam certa medida de recompensa, não igual ao seu futuro céu, e os ímpios sofrem certo grau de punição, não igual ao seu futuro inferno. Assim, o estado intermediário era uma versão ligeiramente reduzida da retribuição ultima”. Este conceito foi defendido, embora com algumas variantes, por homens como Justino Mártir, Irineu, Tertuliano, Novaciano, Orígenes, Gregório de Nyssa, Ambrósio e Agostinho. Na escola Alexandrina, a idéia do estado intermediário cedeu passo à de uma gradual purificação da alma, isto é, no transcurso do tempo, preparou o caminho para a doutrina católica romana do purgatório. Havia, porém, alguns que apoiavam a idéia de que, na morte, as almas dos justos entravam imediatamente no céu; entre eles estavam Gregório de Nazianzo, Eusébio e Gregório, o Grande.
Na Idade Média a doutrina de um estado intermediário foi conservada, e, em conexão com ela, a Igreja Católica Romana desenvolveu a doutrina do purgatório. A opinião dominante era que o inferno recebia imediatamente as almas dos ímpios, mas que somente as dos justos que estivessem livres de toda mácula do pecado eram admitidos imediatamente na bem-aventurança do céu, para desfrutarem o visio Dei (visão de Deus). Os mártires eram geralmente contados entre os poucos favorecidos. Os que precisavam de ulterior purificação eram, segundo o conceito predominante, detidos no purgatório por um menor ou maior período de tempo, conforme o exigisse o grau de pecado restante, e eram purgados do pecado por meio de um fogo purificador. Outra idéia, que também se desenvolveu em conexão com a noção do estado intermediário, era a do limbus patrum (limbo dos pais), onde os santos do Velho Testamento ficaram retidos até à ressurreição de Cristo. Os Reformadores, sem exceção, rejeitaram a doutrina do purgatório, e também toda a idéia de um real estado intermediário, que levava consigo a idéia de um lugar intermediário. Eles sustentavam que os que morriam no Senhor ingressavam imediatamente na bem-aventurança do céu, ao passo que os que morriam em seus pecados desciam imediatamente para o inferno. Contudo, alguns teólogos do período da Reforma admitiam uma diferença de grau entre a felicidade dos primeiros e o julgamento dos últimos, antes do juízo final, e sua felicidade e punição finais, depois do grande tribunal. Entre os socinianos e ao anabatistas houve alguns que reviveram a antiga doutrina, sustentada por alguns da Igreja Primitiva, de que a alma do homem dorme desde a hora da morte até à ressurreição. Calvino escreveu um tratado para combater essa idéia. A mesma noção é defendida por algumas seitas adventistas e pelos da aurora do milênio. Durante o século dezenove, vários teólogos, principalmente na Inglaterra, na Suíça e na Alemanha, abraçaram a idéia de que o estado intermediário é um estado de nova prova (ou de segunda oportunidade) para os que não aceitam a Cristo nesta vida. Este conceito é defendido por alguns até aos dias atuais, e é uma das doutrinas favoritas dos universalistas.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 684)

