segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Psicologia da Conversão

Durante os recentes anos os psicólogos fizeram um estudo especial dos fenômenos da conversão.
1. NATUREZA DESTE ESTUDO. A natureza deste estudo pode ser mais bem compreendida pelo exame de obras como as de Coe, The Spiritual Life (A Vida Espiritual); de Starbuck, The Psichology of Religion (A Psicologia da Religião); de William James, Varieties of Religious Experience (Variedades da Experiência Religiosa); de Ames, The Psichology of Religious Experience (Psicologia da Experiência Religiosa); de Pratt, The Religious Conscieousness (A Consciência Religiosa); de Clark, The Psychology of Religious Awakening (Psicologia do Departamento Religioso); de Hughes, I (A Nova Psicologia e a Experiência Religiosa); e de Horton, The Psychological Approach to Theology (Abordagem Psicológica da Teologia). Por longo tempo a psicologia negligenciou completamente os fatos da vida religiosa, mas agora, nos últimos vinte e cinco anos, tomou conhecimento deles.* A princípio, a atenção foi dirigida primariamente – para não dizer exclusivamente – para aquilo que parecia constituir o grande fato central da experiência religiosa, a conversão. Os psicólogos estudaram muitos casos de conversão indutivamente e tentaram classificar as várias forças operantes na conversão, distinguir os diferentes tipos de experiência religiosa, determinar o período da vida em que a conversão tem maior probabilidade de ocorrer, e descobrir as leis que regem os fenômenos da conversão. Embora tenham apresentado o seu estudo como uma investigação puramente indutiva dos fenômenos como se vêem na experiência individual, e, nalguns casos, tenham expressado o louvável desejo e intenção de manter por trás as suas convicções filosóficas e religiosas, não obstante, revelaram claramente em vários casos a tendência de ver a conversão como um processo puramente natural, tão sujeito às leis ordinárias da psicologia como qualquer outro fato psíquico; e de passar por alto, senão negar explicitamente, o seu aspecto sobrenatural. Os mais cuidadosos especialistas dentre eles ignoram, mas não negam, o sobrenatural na conversão. Explicam o seu silêncio quanto aos aspectos mais profundos deste fato central da experiência religiosa chamando a atenção para as suas limitações como psicólogos. Eles só podem lidar com fatos observáveis e com as leis psíquicas que evidentemente governam, mas não têm direito de sondar a possível ou provável realidade espiritual subjacente, na qual estes fatos encontram a sua explicação. Eles assinalaram que a conversão não é um fenômeno especificamente cristão, mas também se acha noutras religiões; e que não é necessariamente um fenômeno religioso, ocorrendo também em esferas não religiosas. De fato, a conversão é apenas uma das mudanças que ocorrem no período da adolescência, “um súbito reajustamento a um ambiente espiritual mais amplo”, uma rendição do velho ego a outro mais verdadeiro. “No máximo”, diz Starbuck, “é o individuo entrando em harmonia com aquilo que ele acha que é a vontade divina”. Como Pratt a entende, “o que há de essencial na conversão é a unificação da personalidade, a realização de um novo ego”. Quanto à questão sobre se há algo de sobrenatural na conversão, há diferença de opinião entre os psicólogos. Coe indaga: “Concluiremos, então, que a conversão é praticamente uma realização automática?” E responde: “Não, a menos que definamos primeiramente a conversão em termos que ignoram a sua profunda relação com Deus e com o princípio de um bom viver. ..A substância das experiências religiosas transcende tanto as suas formas emocionais como o homem transcende as roupas que usa”. James percebe que um cristão ortodoxo poderia perguntar-lhe se a relação que ele estabelece entre os fenômenos da conversão com a parte subliminar da personalidade não exclui completamente a noção da presença direta nela da Divindade; e responde com estas palavras: “Devo dizer francamente que o psicólogo não vê por que deveria necessariamente excluí-la”. Acha ele que, “se existem poderes superiores capazes de influir em nós, eles só podem ter acesso pela porta subliminar”. Os representantes da Nova Psicologia, isto é, da Escola Behaviorista e da Escola Psicanálise, tomam abertamente a posição de que a conversão pode vir a ocorrer de maneira perfeitamente natural, sem nenhuma influência sobrenatural. James e outros afirmam que o real segredo da súbita mudança que se dá na conversão está nalguma atividade da parte subliminar da personalidade, que pode ou não estar sujeita a alguma influência divina. Os estudiosos de psicologia geralmente concordam que há três passos distintos na conversão, que Ames descreve como segue: “Primeiro, um sentimento de perplexidade e intranqüilidade; segundo, um clímax e um ponto decisivo; e terceiro, uma descontração assinalada por repouso e alegria”. Há acordo geral de que existem pelo menos dois tipos notáveis de conversão, os quais são designados de diversas maneiras. Falando destas duas espécies de conversão, diz Starbuck que a primeira é acompanhada por um violento sentimento de pecado, e a outra, por uma sensação de algo incompleto, pela luta por uma vida mais ampla, e pelo desejo de iluminação espiritual. Faz-se distinção entre a conversão de crianças e a de adultos, entre conversões gradativas e conversões repentinas (impetuosas), e entre conversões intelectuais e emocionais. São apenas nomes diferentes para os dois tipos reconhecidos de conversões. Embora a conversão em geral possa ser considerada como uma experiência normal, às vezes se vê que assume um aspecto anômalo, especialmente durante os avivamentos, e então se torna um fenômeno patológico. No que se refere ao tempo da conversão, assinala-se que a conversão não ocorre com a mesma freqüência em todos os períodos da vida, mas pertence quase exclusivamente aos anos que se situam entre os 10 e os 25 anos de idade, sendo extremamente rara depois dos 30. Quer dizer que ela é peculiarmente característica do período da adolescência. O ambiente, a educação e a instrução religiosa afetam a natureza e a freqüência da sua ocorrência.
2. AVALIAÇÃO DESSES ESTUDOS. Não há por que negar o valor desses estudos psicológicos da conversão. Seria tolice varre-los para um canto como tendo pouca ou nenhuma significação, ou ignora-los apenas por não levarem na devida conta o sobrenatural na conversão. Eles derramam uma grata luz sobre algumas leis aplicáveis à vida psíquica do homem, e sobre alguns dos fenômenos que acompanham a crise ocorrida na vida consciente do homem, e sobre diversos tipos de conversão e os fatores que os determinam. Eles aprofundam o nosso discernimento dos diferentes tipos de conversão, que sempre foram reconhecidos pela teologia reformada (calvinista), confirmam a nossa convicção a respeito dos três elementos que se acham na conversão tem suas raízes na vida subconsciente; embora não afirmem explicitamente, e nalguns casos até neguem que ela tem sua explicação numa obra divina – na obra do Espírito Santo – realizada nos umbrais da consciência, a ora da regeneração. Ao mesmo tempo, não devemos exagerar a importância desses estudos. Alguns deles, como, por exemplo, a obra de James, são decididamente unilaterais, desde que, no caso da obra de James, ela está baseada inteiramente no estudo de conversões extraordinárias, que ele achava mais interessantes. Além disso, eles não escaparam do perigo de levar longe demais a idéia de operação da lei psíquica na conversão, bem como o de passar por alto o lado divino e sobrenatural do importante processo de conversão. James trata disso tudo como se fosse uma mudança moral e a define de maneira geral como “o processo, gradual ou repentino, pelo qual uma personalidade até então dividida e conscientemente errada, inferior e infeliz, passa a ser unificada e conscientemente certa, superior e feliz em conseqüência do seu apego mais firme às realidades religiosas”. Outras a reduzem a um fenômeno puramente natural, e até mesmo a explicam em termos materialistas, entendendo-a regida por leis físicas. Eles não descem, e, na verdade, pela própria natureza do caso, não podem descer à raiz da questão, não penetram e não podem penetrar as profundezas ocultas das quais brota a conversão. É patente a tendência de desafiar a antiga e ortodoxa idéia de conversão, achando que é anticientífico ensinar que a natureza religiosa do homem é implantada miraculosamente. Eles não aceitam a luz da Palavra de Deus, e, portanto, não contam com um padrão pelo qual julgar as coisas mais profundas da vida. Diz Sonwden: “Como alguns psicólogos tentaram produzir uma psicologia da alma sem alma, assim alguns se esforçaram para elaborar uma psicologia da religião sem religião. Sob a sua maneira de tratar disso, a religião evaporou-se, reduzindo-se a um sentimento ou uma ilusão meramente subjetiva, sem qualquer realidade objetiva, e tal psicologia da religião é destruída de fundamento e sem valor, como psicologia e como religião.”
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 488)

O Autor da Conversão

1. DEUS É O AUTOR DA CONVERSÃO. Somente Deus ode ser considerado o Autor da conversão. Este é o ensino claro da Escritura. No Sl 85.4 o poeta ora: “Restabelece-nos, ó deus da nossa salvação”, e em Jr 31.18 Efraim ora: “Converte-me, e serei convertido”. Encontra-se uma oração parecida em Lm 5.21. Em At 11.18 Pedro chama a atenção para o fato de que Deus concedeu aos gentios arrependimento para a vida. Uma declaração similar acha-se em 2 Tm 2.25. Há uma dupla operação de Deus na conversão dos pecadores, uma de natureza moral e a outra hiperfísica. Em geral se pode dizer que Ele produz o arrependimento por meio da lei, Sl 19.7; Rm 3.20, e a fé por meio do Evangelho, Rm 10.17. Contudo, não podemos separar estes dois elementos, pois a Lei também contém uma apresentação do Evangelho, e o Evangelho confirma a Lei e nos ameaça com os seus terrores, 2 Co 5.11. Mas Deus também age de maneira imediata e hiperfísica na conversão. O novo princípio da vida implantado no homem regenerado não redunda em ação consciente por seu próprio poder inerente, mas unicamente pela influência iluminadora e frutificativa do Espírito Santo. Cf. Jo 6.44; Fp 2.13. Ministrar outro ensino é acompanhar o luteranismo e o arminianismo.
2. O HOMEM COOPERA NA CONVERSÃO. Mas, apesar do fato de que Deus é o único Autor da conversão, é de grande importância salientar, contrariamente a uma falsa passividade, que há também uma certa cooperação do homem na conversão. O dr. Kuyper chama a atenção para o fato de que no Velho Testamento shubh é empregado 74 vezes com referência à conversão como ação do homem, e somente 15 vezes como ato gracioso de Deus; e que o Novo Testamento descreve a conversão como um feito do homem 26 vezes, e fala dela só 2 ou 3 vezes como ato de Deus. Todavia, devemos ter em mente que esta atividade do homem é sempre resultante de uma prévia obra de Deus realizada no homem, Lm 5.21; Fp 2.13. Que o homem é ativo na conversão é mais que evidente em passagens como Is 55.7; Jr 18.11; Ez 18.23, 32; 33.11; At 2.38; 17.30, e outras.
(Teologia Sistemática – Louis Bekhof. Pg. 489)

NECESSIDADE DA CONVERSÃO

A Bíblia fala em termos absolutos da necessidade da regeneração; não assim da necessidade da conversão. Ela nos diz explicitamente que, “se alguém não nascer de novo (ou de cima), não pode ver o reino de Deus”, Jo 3.3, mas não fala da necessidade da conversão dessa maneira geral, que não admite exceções. Naturalmente, quem identifica as duas, não pode admitir esta distinção. Indubitavelmente, há passagens da Escritura que contêm um chamamento para a conversão, para o gozo das bênçãos de Deus, como Ez 33.11; Is 55.7, e estas implicam a necessidade da conversão no caso dos aí visados ou mencionados. A passagem que mais perto chega de uma declaração absoluta acha-se em Mt 18.3, “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus”. Mas mesmo neste caso se pode insistir em que isto se refere somente às pessoas às quais o texto é dirigido. As exortações explícitas ou implícitas à conversão, que se acham na Escritura, só vêm àqueles a quem são dirigidas e não significam necessariamente que todos e cada um têm que passar por uma conversão consciente para serem salvos. A questão quanto à necessidade da conversão deve ser respondida com criteriosa discriminação. Os que morrem na infância têm que ser regenerados para serem salvos, mas não podem experimentar devidamente a conversão, um consciente voltar-se do pecado para Deus. No caso dos adultos, porém, a conversão é absolutamente essencial, mas não necessita aparecer na vida de cada um como uma crise fortemente assinalada. Uma crise definida assim só se pode esperar, em regra, nas vidas daqueles que, após uma vida de pecado e vergonha, são tomados em seu curso mau pelo poder regenerador do Espírito Santo e pela vocação eficaz para a conversão. Neles a vida de inimizade consciente é logo transformada numa vida de amizade com Deus. Contudo, dificilmente se pode buscar essa experiência na vida daqueles que, como João Batista e Timóteo, serviram ao Senhor desde a primeira juventude. Ao mesmo tempo, a conversão é necessária no caso de todos os adultos, no sentido de que os seus elementos, a saber, o arrependimento e a fé, têm que estar presentes em suas vidas. Quer dizer que, de algum modo, eles precisam experimentar a essência da conversão.


(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg.489)

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

PR. ARIOVALDO RAMOS CONVIDA IGREJAS A CORRIGIREM ERROS SOBRE A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE
Num artigo, publicado em seu blog, Ariovaldo faz uma síntese da teologia praticada por muitas igrejas neo-pentecostais: “Estamos, há mais de vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a grande pergunta sobre essa teologia seja: Como têm conseguido permanecer por tanto tempo?”, questiona o pastor.
Tratada por Ariovaldo Ramos como uma prática de engano e sem base bíblica, a teologia da prosperidade já pintou quadros de absurdo, segundo ele: “Lembro-me de ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa teologia que, quem tivesse fé poderia, inclusive, negociar com Deus a data de sua morte”, contextualiza.
Para o pastor, a teologia da prosperidade “se sustenta pela criatividade” e pelo fato de oferecer diversificação da mensagem cristã: “Os pregadores dessa mensagem estão sempre se reinventando, vivem de promover espetáculos ás custas da boa fé do povo”.
-É uma sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta x, outro é tocar a trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x, e, por aí vai. Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas fluidificadas e de bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos de massa, dirigidos por “pop stars” que tornam amadores os mais respeitados animadores de auditório da TV brasileira – critica.
Há questões culturais envolvidas, segundo o texto de Ariovaldo Ramos: “Os pregadores dessa panaceia descobriram que o povo gosta de pagar pelos benefícios que recebe, algo como ‘não dever nada a ninguém’, fruto da cultura de penitência amplamente disseminada na igreja romana medieval [...] Tudo nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento financeiro seja chamado de oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela benção”.
O pastor afirma que a teologia da prosperidade tem gerado “decepção” às pessoas que buscam a mensagem cristã e convoca o corpo de Cristo para reverter a situação: “Hoje, para além de tudo o que encerra a sua missão, a Igreja tem de corrigir os erros que, em seu nome, e, em muitos casos, sob a sua silenciosa conivência, foram e, ainda, estão sendo cometidos”.
Confira abaixo, a íntegra do artigo “Uma Pastoral para a Decepção!”, do pastor Ariovaldo Ramos.
Fonte: http://ariovaldoramosblog.blogspot.com.br/2013/01/uma-pastoral-para-decepcao.html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
http://noticias.gospelmais.com.br/ariovaldo-ramos-convoca-igrejas-corrigir-teologia-prosperidade-49196.html

BATISMO E PLENITUDE DO ESPÍRITO SANTO

Por: John R. W. Stott

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA
Caixa Postal 21.486 04698 – São Paulo, SP – Brasil
Título do original em inglês: Baptism and Fullness
Copyright © 1964, Inter-Varsity Press
Publicado pela primeira vez pela
Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra
Tradução: Hans Udo Fuchs
Primeira edição em português: 1968
Segunda edição (ampliada): novembro de 1986
Reimpressão: agosto de 1988

Contracapa: BATISMO E PLENITUDE DO ESPÍRITO SANTO

Em seu estilo claro e lógico, John Stott traz até nós, nesta edição ampliada, o verdadeiro significado do batismo e da plenitude do Espírito Santo.
Sempre visando a unidade da família de Deus em Cristo, Stott examina cuidadosamente a promessa do Espírito (e se ela é igual ao "batismo" do Espírito), a plenitude, o fruto e os dons do Espírito. Dúvidas a respeito do Espírito Santo são tratadas sempre com base nas Escrituras Sagradas. De início, Stott nos lembra que nossas doutrinas e obras precisam ser baseadas primeiramente nas passagens didáticas do Novo Testamento, mais do que nas práticas e experiências que ele narra.
O resultado deste estudo é um quadro equilibrado da natureza e da obra do Espírito Santo. O leitor de qualquer tradição evangélica não se sentirá ameaçado, pois Stott escreve com o propósito de nos ajudar a conhecer a vontade de Deus, para que possamos segui-la e também recomendá-la a outros.