A Construção Moderna da Doutrina do Sheol-Hades

1. EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. Há diversas representações da concepção bíblica do sheol-hades na teologia atual, e é deveras impossível considerar cada uma delas separadamente. Predomina no presente a idéia de que a concepção veterotestamentária do sheol, à qual se supõe que a do hades do Novo Testamento corresponde, foi copiada da noção gentílica do mundo subterrâneo. Afirma-se que, de acordo com o Velho Testamento, tanto os fiéis como os ímpios, ao morrerem, entram na lúgubre morada das sombras, na terra do esquecimento, onde estão condenados a uma existência que não passa de um fantasioso reflexo da vida na terra. O mundo subterrâneo não é, em si mesmo, um lugar de recompensa, nem de punição. Não está dividido em diferentes compartimentos para os bons e os maus, mas é uma região sem distinções morais. É um lugar de consciências enfraquecidas e sonolenta inatividade, onde a vida perdeu os seus interesses e a alegria da vida se transformou em tristeza. Alguns são de opinião que o Velho Testamento apresenta o sheol como habitação permanente de todos os homens, enquanto outros acham que ele oferece uma esperança de fuga aos fiéis. Ocasionalmente encontramos uma apresentação um tanto diversa da concepção veterotestamentária, na qual o sheol e descrito como dividido em dois compartimentos, quais sejam, o paraíso e a geena, aquele contendo todos os judeus, ou unicamente aqueles que observaram fielmente a lei, e esta abrangendo os gentios. Os judeus serão libertados do sheol quando da vinda do Messias, enquanto que os gentios permanecerão para sempre na habitação das trevas. A contraparte neotestamentária dessa concepção do sheol acha-se em sua descrição do hades. Não se afirma apenas que os hebreus agasalhavam a noção desse mundo subterrâneo, nem que os escritores bíblicos ocasionalmente se acomodavam formalmente, em suas exposições, aos conceitos dos gentios, a respeito dos quais falavam; mas, sim, que este é o conceito escriturístico do estado intermediário.
2. CRÍTICA DESSA APRESENTAÇÃO MODERNA. No abstrato é possível, naturalmente, que a idéia dessa localidade separada, que não é céu nem inferno, na qual os mortos são reunidos e onde permanecem, ou permanentemente, ou até que ocorra alguma ressurreição comunal, fosse mais ou menos corrente no pensamento popular hebraico, e pode ter dado surgimento a algumas descrições figuradas do estado dos mortos; mas, dificilmente isso pode ser considerado, pelos que crêem na inspiração plenária da Bíblia, como um elemento dos ensinos positivos da Escritura, desde que contradiz francamente a apresentação escriturística segundo a qual os justos entram imediatamente na glória, e os ímpios descem imediatamente para um lugar de punição eterna. Além disso, podem ser feitas as seguintes considerações contra essa idéia:
a. Surge a questão sobre se o conceito do sheol-hades¬, tão geralmente considerado agora como escriturístico, é fiel aos fatos ou não. Se foi fiel aos fatos na ocasião em que os livros da Bíblia foram escritos, mas não é mais fiel aos fatos atuais, levanta-se naturalmente a questão, Que foi que produziu a diferença? E se não foi fiel aos fatos, mas era um conceito decididamente falso – e esta é a opinião dominante – surge logo o problema de como essa idéia errônea pôde ser protegida e sancionada, e até ensinada positivamente pelos escritores inspirados da Escritura. O problema não é abrandado pela consideração, feita por alguns, de que a inspiração da Escritura não leva consigo a segurança de que os santos do Velho Testamento estavam certos quando diziam que, quando morrem, os homens entram num lugar subterrâneo, porque não somente esses santos, mas também os escritores inspirados da Escritura empregavam linguagem que, em si mesma e independentemente doutros ensinos claros da Escritura, podia ser interpretada dessa maneira, Nm 16.30; Sl 49.15, 16; 88.3; 89.48; Ec 9.10; Is 5.14; Os 13.14. Esses escritores inspirados laboravam em erro quando falaram que tanto os justos como os ímpios desciam para o sheol? Pode-se dizer que houve um desenvolvimento da revelação a respeito do destino do homem, e não temos motivos para duvidar de que neste ponto, como em muitos outros, aquilo era obscuro, aos poucos foi ganhando definição e clareza; mas certamente isto não significa que o verdadeiro resultou do desenvolvimento do falso. Como poderia? O Espírito Santo consideraria válido que o homem recebesse primeiro impressões falsas o obtivesse noções errôneas e depois, com o transcorrer do tempo, as trocasse por uma percepção correta da condição dos mortos?
b. Se, conforme a exposição bíblica, o sheol-hades é um lugar neutro, sem distinções morais, sem bem-aventurança por um lado, mas também sem positivo sofrimento por outro, lugar ao qual todos descem igualmente, como pode o Velho Testamento falar da descida dos ímpios ao sheol em termos de advertência, como o faz em diversas passagens, como Jó 21.13; Sl 9.17; Pv 5.5; 7.27; 9.18; 5.24; 23.4? Como pode a Bíblia falar da ira de Deus ardendo ali, Dt 32.22, e empregar o termo sheol como sinônimo de abaddon, isto é destruição, Jó 26.6; Pv 15.11; 27.20? Este termo é um forte, aplicado ao anjo do abismo em Ap 9.11. Alguns procuram escapar desta dificuldade concedendo o caráter neutro de sheol e supondo que este era concebido como um mundo subterrâneo com duas divisões, chamadas no Novo Testamento paraíso e geena, aquele sendo a habitação destinada aos justos, e esta, aos ímpios; mas essa tentativa só pode resultar em desapontamento; pois o Velho Testamento não contém nenhum vestígio de tal divisão, conquanto fale do sheol como um lugar de punição para os ímpios. Além disso, o Novo Testamento identifica claramente o paraíso como o céu em 2 Co 12.2, 4. E, finalmente, se hades é o designativo neotestamentário de sheol, e tudo converge para isto, em que fica a condenação especial de Cafarnaum, Mt 11.23, e como pode ele ser retratado como um lugar de tormento, Lc 16.23? Alguém poderia estar inclinado a dizer que as ameaças contidas nalgumas das passagens mencionadas se referem a uma rápida descida ao sheol, mas não há indicação dito o texto em nenhum lugar, exceto em Jó 21.13, onde a afirmação disto é explícita.
c. Se uma descida ao sheol fosse a sombria perspectiva do futuro, não somente dos ímpios mas também dos justos como poderíamos explicar as expressões de jubilosa expectativa, ou de alegria em face da morte, como as que vemos em Nm 23.10; Sl 1.9, 11; 17.15; 49.15; 73.24, 26; Is 25.8 (comp. 1 Co 15.54)? A expressão do Sl 49.15 pode ser interpretada no sentido de que Deus livrará o poeta do sheol ou do poder do sheol. Observe-se também o que o escritor de Hebreus diz dos heróis da fé veterotestamentários, em Hb 11.13-16. Naturalmente, o Novo Testamento fala muitas vezes da jubilosa perspectiva que os crentes têm do futuro, e ensina sobre a sua felicidade consciente no estado desencarnado, Lc 16.23, 25; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.1, 6, 8; Fp 1.21,23; 1 Ts 5.10; Ef3.14, 15 (“família... no céu”, não no “hades”); Ap. 6.9, 11; 14.13. Em 2 Co 12.2, 4 “paraíso” é empregado como sinônimo de “terceiro céu”. Em conexão com esta clara apresentação dada pelo Novo Testamento, tem-se sugerido que os crentes neotestamentários são mais privilegiados que os veterotestamentários por terem acesso imediato à bem-aventurança do céu. Mas bem se pode perguntar: Qual a base para se pressupor essa diferença?
d. Se a palavra sheol sempre denota a sombra região na qual descem os mortos, e nunca tem outro significado, então o Velho Testamento, enquanto tem uma palavra para indicar o céu como a bendita habitação de Deus e dos santos anjos, não tem uma palavra referente ao inferno, o lugar de destruição e de castigo eterno. Mas é somente com base no pressuposto de que nalgumas passagens sheol designa um lugar de punição para onde os ímpios vão, em distinção dos justos, que as advertências anotadas no item (b) têm alguma razão de ser. De fato, sheol às vezes é contrastado com shamayim (céus), como em Jó 11.8; Sl 139.8; Am 9.2. A Escritura fala também do sheol mais profundo ou inferior em Dt 32.22. A mesma expressão se acha também no Sl 86.13, mas é evidente que nesta passagem é empregada figuradamente.
e. Finalmente, deve-se notar que havia diferenças de opinião entre os eruditos quanto ao sujeito exato da descida ao sheol e, de alguma forma obscura, continua a sua existência num mundo de sombras, onde as relações da vida ainda refletem as da terra. Esta descrição parece estar em maior harmonia com as afirmações da Escritura, Gn 37.35; Jó 7.9; 14.13; 21.13; Sl 139.8; Ec 9.10. Há alguns que assinalam o fato de que o corpo está incluído. Há perigo de que as “cãs” de Jacó sejam baixadas ao sheol, Gn 42.38; 44.29, 31; Samuel é visto subir como um ancião envolto numa capa, 1 Sm 28.14; e as “cãs” de Simei deverão ser baixadas ao sheol, 1 Rs 2.6,9. Mas, se o sheol é um lugar para onde vão todos os mortos, corpo e alma, o que então é posto no túmulo, que se supõe ser outro lugar? Esta dificuldade é evitada por aqueles eruditos que afirmam que somente as almas descem ao sheol, mas dificilmente se pode dizer que isso está em harmonia com as descrições do Velho Testamento. É verdade que há umas poucas passagens que falam de almas indo para o sheol ou estando lá, Sl 16.10; 30.3; 86.13; 89.48; Pv 23.14, mas é um fato bem conhecido que em hebraico a palavra nephesh (alma), com o sufixo pronominal, é muitas vezes equivalente ao pronome pessoal, principalmente na linguagem poética. Alguns teólogos conservadores adotaram esta elaboração da apresentação veterotestamentária, e encontraram nela um ponto de apoio para a sua idéia de que as almas dos homens estão nalgum lugar intermediário (todavia, um lugar com distinções morais e divisões separadas), até o dia da ressurreição.
3. INTERPRETAÇÃO DE SHEOL-HADES AQUI SUGERIDA. De maneira nenhuma é fácil interpretar estes termos, e, ao sugerir uma interpretação, não queremos dar a impressão de que estamos falando com absoluta segurança. Um estudo indutivo das passagens nas quais se encontram, logo dissipa a noção de que os termos sheol e hades são empregados sempre no mesmo sentido e em todos os casos podem ser traduzidos pela mesma palavra, seja mundo inferior, estado dos mortos, sepultura ou inferno. Isso também se reflete claramente nas várias traduções da Bíblia. A Versão de Holland traduz o termo sheol por sepultura nalgumas passagens, e por inferno noutras. A Versão do Rei Tiago, ou Versão Autorizada (King James ou Authorized Version) emprega três palavras para a sua tradução, a saber, sepultura, inferno e cova (grave, hell e pit). Os revisores ingleses, deveras incoerentemente, conservaram sepultura ou cova no texto dos livros históricos, colocando sheol na margem. Mantiveram somente em Is 14. Os revisores americanos evitaram a dificuldade simplesmente mantendo os vocábulos originais sheol e hades em sua tradução.* Embora tenha alcançado ampla circulação a opinião de que o sheol é simplesmente o mundo inferior ao qual os homens descem, de modo nenhum esta idéia é unânime. Alguns dos eruditos mais antigos identificavam o sheol com a sepultura; há outros que o consideram como o lugar onde são retidas as almas dos mortos; e ainda outros, dentre os quais podemos mencionar Shedd, Vos, Aalders e De Bondt, afirmam que a palavra sheol nem sempre tem o mesmo sentido. Parece-nos que esta ultima opinião merece preferência, e que se pode dizer o seguinte, a respeito dos seus diferentes sentidos:
a. Nem sempre as palavras sheol e hades denotam uma localidade, na Escritura, mas muitas vezes são empregadas num sentido abstrato, para designar o estado de morte, o estado de separação de corpo e alma. Com freqüência, este estado é concebido localmente como constituindo os domínios da morte, e às vezes é retratado como uma fortaleza guarnecida de portas que somente quem lhes possui as chaves pode fechar e abrir, Mt 16.18; Ap. 1.18. Com toda a probabilidade, esta descrição local se baseia numa generalização da idéia do sepulcro, ao qual o homem desce quando entra no estado de morte. Desde que tanto os crentes como os descrentes, ao término da sua vida, entram no estado de morte, bem se pode dizer, figuradamente, que eles estão, sem distinção, no sheol ou no hades. Estão igualmente no estado de morte. O paralelismo demonstra claramente o que se quer dizer numa passagem como 1 Sm 2.6: “O Senhor é o que tira a vida, e a dá; faz descer à sepultura (ao sheol), e faz subir”. CF. também Jó 14.13, 14; 17.13, 14; Sl 89.48; Os 13.14, e várias outras passagens. Evidentemente, a palavra hades é empregada mais de uma vez no sentido não local de estado dos mortos no Novo Testamento, At 2.27, 31; Ap. 6.8; 20.28. Nestas duas ultimas passagens temos uma personificação. Visto que os termos podem denotar o estado de morte, não é necessário provar que nunca se referem a algo concernente igualmente aos justos e aos ímpios, mas somente que não denotam um lugar onde as almas de uns e de outros são reunidas. De Bondt chama a atenção para o fato de que em muitas passagens o termo sheol é empregado no sentido abstrato de morte, poder da morte e perigo da morte.
b. Quando sheol e hades designam uma localidade no sentido literal da palavra, referem-se, ou àquilo que geralmente denominamos inferno, ou à sepultura. A descida ao sheol é apresentada como uma ameaça de perigo e como um castigo para os ímpios, Sl 9.17; 49.14; 55.15; Pv 15.11; 15.24; Lc 16.23 (hades). A advertência e a ameaça contidas nestas passagens ficarão completamente anuladas, se se conhecer sheol como um lugar neutro para onde todos vão. Destas passagens também se infere que não pode ser considerado como um lugar de duas divisões. A idéia de um tal sheol dividido é copiada da concepção gentílica do mundo subterrâneo e não encontra suporte na Escritura. É somente do sheol como estado de morte que podemos falar que tem duas divisões, mas então falamos figuradamente. Mesmo o Velho Testamento atesta que os que morrem no Senhor entram num gozo mais completo das bênçãos da salvação e, portanto, não descem a nenhum mundo subterrâneo, no sentido literal da palavra, Nm 23.5, 10; Sl 16.11; 17.15; 73.24; Pv 14.32. Enoque e Elias foram levados para cima, e não desceram a algum mundo inferior, Hb 11.5 e segtes. Ademais, sheol, não meramente como um estado, mas também como um lugar, é considerado como estando na mais estreita relação com a morte. Se a concepção bíblica da morte for compreendida em sua significação profunda, em sua significação espiritual, prontamente se verá que o sheol não pode ser a morada das almas dos que morrem no Senhor, Pv 5.5; 15.11; 27.20.
Há também diversas passagens nas quais sheol e hades parecem designar a sepultura. Nem sempre é fácil determinar, porém, se as palavras se referem à sepultura ou ao estado dos mortos. As seguintes passagens são algumas das que entram em consideração aqui: Gn 37.25; 42.38; 44.29; 29.31; 1 Rs 2.6, 9; Jó 14.13; 17.13; 21.13; Sl 6.5; 88.3; Ec 9.10. Mas, embora o nome sheol também seja empregado para sepultura, não se segue necessariamente que este é o sentido original da palavra, do qual o seu emprego para designar o inferno é copiado. Com toda a probabilidade, a verdade é o oposto. A sepultura é chamada sheol porque simboliza a ida para baixo, que é relacionada com a idéia de destruição. Quanto aos crentes, o simbolismo bíblico é mudado pela própria Escritura. Paulo afirma que eles são sepultados quando morrem, como uma semente é semeada na terra, da qual brota uma vida nova, mais abundante, mais gloriosa.
No Velho Testamento a palavra sheol é utilizada mais freqüentemente no sentido de sepultura e menos no de inferno, enquanto que no uso correspondente de hades no Novo Testamento dá-se o contrário.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg689)