CONTEÚDO

PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Princípios básicos de abordagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1. A PROMESSA DO ESPÍRITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
A promessa de uma bênção diferente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
A promessa de uma bênção universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
O dia de Pentecostes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Os crentes samaritanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Os discípulos em Éfeso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
A terminologia do batismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
I Coríntios 13:13 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2. A PLENITUDE DO ESPÍRITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
A diferença entre "batismo" e "plenitude" . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Apropriação contínua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Evidências da plenitude do Espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
O mandamento para sermos cheios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
O cristão médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Experiências especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Uma exortação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

3. O FRUTO DO ESPÍRITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Origem sobrenatural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Crescimento natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Maturidade gradual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

4. OS DONS DO ESPÍRITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
A natureza dos dons espirituais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Quantos dons existem? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
A relação entre dons espirituais e talentos naturais . . . . . . . . . . . 84
Todos os dons espirituais são miraculosos? . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Será que todos os dons da Bíblia são dados hoje? . . . . . . . . . . . . 92
O termo "carismático" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
O alcance dos dons espirituais: A quem eles são dados? . . . . . . . 97
A origem dos dons espirituais: De onde eles vêm? . . . . . . . . . . . 100
O propósito dos dons espirituais: Para que eles são dados? . . . . 104

CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112




















PREFÁCIO

Faz agora onze anos desde que o pastor Peter Johnston convidou-me para falar à Conferência de Islington sobre a obra do Espírito Santo. Minha palestra foi depois ampliada e publicada sob o título O Batismo e Plenitude do Espírito Santo.
Desde então, continuou se espalhando o movimento que por alguns é chamado de "neopentecostal", mas pela maioria de "carismático". Agora ele é um fenômeno de alcance mundial, e tem como líderes pessoas muito respeitadas. Não é possível analisar o cenário eclesiástico contemporâneo sem levá-lo era conta.
Não pode haver dúvidas de que Deus usou este movimento para trazer bênçãos a um grande número de pessoas. Muitos cristãos dão testemunho de terem experimentado amor e liberdade novos, uma soltura interior das amarras da inibição, uma alegria trasbordante e paz na fé, um sentimento mais acentuado de que Deus é real, uma comunhão cristã mais calorosa do que tinham conhecido antes, e um zelo renovado na evangelização. Este movimento é um desafio saudável para todos os cristãos que levam uma vida cristã medíocre e para todas as igrejas que têm uma vida enfadonha.
Ao mesmo tempo foram feitas avaliações cuidadosas, de diversos pontos de vista. Muitas vezes os líderes carismáticos são os primeiros a admitir que tem havido algumas causas de inquietação e que a tarefa do debate teológico sério apenas começou. Uma das dificuldades para uma discussão contínua é que o movimento carismático não é uma igreja ou associação organizada, com fórmulas doutrinárias oficiais. As igrejas pentecostais, que surgiram a partir do começo do século, têm confissões de fé publicadas, às quais seus pastores precisam se ater. Porém o movimento carismático ainda é bastante independente e seus líderes e membros não estão sempre totalmente de acordo entre si em questões teológicas. Parece que alguns adotam uma posição totalmente "pentecostal", praticamente sem diferença se comparada à das igrejas pentecostais. Outros dizem ter tido o que eles gostam de chamar de experiência "pentecostal", que, no entanto, não formulam em termos da "teologia pentecostal" clássica. Ainda outros estão passando por um estado de mudança em sua própria maneira de ver as coisas, ainda procurando a forma mais adequada de expressar teologicamente suas experiências.
Uma tal flexibilidade é muito bem-vinda, em parte porque ela é um sinal de abertura, e em parte porque deve impedir que alguém polarize a situação entre "carismáticos" e "não-carismáticos", já que parece que um número cada vez maior de pessoas tem um pé em cada um dos lados. Porém, mesmo bem-vinda, esta fluidez também torna a tarefa da avaliação mais difícil, pois nem sempre está claro a quem ou sobre quem estamos falando. Desde já quero desculpar-me se algum cristão que se intitula "carismático", ao ler estas páginas, não se reconhece no que escrevi! Eu só posso garantir que tentei ser objetivo e honesto, coletei informações de pessoas e literatura atual, e de forma alguma quis ridicularizar alguém.
Agora deixe-me explicar o motivo pelo qual eu rescrevi o livreto anteriormente publicado. Quais são as razões de uma segunda edição?
Em primeiro lugar, ao reler o que escrevi há onze anos, algumas partes pareceram-me obscuras e outras fracas, e o todo deu a impressão de estar incompleto. Portanto, tentei esclarecer o que estava obscuro e reforçar o que estava fraco. Especificamente, dividi o material original em dois capítulos, agora intitulados "A Promessa do Espírito" e "A Plenitude do Espírito". Expandi o material destes capítulos dando ênfase em convicções comuns e indicando em quais áreas as diferenças continuam. Depois, acrescentei material novo a dois capítulos intitulados "O Fruto do Espírito" e "Os Dons do Espírito".
A segunda razão é mais pessoal. Durante os últimos anos, recebi regularmente cartas de pessoas que dizem ter ouvido que mudei de ponto de vista, depois que escrevi O Batismo e Plenitude do Espírito Santo. Não é verdade. A edição revista me dá a oportunidade de corrigir este falso rumor.
Em terceiro lugar, seja qual for nossa posição era relação a este assunto, todos precisamos permanecer em comunhão frutífera e em diálogo com os outros. Ninguém acha isto fácil. É preciso ter maturidade considerável para estabelecer e manter um relacionamento pessoal cordial com pessoas que não vêem as coisas como nós. Em uma conferência recente, achei oportuno confessar minha imaturidade, tanto por ter sido negativo demais em relação ao movimento carismático, quanto por ter relutado em ir até seus líderes e dialogar com eles. Em seguida, mencionei três áreas que me pareciam ser uma base de comum acordo para continuar o diálogo. Pode ser proveitoso o fato de registrá-las aqui.
A primeira é a objetividade da verdade. Vivemos em tempos muito subjetivos, em que o existencialismo faz uma distinção radical entre vida "autêntica" e "inautêntica", usando critérios completamente subjetivos para determinar o que é "autêntico", ou seja, o que a mim parece autêntico neste momento. Todavia cristãos, especialmente cristãos evangélicos, estão convictos de que Deus falou histórica e objetivamente, que sua Palavra culminou em Cristo e no testemunho apostólico a respeito dEle, e que a Escritura é exatamente a Palavra de Deus escrita para nosso aprendizado. Portanto, todas as nossas tradições, todas as nossas opiniões e todas as nossas experiências precisam ser submetidas ao exame independente e objetivo da verdade bíblica.
A segunda é a centralidade de Cristo. Todos concordamos também nisto, pelo menos em teoria. Nossos olhos foram abertos para ver a verdade como ela é em Jesus, e nossos lábios para confessar que ele é o Senhor. Não ternos dificuldades para endossar as grandes afirmações do apóstolo Paulo em sua carta aos Colossenses, de que Jesus Cristo é o Cabeça do universo e da igreja; de que o propósito de Deus é que ele possa "em todas as coisas ter a primazia" (1.18); de que "nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade (2.9); e de que nele recebemos "a vida completa" (2.10, BLH).
Entretanto, não é suficiente concordar somente com os lábios com estas afirmações sobre a supremacia e suficiência de Cristo. Todos precisamos ir adiante e estabelecer as implicações disto. Alguns cristãos dão a impressão de basear-se numa doutrina de "Jesus e", tal como: "Você veio a Jesus, o que é muito bom; porém, agora, você precisa de algo mais para completar este passo". Outros dão tanta ênfase à suficiência de Cristo que parecem ter um conceito estático da vida cristã, que não dá espaço nem para um crescimento em maturidade, nem para experiências mais profundas e completas com Cristo.
A terceira área que devemos concordar é a diversidade da vida. Isto é, o Deus vivo da natureza e da Escritura é um Deus de diversidade rica e colorida. Ele fez diferente cada ser humano, cada folha de grama, cada floco de neve. Por esta razão, eu confesso que, quanto mais eu vivo, mais hostil me torno a qualquer estereótipo. Todavia, parece que alguns de nós estão ansiosos em forçar todos a dançarem conforme a sua música, e em enquadrar os outros em seus padrões. Será que isto não é sempre reprovável? Minha convicção, que tentarei expor nas próximas páginas deste livro, é de que há uma variedade grande de experiências espirituais e uma variedade também grande de dons espirituais. Se renunciarmos ao desejo de aprisionar os outros em camisas-de-força, encontraremos uma nova liberdade e uma nova comunhão no Deus da diversidade abundante.
Finalizando, quero deixar bem claro que meu propósito com este livro não é fazer polêmica, porque sou um homem de paz, e não de guerra. Se às vezes fui negativo, isto ocorreu somente para esclarecer a verdade positiva correspondente. Também levantei algumas perguntas que, segundo me parecem, precisam ser feitas e respondidas. Mas não tenho a intenção de ferir ou confundir ninguém. Minha preocupação é tentar expor certas passagens importantes da Bíblia. E meu objetivo nisto é que todos possamos compreender melhor a grandiosidade da nossa herança em Cristo, para que nos apossemos dela de maneira mais completa, bem como a extensão da nossa responsabilidade em manifestar todo o fruto do Espírito em nossa vida, e em pôr em prática os dons do Espírito que ele, em sua soberania graciosa, nos concedeu.
Abril de 1975
J.R.W.S.





INTRODUÇÃO

Para onde quer que olhemos na igreja hoje em dia, há uma carência evidente de uma obra mais profunda do Espírito Santo.
No Ocidente, o antigo conceito de "cristandade", que existiu durante séculos, parece estar morrendo rapidamente, à medida que mais e mais pessoas repudiam a fé de seus pais. Nos anos sessenta, na tentativa de reinterpretar o evangelho para a era moderna, os teólogos seculares negaram abertamente os elementos fundamentais do cristianismo histórico. E, tendo perdido a fé cristã em grande escala, o mundo ocidental também perdeu a ética cristã. Agora a sociedade é abertamente pluralista e permissiva. A Igreja sobrevive como instituição, mas muitas pessoas a tem como uma relíquia do passado, uma estrutura fora de moda, como as superstições a que ela se atém. Ao mesmo tempo há alguns sinais de uma renovação espiritual – focos de novo vigor em denominações mais antigas, no movimento das igrejas nos lares e em organizações para-eclesiásticas. Porém, permanece o quadro geral de uma influência cristã decrescendo de modo constante, em uma sociedade cada vez mais secular. Os ossos mortos e secos da Igreja carecem do sopro vivificante de Deus.
É verdade que em algumas partes do mundo a Igreja está crescendo com rapidez. No Congresso Internacional de Evangelização Mundial em Lausanne, em julho de 1974, ouvimos falar de "uma receptividade ao Senhor Jesus Cristo sem precedentes". Multidões estão se abrigando na Igreja, e em algumas áreas a taxa de natalidade de cristãos é maior que a da população. Tudo isto nos dá motivos de grande alegria. Ao mesmo tempo, estes movimentos populares às vezes são ofuscados por rivalidades e divisões, como nos dias da igreja primitiva, por ensinos falsos e emocionalismo superficial. Portanto, também nisto vemos a necessidade de uma obra mais profunda do Espírito Santo, já que ele é o autor de unidade, verdade e maturidade.
Entretanto, não vemos a carência do Espírito Santo somente nas igrejas mas antigas do mundo ocidental e nas igrejas mais novas do Terceiro Mundo. Podemos vê-la também olhando para nós mesmos. Certamente todos nós que dizemos pertencer ao Senhor Jesus, seja qual for nossa convicção particular, às vezes nos sentimos oprimidos por nossos fracassos pessoais na vida e ministério cristãos. Estamos cônscios de que estamos longe do padrão de Cristo, da experiência dos primeiros cristãos e das promessas claras que Deus faz em sua Palavra. Sem dúvida, estamos gratos a Deus pelo que ele faz e tem feito, e não queremos denegrir sua graça minimizando-a. Mas temos fome e sede de algo mais. Também ansiamos por um reavivamento verdadeiro, uma visitação sobrenatural e abrangente do Espírito Santo na Igreja, trazendo profundidade e crescimento; e, ao mesmo tempo, anelamos por uma experiência mais profunda, mais fica e mais completa de Cristo em nossas próprias vidas, através o Espírito Santo.

Princípios Básicos de Abordagem

Antes de começarmos o estudo, deixe-me explicar quatro coisas.
A primeira é que nosso anseio e obrigação, como cristãos, deve ser o de encaixar-se no propósito pleno de Deus para nós. Ele não ficará satisfeito com nada menos do que isto; nós também não devemos nos satisfazer com algo que esteja aquém disto. Todos nós que dizemos seguir a Cristo devemos buscar uma compreensão mais clara do propósito de Deus com seu povo, ser levados ao arrependimento por não conseguirmos cumpri-lo, e continuar a nos esforçar com avidez, desejosos de tomar posse com firmeza de tudo o que Jesus obteve para nós (veja Filip. 3.12-14).
Em segundo lugar, devemos descobrir este propósito de Deus na Bíblia. A vontade de Deus para as pessoas está na Palavra dEle. Nela devemos tomar conhecimento da vontade divina, e não preferencialmente da experiência particular de indivíduos ou grupos, por mais reais e válidas que estas experiências possam ser. Não devemos cobiçar o que Deus pode ter dado a outros, nem impor a outros o que Deus pode ter dado a nós, a não ser que esteja revelado claramente na sua Palavra que isto é parte da herança prometida a todo o seu povo. O que buscamos para nós mesmos e o que ensinamos a outros deve ser orientado somente pela Escritura. Somente quando a Palavra de Deus habitar ricamente em nós seremos capazes de avaliar as experiências que nós e outros podemos ter. A experiência nunca deve ser o critério da verdade; a verdade deve sempre ser o critério da experiência.
Em terceiro lugar, esta revelação do propósito de Deus na Bíblia deve ser buscada preferencialmente nas suas passagens didáticas, e não nas descritivas. Para ser mais preciso, devemos procurá-la nos ensinos de Jesus e nos sermões e escritos dos apóstolos, e não nas seções puramente narrativas de Atos. O que a Escritura descreve como acontecendo a outros não precisa necessariamente acontecer conosco; porém do que nos é prometido devemos nos apropriar, e o que nos é ordenado devemos obedecer.
É fácil entender mal o que estou tentando dizer. Não estou dizendo que as passagens descritivas da Bíblia não têm valor, porque "toda Escritura é inspirada por Deus e útil" (2 Tim. 3:16). O que estou dizendo é que o que é descritivo tem valor somente até o ponto em que é interpretado pelo que é didático. Algumas narrativas bíblicas que descrevem acontecimentos interpretam a si mesmas, porque incluem um comentário explicativo, enquanto que outras não podem ser interpretadas isoladamente, mas somente à luz do ensino doutrinário ou ético dado em outras passagens.
Por isso Paulo nos diz que as coisas pelas quais Israel passou no deserto "lhes sobrevieram como exemplos" e "foram escritas para advertência nossa" (1 Cor. 10:11; veja Rom. 15:4). Ele está se referindo a diversos episódios em que o julgamento de Deus recaiu sobre eles. Aqui temos, portanto, passagens narrativas que são úteis para o ensino. Porém seu valor não está na mera descrição, mas na explicação. Devemos evitar a idolatria, a imoralidade, a presunção e a murmuração, diz Paulo, porque estas casas são gravemente ofensivas a Deus. Como sabemos isto? Porque o julgamento de Deus lhes sobreveio, como Moisés deixa bem claro nas histórias, e como ele e os profetas ensinam em outras passagens. Entretanto, não podemos deduzir das histórias que, se pecarmos destas maneiras, morreremos por pragas ou picadas de cobras, como aconteceu com eles. De maneira semelhante podemos aprender da história de Ananias e Safira em Atos 5, que mentir desagrada muito a Deus, porque Pedro o diz; mas não podemos concluir que todos os mentirosos cairão mortos ao chão como eles.
Ainda outro exemplo: em dois parágrafos de Atos, Lucas nos diz que os primeiros cristãos em Jerusalém venderam muitos dos seus bens, tinham o restante em comum, e distribuíam bens e dinheiro "à medida que alguém tinha necessidade" (2:44, 45; 4:32-37). Devemos deduzir disto que eles estabeleceram um padrão que todos os cristãos devem imitar, de maneira que a propriedade privada é proibida aos cristãos? Alguns grupos têm pensado assim. Certamente a generosidade e o cuidado mútuo destes primeiros cristãos devem ser imitados, pois o Novo Testamento nos ordena muitas vezes que amemos e sirvamos uns aos outros, e que sejamos generosos (até sacrificiais) em nossas contribuições. Porém, o argumento baseado na prática da primeira igreja de Jerusalém, de que toda propriedade particular fica abolida entre os cristãos, não somente não pode ser mantido pelo texto, como até é contrariado claramente pelo apóstolo Pedro no mesmo contexto (Atos 5:4) e pelo apóstolo Pauto em outras passagens (p. ex. 1 Tm 6:17). Este exemplo deve nos deixar atentos. Devemos derivar nossos padrões de fé e comportamento do ensino do Novo Testamento, sempre que ele for dado, e não das práticas e experiências que ele descreve.
Em quarto lugar, nossa motivação ao buscarmos aprender o propósito de Deus do ensino da Escritura, é prática e pessoal e não acadêmica e polêmica. Somos Irmãos e irmãs na família de Deus. Amamo-nos mutuamente e estamos preocupados em conhecer a vontade de Deus, a fim de que a abracemos e a recomendemos a outros. Não temos desejo de aplicar golpes baixos uns nos outros em um debate teológico.
Depois destas quatro simples afirmações introdutórias sobre a nossa abordagem, estamos prontos para estudar pela ordem, a partir da Escritura e em relação ao debate contemporâneo, o que significa a promessa do Espírito (e se é a mesma coisa que o "batismo" do Espírito), a plenitude do Espírito, o fruto do Espírito e os dons do Espírito.
