A Doutrina Católica Romana a Respeito do Domicilio da Alma Depois da Morte

1. PURGATÓRIO. De acordo com a igreja de Roma, as almas dos que são perfeitamente puros por ocasião da morte são imediatamente admitidos no céu ou na visão beatífica de Deus, Mt 25.46; Fp 1.23; mas os que não se acham perfeitamente purificados, que ainda levam sobre si a culpa de pecados veniais e não sofreram o castigo temporal devido aos seus pecados – e esta é a condição da maioria dos fiéis quando morrem – têm que se submeter a um processo de purificação, antes de poderem entrar nas supremas alegrias e bem-aventurança do céu. Em vez de entrarem imediatamente no céu, entram no purgatório.
O purgatório não é um lugar de prova (ou de segunda oportunidade), mas de purificação e de preparação para as almas dos crentes que têm a segurança de uma entrada final no céu, mas ainda não estão prontas para apossar-se da felicidade da visão beatífica. Durante a estada dessas almas no purgatório, elas sofrem a dor da perda, isto é, a angústia resultante do fato de que estão excluídas da bendita visão de Deus, e também padecem “castigo dos sentidos”, isto é, sofrem dores positivas, que afligem a alma. A extensão da sua permanência no purgatório não pode ser determinada de antemão. A duração, como também a intensidade dos seus sofrimentos, variam de acordo com o grau de purificação ainda necessitado. Elas podem ser abreviadas e aliviadas pelas orações e boas obras dos fiéis na terra, e especialmente pelo sacrifício da missa. É possível que alguém fique no purgatório até ao dia do juízo final. Supõe-se que o papa tem jurisdição sobre o purgatório. É sua prerrogativa peculiar conceder indulgências, abrandar os sofrimentos purgatoriais e até acabar com eles.
O principal apoio para esta doutrina acha-se em 2 Macabeus 12.42-45, e, portanto, num livro não reconhecido como canônico pelos protestantes.* Mas esta passagem prova demais, isto é, mais do que os próprios católicos romanos podem admitir coerentemente, a saber, a possível libertação do purgatório, de soldados que tinham morrido no pecado mortal da idolatria.
Também se supõe que certas passagens favorecem essa doutrina, como Is 4.4; Mq 7.8; Zc 9.11; Ml 3.2, 3; Mt 12.32; 1 Co 3.13-15; 15.29. Contudo, é mais que evidente que essas passagens só podem ser levadas a dar suporte à doutrina do purgatório mediante uma exegese forçada. A doutrina não acha suporte nenhum na Escritura, e, além disso, firma-se em várias premissas falsas, tais como: (a) que devemos acrescentar algo à obra realizada por Cristo; (b) que as nossas boas obras são meritórias no sentido estrito da palavra; (c) que podemos realizar obras de supererrogação, obras que excedem o que o dever manda; e (d) que o poder das chaves, que a igreja detém, é absoluto, num sentido judicial. Segundo esse poder, a igreja pode encurtar, suavizar e até mesmo terminar os sofrimentos do purgatório.