A PROMESSA DO ESPÍRITO

A vida cristã é viva no Espírito. Todos os cristãos concordam nisso com alegria. Sena impossível ser cristão, sem falar em viver e crescer como cristão, sem o ministério do gracioso Espírito de Deus. Tudo o que temos e somos como cristãos devemos a ele.
Assim, cada cristão tem uma experiência do Espírito Santo desde os primeiros momentos da sua vida cristã. Para o cristão, a vida começa com um novo nascimento, e o novo nascimento é um nascimento "no Espírito" (João 3:3-8). Ele é o "Espírito da vida", e é ele quem dá vida às nossas almas mortas. Mais que isto, era vem pessoalmente morar em nós, de maneira que a presença do Espírito é o privilégio que todos os filhos de Deus têm em comum.
Será que Deus nos faz seus filhos e depois nos dá seu Espírito, ou será que ele nos dá primeiro seu "Espírito de adoção", que nos torna seus filhos? Podemos responder que Paulo diz as duas coisas. Por um lado, "porque vós sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho" (Gál. 4:6). Por outro lado, "todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção" (Rom. 8:14-15). Não importa como você encara a questão: o resultado é o mesmo. Todos os que têm o Espírito de Deus são filhos de Deus, e todos os que são filhos de Deus têm o Espírito de Deus. É impossível, até inconcebível, ter o Espírito sem ser filho, ou ser filho sem ter o Espírito. Além disso, uma das primeiras obras do Espírito que mora em nós, e, graças a Deus, sempre repetida, é assegurar-nos que somos filhos, especialmente quando oramos. Quando "clamamos: Aba, Pai!", 'o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" (Rom. 8:15,16; veja Gál. 4:6). Ele também inundou nosso coração com o amor de Deus (Rom. 5:5). Paulo resume o assunto ao dizer que "se alguém não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dele" (Rom. 8.9; veja Judas 19).
Toda esta passagem em Rom. 8 é muito importante, porque demonstra que, no entender de Paulo, estar "em Cristo" e "no Espírito", ter "Cristo em vós" e "o Espírito em vós" são todas expressões sinônimas. Ninguém pode ter Cristo, portanto, sem ter o Espírito. O próprio Jesus deixou isto claro em seu discurso no Cenáculo, quando não fez distinção entre a "vinda" a nós das três pessoas da Trindade. Ele disse "eu virei", "nós viremos" (o Pai e o Filho) e "o Consolador virá" (João 14:18-23; 16:7-8).
Depois que ele vem a nós, passando a residir em nós, tornando nosso corpo seu templo (1 Cor. 6:19,20), começa sua obra de santificação. Em poucas palavras, seu ministério implica tanto em revelar-nos Cristo como em formar Cristo era nós, de maneira que cresçamos firmemente em nosso conhecimento de Cristo e em nossa semelhança com ele (veja, p. ex., Efés. 1:17; Gál. 4:19; 2 Cor. 3:18). Pelo poder do Espírito que habita em nós os desejos maliciosos da nossa natureza decaída são controlados e o bom fruto do caráter cristão é produzido (Gál. 5:16-25). Da mesma forma, o Espírito não é uma propriedade particular, que ministra somente aos cristãos individualmente; ele também une todos no Corpo de Cristo, a Igreja, de maneira que a comunhão cristã é "a comunhão do Espírito Santo", e o culto cristão é adoração no ou pelo Espírito Santo (p. ex., Filip. 2:1; 3:3). Também é ele que chega a outros através de nós, levando-nos a testemunhar de Cristo, e equipando-nos com dons para o serviço para o qual ele nos convoca. Além disso, ele é chamado de "o penhor da nossa herança" (Efés. 1:13,14), porque sua presença dentro de nós é tanto a garantia de que iremos ao céu quanto o antegozo dele. Por fim, no último dia sua atividade será a de ressuscitar nossos corpos mortais (Rom. 8:11).
Esta visão de relance de algumas das principais atividades do Espírito Santo na experiência do cristão deve bastar para mostrar que, do começo ao fim da nossa vida cristã, somos dependentes da obra do Espírito Santo – o Espírito, nas palavras de Pauto, "que nos foi outorgado (dado)" (Rom. 5:5). Eu creio nisto, e espero que todos os cristãos concordem comigo.
Todavia, será que este "dom" do Espírito prometido é a mesma coisa que o "batismo" do Espírito Santo? É neste ponto que as convicções diferem. Alguns dizem "sim"; outros, "não". Os que dizem "não", crêem que "dom" e "batismo" são diferentes, passam a ensinar que o "batismo" é uma segunda experiência, subseqüente, mesmo se, pelo menos em termos ideais, ela segue a primeira muito de perto. Por outro lado, para os que crêem que ambos são idênticos, e que ser "batizado" com o Espírito é uma figura vívida para ter "recebido" o Espírito, o "batismo" é algo que todos os cristãos tiveram. Esta é a minha convicção, e em seguida explicarei o que entendo ser a base bíblica para esta posição.
Não estamos fazendo um jogo de palavras superficial, como poderia parecer. Pelo contrário, nossa posição terá um impacto considerável sobre a compreensão da nossa peregrinação cristã pessoal e sobre nosso aconselhamento de outras pessoas. Por isso, precisamos estudar algumas passagens bíblicas importantes, porque tratam desta questão. Antes, no entanto, precisamos visualizar o cenário do nosso debate.
Ao estudarmos a Bíblia, sempre é essencial que interpretemos um texto em seu contexto, e, quanto mais amplo for o contexto, mais correta provavelmente será nossa interpretação. O contexto mais amplo possível é a Bíblia toda. Cremos que toda a Bíblia é a Palavra escrita de Deus. Por isso, já que Deus não se contradiz, concluímos que a Bíblia é uma revelação divina harmoniosa. Nunca devemos "expor uma passagem da Escritura de uma maneira que seja repugnante a outra" (Vigésimo artigo dos 39 artigos da Igreja da Inglaterra). Antes devemos interpretar cada trecho bíblico à luz de toda a Escritura.
Ao aplicarmos este princípio à nossa pesquisa do que é o "batismo do Espírito", perceberemos antes de tudo que a expressão é exclusiva do Novo Testamento (onde ocorre sete vezes), mas que, mesmo assim, é o cumprimento de uma expectativa do Antigo Testamento. Esta expectativa geralmente era expressa em termos da promessa de Deus de "derramar seu Espírito, sendo que o apóstolo Pedro, em seu sermão no dia de Pentecostes, igualou especificamente o "derramamento" do Espírito (prometido por Joel) ao "batismo" do Espírito (prometido por João Batista e Jesus). As duas expressões estavam se referindo ao mesmo evento e à mesma experiência.1

A Promessa de uma Bênção Diferente

Podemos ir além. Este "derramamento" ou "batismo" do Espírito haveria de ser uma das bênçãos mais distintivas da nova época. Tanto que o apóstolo Pauto pôde descrever a nova era iniciada por Jesus como "o ministério do Espírito" (2 Cor. 3:8).
É claro que isto não quer dizer que o Espírito Santo não existia antes. O Espírito Santo é Deus e, portanto, eterno. Também não quer dizer que ele estava inativo antes. No tempo do Antigo Testamento, ele estava incessantemente ativo – na criação e na preservação do universo, na providência e na revelação, na regeneração de crentes, e na capacitação de pessoas especiais para tarefas especiais.
Mesmo assim, alguns profetas predisseram que nos dias do Messias, Deus concederia uma difusão liberal do Espírito Santo, nova e diferente, bem como acessível a todos (como veremos). Neste sentido Isaías falou do dia em que o Espírito seria "derramado sobre nós lá do alto" (32:15). Em Isaías 44:3 Deus prometeu: "Derramarei água sobre o sedento, e torrentes sobre a terra seca, derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade, e a minha bênção sobre os teus descendentes". A mesma terminologia foi usada por Ezequiel, a quem Deus disse: "Saberão que eu sou o Senhor seu Deus, quando.., derramarei o meu Espírito sobre a casa de Israel" (39:28,29). Da mesma forma, em uma passagem mais conhecida, Deus disse: "E acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne" (Joel 2:28).
João Batista, o último profeta da ordem antiga, resumiu esta expectava em seu dito conhecido, que creditou o derramamento do Espírito ao próprio Messias: "Eu vos tenho balizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo" (Mar. 1:8).
A esta altura é instrutivo observar que esta profecia de João, registrada pelos três evangelistas sinóticos como futuro simples ("ele vos batizará"), no quarto evangelho toma a forma de um particípio presente: "Eu não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar com água, me disse: Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que baliza com o Espírito Santo" (João 1:33). Este uso do particípio presente tira do verbo os limites do tempo. Ele não descreve o evento único que foi o Pentecostes, mas o ministério específico de Jesus: "Esse é o que baliza com o Espírito Santo".2
Na verdade, as mesmas palavras, ho baptizôn, que aqui se referem a Jesus, são aplicadas por Marcos a João Batista! Geralmente, João é chamado de ho baptistés, "o Batista", porém três vezes na narrativa de Marcos (1:4; 6:14, 24) ele é chamado de ho baptizôn, (diferença que não aparece em nossas traduções em português, mas que significa "o Batizador", N.T.). Em outras palavras, assim como João é chamado de "o Batista" ou "o Batizador", porque a característica do seu ministério era batizar com água, também Jesus é chamado de "o Batista" ou "o Batizador", porque a característica do seu ministério é batizar com o Espírito Santo.
Esta referência ao ministério diferente de Jesus é reforçada pelo versículo 29 do mesmo capítulo (João 1), em que João Batista diz: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" Trata-se de outro particípio presente, ho airôn. Se juntarmos os versículos 29 e 33, descobriremos que a obra característica de Jesus é dupla: ela inclui uma remoção e uma doação, uma retirada do pecado e um batismo com o Espírito Santo. Estes são os dois grandes dons de Jesus Cristo, nosso Salvador. Eles são sempre apresentados juntos pelos profetas do Antigo Testamento e pelos apóstolos no Novo, e não podem ser separados. Por isso Deus prometeu através do profeta Ezequiel: "Aspergirá água pura sobre vós, e ficareis purificados; ... porei dentro era vós o meu Espírito, e farei com que andeis nos meus estatutos..." (36.25,27).
Estas duas promessas de Deus na verdade são as duas grandes bênçãos da "nova aliança" profetizada por Jeremias. Porque os termos da nova aliança incluem estas palavras: "Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei... perdoarei as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei".3
É um testemunho maravilhoso à unidade da Escritura verificar como os apóstolos retomaram estas promessas relacionadas com a nova aliança. Eles sabiam que a nova aliança tinha agora sido estabelecida e ratificada pelo sangue de Jesus (Mat. 26:28, Heb. 7:22; 8:1-13), e por isso falaram abertamente que as bênçãos da aliança prometidas, agora estavam disponíveis através do mesmo Senhor Jesus. Assim Paulo chamou os ministros cristãos de "ministros de uma nova aliança", avançando em seguida para descrevê-la como "ministério da justiça" (isto é, justificação), e como "ministério do Espírito" (2 Cor. 3:6-9).
De maneira semelhante, o apóstolo Pedro exclamou no dia de Pentecostes: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo" (Atos 2:36). Assim, Pedro garantiu a todos que se arrependessem e cressem,4 e dessem testemunho público de sua fé penitente em Jesus, sendo batizados em seu nome, que receberiam gratuitamente de Deus dois presentes: o perdão de seus pecados e o dom do Espírito Santo.
Além disso, uma leitura cuidadosa dos dois primeiros capítulos de Atos leva à conclusão de que este "dom do Espírito" é sinônimo com o que antes é chamado de "a promessa do Espírito" (1:4; 2:33, 39), "o batismo do Espírito" (1:5) e "o derramamento do Espírito" (2:17,33), embora possamos dizer que duas destas expressões põem mais ênfase no ato de dar, e as outras duas no ato de receber o Espírito. Podemos resumir tudo isto dizendo que aqueles crentes penitentes receberam o dom do Espírito que Deus tinha prometido antes de Pentecostes, e que foram balizados com o Espírito que Deus derramou no dia de Pentecostes. O apóstolo Pedro conservou sua convicção sobre esta identificação de significados. Quando Cornélio se converteu mais tarde e recebeu o Espírito, Pedro se referiu àquilo como o "batismo" e como o "dom" do Espírito (Atos 11:16,17).
À luz de todo este testemunho bíblico, parece-me estar claro que o "batismo" do Espírito é idêntico à promessa ou dom do Espírito, e é tão parte integrante do evangelho da salvação quanto a remissão de pecados. Certamente, jamais devemos pensar na "salvação" em termos meramente negativos, como se ela consistisse apenas em nossa libertação do pecado, culpa, ira e morte. Agradecemos a Deus porque ela inclui todas estas coisas. Mas ela abrange também a bênção positiva do Espírito Santo, que nos regenera, vem morar em nós, nos liberta e transforma. Quão truncada fica a nossa pregação do evangelho se damos ênfase somente a um lado! E que evangelho glorioso temos para compartilhar quando nos mantemos fiéis à Escritura!
Quando pecadores se arrependem e crêem, Jesus não somente tira seus pecados, mas também os batiza com o seu Espírito. De fato, Paulo coloca isto para Tito em termos dramáticos, quando Deus "salva", ele não somente nos "justifica" por sua graça, mas também nos faz passar por um "lavar" ou "banho". Se isto é uma referência ao batismo na água, como é provável, então é uma indicação do que significa o batismo na água. Pauto o descreve com uma expressão marcante, composta. E um "banho de renascimento e renovação do, isto é, por meio do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós de maneira abundante, através de Jesus Cristo, nosso Salvador" (3.4-7, tradução própria). Assim, vemos novamente que o Espírito, derramado para nos regenerar e renovar, também faz parte da salvação. O "batismo" ou "dom" do Espírito realmente é uma das bênçãos especiais da nova era iniciada por Jesus Cristo.


A Promessa de uma Bênção Universal

O próximo passo em nosso estudo é constatar que o derramamento ou batismo do Espírito não é somente uma bênção diferente, especial, para esta nova era (por não ter estado disponível antes), mas também é uma bênção universal (por ser agora direito recebido por todos os filhos de Deus). Isto já transpareceu no fato de que ele é parte da salvação que Deus nos concedeu por meio de Cristo. Todavia, há ainda outras evidências que o confirmam.
A primeira é a profecia de Joel e como Pedro a entendeu. A ênfase na promessa de Deus através de Joel está na universalidade do dom do Espírito. Veja os termos em que Pedro a citou: "E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne" (Atos 2:17). Isto não pode estar se referindo a "toda a carne", seja qual for sua disposição interior de receber o dom, seu arrependimento e sua fé; refere-se a "toda a carne", independente de sua posição ou privilégios exteriores. Indica que não haverá distinção de sexo ou idade, dignidade ou raça no recebimento deste dom divino, porque tanto filhos como filhas, jovens ou idosos, servos ou servas, e mesmo "todos os que ainda estão longe" (v. 39) o que se refere aos gentios, irão recebê-lo. Ainda mais: independente de idade, sexo, raça e classe social, o dom inclui todos os que se arrependem e crêem.
No tempo do Antigo Testamento, apesar de todos os crentes serem realmente regenerados,5 o Espírito Santo vinha sobre pessoas especiais para ministérios especiais em épocas especiais. Ele ainda capacita pessoas especiais para tarefas especiais, como veremos mais adiante. Porém, agora este ministério é mais amplo e profundo do que jamais foi em tempos do Antigo Testamento. Então, qual é a diferença entre o ministério do Espírito nos dias do Antigo Testamento e os nossos dias?
Em primeiro lugar, todos os crentes, de todas as raças, participam agora da bênção do Espírito. Em segundo lugar, apesar de os crentes do Antigo Testamento terem conhecido a Deus e experimentado um novo nascimento, a presença do Espírito, morando agora nos crentes, é algo que eles nunca presenciaram, e que faz parte da nova aliança e do reino de Deus, profetizado tanto pelos profetas corno pelo Senhor Jesus (Jer. 31:33, Ezeq. 36:26, 27; João 14:16, 17; Rom. 14:17), Em terceiro lugar, a obra diferente do Espírito Santo se relaciona essencialmente com Jesus Cristo. Vimos acima que ele, em seu ministério de santificação, revela Cristo aos crentes e forma Cristo nos crentes, e isto, pela natureza do assunto, ele não poderia ter feito antes que Cristo viesse (veja João 16:14; Gál. 4:19; Efés. 3:16, 17).
Pedro entendeu que a profecia de Joel prometia este dom ou batismo do Espírito a todos os crentes; isto parece claro da conclusão do seu grande sermão (Atos 2:38, 39), onde ele aplica a passagem aos seus ouvintes: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros (para nós também) é a promessa (que nós herdamos, veja v. 33) para vossos filhos, e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor nosso Deus chamar". Esta última sentença é uma afirmação muito clara e impressionante. Quer dizer que a promessa do "dom" ou "batismo" do Espírito é para tantos quantos o Senhor nosso Deus chamar. A promessa de Deus está ligada à vocação de Deus. Todos os que acatam o chamado de Deus herdam a promessa divina.

O Dia de Pentecostes

E foi assim que aconteceu! Dos que ouviram a palavra naquele dia, três mil Se arrependeram, creram e foram batizados com água. Não é dito especificamente que eles receberam a remissão dos seus pecados e o dom do Espírito, mas temos fortes razões para crer que isto aconteceu. Não se trata de um argumento fraco baseado no silêncio. Ele está baseado na promessa inequívoca do apóstolo Pedro de que eles receberiam estes dons se se arrependessem, cressem e fossem batizados. Sabemos que todos os três mil foram batizados (v. 41) depois de ter "aceitado a palavra" (com fé penitente). Uma vez que eles preencheram os requisitos, Deus deve ter cumprido sua promessa. Isto leva à conclusão de que, de acordo com o segundo capítulo de Atos, dois diferentes grupos de pessoas receberam o "batismo" ou "dom" do Espírito no dia de Pentecostes – os 120 do início do capítulo e os 3.000 do fim.
Parece que os 3.000 não experimentaram os mesmos fenômenos miraculosos (o vento impetuoso, as línguas de fogo, a comunicação em línguas estranhas). Pelo menos não lemos nada sobre isto no relato, Porém, devido à promessa de Deus através de Pedro, eles devem ter herdado a mesma garantia e recebido o mesmo dom (versículos 33 e 39). Mesmo assim, havia uma diferença entre os dois grupos: os 120 já estavam regenerados, e receberam o batismo do Espírito somente depois de esperar em Deus durante dez dias. Os 3.000, por sua vez, eram descrentes, e receberam o perdão dos seus pecados e o dom do Espírito ao mesmo tempo – imediatamente após terem se arrependido e crido, sem precisarem esperar nem um instante.
Esta distinção entre os dois grupos, os 120 e os 3.000, é de grande relevância, porque a norma parra hoje, sem dúvida, deve ser o segundo grupo, os 3.000, e não o primeiro (como muitos pensam). A experiência dos 120 ocorreu em dois estágios diferentes, simplesmente em razão de circunstâncias históricas. Eles não poderiam ter recebido o dom pentecostal antes do Pentecostes. Todavia, estas circunstâncias históricas há muito deixaram de existir. Nós vivemos depois dos acontecimentos de Pentecostes, como os 3.000. Portanto, nós, como eles, recebemos o perdão dos pecados e o "dom" ou "batismo" do Espírito ao mesmo tempo.
Isto não quer dizer que tudo o que está relacionado com o segundo grupo no dia de Pentecostes é normativo para a experiência cristã hoje. Creio que todos concordarão em que a conversão de 3.000 pessoas como resultado de um único sermão é um tanto excepcional; certamente não é a expectativa média de um evangelista no mundo moderno!
A verdade é que o Dia de Pentecostes teve pelo menos dois significados, e muitos fazem confusão hoje em dia porque não entendem a distinção entre eles. Em primeiro lugar, este evento foi o último da atividade salvadora de Jesus: o derramamento do Espírito prometido há tanto tempo, subseqüente à sua morte, ressurreição e ascensão. Neste sentido, este dia deu início à nova era messiânica, a era do Espírito. Ele é singular em si, assim como a morte do Salvador não pode ser repetida, nem sua ressurreição e ascensão, que o precedem. Suas bênçãos, no entanto, existem para todos os que pertencem a Cristo. Desde aquele dia, todos os cristãos, sem exceção, tornaram-se participantes desta nova era e receberam os dons do perdão e do Espírito, que Cristo nos tornou acessíveis através de sua morte, ressurreição, ascensão e derramamento do Espírito. Neste sentido os que se converteram no dia de Pentecostes, em resultado à pregação de Pedro são exemplos para todos os crentes subsequentes.
Porém o dia de Pentecostes tinha ainda um outro significado, mais inesperado, Ele foi o cumprimento não só da expectativa geral do Antigo Testamento da vinda do Espírito, mas também das promessas especiais de Jesus no Cenáculo, ditas primeiramente aos apóstolos, e cujo cumprimento haveria de capacitá-los para seu trabalho apostólico especial, de mestres inspirados e autorizados.
O Pentecostes pode também ter um terceiro significado. É correto considerá-lo o primeiro "reavivamento", a primeira vez que o Espírito manifestou seu poder em medida tão abundante que um grupo tão grande, de 3.000, foi, ao mesmo tempo, convencido dos seus pecados, renascido e admitido na comunidade cristã. Reavivamentos ou manifestações incomuns do poder do Espírito Santo como este, continuaram existindo na história da Igreja cristã de tempos em tempos. Mas não podem ser considerados como norma.
Normativa, isto sim, foi a experiência prometida especificamente na conclusão de Pedro, a todos a quem Deus chama e que respondem com fé penitente; a saber, que eles receberiam o perdão e o Espírito Santo. Estes dois dons foram e ainda são dados e recebidos ao mesmo tempo. Não há intervalo entre eles, como houve no caso dos 120 (por causa da razão histórica excepcional explicada acima).
Alguns leitores poderão levantar imediatamente a objeção de que os 120 não foram os únicos, já que a experiência de alguns crentes samaritanos e de alguns discípulos de João Batista, registrada mais adiante em Atos (8:5-17 e 19:1-7) também ocorreu em duas etapas. Em seguida nos deteremos um pouco nestas passagens. Antes disso, é preciso repetir que a doutrina do Espírito Santo não pode ser deduzida de passagens puramente descritivas em Atos. É impossível construir uma doutrina consistente s partir delas, porque elas não são consistentes. Não se pode nem deduzir uma doutrina do Espírito Santo da descrição do dia de Pentecostes; minhas tentativas acima são deduções das interpretações do evento que Pedro faz em seu sermão. Além disso, um dos princípios fundamentais da interpretação da Bíblia é começar com o geral, nunca com o especial. A pergunta crucial a fazer é: qual é o ensino geral dos autores do Novo Testamento sobre o recebimento do Espírito Santo? Depois estaremos em condições de analisar, à luz deste ensino geral, os dois desvios aparentes desta norma e as passagens narrativas de Atos.
Então, o que os apóstolos ensinaram sobre quando e como uma pessoa recebe o Espírito? Podemos dar uma resposta clara e definida a esta pergunta. Já vimos o que Pedro ensinou. Verificamos que Paulo ensinou consistentemente a mesma coisa. Ele insistiu em que nós "recebemos o Espírito" não como resultado de boas obras de obediência, que podemos ter feito, mas "pela pregação da fé" (Gál. 3:2), ou seja, "porque ouviram e creram nas Boas-Notícias do Evangelho" (BLH). Ele o diz de maneira mais simples ainda: "... a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito prometido" (Gál. 3:14). O contexto deixa claro que esta "fé" não é um segundo ato de fé, depois da conversão, mas fé Salvadora, a fé que responde ao evangelho e recebe a Cristo.

Os Crentes Samaritanos

Depois de entendermos o ensino geral claro de Jesus e seus apóstolos, de que o dom ou batismo do Espírito Santo é uma bênção universal, o bem comum de todos os filhos de Deus, estamos prontos para votar às duas passagens de Atos onde encontramos pessoas que parece terem-se tornado crentes sem terem recebido o Espírito Santo. Se as estudarmos com cuidado, perceberemos que há nas duas situações algo incomum, algo irregular.
A primeira passagem é Atos 8:5-17. O evangelista Filipe pregou o evangelho em Samaria, e muitos creram e foram batizados. Dificilmente pode haver dúvidas de que eles eram crentes cristãos genuínos; não há nenhuma indicação de que sua resposta tenha sido insuficiente. A única exceção é o mago Simão, de quem se diz que "abraçou a fé" (v.13), mas cuja profissão de fé mais tarde provou-se espúria (vv. 20-23). O primeiro sinal de que há algo de incomum neste incidente é que, "ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João" (v. 14). Por quê? Não há evidências de que em outras ocasiões o trabalho evangelístico teve de ser inspecionado ou interditado por dois apóstolos. No fim do mesmo capítulo, por exemplo (vv. 26-40), o mesmo Filipe pregou o evangelho a um funcionário público etíope e o batizou quando este creu. Todavia, não foi enviado nenhum apóstolo para investigar ou impor-lhe as mãos. Então, que explicação há para este procedimento excepcional de uma delegação apostólica?
A resposta mais provável não é que esta foi a primeira vez que o evangelho tinha sido pregado fora de Jerusalém (vv. 1, 4), mas que estes convertidos eram samaritanos. Certamente está nisto a importância da história no relato de Lucas sobre o desenrolar da missão cristã. Ele está descrevendo como a ordem pré-pentecostal de Jesus está se cumprindo: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra" (1:8). A decisão de Filipe de proclamar Cristo aos samaritanos (8:5) foi uma atitude mulo corajosa. Durante séculos houve uma rivalidade ferrenha entre judeus e samaritanos, e ainda no tempo de Jesus "os judeus não se davam com os samaritanos (João 4:9). Agora um judeu tinha pregado a samaritanos e, ainda por cima, samaritanos tinham aceito a mensagem do judeu!
O que ida acontecer? O momento era empolgante, e também perigoso. Será que Filipe estivera certo em dar este passo? Será que os samaritanos realmente poderiam ter abraçado o evangelho? E o que era ainda mais importante, será que os crentes judeus iriam aceitá-los? Ou será que a velha divisão entre judeus e samaritanos continuaria existindo na Igreja, causando uma separação desastrosa entre cristãos judeus e cristãos samaritanos? Não é razoável supor que foi precisamente para evitar o surgimento de uma situação destas que Deus reteve intencionalmente o dom do Espírito dos crentes samaritanos (ou, pelo menos, a evidência externa do dom) até que dois dos principais apóstolos viessem investigar, reconhecer e confirmar, com imposição de mãos, a veracidade da conversão dos samaritanos? Nenhuma outra explicação da história dos samaritanos: a) harmoniza-a com o ensino geral dos apóstolos, do qual ela é um desvio, e b) ao mesmo tempo a situa em seu contexto histórico.
Sendo o incidente de Samaria tão obviamente anormal, é difícil entender porque a maioria dos cristãos pentecostais e alguns carismáticos podem considerá-lo como uma norma da experiência espiritual de hoje, ou seja, que o Espírito Santo é concedido depois da conversão. Da mesma forma, é difícil justificar o ponto de vista "católico" de que o Espírito é transmitido somente com a imposição de mãos apostólicas (que, para eles, são as mãos de bispos considerados "de sucessão apostólica"). Será que não está claro no restante no Novo Testamento que tanto a ocasião como os meios do dom aos samaritanos foram atípicos? Se isto é assim, então nem a experiência em dois estágios nem a imposição de mãos é a norma para receber o Espírito nos dias de hoje.6
Alguns carismáticos aceitam este argumento sobre a norma, mas voltam com uma contraproposta. Considerando que a experiência dos samaritanos foi anormal, dizem eles, será que esta anormalidade não poderia ser repetida hoje? Eu creio que nossa resposta a esta pergunta será determinada por nossa compreensão das razões para a anormalidade de Samaria. Se pudesse ser provado que o fato de eles não terem recebido logo o Espírito foi devido à sua má compreensão do evangelho ou sua aceitação falha dele, então talvez alguém pudesse argumentar que uma resposta falha hoje poderia resultar em um início igualmente falho. Porém eu não creio que se possa provar isto. Pelo menos não há nada no relato de Lucas que sugira, ou que Filipe não ensinou de forma correta, ou que os samaritanos não creram de modo próprio, de maneira que os apóstolos tiveram de complementar o ensino de Filipe ou aperfeiçoar a compreensão dos samaritanos.
Pelo contrário, o que levou os apóstolos até Samaria foi exatamente a notícia de que estas pessoas "tinham recebido a Palavra de Deus" (v. 14). Não parece ter havido nada falho na Palavra de Deus que eles ouviram nem na resposta que lhe deram. Em vez disto, como foi dito acima, a razão pela qual o Espírito não lhes foi dado parece estar na situação histórica. E, já que esta situação histórica foi única e não pode ser repetida (o cisma judaico-samaritano foi tragado há muito pela missão cristã universal), não consigo ver como a maneira anormal pela qual os samaritanos receberam o Espírito pode ser encarada hoje como precedente.

Os Discípulos em Éfeso

O segundo incidente incomum está descrito era Atos 19:1-7. Paulo iniciara a terceira das suas famosas viagens missionárias e chegou em Éfeso. Ali ele encontrou uma dúzia de homens que, a julgar pela descrição que Lucas faz deles, nem parecem ter sido cristãos. É verdade que eles são chamados de "discípulos" (v. 1), mas isto não precisa significar mais do que discípulos professos, assim como se diz do mago Simão que ele "abraçou a fé" (8:13), apesar do contexto mostrar que ele só tinha dito crer.
Comentando uma outra passagem da Escritura, Charles Hodge, o erudito de Princeton, do século passado, escreveu: "A Escritura sempre fala das pessoas de acordo com o que elas afirmam de si; com isso chama de crentes os que dizem crer, e de cristãos os que confessam Cristo".7 Paulo perguntou àqueles homens em Éfeso se tinham recebido o Espírito quando "creram" (v. 2). Isto mostra pelo menos que ele sabia que eles diziam serem crentes. Mas também dá a impressão de que, por alguma razão, ele duvidava da veracidade da sua fé, senão de forma alguma teria feito a pergunta. Já vimos que ele é consistente era ensinar que o Espírito é concedido aos que crêem. Como então, ele poderia ter feito esta pergunta, a não ser que algo o fizesse suspeitar de que a vida cristã deles não era real, bem como sua profissão de fé?
Os acontecimentos mostraram que sua suspeita tinha fundamento. Podemos verificar as seguintes constatações: a) Em resposta à sua pergunta se eles tinham recebido o Espírito, não disseram um simples "sim" ou "não", nem mesmo um "não sei" admirado, mas "nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo" (v. 2); b) Então Pauto imediatamente perguntou-lhes sobre seu batismo (v. 3), porque o batismo na água é em nome da Trindade (Mat. 28:19) e, como veremos, dramatiza, representa o batismo no Espírito. Seu raciocínio era simples: como poderia ter-lhes sido ministrado o batismo cristão, se eles nunca tinham ouvido falar no Espírito Santo? Ele estava correto. Eles não tinham sido balizados; c) O batismo que eles tinham recebido era o de João Batista, provavelmente em resultado do ensino incompleto, de Apolo, que havia visitado Éfeso recentemente (18.24-26).
Então, o que Pauto fez? Ele não procedeu a algum ensino mais elevado ou completo; ele votou completamente ao princípio, à essência do evangelho. Ele lhes explicou que aquele que viria, em quem João Batista dissera que cressem, na verdade era Jesus (v.4); d) Depois, Paulo os batizou "em o nome do Senhor Jesus" e lhes impôs as mãos, conseqüência de que "veio sobre eles o Espírito Santo", acompanhado de sinais (línguas e profecia), como evidência visível e audível.
Atualmente alguns mestres usam esta história para basear seu ponto de vista de que na experiência cristã normal o dom ou batismo do Espírito é uma segunda experiência, subseqüente, depois da conversão. Entretanto, a história na verdade não pode ser usada neste sentido. Naturalmente não estou negando que estes homens receberam o Espírito quando Paulo os batizou e lhes impôs as mãos. A pergunta é: será que eles eram cristãos antes disto? Vimos que, em certo sentido, eles diziam ser "discípulos".
Mas quem afirmaria seriamente que pessoas que nunca ouviram falar do Espírito Santo, nem foram batizadas no nome de Jesus, nem mesmo aparentemente criam em Jesus, são discípulos cristãos verdadeiros? Certamente ninguém. Se eles eram discípulos de alguém, então o eram de Apolo e João Batista. Não eram cristãos claramente convertido. Com certeza, eles não podem ser considerados cristãos típicos nos dias de hoje.
Outros expositores chamam a atenção para a seqüência de eventos: fé em Jesus, batismo em nome de Jesus, imposição de mãos por Paulo, vinda do Espírito Santo. Estes enfatizam que o Espírito veio sobre os efésios, não só depois de terem crido, mas também depois de terem sido batizados e recebido a imposição de mãos. Realmente foi assim; mas eu, pessoalmente, não creio que a ordem tem muita importância. Para mim, o que realmente importa é que todos os quatro elementos estão unidos e não podem ser separados. Eles eram partes distintas de uma única iniciação em Cristo, feita com batismo e imposição de mãos (exteriormente), e com a fé e o dom do Espírito (interiormente).