2. O LIMBUS PATRUM. A palavra latina limbus (orla, borda) era empregada na Idade Média para denotar dois lugares na orla ou na borda do inferno, a saber, o limbus patrum (dos pais) e o limbus infantum (das crianças). Aquele era o lugar onde, segundo os ensinos de Roma, as almas dos santos do Velho Testamento ficaram detidos, num estado de expectativa, até a ressurreição do Senhor dentre os mortos. Supõe-se que, após Sua morte na cruz, Cristo desceu ao lugar de habitação dos pais para livra-los do seu confinamento temporário e levá-los em triunfo para o céu. Esta é a interpretação católica romana da descida de Cristo ao hades. O hades é considerado como o lugar de habitação dos espíritos dos mortos, tendo duas divisões, uma para os justos e a outra para os ímpios. A divisão habitada pelos espíritos dos justos era o limbus patrum, que os judeus conheciam como seio de Abraão, Lc 16.23, e paraíso, Lc 23.43. Afirma-se que o céu não foi aberto para nenhum homem, enquanto Cristo não realizou a propiciação pelo pecado do mundo.

3. O LIMBUS INFANTUM. Este é o lugar de habitação das almas de todas as crianças não batizadas, independentemente de sua descendência, que de pagãos, quer de cristãos. De acordo com a Igreja Católica Romana, as crianças não batizadas não podem ser admitidas no céu, não podem entrar no reino de Deus, Jo 3.5. Sempre houve natural repugnância, porém, pela idéia de que essas crianças devem ser torturadas no inferno, e os teólogos católicos romanos procuraram um meio de escapar da dificuldade. Alguns achavam que tais crianças talvez sejam salvas pela fé dos pais, e outros, que Deus pode comissionar os anjos para batiza-las. Mas a opinião predominante é que, embora excluídas do céu, é-lhes destinado um lugar situado nas bordas do inferno, aonde não chegam as chamas terríveis. Elas permanecem nesse lugar para sempre, sem nenhuma esperança de livramento. A igreja de Roma jamais definiu a doutrina do limbus infantum, e as opiniões dos teólogos variam quanto às precisas condições das crianças ali confinadas. Todavia prevalece a opinião de que elas não sofrem nenhuma punição positiva, nenhuma “dor dos sentidos”, mas simplesmente estão excluídas das bênçãos do céu. Elas conhecem e amam a Deus pelo uso das suas faculdades naturais, e gozam completa felicidade natural.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 691)

PURGATÓRIO

De acordo com a igreja de Roma, as almas dos que são perfeitamente puros por ocasião da morte são imediatamente admitidos no céu ou na visão beatífica de Deus, Mt 25.46; Fp 1.23; mas os que não se acham perfeitamente purificados, que ainda levam sobre si a culpa de pecados veniais e não sofreram o castigo temporal devido aos seus pecados – e esta é a condição da maioria dos fiéis quando morrem – têm que se submeter a um processo de purificação, antes de poderem entrar nas supremas alegrias e bem-aventurança do céu. Em vez de entrarem imediatamente no céu, entram no purgatório.
O purgatório não é um lugar de prova (ou de segunda oportunidade), mas de purificação e de preparação para as almas dos crentes que têm a segurança de uma entrada final no céu, mas ainda não estão prontas para apossar-se da felicidade da visão beatífica. Durante a estada dessas almas no purgatório, elas sofrem a dor da perda, isto é, a angústia resultante do fato de que estão excluídas da bendita visão de Deus, e também padecem “castigo dos sentidos”, isto é, sofrem dores positivas, que afligem a alma. A extensão da sua permanência no purgatório não pode ser determinada de antemão. A duração, como também a intensidade dos seus sofrimentos, variam de acordo com o grau de purificação ainda necessitado. Elas podem ser abreviadas e aliviadas pelas orações e boas obras dos fiéis na terra, e especialmente pelo sacrifício da missa. É possível que alguém fique no purgatório até ao dia do juízo final. Supõe-se que o papa tem jurisdição sobre o purgatório. É sua prerrogativa peculiar conceder indulgências, abrandar os sofrimentos purgatoriais e até acabar com eles.
O principal apoio para esta doutrina acha-se em 2 Macabeus 12.42-45, e, portanto, num livro não reconhecido como canônico pelos protestantes.* Mas esta passagem prova demais, isto é, mais do que os próprios católicos romanos podem admitir coerentemente, a saber, a possível libertação do purgatório, de soldados que tinham morrido no pecado mortal da idolatria.
Também se supõe que certas passagens favorecem essa doutrina, como Is 4.4; Mq 7.8; Zc 9.11; Ml 3.2, 3; Mt 12.32; 1 Co 3.13-15; 15.29. Contudo, é mais que evidente que essas passagens só podem ser levadas a dar suporte à doutrina do purgatório mediante uma exegese forçada. A doutrina não acha suporte nenhum na Escritura, e, além disso, firma-se em várias premissas falsas, tais como: (a) que devemos acrescentar algo à obra realizada por Cristo; (b) que as nossas boas obras são meritórias no sentido estrito da palavra; (c) que podemos realizar obras de supererrogação, obras que excedem o que o dever manda; e (d) que o poder das chaves, que a igreja detém, é absoluto, num sentido judicial. Segundo esse poder, a igreja pode encurtar, suavizar e até mesmo terminar os sofrimentos do purgatório.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 690)