A Terminologia do Batismo

O que surgiu do nosso estudo até aqui, e não pode ser diminuído pelos casos excepcionais de Atos 8 e 19, é que o dom do Espírito Santo é uma experiência cristã universal, por ser uma experiência cristã inicial. Todos os cristãos recebem o Espírito no momento em que começam as suas vidas cristãs.
Esta verdade também é confirmada pelo uso da expressão "batismo do Espírito" no Novo Testamento como equivalente a "dom do Espírito", ou, antes, o verbo (já que a expressão sempre é verbal) "batizar" ou "ser batizado" com o Espírito Santo. O próprio conceito de "batismo" é de iniciação. O batismo na água é o ritual público da iniciação em Cristo. Ele representa visivelmente tanto o lavar dos pecados (Atos 22:16) quanto a concessão do Espírito. Veja Atos 2:38, onde os dois aspectos da salvação são relacionados com o batismo. Ele é o símbolo de que o batismo do Espírito é a realidade. Deve ter sido por isto que a reação imediata de Pedro, quando Cornélio foi balizado com o Espírito, foi dizer: "Porventura pode alguém recusar a água, para que não sejam balizados estes que, assim como nós, receberam o Espírito Santo?" (Atos 10:47; 11:16). Se eles tinham recebido a realidade, quem poderia recusar-lhes o sinal? Isto também explica a segunda pergunta aos "discípulos" em Éfeso. Quando estes lhe disseram que nunca tinham ouvido falar do Espírito Santo, ele imediatamente lhes perguntou em que tinham sido balizados. Os dois apóstolos ligaram claramente os dois batismos.
Além disso, não pode haver dúvida de que o batismo com o Espírito recebido por Cornélio foi sua iniciação em Cristo, sua conversão. Um anjo de Deus havia-lhe dito que mandasse chamar Simão Pedro, que lhe anunciaria uma mensagem através da qual ele e sua casa seriam "salvos" (Atos 11:14). Pedro pregou-lhe o evangelho, terminando com a promessa do perdão dos pecados pelo nome de Jesus (10:43). Depois que Cornélio e os de sua casa creram (15:7) e foram balizados, tanto com o Espírito como com água, é dito que eles "receberam a palavra de Deus" (11:1), enquanto (era duas passagens significativas) afirma-se que Deus lhes "concedeu o arrependimento para vida" (11:18) e "purificou-lhes pela fé os corações" (15:9).
Este conceito da natureza inicial do dom do Espírito, como é indicado pelo termo "batismo" e ilustrado pela conversão de Cornélio, está completamente em sintonia com o ensino geral dos apóstolos, como já vimos. Estar "no Espírito" (o que, na maneira de Pauto se expressar, é a mesma coisa que estar "em Cristo") – são todas descrições de qualquer crente cristão, por mais novo na fé que ele possa ser, verdadeiramente desde o primeiro momento da sua nova vida (Rom. 8:9, Gál. 5:25, Rom. 8:14). Os escritores do Novo Testamento sempre pressupõem que Deus "deu" Seu Espírito Santo aos seus leitores (p. ex., Rom. 5:5, 1 Tess. 4:8; 1 João 3:24; 4:13); não existe uma única passagem na qual eles os exortam a recebê-lo.

1 Coríntios 12:13

Uma outra confirmação de que "ser balizado com o Espírito" é o início, vem de uma comparação dos sete versículos em que esta expressão ocorre, especialmente de um estudo da única passagem fora dos Evangelhos e de Atos.
As primeiras quatro ocasiões em que a expressão é usada são as passagens paralelas onde João Batista descreve profeticamente o ministério do Senhor Jesus: "Ele vos balizará com o Espírito Santo" (Mat. 3:11; Mar. 1:8; Luc. 3:16, João 1:33). A quinta é a citação que nosso Senhor faz da profecia de João, em que ele a aplica ao Pentecostes: "Vós sereis balizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias" (Atos 1:5). A sexta é a referência de Pedro à citação que Deus faz da profecia de João, onde ele a aplica à conversão de Cornélio, sobre a qual estivemos falando há pouco. Ele relata aos apóstolos em Jerusalém e a outras pessoas: "Então me lembrei da palavra do Senhor, como disse: João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis balizados com o Espírito Santo" (Atos 11:16).
A sétima – e última – ocorrência da expressão está em 1 Cor. 12:13. Paulo escreve: "Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito". Isto não pare ser uma simples referência ao dia de Pentecostes, pois nem Pauto nem os coríntios estiveram lá para participar pessoalmente do acontecimento. Mesmo assim, tanto ele como os coríntios puderam participar da bênção que este evento tomou possível. Eles tinham recebido o Espírito Santo, ou, antes, usando sua própria terminologia, tinham sido "batizados" com o Espírito Santo e foi-lhes dado beber" do Espírito Santo.
O que imediatamente desperta atenção neste versículo é a repetição enfática da palavra "todos" ("todos nós fomos balizados", "a todos nós foi dado beber") e da palavra "um" ("em um só Espírito", "em um corpo", "de um só Espírito"), uma contrastada com a outra, intencionalmente. Isto está em harmonia com o contexto. Em 1 Cor. 12 o apóstolo está enfatizando, no começo do capítulo, a unidade do Espírito, o doador dos dons espirituais, antes de desenvolver, na segunda parte do capítulo, a diversidade dos dons em si. Ele está sublinhando que, como cristãos, temos uma experiência do Espírito Santo igual para todos. Esta é a diferença entre "o dom do Espírito" (que significa o próprio Espírito) e "os dons do Espírito" (que significa os dons espirituais que ele distribui).
Na primeira parte do capítulo, ele fala (literalmente) três vezes de "um Espírito" (9b, 13a e b), três vezes do "mesmo Espírito" (4, 8 e 9a), e uma vez de "um e o mesmo Espírito" (11). Aí está sua ênfase. O clímax está no versículo 13: "Pois, em um só Espírito, todos nós fomos balizados em um corpo... e a todos nós foi dado beber de um só Espírito". Assim, o batismo do Espírito neste versículo, longe de ser um fator diferenciador (alguns o têm, outros não), é um grande fator unificador (uma experiência que todos tivemos). Ele é, na verdade, o meio de entrada no Corpo de Cristo. E a menção que Paulo faz de judeus e gregos, escravos e livres pode bem ser uma alusão a "toda a carne" de Joel, não importando raça ou posição. A unidade do Corpo surge da unidade do Espírito, e é exatamente isto que Paulo deixa implícito em Efés. 4:4: "Há somente um corpo e um Espírito". Portanto, é difícil resistir à conclusão de que o batismo do Espírito não é uma segunda experiência, subseqüente, que alguns cristãos têm, mas é a experiência inicial que todos têm.
Algumas pessoas, todavia, não acertam esta conclusão, e fazem uma distinção exegética sutil. Elas concordam que os primeiros seis versículos se referem a um batismo por Jesus Cristo em ou com o Espírito Santo, mas argumentam que o sétimo versículo (1 Cor. 12:13) refere-se a um batismo pelo Espírito Santo no corpo de Cristo, sendo, portanto, algo bem diferente. Dizem: "Sem dúvida o Espírito Santo batizou a todos nós no corpo de Cristo, mas isto não prova que Jesus batizou a todos com o Espírito Santo".
Para mim isto é um exemplo de defesa do indefensável. A expressão grega é exatamente a mesma em todas as sete ocorrências,8 e, por isso, deve-se entender que ela se refere à mesma experiência de batismo em todos os versículos, a priori, num princípio sadio de interpretação. O peso da evidência está com os que negam isto. A interpretação natural é que Paulo está fazendo eco às palavras de João Batista, como Jesus e Pedro o fizeram antes (Atos 1:5; 11:16). Não é natural dizer que Jesus é o Batizador em seis passagens e o Espírito o Batizador na sétima. Eu creio que não podemos concordar com a tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje em 1 Cor. 12:13: "Fomos balizados num só corpo pelo mesmo Espírito..."
A preposição grega neste versículo é en, da mesma forma como nos outros seis, ocorre ela é traduzida por "com"; por que deveria ser traduzida de modo diferente aqui? Se é porque as palavras en heni pneumati ("em um só Espírito"; BLH "pelo mesmo Espírito") estão no início da frase, a razão disto certamente é que Paulo está destacando a unidade do Espírito do qual participamos, e não que o Espírito é o Batizador.
Deixe-me ampliar um pouco este ponto. Em cada tipo de batismo (de água, sangue, fogo, Espírito, etc.) há quatro elementos. Os dois primeiros são o sujeito e objeto, ou Seja, o batizador e o batizado. Em terceiro lugar, há o elemento com ou em (en) que o batismo é realizado, e, em quarto lugar, o propósito (eis). Como exemplo, vejamos a passagem pelo Mar Vermelho, que o apóstolo Paulo descreve como um rito de batismo (1 Cor. 10:1,2). É presumível que o próprio Deus tenha sido o batizador. Sem dúvida, os israelitas em fuga foram os balizados. O elemento pelo qual o batismo foi administrado foi água ou borrifo da nuvem e do mar, e o propósito é indicado pela expressão "com respeito a Moisés" (eis significa "para dentro"), ou seja, foram unidos a ele, o líder que Deus lhes dera.
No batismo de João, o sujeito foi João Batista, e os objetos foram as pessoas de "Jerusalém, toda a Judéia e toda a circunvizinhança do Jordão" (Mat. 3:5). O batismo realizou-se em (en) águas do rio Jordão, e foi para (eis) arrependimento (Mat. 3:11) e, portanto, para remissão de pecados (Mar. 1:4; Luc. 3:3).
O batismo cristão é semelhante. O ministro batiza o crente professo com ou em (en) água. O batismo é para consagração (eis) ao nome da Trindade (Mat. 28:19), ou especificamente ao nome do Senhor Jesus (Atos 8:16; 19:5), isto é, do Cristo crucificado e ressurreto (Rom. 6:3,4).
Nestes exemplos podemos ver que, em cada tipo de batismo, há, além do sujeito e objeto, tanto um en como um eis, isto é, um elemento com que ou em que, e outro para que o batismo é administrado. O batismo do Espírito não é exceção. Se reunirmos as sete referências a este batismo, descobriremos que Jesus é o batizador, como João Batista tinha predito claramente. De acordo com 1 Cor. 12:13 os batizados somos "todos nós". O próprio Espírito Santo é o "elemento" com que ou em que (en)9 o batismo é realizado (isto se pudermos descrever a terceira pessoa da Trindade nestes termos; a analogia entre o batismo com água e o batismo com o Espírito parece torná-lo legítimo). E o propósito deste batismo é a incorporação "em um corpo (en)", que é o corpo de Cristo, a Igreja.
É verdade que, destes quatro aspectos do batismo, o único explicitamente comum a todos os sete versículos é que este batismo é "com (ou em; en) o Espírito". Todos os versículos mencionam o "elemento", mas nem todos especificam o sujeito, o objeto ou o propósito do batismo. Isto, todavia, não deveria nos surpreender, já que as mesmas omissões ocorrem com as referências ao batismo de água no Novo Testamento. Às vezes se argumenta que, em 1 Cor. 12:13, o Espírito Santo deve ser o batizador, pois, de outra forma, o batismo não teria sujeito. Porém em Atos 1:5 e 11:16 também não se especifica o batizador. Nestes versículos não temos dificuldades para subentender Jesus como o batizador; por que não faríamos a mesma casa em 1 Cor. 12:13?
A razão pela qual Cristo não é mencionado especificamente como batizador nestes três versículos não está muito distante. Acontece que nos quatro Evangelhos o verbo está na voz ativa e Cristo é o sujeito ("Ele vos batizará"; "Este é o que batiza"), porém nos outros três versículos o verbo está na voz passiva, do qual o sujeito são os batizados ("sereis batizados"; "fomos batizados"). O verbo na voz ativa contrasta os dois batizadores, João e Jesus. Com os verbos na voz passiva, no entanto, a identidade do batizador passa a segundo plano, sendo que a ênfase recai sobre as pessoas privilegiadas que recebem o batismo, ou sobre o único Espírito com o qual elas são batizadas. Por isso eu reafirmo que em 1 Cor. 12:13 Jesus Cristo deve ser considerado o batizador, mesmo que ele não seja identificado.
O argumento se apóia em parte sobre os seis outros versículos em que a expressão ocorre, e em parte sobre a impossibilidade da alternativa. Se 1 Cor. 12:13 fosse diferente, e o próprio Espírito Santo fosse o batizador, o que seria o "elemento" com que ele batiza? O fato de não existir resposta para esta pergunta parece suficiente para derrubar esta interpretação, já que a metáfora do batismo requer necessariamente um "elemento"; senão o batismo não seria batismo. Por esta razão, o "elemento" no batismo de 1 Cor. 12:13 precisa ser o Espírito Santo e (sendo consistentes com os outros versículos) precisamos subentender Jesus Cristo como o batizador. De modo análogo, no fim do versículo, é do Espírito Santo que bebemos e (de acordo com João 7:37ss.) é o próprio Jesus quem nos "dá de beber" dele.
Depois de constatarmos que 1 Cor. 12:13 refere-se a Cristo batizando com o Espírito e fazendo-nos beber do Espírito, precisamos observar em seguida que "todos nós" participamos deste batismo e deste beber. Ser balizado e beber são claramente expressões equivalentes. Todos os cristãos experimentam as duas coisas. Além disto, o tempo aoristo dos dois verbos ("fomos batizados", "foi dado a beber") deve ser compreendido não só como uma alusão ao acontecimento do Pentecostes, mas também à sua bênção que todos os cristãos recebem pessoalmente quando de Sua conversão.

Conclusão

Portanto, a evidência que me esforcei em reunir do Novo Testamento em geral, do sermão de Pedro em Atos 2 e do ensino de Paulo em 1 Cor. 12:13 em particular, indica que o "batismo" do Espírito é idêntico ao "dom" do Espírito, que é uma das bênçãos diferentes da nova aliança e, também, uma bênção universal para os membros da aliança, cor ser uma bênção inicial. Ela é uma parte e um quinhão da nova época. O Senhor Jesus, mediador da nova aliança e fiador das suas bênçãos, concede o perdão dos pecados a o dom do Espírito a todos os que fazem esta aliança. O batismo de água, por sua vez, é o símbolo e o selo do batismo com o Espírito, assim como o é do perdão dos pecados. O batismo de água é o ritual cristão de iniciação porque o batismo com o Espírito é a experiência cristã de iniciação. Assim, pois, sejam quais forem as experiências posteriores à conversão (das quais falaremos mais adiante), "batismo com o Espírito" não pode ser expressão correta para elas.
O objetivo de Deus é que todas as pessoas recebam as bênçãos da nova aliança, como o perdão dos pecados e o dom do Espírito, e depois passem pelo batismo de água, como símbolo e selo destas bênçãos. Depois, elas devem continuar sendo cheias do Espírito, manifestando esta plenitude com santidade de vida e ousadia de testemunho. A Carta aos Hebreus descreve todos os cristãos como "participantes do Espírito Santo", que "provaram...os poderes do mundo vindouro" (6:4, 5). Toda a vida cristã, de acordo com o Novo Testamento, é vida no Espírito que vem após o nascimento no Espírito.
Além disto, a ênfase indiscutível das cartas no Novo Testamento não é no sentido de impor aos leitores cristãos alguma bênção totalmente nova e diferente, mas sim de lembrar-nos do que somos pela graça, conscientizar-nos disto, e incentivar-nos a viver através disto. Este é um fato muito importante, que não é entendido suficientemente. Parece que o horizonte de alguns cristãos está limitado a uma segunda experiência, subseqüente, que chamam de "batismo no Espírito".
Ao conversar com eles, se eles crêem que você já o experimentou, este é o seu ponto de referência no passado, e o principal elo de união entre vocês. Se, por outro lado, eles crêem que você ainda não o experimentou, então é isto que eles lhe desejam, e é o único ponto de referência no futuro. Então, quer estejam olhando para o passado, quer para o futuro, é o "batismo do Espírito", como segunda experiência, que preenche o seu horizonte. Todavia, o que eu tenho a dizer, realmente sem nenhum receio de ser contrariado, é que esta nunca foi a perspectiva dos escritores do Novo Testamento. Estes, quando olham para o passado, estão relembrando o grande feito de Deus quando ele nos pôs em Cristo, nos justificou, redimiu, regenerou e recriou. É para isto que eles apelam constantemente. E quando olham para o futuro, estão apontando para o crescimento em maturidade dos seus leitores e, adiante disto, para a perfeição que espera o surgimento glorioso do Salvador.
Por exemplo: quando o apóstolo João trata, em sua primeira carta, da necessidade de santidade, com que ele a relaciona? Não com um "batismo do Espírito" especial, que seus leitores devem ter tido ou deveriam ter, mas com seu primeiro nascimento de Deus e com sua obrigação de permanecer em Cristo. "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; ... não pode viver pecando, porque é nascido de Deus" (1 João 3:9). E: "Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado" (5:18).
Qual é a outra expectativa dos apóstolos? Eles esperam de nós uma conduta ética, muitas vezes bastante detalhada. Eles apelam a nós para que vivamos na realidade concreta da vida diária o que Deus já fez por nós em Cristo. Eles nos ordenam que cresçamos na fé, no amor, no conhecimento e na santidade. Eles nos advertem do julgamento e nos desafiam com a esperança da volta do Senhor. Enquanto isto, eles nos pedem que não entristeçamos o Espírito, mas que andemos me Espírito e que continuemos sendo cheios do Espírito, como veremos no próximo capítulo. Porém nunca, nenhuma vez, eles nos exortam e instruem a "sermos batizados com o Espírito". Só pode haver uma única explicação para isto: eles estão escrevendo para cristãos, e os cristãos já foram balizados com o Espírito Santo.
Não se trata de um simples debate sobre palavras, mas sobre doutrina. A verdade fundamental destacada é que, unindo-nos a Cristo, Deus nos deu tudo. Pela indescritível graça de Deus, já fomos "abençoados com toda sorte de bênção espiritual ... em Cristo" (Efés. 1:3), e é nossa responsabilidade apropriarmo-nos constante e progressivamente destas bênçãos, que já são nossas em Cristo.
De maneira semelhante, já que em Cristo "habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Col. 2:9) nós "recebemos a vida completa, em união com ele" (2:10, BLH). Se Deus nos deu o Senhor Jesus Cristo era sua plenitude, e se Cristo já mora em nós através do seu Espírito, o que mais Deus poderia acrescentar? A própria sugestão de que ainda há um dom adicional a receber não deprecia a plenitude e a suficiência de Jesus? Crescer em Cristo, sim! Acréscimos além de Cristo, jamais! Nós nascemos de Deus, somos seus filhos e herdeiros, morremos e ressuscitamos com Cristo, nossos corpos são o templo do Espírito Santo (1 Cor. 6:19), e esta presença do Espírito em nós é a garantia, na verdade até uma antecipação da nossa herança eterna no céu. Portanto, os escritores do Novo Testamento não se cansam de lembrar-nos dos nossos privilégios em Cristo, exortando-nos a levar uma vida que seja válida e apropriada. Somos incentivados a ser o que deveríamos ser (puros como ele é puro) por causa do que já somos em Cristo (filhos de Deus) e por causa do que seremos quando ele voltar (como ele). Veja 1 João 3:1-3.

CAPÍTULO UM – NOTAS

1. Veja Atos 1:4, 5; 2:17, 33.
2. Outro exemplo desta construção no grego está em Gál. 1:23, onde Saulo de Tarso é descrita como ho diokon hemas pote, "aquele que antes nos perseguia", ou, simplesmente, "nosso antigo perseguidor, mostrando que esta era sua característica antes de sua conversão.
3. Jer. 31:31-34. A inscrição da lei no coração sem dúvida seria obra do Espírito Santo, como fica claro em Ezeq. 36:27 e 2 Cor. 3:3, 6-8.
4. O fato de que a fé era uma exigência além do arrependimento está nos versículos 41, "os que lhe aceitaram a palavra", e 44 "todos os que creram", bem como em todo o Novo Testamento.
5. As principais evidências disto são indiretas. Em primeiro lugar, eles eram certamente "justificados" (cf. Rom. 4:1-8, baseado em Gên. 15:6 e Sal. 32:1, 2 , e é difícil conceber como um pecador pode ser justificado sem ter sido antes regenerado. Em segundo lugar, eles diziam amar a lei de Deus (p. ex., Sal. 119:97), já que a natureza não regenerada é hostil a Deus e rebelde à sua lei (Rom. 8:7), parece que eles possuíam uma natureza nova. Nós cantamos os salmos nos cultos cristãos porque reconhecemos neles a linguagem dos regenerados.
6. A "confirmação" episcopal é a maneira que a Igreja Anglicana escolheu para admitir como membros plenos na igreja os que foram batizadas (geralmente na infância), se arrependeram e creram. A imposição de mãos é um sinal de bênção propriamente bíblico, mas não é o meio normativo pelo qual o Espírito Santo é concedido e recebida. O Livro de Oração Comum, de 1662, diz apenas que Deus pode usar este sinal, acompanhado das orações da comunidade, para "certificar" os candidatos de que lhes é favorável e "fortalecê-los" pelo Espírito Santo.
7. C. Hodge, A Commentary on the Epistle to the Ephesians, 1856 (Banner of Truth, Londres, 1964), p. 124.
8. A única diferença é que o Espírito é caracterizado seis vezes como "santo" e no sétimo versículo como "um".
9. Cristãos pentecostais e carismáticos geralmente falam de "batismo no Espírito" em vez de "batismo com o Espírito". A preposição grega en pode ser traduzida das duas maneiras. A expressão que escolhemos depende da nossa convicção, se o batismo de água deve ser administrado por imersão ou por aspersão. Os que praticam a imersão falam do batismo no Espírito, provavelmente parque vêem o Espírito como um elemento no qual somos imersos. Porém, já que a Bíblia diz que as pessoas são "batizadas" com o Espírito Santo quando ele é "derramado" sobre elas, o "batismo com o Espírito" parece ser preferível.





A PLENITUDE DO ESPÍRITO

No primeiro capítulo concentrei-me no significado da expressão "dom" ou "batismo" do Espírito. Tentei resumir a forte evidência bíblica de que ambos são a mesma coisa, e que descrevem uma bênção inicial (recebida no início da vida cristã), não subseqüente (recebida algum tempo depois), e que, portanto, é uma bênção universal (concedida a todos os cristãos), não esotérica (secreta, experimentada somente por alguns).
A alguns leitores pode parecer que esta abordagem é negativa e inútil, uma posição estéril, pois, aparentemente limita-se a uma experiência passada e não traz nenhuma perspectiva atraente para a vida cristã futura. Acontece que isto não é verdade. Ao transferirmos nossa atenção do "batismo" para a "plenitude" do Espírito, estamos passando de um dom inicial que Deus deu a todos os seus filhos e que jamais tirará deles, para uma condição que Deus quer que seja contínua, mas que pode não ser constante. Quando falamos do batismo do Espírito estamos nos referindo a uma concessão definitiva; quando falamos da plenitude do Espírito estamos reconhecendo que é preciso apropriar-se contínua e crescentemente deste dom.

A Diferença entre "Batismo" e "Plenitude"

Deixe-me procurar expandir o que tentei mostrar antes. O que aconteceu no dia de Pentecostes foi que Jesus "derramou" o Espírito do céu e, assim, "batizou" com o Espírito, primeiro os 120 e depois os três mil. A conseqüência deste batismo do Espírito foi que eles "todos ficaram chãos do Espírito Santo" (Atos 2:4). Portanto, a plenitude do Espírito foi a conseqüência do batismo do Espírito. O batismo é o que Jesus fez (ao derramar Seu Espírito do céu); a plenitude foi o que eles receberam. O batismo foi uma experiência inicial única; a plenitude Deus queria que fosse contínua, o resultado permanente, a norma.
Como acontecimento inicial, o batismo não pode ser repetido nem pode ser perdido, mas o ato de ser enchido pode ser repetido e, no mínimo, precisa ser conservado. Quando a plenitude não é conservada, ela se perde. Se foi perdida, pode ser recuperada. O Espírito Santo é "entristecido" pelo pecado (Efés. 4:30) e deixa de dominar o pecador. Neste caso o único meio de recuperar a plenitude é o arrependimento. Mesmo em casos em que não há indícios de que a plenitude foi perdida por causa de algum pecado, lemos que algumas pessoas foram novamente preenchidas, mostrando que uma crise ou um desafio diferente requer um novo revestimento de poder do Espírito.
Uma comparação dos diversos textos do Novo Testamento que falam de pessoas que são "enchidas" ou "cheias" do Espírito Santo leva a crer que eles podem ser divididos em três grupos principais. Primeiro fica implícito que ser "cheio" ou "enchido" era uma característica normal de cada cristão dedicado. Por isso, os sete homens que foram escolhidos para cuidar das viúvas na igreja de Jerusalém deveriam ser "cheios do Espírito", assim como deveriam ser "de boa reputação", "cheios de sabedoria" e "cheios de fé" (Atos 6:3,5). Creio que a "sabedoria" e a "fé" poderiam ser consideradas dons espirituais especiais. Porém uma boa reputação dificilmente poderia ser algo fora do comum para os cristãos. Nem, penso eu, o fato de serem cheios do Espírito. De maneira semelhante, Barnabé é descrito como um "homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé" (Atos 11:24), e os recém-convertidos discípulos de Antioquia da Pisídia "transbordavam de alegria e do Espírito Santo" (Atos 13:52). Estes versículos parecem descrever o estado normal do cristão, ou, pelo menos, como Deus gostaria que ele fosse.
Em segundo lugar, a expressão indica uma capacitação para um ministério ou cargo especial. Assim, João Batista seria "cheio do Espírito Santo, já do ventre materno", aparentemente como preparo para seu ministério profético (Luc. 1:15-17). Da mesma forma, as palavras de Ananias a Saulo de Tarso, de que ele seria "cheio do Espírito Santo", parecem referir-se à sua indicação como apóstolo (Atos 9:17; veja 22:12-15 e 26:16-23).
Em terceiro lugar, há ocasiões em que a plenitude do Espírito foi concedida para equipar não tanto para um cargo vitalício (como apóstolo ou profeta, por exemplo), mas para uma tarefa imediata, especialmente numa emergência. Zacarias foi preenchido antes de profetizar (mesmo seu ofício sendo de sacerdote, não de profeta. Veja também sua esposa Isabel, Luc. 1:5-8, 41, 67). A mesma coisa aconteceu com Pedro, antes de ele falar ao Sinédrio; com o grupo de cristãos em Jerusalém, antes de eles continuarem com seu ministério da palavra mesmo em face da perseguição emergente; com Estevão, antes de ele ser martirizado; e com Paulo, antes de ele repreender o mágico Elimas. Lemos que todos estes ficaram "cheios do Espírito Santo", provavelmente para capacitá-los a enfrentarem a situação com que se defrontavam (Atos 4:8,31, 7:55, 13:9).
Resta a interessante referência quádrupla de Lucas ao Espírito Santo, no quarto capítulo do seu Evangelho, em conexão com o início do ministério público do nosso Senhor. Ela parece colocar sua experiência da plenitude do Espírito Santo em todos os três grupos. Lemos que ele retornou do Jordão "cheio do Espírito", e é natural concluirmos que este era seu estado espiritual inalterável. Igualmente, a afirmação segue imediatamente seu batismo no qual o Espírito desceu sobre ele (3:22) para "ungi-lo" e equipá-lo para seu ministério como Messias (4:14,18). Em terceiro lugar, já que a história da tentação é iniciada e encerrada com referências ao Espírito Santo (4:1: "Foi guiado pelo Espírito", e 4:14: "no poder do Espírito"), parece que o Senhor foi fortalecido de maneira especial pelo Espírito para esta emergência.
Junto com estas diversas descrições de pessoas cheias com o Espírito, seja como experiência constante, seja com um propósito especial, Efésios 5:18 contém a bem conhecida ordem a todos os cristãos para serem chios, ou melhor, a estarem sempre sendo enchidos (é um imperativo presente contínuo, na voz passiva) com o Espírito. Mais adiante, estudaremos este texto em maior profundidade.
Não há afirmações ou mandamentos semelhantes no Novo Testamento em relação ao batismo do Espírito. A razão para isto, como já afirmei, é que ele é uma experiência inicial. Nenhum sermão ou carta dos apóstolos contém um apelo para que as pessoas se deixem batizar com o Espírito. Na verdade todas as sete referências ao batismo com o Espírito no Novo Testamento estão no indicativo, estejam no aoristo, no presente ou no futuro; nenhuma delas é uma exortação, no imperativo, Porém, o fato de que há estas referências à plenitude do Espírito, descrevendo como alguns cristãos foram novamente preenchidos e ordenando a todos os crentes que se deixem encher sempre de novo, mostra que infelizmente é possível que cristãos, que foram batizados com o Espírito, deixem de ser cheios do Espírito.
Os cristãos de Corinto constituem uma advertência solene para nós neste assunto. Na primeira carta que Paulo lhes escreve, transparece que todos eles tenham sido batizados com o Espírito Santo (12:13). Também tinham sido enriquecidos com todos os dons espirituais (1:4-7). Mesmo assim o apóstolo os chama de pessoas não espirituais, ou seja, não cheias do Espírito. Ele deixa claro que a evidência da plenitude do Espírito não é a prática dos seus dons (eles tinham muitos), mas a produção de seu fruto, isso lhes falava. Veremos no próximo capítulo o que ele quer dizer com "o fruto do Espírito".
Ele escreve que não podia chamá-los de pneumatikoi, cristãos "espirituais", mas somente de sarkinoi ou sarkikoi, cristãos "carnais", quem sabe bebês em Cristo. Sua carnalidade ou imaturidade era tanto intelectual como moral. Ela revelava-se em sua compreensão infantil, por um lado, e em sua inveja e competição, por outro (1 Cor. 3:1-4). Eles tinham sido batizados com o Espírito, ricamente dotados pelo Espírito, mas não estavam cheios com o Espírito (pelo menos não na época em que ele os visitou e lhes escreveu).
Você percebe que o apóstolo não faz diferença entre os que receberam o batismo do Espírito e os que não o receberam, mas entre cristãos "espirituais" e cristãos "carnais", ou seja, cristãos cheios do Espírito e cristãos dominados por sua natureza humana. Será que a condição dos cristãos de Corinto não é a mesma de muitos de nós hoje? Não podemos negar que, de acordo com a Escritura, fomos batizados com o Espírito por termos nos arrependido e crido, e nosso batismo de água significou e selou nosso batismo com o Espírito. Mas será que estamos cheios do Espírito? Esta é a questão.
Muitas pessoas não conseguiram responder à esta pergunta. Não sabem nem se são cheias do Espírito, nem como é possível saber. E quando se deparam com o ensino de que o "dom de línguas" é o sinal indispensável de ter recebido o Espírito, concluem que nunca o receberam, ou, pelo menos, não em sua plenitude. Entretanto, a partir da Escritura não se pode provar que "línguas" sempre acompanham o recebimento do Espírito. De todos os grupos dos quais se diz em Atos que receberam o Espírito, somente três "falaram em línguas" (2:1-4, 10:44-46, 19:1-6). Dos outros grupos que receberam o Espírito não se diz isto, portanto seria especulação dizer que falaram.
Além disto, o apóstolo ensina categoricamente em 1 Coríntios que o dom de "línguas" é somente um entre muitos dons, que não é concedido a todos os cristãos. Parece que não há bases sólidas para a distinção que algumas pessoas tentaram fazer entre as referências a "línguas" em Atos e em 1 Coríntios 12 e 14, no sentido de que a primeira se refira ao "sinal" de línguas, que todos devem apresentar, e as outras o "dom" de línguas, que somente alguns recebem. Na verdade, alguns líderes de igrejas pentecostais e do movimento carismático estão aceitando agora que "línguas" não são um sinal indispensável do dom do Espírito. Falaremos mais sobre isto quando tratarmos dos "dons do Espírito", no capítulo 4.
Então, qual é a evidência da plenitude do Espírito? Como é possível conseguir esta plenitude? Para podermos responder à estas perguntas, veremos primeiro duas passagens cruciais do Novo Testamento – para em seguida passar a comentar dois problemas contemporâneos relacionados com este ensino no Novo Testamento.

Apropriação Contínua

A primeira passagem enfatiza que, para continuarmos sendo cheios com o Espírito Santo, precisamos continuar indo ao Senhor Jesus. Estou me referindo às suas próprias palavras marcantes, registradas em João 7:37-39, e que têm sido (e continuam sendo) de grande ajuda para mim: "No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão dos de água viva". João comenta esta afirmação. "Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até esse momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado".
O bispo J.C. Ryle escreveu: "Dizem que na Escritura há algumas passagens que merecem ser impressas em letras de ouro. Os versículos à nossa frente são um destes casos".
Foi no último dia da Festa dos Tabernáculos (versículo 2), o clímax dos sete dias da festa. Um dos rituais coloridos da festividade era que a cada manhã uma procissão solene, guiada por um sacerdote que levava um jarro de ouro, dirigia-se ao tanque de Siloé para buscar água, que depois era derramada como libação no lado esquerdo do altar. Parece que a compreensão geral era que esta cerimônia comemorava a providência miraculosa de Deus no deserto e simbolizava o futuro derramamento do Espírito, prometido pelo profeta Joel. Jesus usou este ritual como seu texto. Ele ficou em pé com dramaticidade em algum lugar de destaque (geralmente ele sentava para ensinar, como os rabinos), e proclamou em voz alta que Ele mesmo daria a quem viesse, água em abundância para beber.
O que será que ele quis dizer? Ele conjugou dois quadros. O primeiro é o de um viajante cansado e sedento, em paragens quentes. O sol arde impiedosamente sobre ele. Seu suprimento de água acabou. Sua boca está seca, seus lábios rachados, sua face incandescente e todo o seu corpo desidratado. Ele clama por água para matar sua sede. Este representa toda pessoa que está separada de Cristo, não importa quanto. O segundo quadro representa uma terra sedenta. O sol tropical torrou e endureceu o solo. Os lentes dos nós estão secos. Árvores e arbustos mirraram. Animais se lamentam porque não há pasto. A terra anseia por água. Assim é o mundo, a sociedade secular sem Deus, ressecada, insatisfeita, sedenta.
E então, o que é a água? João esclarece: "Isto ele disse com respeito ao Espírito". E João acrescenta: "Pois o Espírito até esse momento não fora dado". Suas palavras verdadeiras, traduzidas literalmente, são: "O Espírito ainda não era". Isto não pode significar que o Espírito não existia, nem que ele estava inativo, mas que ele ainda não tinha sido derramado em Sua plenitude pentecostal, em rios de "água viva". Portanto, a água viva que mata a sede do viajante cansado e que irriga o mundo ressecado é a plenitude do Espírito Santo.
E como podemos experimentar esta plenitude revigoradora, refrescante, que aplaca a sede? A resposta é: "Venha a mim e beba. Quem crer em mim..." São duas frases, mas somente uma condição. Não há diferença entre vir a Jesus e crer nEle, porque vir a ele para beber significa vir a ele em fé. Acontece que os verbos (ter sede, vir, beber, crer) estão todos no tempo presente. Isto quer dizer que não devamos ir a Jesus somente uma vez, em arrependimento e fé , mas também depois disto continuar vindo e bebendo, porque continuamos a ter sede. Fazemos isto em sentido físico: sempre que estamos com sede, bebemos. Precisamos aprender a fazê-lo espiritualmente, também. O cristão é um dipsomaníaco, que está sempre com sede e sempre bebendo. E beber não é pedir água, mas realmente tomá-la. É muito simples. Beber é uma das primeiras coisas que um bebê aprende; na verdade ele o faz por instinto.
Depois, a água que foi bebida começa a fluir. Nós não conseguimos conter o Espírito que recebemos. William Temple escreveu: "Ninguém consegue possuir (ou ser habitado por) o Espírito de Deus e guardar este Espírito para si. Onde o Espírito está, ele transborda; onde ele não transborda, ele não está".
Não podemos falar de plenitude do Espírito se não há interesse e atividade evangelísticos. Além disto, preste atenção na disparidade que há entre a água que bebemos e a água que transborda. Conseguimos beber somente pequenos goles, mas à medida que continuamos vindo, bebendo, crendo, pela atuação poderosa do Espírito Santo em nós, nossos pequenos sorvos são multiplicados em uma confluência poderosa de correntezas caudalosas: "rios de água viva" fluirão de nós. Este é o trasbordamento espontâneo dos cristãos cheios do Espírito, para a bênção de outras pessoas. Todavia, não existe nenhum meio de garantir um fluxo de entrada e saída de água constante, a não ser a ida a Jesus e o beber permanente, isto porque a plenitude do Espírito deve ser apropriada continuamente pela fé.