O LIMBUS PATRUM

A palavra latina limbus (orla, borda) era empregada na Idade Média para denotar dois lugares na orla ou na borda do inferno, a saber, o limbus patrum (dos pais) e o limbus infantum (das crianças). Aquele era o lugar onde, segundo os ensinos de Roma, as almas dos santos do Velho Testamento ficaram detidos, num estado de expectativa, até a ressurreição do Senhor dentre os mortos. Supõe-se que, após Sua morte na cruz, Cristo desceu ao lugar de habitação dos pais para livra-los do seu confinamento temporário e levá-los em triunfo para o céu. Esta é a interpretação católica romana da descida de Cristo ao hades. O hades é considerado como o lugar de habitação dos espíritos dos mortos, tendo duas divisões, uma para os justos e a outra para os ímpios. A divisão habitada pelos espíritos dos justos era o limbus patrum, que os judeus conheciam como seio de Abraão, Lc 16.23, e paraíso, Lc 23.43. Afirma-se que o céu não foi aberto para nenhum homem, enquanto Cristo não realizou a propiciação pelo pecado do mundo.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 690)

O LIMBUS INFANTUM

Este é o lugar de habitação das almas de todas as crianças não batizadas, independentemente de sua descendência, que de pagãos, quer de cristãos. De acordo com a Igreja Católica Romana, as crianças não batizadas não podem ser admitidas no céu, não podem entrar no reino de Deus, Jo 3.5. Sempre houve natural repugnância, porém, pela idéia de que essas crianças devem ser torturadas no inferno, e os teólogos católicos romanos procuraram um meio de escapar da dificuldade. Alguns achavam que tais crianças talvez sejam salvas pela fé dos pais, e outros, que Deus pode comissionar os anjos para batiza-las. Mas a opinião predominante é que, embora excluídas do céu, é-lhes destinado um lugar situado nas bordas do inferno, aonde não chegam as chamas terríveis. Elas permanecem nesse lugar para sempre, sem nenhuma esperança de livramento. A igreja de Roma jamais definiu a doutrina do limbus infantum, e as opiniões dos teólogos variam quanto às precisas condições das crianças ali confinadas. Todavia prevalece a opinião de que elas não sofrem nenhuma punição positiva, nenhuma “dor dos sentidos”, mas simplesmente estão excluídas das bênçãos do céu. Elas conhecem e amam a Deus pelo uso das suas faculdades naturais, e gozam completa felicidade natural.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 691)

O Estado da Alma Depois da Morte, Um Estado de Existência Consciente

1. O ENSINO DA ESCRITURA SOBRE ESTE PONTO. Tem-se levantado a questão dobre se, após a morte, a alma continua ativamente consciente e é capaz de ação racional e religiosa. Por vezes isso tem sido negado, sobre a base geral de que a alma, em sua atividade consciente, depende do cérebro e, portanto, não pode continuar a funcionar quando o cérebro é destruído. Mas, como já foi assinalado anteriormente (III.D), a validade desse argumento pode ser posta em dúvida. “Ele se baseia”, para usar as palavras de Dahle, “no erro de confundir o operário com a sua máquina”. Do fato de que a consciência humana, na presente vida, transmite os seus efeitos pelo cérebro, não se segue necessariamente que não possa agir de nenhum outro modo. Ao argumentarmos a favor da existência consciente da alma depois da morte, não nos apoiamos nos fenômenos do espiritismo dos dias atuais, e nem mesmo dependemos de argumentos filosóficos, embora estes não sejam destituídos de força. Buscamos nossas provas na Palavra de Deus, e particularmente no Novo Testamento. O rico e Lázaro participam de uma conversação, Lc 16.19-31. Paulo descreve o estado desencarnado como “habitar com o Senhor”, e como uma coisa preferível à vida presente, 2 Co 5.6-9; Fp 1.23. Decerto que dificilmente ele falaria dessa maneira acerca de uma existência inconsciente, que seria uma virtual não existência. Em Hb 12.23 se diz que os crentes têm chegado “aos espíritos dos justos aperfeiçoados”, o que certamente implica sua existência consciente. Além disso, os espíritos debaixo do altar clamam por vingança contra os perseguidores da igreja, Ap 6.9, e se afirma que as almas dos mártires reinam com Cristo, Ap 20.4. Esta verdade da existência consciente da alma depois da morte tem sido negada em mais de uma forma.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 691)

A DOUTRINA DO SONO DA ALMA (PSICOPANIQUIA)

a. Exposição da doutrina. Esta é uma das formas em que a existência consciente da alma depois da morte é negada. Ela afirma que, depois da morte, a alma continua a existir como um ser espiritual individual, mas num estado de repouso inconsciente. Eusébio faz menção de uma pequena seita da Arábia que tinha esse conceito. Durante a Idade Média havia bem poucos dos chamados psicopaniquianos, e na época da Reforma esse erro era defendido por alguns anabatistas. Calvino chegou a escrever um tratado contra eles, intitulado Psychopanychia. No século dezenove esta doutrina era propugnada por alguns dos irvingitas* da Inglaterra, e nos nossos dias é uma das doutrinas favoritas dos russelitas ou dos sectários da aurora do milênio nos Estados Unidos. Segundo estes últimos, o corpo e a alma descem à sepultura, a alma num estado de sono que de fato equivale a um estado de não existência. O que é chamado ressurreição, na realidade é uma nova criação. Durante o milênio os ímpios terão uma segunda oportunidade, mas, se eles não mostrarem um assinalado melhoramento durante os cem primeiros anos, serão aniquilados. Se nesse período evidenciarem alguma correção da vida, continuarão em prova, mas somente para acabar na aniquilação, se permanecerem impenitentes. Não existe inferno, não existe nenhum lugar de tormento eterno. A doutrina do sono da alma parece exercer peculiar fascínio sobre os que acham difícil acreditar na continuidade da vida consciente fora do organismo corpóreo.
b. Suposta base bíblica desta doutrina. A prova escriturística desta doutrina acha-se especialmente no seguinte: (1) Muitas vezes a Escritura descreve a morte como um sono, Mt 9.24; At 7.60; 1 Co 15.51; 1 Ts 4.13. Este sono, dizem, não pode ser sono do corpo, e, portanto, só pode ser sono da alma. (2) Certas passagens da Escritura ensinam que os mortos estão inconscientes, Sl 6.5; 30.9; 115.17; 146.4; Ec 9.10; Is 38.18, 19. Isto vai contra a idéia de que a alma continua sua existência consciente. (3) A Bíblia ensina que os destinos dos homens serão determinados por um julgamento final e que haverá surpresa para alguns. Conseqüentemente, é impossível imaginar que a alma entra em seu destino imediatamente após a morte, Mt 7.22, 23; 25.37-39, 44; Jo 5.29; 2 Co 5.10; Ap 20.12, 13. (4) nenhum dos que ressuscitaram dentre os mortos jamais deu algum relato das suas experiências. Pode-se entender melhor isso com a suposição de que as almas estavam inconscientes, em seu estado desencarnado.
c. Consideração dos argumentos apresentados. Os argumentos supra mencionados podem ser respondidos como segue, na ordem em que foram expostos: (1) Deve-se notar que a Bíblia nunca diz que a alma cai no sono, nem que o corpo cai no sono, mas somente que a pessoa que morre o faz. E esta descrição escriturística baseia-se simplesmente na similaridade existente entre um corpo e um corpo dormente. Não é improvável que a Escritura empregue esta expressão eufemística a fim de lembrar aos crentes a consoladora esperança da ressurreição. Além disso, a morte é um rompimento com a vida do mundo que nos rodeia e, neste sentido, é sono, é repouso. Finalmente, não devemos esquecer que a Bíblia retrata os crentes como desfrutando vida consciente na comunhão com Deus e com Jesus imediatamente após a morte, Lc 16.19-31; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.8; Fp 1.23; Ap 6.9; 7.9; 20.4. (2) As passagens que parecem ensinar que os mortos estão inconscientes visam claramente a salientar o fato de que , no estado de morte, o homem não pode mais tomar parte nas atividades do presente mundo. Diz Hovey: “A obra do artista é interrompida, a voz do cantor é silenciada, o cetro do rei cai. O corpo volta ao pó, e o louvor de Deus neste mundo cessa para sempre”. (3) às vezes se faz descrição como se o destino eterno do homem dependesse de um julgamento no ultimo dia, mas evidentemente isso é um engano. O dia do juízo não é necessário para chegar-se a uma decisão a respeito da recompensa ou da punição de cada homem, mas somente para o solene anúncio da sentença, e para a revelação da justiça de Deus na presença dos homens e dos anjos. A surpresa evidenciada por algumas passagens tem que ver com a base sobre a qual o julgamento repousa, e não com o julgamento propriamente dito. (4) É verdade que não lemos que algum dos que ressuscitaram dentre os mortos alguma vez tenha contado as experiências pelas quais passou entre a sua morte e a sua ressurreição. Mas este é um simples argumento extraído do silêncio, argumento completamente sem valor neste caso, desde que a Bíblia ensina claramente a existência consciente dos mortos. Todavia, pode muito bem ser que as pessoas se mantivessem caladas acerca das experiências, mas isto pode ser prontamente explicado partindo-se do pressuposto de que não lhes foi permitido falar delas, ou que não podiam relatá-las com linguagem humana. Cf. 2 Co 12.4.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 693)