Evidências da Plenitude do Espírito

A segunda passagem do Novo Testamento dá ênfase à evidência da plenitude do Espírito, apesar de também incluir uma ordem de ser cheio, que precisamos estudar com cuidado. Quais são as características de uma pessoa cheia do Espírito de Deus hoje? Não pode haver dúvidas de que a principal evidência é moral, não miraculosa, e reside no fruto do Espírito, não nos dons do Espírito. Já tivemos oportunidade de constatar que os coríntios, que tinham sido batizados com o Espírito e ricamente dotados dos dons do Espírito, mesmo assim provaram ser cristãos "não espirituais", porque lhes faltava a qualidade moral do amor (1 Cor. 3:1-4).
Eles se vangloriavam de uma certa plenitude, o que fez Paulo escrever-lhes com um toque de sarcasmo: "Já estais fartos" (cheios, 4:8)! Mas não era a plenitude do Espírito Santo. Se eles estivessem cheios do Espírito, obviamente teriam estado cheios de amor, o primeiro fruto do Espírito. O amor é o poderoso elo de união entre o fruto e os dons do Espírito. Isto não ocorre somente porque sem amor os dons são sem valor (1 Cor. 13), mas também porque o amor requer os dons como equipamento necessário para poder servir outros.
No único trecho em suas cartas onde o apóstolo Paulo descreve as conseqüências da plenitude do Espírito, elas são todas qualidades morais. Esta passagem é Efésios 5:18-21:
"E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo."
No texto grego este trecho tem dois verbos na forma imperativa ("não vos embriagueis com vinho"; "enchei-vos do Espírito"), dos quais dependem quatro verbos que são particípios presentes (literalmente: "falando", "cantando e fazendo melodias", "agradecendo" e "submetendo"). Em outras palavras, a ordem única de ser cheio do Espírito é seguida de quatro conseqüências descritivas da plenitude do Espírito Santo.
A ordem de ser cheio é contrastada diretamente com a outra ordem de não se embriagar. A partir daí, algumas pessoas deduziram rapidamente que embriaguez e a plenitude do Espírito podem ser comparadas. Elas dizem que a plenitude do Espírito é um tipo de ebriedade espiritual; o apóstolo está contrapondo dois estados de embriaguez: física, através do vinho; e espiritual, pela plenitude do Espírito. Não é este o caso. É verdade que um bêbado está "sob a influência do álcool" e que, de maneira semelhante, pode-se dizer que um crente cheio do Espírito esteja sob o controle do Espírito. Também é verdade que no dia de Pentecostes, quando o Espírito concedeu aos 120 que falassem publicamente em outras línguas, alguns da multidão comentaram: "Estão embriagados" (Atos 2:13). Porém os que disseram isto evidentemente eram uma minoria; eles acharam que os discípulos estivessem bêbados porque não conseguiam entender nenhuma das línguas faladas; a maioria reagiu com surpresa, ao ouvir os galileus falarem de maneira inteligível idiomas nativos da Ásia e da África que a multidão podia entender.
Portanto, é um erro crasso supor que estes primeiros crentes cheios do Espírito estavam em um tipo de transe alcoólico, ou que este estado devesse ser um padrão das experiências da plenitude do Espírito. Paulo tem exatamente o oposto em mente. Há uma implicação clara em Efésios 5:18 de que a embriaguez e a plenitude do Espírito não podem ser comparadas assim, porque a embriaguez é vista como "dissolução" ou "perdição" (BLH). A palavra grega asotia, que em suas duas outras menções no Novo Testamento é traduzida também por "devassidão" (Tito 1:6, 1 Ped. 4:4), literalmente descreve uma situação em que a pessoa não consegue mais "salvar-se" ou controlar-se. Paulo escreve que a embriaguez envolve uma perda de controle, e por isso deve ser evitada. No outro extremo, é dito claramente em Gál. 5:23 que parte do fruto do Espírito é domínio próprio (enkrateia)! As conseqüências da plenitude do Espírito, que o apóstolo passa a descrever, devem se manifestar em um relacionamento inteligente, controlado e saudável com Deus e com as outras pessoas.
É verdade que podemos concordar que tanto na embriaguez como na plenitude do Espírito há duas grandes forças nos influenciando interiormente, o álcool em nossa corrente sangüínea e o Espírito Santo em nosso coração. Todavia, o álcool em excesso conduz a um comportamento incontrolado e irracional, que transforma o bêbado num animal; a plenitude do Espírito, por sua vez, leva a um comportamento moral controlado e racional, que transforma o cristão na imagem de Cristo. Portanto, os resultados de estar sob a influência de emanações alcoólicas, por um lado, e do Espírito Santo de Deus, por outro, são total e completamente diferentes. Um nos transforma em animais, o outro em Cristo.
Agora temos condições para analisar os quatro resultados benéficos, e, com isso, evidências objetivas sólidas, da plenitude do Espírito. Estes resultados tornam-se visíveis no relacionamento. A plenitude do Espírito não é tanto uma experiência mística particular, quanto um relacionamento moral com Deus e as pessoas ao nosso redor.
O primeiro resultado é "falando". A tradução "entre vós" não deve ser entendida como se as pessoas cheias do Espírito começassem a falar consigo mesmos, como se sua mente estivesse anuviada! A tradução "uns aos outros" (BLH, BJ) transmite melhor o sentido. Na passagem paralela em Colossenses (3:16) o apóstolo incentiva seus leitores a deixarem a Palavra de Cristo habitar ricamente neles, para que possam "instruir e aconselhar-se mutuamente em toda a sabedoria".
É bastante interessante o fato de que a primeira evidência de ser cheio do Espírito é falarmos uns aos outros. Mas isto não deve nos surpreender, já que o primeiro fruto do Espírito é o amor. Por mais profunda e íntima que nossa comunhão com Deus possa parecer, não podemos dizer que estamos cheios do Espírito se, porventura, não conseguimos falar com algum irmão. O primeiro sinal da plenitude é a comunhão. Mais anda, é comunhão espiritual, porque falamos uns aos outros não com tagarelice mundana, mas "com salmos, ... hinos e cânticos espirituais".
É óbvio que isto não pode significar que o meio de comunicação normal entre crentes cheios do Espírito seja a música! Antes, significa que a verdadeira comunhão se expressa no culto conjunto. Um bom exemplo é o Ven te (Sal. 95), que os anglicanos cantam muitas vezes no culto público aos domingos pela manhã. Falando especificamente, o Salmo não é de adoração, porque não é dirigido a Deus, mas à congregação: "Vinde, cantemos ao Senhor." Esta é uma ocasião em que pessoas pertencentes a Deus falam umas às outras com um Salmo, incentivando-se mutuamente a adorarem seu Senhor.
Isto nos conduz ao segundo resultado da plenitude do Espírito, que é "cantando e fazendo melodias" para o Senhor. O Espírito Santo adora glorificar o Senhor Jesus, manifestando-o ao seu povo de uma maneira em que eles se regozijem em cantar louvores a Ele. Pessoas sem aptidão musical, às vezes, recebem conforto pela versão Revista e Corrigida desta exortação, que é cantar ao Senhor "no vosso coração". Esta terminologia dá a impressão de que seu júbilo pode ser integralmente interior, dirigido somente "aos ouvidos do Senhor" (J. B. Phillips)! Porém a tradução "de (todo o) coração" provavelmente é mais correta. O coração não é o lugar, mas a maneira como estamos cantando. O apóstolo nos exorta a não ficarmos em silêncio, mas a adorarmos sem preconceitos.
Em terceiro lugar, devemos dar "sempre graças por tudo". Muitos cristãos dão graças às vezes, por algumas coisas; crentes cheios do Espírito agradecem sempre, por todas as coisas. Não existe hora nem circunstância pelas quais eles não agradecem. Eles o fazem "em nome de nosso Senhor Jesus Cristo", isto é, porque são um com Cristo, e "a nosso Deus e Pai", porque o Espírito Santo testemunha a seu espírito que eles são filhos de Deus e que seu Pai é integralmente bom e sábio. A murmuração, um dos pecados costumeiros de Israel, é um pecado grave cerque é um sintoma de descrença. Sempre que começarmos a reclamar e a nos queixar, isto é um sinal claro de que não estamos cheios do Espírito. Sempre que o Espírito Santo domina os crentes, eles agradecem ao seu Pai celestial a toda hora, por tudo.
Vimos que os segundo e terceiro sinais da plenitude do Espírito são relacionados a Deus – cantando ao Senhor e dando graças ao Pai. O Espírito Santo nos coloca em um relacionamento correto de louvor com o Pai e o Filho. O crente cheio do Espírito não tem dificuldades práticas com a doutrina da Trindade. Os terceiro e quarto sinais, entretanto, têm a ver com nosso relacionamento com as outras pessoas: falando uns aos outros, e agora sujeitando-se uns aos outros.
O apóstolo continua mostrando que a submissão é a obrigação específica de uma esposa diante de seu marido, de filhos diante de seus pais e de empregados diante de seus empregadores, mas ele começa dizendo que ela é a obrigação geral de todos os cristãos uns diante dos outros (o que inclui maridos, pais e empregadores). A submissão humilde é uma parte tão importante do comportamento cristão que o verbo aparece trinta e duas vezes no Novo Testamento. A marca registrada no cristão cheio do Espírito não é a auto-afirmação, mas a auto-submissão.
É verdade que às vezes, quando um princípio teológico ou moral fundamental está em jogo, não podemos ceder. Paulo deu um exemplo destacado desta necessidade de firmeza quando se opôs a Pedro, numa confrontação direta e pública, em Antioquia (Gál. 2:11-14). Porém precisamos sempre tomar cuidado para que nossa firmeza aparente em um principio não seja uma exibição desagradável de orgulho. É sábio desconfiar de nossa indignação justa; geralmente há nela mais que alguns traços de vaidade injusta. O teste está nas últimas palavras da frase: "No temor de Cristo". Nossa obrigação primordial é submissão reverente e humilde ao Senhor Jesus. Devemos nos submeter aos outros somente até ao ponto exato em que nossa submissão a eles implicar em deslealdade a Cristo.
Assim, expusemos os resultados venturosos da plenitude do Espírito. As duas principais áreas em que esta plenitude se manifesta são culto e comunhão. Se estamos cheios do Espírito, estaremos louvando a Cristo e agradecendo a nosso Pai, e estaremos falando e submetendo-nos uns aos outros. O Espírito Santo nos coloca em um relacionamento correto com Deus e as pessoas. Devemos procurar a principal evidência da plenitude do Espírito Santo nestas qualidades e atividades espirituais, e não em fenômenos sobrenaturais. Esta é a ênfase do apóstolo quando ele trata deste assunto em suas cartas aos efésios e coríntios, bem como quando ele especifica o "fruto do Espírito" em sua carta aos gálatas (veja o capítulo seguinte).

O Mandamento para Sermos Cheios

Voltamos agora ao mandamento do qual dependem os quatro particípios presentes que analisamos. Este mandamento é: "Enchei-vos do Espírito". Preste atenção a quatro aspectos deste verbo.
Em primeiro lugar, ele está no modo imperativo. "Enchei-vos" não é uma sugestão que pode ser tentada, uma recomendação branda, uma advertência educada. É uma ordem que Cristo nos dá, com toda a autoridade de um dos apóstolos que Ele escolheu. Não temos nem um pouco mais de liberdade para escapar desta obrigação do que temos das obrigações éticas que formam o contexto, isto é, falar a verdade, trabalhar honestamente, ser gentil e perdoar uns aos outros, ou viver em pureza e amor. A plenitude do Espírito Santo não é opcional, mas obrigatória para o cristão.
Em segundo lugar, ele está na forma plural. O mesmo ocorre com o verbo anterior, "não vos embriagueis com vinho". Os dois imperativos de Efésios 5:18, tanto a proibição como a ordem, são escritos para toda a comunidade cristã. Eles têm aplicação universal. Nenhum de nós deve embriagar-se; todos devemos ser cheios do Espírito. Enfaticamente, a plenitude do Espírito Santo não é um privilégio reservado para alguns, mas uma obrigação de todos. Assim como a exigência de sobriedade e domínio próprio, a ordem de buscar a plenitude do Espírito é dirigida a todo o povo de Deus, sem exceção.
Em terceiro lugar, o verbo está na voz passiva: "Sede enchidos". Uma outra tradução seria: "Deixai-vos encher pelo Espírito". Uma condição importante para gozar da sua plenitude é entregar-se a ele sem reservas. Mesmo assim, não devemos pensar que somos apenas agentes passivos ao recebermos a plenitude do Espírito, assim como quando alguém fica bêbado. Torna-se bêbado bebendo; ficamos cheios do Espírito também bebendo, como já vimos no estudo do ensino do nosso Senhor em João 7:37.
Em quarto lugar, o verbo está no tempo presente. É bem sabido que, na língua grega, se o imperativo está no aoristo, ele se refere a uma ação única; se está no presente, a uma ação contínua. Assim, quando no casamento em Caná, Jesus disse: "Enchei d'água as talhas" (João 2:7), o imperativo aoristo mostra que ele queria que o fizessem somente uma vez. O imperativo presente "sede enchidos com o Espírito", por sua vez, não indica alguma experiência dramática ou determinante, que resolve o problema para o bem, porém uma apropriação continua.
Isto é reforçado na Carta aos Efésios pelo contraste entre o "selo" e a "plenitude" do Espírito. Duas vezes o apóstolo escreve que seus leitores foram "selados" com o Espírito Santo (Efés. 1:13; 4:30). Os aoristos são idênticos e aplicam-se a todo crente arrependido. Deus o aceitou e colocou nele o selo do Espírito, autenticando-o, marcando-o e garantindo-o como Seu. Todos os crentes são "selados", mas nem todos permanecem "cheios", porque o selo foi colocado uma vez, no passado, enquanto a plenitude é (ou deveria ser) presente e contínua.
Talvez aqui uma ilustração ajude a mostrar que a plenitude de Espírito não deve ser uma experiência estática, mas progressiva. Comparemos duas pessoas. Uma é um bebê, recém-nascido e pesando três quilos, que começou a respirar há pouco. A outra é um homem feito, com 1,80m de altura e 75 quilos de peso. Ambos são aptos e saudáveis; ambos estão respirando normalmente; pode-se dizer dos dois que estão "cheios de ar. Então, qual é a diferença entre eles? A diferença está na capacidade dos seus pulmões. Ambos estão "cheios", porém uns estão mais cheios que os outros porque sua capacidade é muito maior.
O mesmo vale para vida e crescimento espirituais. Quem pode negar que um bebê recém-nascido em Cristo está cheio do Espírito? O corpo de qualquer crente é o templo do Espírito Santo (1 Cor. 6:19); podemos dizer que o Espírito, ao entrar em seu templo, não o preenche? Um cristão maduro e piedoso, perseverando há muitos anos, também está cheio do Espírito. A diferença entre os dois está no que pode ser chamado de seus pulmões espirituais, ou seja, a medida da sua compreensão com fé do propósito que Deus tem para eles.
Isto se torna evidente na primeira oração do apóstolo pelos cristãos de Éfeso. Ele diz:
"Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito [ou, talvez, "Espírito"] de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos ... "(Efés. 1:17-19).
Esta passagem desenvolve os estágios do crescimento espiritual. Os que "crêem" experimentam a plenitude do poder de Deus. Porém primeiro precisamos "conhecer" sua grandeza, e para isso, carecemos que o Espírito Santo ilumine os olhos dos nossos corações.
Portanto, a seqüência é esta: iluminação, conhecimento, fé, experiência. Conhecemos com a iluminação, e pela fé passamos a gozar o que conhecemos. Nossa experiência de fé, portanto, está amplamente condicionada pelo nosso conhecimento de coração. Além disto, quanto mais sabemos, maior se torna nossa capacidade espiritual, bem como nossa responsabilidade de exigir pela fé a nossa herança. Por isso, quando alguém acaba de nascer do Espírito, sua compreensão do plano de Deus para si geralmente é muito limitada, e sua experiência é proporcionalmente limitada. Todavia, à medida que o Espírito Santo ilumina os olhos do seu coração, diante dele abrem-se horizontes com os quais antes ele dificilmente sonhara. Ele começa a ver e compreender a esperança do chamamento de Deus, as riquezas da herança de Deus e a grandiosidade do poder de Deus. Ele é desafiado a abraçar pela fé a plenitude do propósito que Deus tem para ele.
A tragédia é que, muitas vezes, nossa fé não acompanha o ritmo do nosso conhecimento. Nossos olhos são abertos para verem cada vez mais os aspectos maravilhosos do propósito que Deus tem conosco em Cristo, porém nos abstemos de tomar posse dele pela fé. Este é um dos meios de perdermos a plenitude do Espírito, não necessariamente por desobediência, mas por fala de fé. Nossos pulmões se desenvolvem, mas não os usamos. Precisamos estar sempre nos arrependendo da nossa descrença e clamar a Deus para que ele aumente a nossa fé, de maneira que, à medida que nosso conhecimento cresce, nossa fé possa crescer com ele e possamos estar sempre tomando posse de maiores partes da grandeza do propósito e do poder de Deus.