AS DOUTRINAS DO EXTINCIONISMO E DA IMORTALIDADE CONDICIONAL

a. Exposição destas doutrinas. De acordo com estas doutrinas, não há existência consciente, se é que há alguma existência, dos ímpios após a morte. Ambas estão unidas em sua concepção do estado dos ímpios após a morte, mas divergem num par de pontos fundamentais. O extincionismo ensina que o homem foi criado imortal, mas que a alma, que continua em pecado, está privada, por um ato positivo de Deus, do dom da imortalidade e, finalmente, é destruída, ou (segundo alguns), para sempre é despojada da consciência, o que equivale praticamente a ser reduzida à não existência. Por outro lado, segundo a doutrina da imortalidade condicional, a imortalidade não é um dote natural da alma, mas um dom de Deus em Cristo aos que crêem. A alma que não aceita a Cristo, finalmente deixa de existir, ou perde toda a consciência. Alguns dos defensores destas doutrinas ensinam uma duração limitada de sofrimentos conscientes para os ímpios na vida futura, e, assim, conservam algo da idéia de punição positiva.
b. Estas doutrinas na história. A doutrina do extincionismo foi ensinada por Arnóbio e pelos primeiros socinianos, como também pelos filósofos Locke e Hobbes, mas não foi popular em sua forma originária. No século anterior ao nosso, porém, a antiga idéia da aniquilação foi revivida com algumas modificações, com o nome de imortalidade condicional, e em sua nova forma encontrou considerável apoio. Foi defendida por E. White, J. B. Heard, pelos prebendados Constable e Row, na Inglaterra, por Richard Rothe na Alemanha, por A. Sabatier em França, por E. Petavel e Ch. Secretan na Suíça, e por C. F. Hudson, W. R. Huntingon, L.C. Baker e L.W. Bacon em nosso país (Estados Unidos da América), e, portanto, merece atenção especial. Nem todos colocam a doutrina na mesma forma, mas todos concordam na posição fundamental de que o homem não é imortal em virtude da sua constituição original, mas é feito imortal por um ato ou dom especial da graça. No que se refere aos ímpios, alguns afirmam que eles conservam mera existência, embora com total perda da consciência, enquanto outros asseveram que eles perecem completamente, como os animais, conquanto isto possa ocorrer depois de períodos mais longos ou mais curtos de sofrimento.
c. Argumentos aduzidos em favor desta doutrina. Acha-se suporte para esta doutrina, em parte na linguagem de alguns dos chamados pais primitivos da igreja, que parece também nalgumas das mais recentes teorias da ciência, que negam que haja alguma prova científica da imortalidade da alma. Contudo, o principal suporte para ela é procurado na Escritura. O que se diz é que a Bíblia: (1) ensina que somente Deus é inerentemente imortal, 1 Tm 6.16; (2) nunca fala da imortalidade da alma em geral, mas apresenta a imortalidade como um dom de Deus aos que estão em Cristo Jesus, Jo 10.27, 28; 17.3; Rm 2.7; 6.22, 23; Gl 6.8; e (3) ameaça os pecadores com a “morte” e com “destruição”, afirmando que eles “perecerão”, termos que devem ser entendidos no sentido de que os descrentes serão reduzidos à não existência, Mt 7.13; 10.28; Jo 3.16; Rm 6.23; 8.13; 2 Ts 1.9.
d. Consideração destes argumentos. Não se pode dizer que os argumentos em favor desta doutrina são conclusivos. A linguagem dos chamados pais primitivos da igreja nem sempre é exata e coerente, e admite outra interpretação. E, no geral, o pensamento especulativo dos séculos tem sido favorável à doutrina da imortalidade da alma, ao passo que a ciência não tem sucesso ao reprová-la. Os argumentos escriturísticos podem ser respondidos em ordem, como segue: (1) Deus é de fato o único ser que tem imortalidade inerente. A imortalidade do homem é derivada, mas isto não é o mesmo que dizer que ele não a possui em virtude da sua criação. (2) No segundo argumento, a mera imortalidade ou existência continuada da alma é confundida com a vida eterna, quando esta constitui um conceito muito mais rico. A vida eterna é, na verdade, dom de Deus em Jesus Cristo, dom que os ímpios não recebem, mas isto não significa que eles não continuarão existindo. (3) O último argumento pressupõe arbitrariamente que os termos “morte”, “destruição” e “perecer” denotam uma redução à não existência. Só o literalismo mais cru pode afirmar isto, e, neste caso, unicamente em conexão com algumas das passagens citadas pelos defensores desta teoria.
e. Argumentos contra esta doutrina. A doutrina da imortalidade condicional é claramente contraditada pela Escritura onde esta ensina: (1) que os pecadores, como os santos, continuarão a existir para sempre, Ec 12.7; Mt 25.46; Rm 2.8-10; Ap 14.11; 20.10; (2) que os ímpios sofrerão punição eterna, o que significa que estarão para sempre cônscios de uma dor que reconhecerão como seu justo prêmio, e, portanto, não serão aniquilados, cf. as passagens recém-mencionadas; e (3) que haverá graus na punição dos ímpios, enquanto que a extinção do ser ou da consciência não admite graus, mas constitui uma punição igual para todos, Lc 12.47, 48; Rm 2.12
As seguintes ponderações também são decididamente opostas a esta doutrina particular: (1) A aniquilação seria contrária a toda analogia. Deus não aniquila a Sua obra, por mais que possa mudar-lhe a forma. A idéia bíblica da morte não tem nada em comum com a aniquilação ou extinção. A vida e a morte são opostos exatos na Escritura. Se a morte significasse a continuação destes; mas o fato é que significa muito mais que isso, cf. Rm 8.6; 1 Tm 4.8; 1 Jo 3.14. O termo tem uma conotação espiritual, o mesmo acontecendo com a palavra morte. O homem está espiritualmente morto antes de cair presa da morte física, mas isso não envolve perda do ser ou da consciência, Ef 2.1, 2; 1 Tm 5.6; Cl 2.13; Ap 3.1. (2) Dificilmente se pode dizer que a aniquilação é uma punição, desde que esta implica consciência de sofrimento e demérito, ao passo que, quando termina a existência, cessa também a consciência. Poder-se-ia dizer, no máximo, que o medo da aniquilação é uma punição, mas esta punição não seria proporcional à transgressão. E, naturalmente, o medo do homem que nunca teve dentro de si a centelha da imortalidade, jamais será igual ao daquele que tem a eternidade em seu coração, Ec 3.11. (3) Muitas vezes sucede que as pessoas consideram a extinção do ser e da consciência uma coisa muito desejável, quando se cansam da vida. Para elas, essa punição seria na realidade uma bênção.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 695)