O Cristão Médio

Até aqui, neste capítulo, tentamos distinguir entre o batismo do Espírito (que todos recebem na conversão) e a plenitude do Espírito (da qual devemos nos apropriar de maneira contínua e crescente). Também constatamos que algo importante que nosso Senhor e Seu apóstolo Paulo ensinaram é que é necessário continuar vindo e bebendo, bem como quais são os sinais da plenitude do Espírito e o mandamento para sermos cheios. Tudo isto foi um estudo bíblico.
Entretanto, as principais objeções a esta interpretação não são tanto bíblicas quanto empíricas, não teóricas mas práticas. Deixe-me redigi-las em duas sentenças:
1) Se todos os cristãos foram balizados com o Espírito, a maioria não parece ter sido!
2) Alguns cristãos dizem ter passado por uma outra experiência do Espírito Santo, diferente, e eles não parecem estar mentindo!
Veremos uma objeção de cada vez.
Primeiro vamos falar do que pode ser chamado de "cristão médio" nos dias de hoje. Somos perguntados: "Alguém pode querer afirmar com convicção que foi balizado com o Espírito? Veja sua conversão e sua vida subseqüente. Sua conversão não teve nada de extraordinário, de forma alguma parecida com um 'batismo do Espírito', e sua vida cristã presente mostra pouca ou nenhuma evidência de ter sido balizado." O que poderemos dizer em resposta?
Negar que a conversão do cristão médio é ou inclui um batismo do Espírito hoje, depende de uma pressuposição quanto a como o batismo do Espírito precisa ser necessariamente. As pessoas sempre têm em suas mentes as imagens dramáticas do dia de Pentecostes. Estão sempre à procura de vento, som e línguas estranhas. Elas se esquecem de que os sinais sobrenaturais que acompanharam a vinda do Espírito Santo no Pentecostes não são mais típicos de cada batismo do Espírito que os sinais que acompanharam a conversão de Saulo na estrada de Damasco.
Já vimos que não é possível transformar o dom de "idiomas" ou "línguas" em evidência indispensável do batismo do Espírito. A mesma coisa vale para vento e fogo. Não há nenhuma referência a vento, fogo ou línguas no fim de Atos 2, em relação aos 3 mil que receberam o Espírito. De forma alguma. O vento, fogo e as línguas em Pentecostes, assim como a luz e a voz na estrada de Damasco, eram sinais, dramáticos sim, mas exteriores e secundários; não eram parte necessária da experiência interior essencial. Que prova bíblica existe para nos fazer crer que as pessoas não podem receber o "dom" ou "batismo" do Espírito de maneira silenciosa e sem chamar a atenção?
Quero ir além. Não há prova bíblica para a opinião de que a regeneração é um processo consciente, isto é, que a pessoa que nasce de novo está consciente do que está acontecendo dentro dela. O próprio Jesus deu a entender o oposto quando, em sua conversa com Nicodemos, fez uma comparação entre a atuação do Espírito no novo nascimento e o sopro do vento:
"O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito." (João 3.8).
Podemos ver, ouvir e sentir os efeitos do vento, mas há algo de secreto e misterioso sobre o comportamento do vento em si. Os efeitos de um novo nascimento também são evidentes (em uma mudança de vida), mas há algo de secreto e misterioso na atuação regeneradora do Espírito Santo. Naturalmente a "conversão" (a volta de um pecador para Cristo, em arrependimento e fé) geralmente é consciente, mesmo sendo uma obra do Espírito; a pessoa compreende certas coisas com sua mente e age de acordo com Sua vontade. Todavia, a regeneração é a implantação de uma nova vida em uma alma morta em transgressões e pecados. Não temos maior consciência desta infusão de vida espiritual, que é chamada de novo nascimento ou espiritual, do que temos de nosso nascimento físico. Em ambos os casos a consciência de si mesmo, de estar vivo, chega mais tarde. Por isso, se o "batismo do Espírito " é, como temos dito, outra maneira de referir-se ao nascimento do Espírito, não há razão para insistir em que ele deve ser consciente, muito menos dramático.
A outra parte da objeção em relação ao cristão "médio" tem a ver, não com as circunstâncias da sua conversão, mas com o nível baixo de sua vida cristã subseqüente. Pode-se afirmar que uma pessoa assim foi batizada com o Espírito? Bem, de forma alguma eu quem negar ou desculpar a vida abaixo da média de muitos cristãos hoje. Muitas vezes é verdade o que se diz dos cristãos, e isto é triste. Nossa desobediência e nossa descrença privaram muitos de nós da herança completa. Ainda temos o direito a ela, porque pertencemos a Cristo, mas não temos nos apropriado dela. Somos como os israelitas, quando lhes foi dada a terra prometida, porém antes de terem se apossado dela. Precisamos nos arrepender e voltar para Deus. Sem dúvida, já fomos batizados com o Espírito, todavia continuamos a viver em um nível inferior ao que nosso batismo espiritual nos possibilita, porque não continuamos cheios do Espírito.
A propósito, deve ser acrescentado que este nível baixo de vida cristã pode ser encontrado em todos os grupos cristãos. Tanto aqueles que dizem ter tido experiências espirituais excepcionais, quanto os outros, podem fracassar em suas responsabilidades morais, em sua honestidade, pureza e altruísmo. Da mesma forma, conheci pessoas nos dois grupos que são admiravelmente semelhantes a Cristo. A derrota e a vida medíocre de muitos cristãos não são evidências de que eles precisam ser batizados com o Espírito (mesmo os cristãos de Corinto, orgulhosos, sem amor, briguentos e intolerantes, tinham sido batizados com o Espírito), mas que precisam recuperar a plenitude do Espírito, perdida por causa de pecado ou incredulidade, tomando-se, assim, o que os cristãos de Corinto eram, ou seja, "não espirituais" ou "carnais" (1 Cor. 3:1ss.). Neste sentido muitos cristãos têm uma experiência em dois ou mais estágios. Mas estes não são a vontade e o propósito gerais de Deus (que é um apropriação consciente e crescente); sua causa é seu retrocesso em pecado.

Experiências Especiais

Passo para o segundo tipo de cristãos mencionados acima, não mais o cristão médio que (dizem) parece não ter sido batizado com o Espírito, mas os cristãos especiais que (dizem) tiveram uma experiência "pentecostal" que chamam de "batismo com o Espírito", o que podemos dizer deles e de suas experiências?
Mencionarei de passagem três explicações das quais não deveríamos nos esquecer, mas com as quais não quero me demorar. Em primeiro lugar, uma pequena parte destas experiências sem dúvida são demoníacas, uma imitação horrível efetuada por Satanás, das experiências espirituais genuínas. Jesus nos advertiu deste tipo de coisas, e a onda alarmante de fascinação com as coisas ocultas nos dias de hoje, deveria pôr-nos em estado de alerta, ilusões satânicas falsas não deveriam enganar os filhos de Deus, por outro lado. O diabo odeia tanto Cristo quanto a santidade, e não iremos ver Cristo honrado ou a santidade promovida onde ele controla a situação.
Em segundo lugar, uma grande parte destas experiências é psicológica. E óbvio que, em certo sentido, todas as nossas experiências são psicológicas. No entanto, o que eu quero dizer é que algumas experiências que consideramos espirituais, na verdade são psicológicas, porque se originam em nossa psique humana, e não no Espírito de Deus. Isto certamente vale para parte do chamado "falar em línguas". Não posso precisar o volume delas. Porém, formas de "glossolalia", fala involuntária além do controle da mente consciente, são bem conhecidas em círculos hindus, muçulmanos e mórmons, bem como em algumas condições clínicas, e este fenômeno não parece ser diferente do que muitos cristãos praticam hoje. No entanto, isto não deveria nos preocupar demais. Atribuir algo à psique humana não é a mesma coisa que atribuí-lo ao diabo, O que é "psicológico" pode ser moral e espiritualmente neutro. É muito mais importante perguntar se glorifica a Cristo e promove justiça.
Em terceiro lugar, algumas outras experiências do nosso tempo parecem realmente ser experiências de conversão. Quando ouvimos falar de cristãos nominais, liberais ou católicos que dizem ter sido "batizados com o Espírito", muitas vezes suspeitamos que eles estão na verdade descrevendo o que costumava ser chamado de "experiência evangélica", isto é, a sua conversão. Neste caso, a sua descrição do que lhes aconteceu é mais bíblica do que muitos possam pensar!
Tendo mencionado estas três explicações, quero agora concentrar-me em experiências que não parecem ser nem demoníacas nem puramente psicológicas, e que também, evidentemente, não são experiências de conversão, porque acontecem com cristãos convertidos já há multo tempo. Pelo contrário, são autênticas, experiências mais profundas de Deus. Sobre estas, sem dúvida a primeira coisa que precisa ser dita é que o Espírito Santo é Deus, o Senhor. Ele é o Espírito divino, o Espírito poderoso, o Espírito livre e soberano. Não devemos querer limitar sua atuação; na verdade, mesmo se quiséssemos fazê-lo, não conseguiríamos. Devo insistir que, de acordo com o Novo Testamento, a norma de Deus é um "batismo" inicial com o Espírito, seguido por uma apropriação contínua e crescente da sua plenitude, que inclui um crescimento contínuo em santidade e em direção à maturidade cristã; apesar disto deve ser acrescentado que, dentro deste processo de crescimento, podem haver muitas experiências mais profundas, e que, às vezes, o Espírito atua de maneira ainda mais fora do comum. Ao escrever sobre estas experiências subseqüentes, quem enfatizar primeiro seu caráter variado, depois sua importância secundária e, por último, o fato de que elas são sempre incompletas.
Primeiro, portanto, sua variedade. Sob este título eu incluo que experiências iguais ou semelhantes podem ser repetidas. Já observamos que o ensino do Novo Testamento pode ser resumido como "um batismo, muitos enchimentos". Um novo preenchimento pode preceder uma nova responsabilidade, e ser concedido para nos equipar para um trabalho novo e exigente. Ou ele pode seguir um período de desobediência, declínio ou sequidão, quando o pecador arrependido de repente se vê elevado a um novo plano de percepção espiritual e vivência.
Até certo conto estas experiências irão variar de acordo com o nosso temperamento. O Espírito Santo nos respeita como indivíduos e não suprime com uma nova criação o que já somos por nascimento. Ele trabalha dentro de nós com meios adequados a nós, fazendo-nos livres para sermos nós mesmos, conforme o potencial pleno com que fomos criados. Nosso temperamento básico não muda, e esta é uma das principais razões para a ampla variedade das experiências espirituais. Não iremos e nem podemos esperar que tipos chamados "fleumáticos" ou "coléricos" ou extrovertidos e introvertidos, experimentem Cristo da mesma maneira.
Entretanto, todos os cristãos podem esperar experiências novas de Deus. Deus não gosta de coisas antiquadas ou estagnadas. Ele pede que cantemos um cântico novo, porque Ele quer que nosso conhecimento acerca dEle seja novo; ele também promete que Suas misericórdias "renovam-se cada manhã" (Sal. 40:3; 98:1; Lam. 3:23). Às vezes, o testemunho interior do Espírito Santo, assegurando-nos que somos realmente filhos de Deus, é confirmado de maneira poderosa e maravilhosa, libertando-nos completamente de escuridão e dúvidas. Às vezes, ele inunda nosso coração como uma onda tão imponente do seu amor que quase lhe pedimos que detenha sua mão para não sermos afogados por ela. Às vezes, nosso coração "arde" quando Cristo nos abre as Escrituras, e nós O vemos nas Escrituras como ainda não o tínhamos visto antes (Luc. 24:27,32). Às vezes, experimentamos uma aceleração do nosso pulso espiritual, um bater do coração, uma intensificação do nosso amor por Deus e pelas pessoas, uma sensação penetrante de paz e bem-estar. Às vezes, na reverência digna do culto público, ou na comunhão espontânea de uma reunião numa casa, ou durante a Ceia do Senhor, ou durante a oração pessoal, de repente uma realidade invisível toma conta de nós. O tempo pára. Entramos em uma nova dimensão da eternidade. Ficamos em silêncio e conhecemos que Deus é Deus. Calmos aos seus pés e o adoramos.
Já quando tentamos descrever o que é indescritível vimos que todos os integrantes da Trindade estão envolvidos. A experiência do cristão é experimentar Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Na verdade não existe uma "experiência do Espírito Santo", da qual Pai e Filho estão excluídos. Seja como for, o Espírito Santo é um Espírito discreto. Ele não chama, intencionalmente, a atenção para Si mesmo. Ele prefere nos levar a orar "Aba, Pai!", dando, assim, testemunho do relacionamento de filhos com Deus (Rom. 8:15,16; Gál. 4.6). E, acima de tudo, ele glorifica Cristo. Ele dirige os fachos poderosos dos seus holofotes para o rosto de Jesus Cristo. Não existe momento em que ele esteja mais contente do que quando o crente se concentra em Jesus Cristo. Foi no contexto da vinda do Espírito que Jesus disse:
"Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele." (João 14:21).
Quem ama Jesus realmente, provando seu amor com obediência, não pode imaginar recompensa maior que esta manifestação prometida do seu Amado pelo Espírito. Isto traz o que Pedro chama de "alegria indizível e cheia de glória" (1 Ped. 1:8).
Estas experiências das quais eu falei até agora podem ser chamadas de "comuns", porque se relacionam com a certeza, o amor, a alegria, e a paz que, de acordo com a Escritura, são comuns a todos os crentes, em alguma medida. Eu ficada surpreso se algum leitor cristão não tivesse nenhuma noção delas. Todavia, existem outras experiências, às quais preciso chegar agora, de caráter mais "incomum", por não serem parte da experiência normal do cristão que o Novo Testamento apresenta. Pode acontecer que o Espírito Santo conceda ao crente o que concedeu ao apóstolo Paulo, "visões e revelações do Senhor", de uma maneira tal que Paulo diz ter sido "arrebatado até o terceiro céu" e ouviu "palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir" (2 Cor. 12:1-4). Em outras ocasiões, especialmente em tempos de reavivamento, crentes dizem ter tido experiências e visitações de Deus bastante extraordinárias.
Algumas vezes, um evangelista ou pregador cristão recebe acesso maravilhoso ou poder sobrenatural para o ministério especial para o qual Deus o chamou. Provavelmente já lemos destas experiências nas biografias de grandes homens de Deus como John Wesley e George Whitefield, Jonathan Edwards e David Brainerd, D, L. Moody e outros. Com terminologia bíblica, diríamos que estes homens foram "ungidos" com o Espírito Santo.
Devemos ter cuidado em usar esta Palavra, porque, em certo sentido, todos os cristãos foram "ungidos" com o Espírito Santo, ou receberam a "unção" do Espírito (2 Cor. 1:21, 1 João 2:20,27). Mesmo assim, a Escritura também usa estes tenros para situações especiais como quando Jesus aplicou a si mesmo as palavras de Isa. 61:1, no início do Seu ministério público, dizendo: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar..." (Luc. 4:18). Talvez também devamos entender neste sentido o que aconteceu a Saulo de Tarso quando Ananias o visitou. Ele deveria ficar "cheio do Espírito Santo" (Atos 9:17), para ser "testemunha" de Cristo a todas as pessoas, acerca do que vira e ouvira (22:15; veja também 26:16-18). Esta foi sua nomeação e unção como apóstolo.
A esta altura precisamos notar a grande variedade de tais experiências. Não tenho a intenção de duvidar ou questionar sua validade. O que preocupa é o estereótipo fixo que algumas pessoas zelosas tentam impor a todos, insistindo em um chamado "batismo do Espírito", subseqüente à conversão, que deve assumir uma certa forma e ser acompanhado por certos sinais. É isto que eu me sinto obrigado a rejeitar como incompatível com a Escritura. Entretanto, não substituamos um estereótipo por outro! Tudo o que podemos dizer é que a vida cristã começa com um novo nascimento, que pode acontecer de muitas maneiras diferentes, mas sempre inclui o "dom" ou "batismo" do Espírito, e que é seguido de crescimento em maturidade, um processo que pode incluir uma grande variedade de experiências mais profundas.
Do caráter variado destas experiências, passo para um comentário da sua importância secundária. Elas podem ser profundamente comoventes, até empolgantes. Mas não é possível que qualquer uma delas se compare em importância com a primeira obra de graça de Deus, quando ele teve misericórdia para conosco e nos reconciliou com ele. Alguns cristãos falam com exagero das suas experiências posteriores, como se antes estivessem aprisionados e agora livres: antes tudo era aguado, agora a água se transformou em vinho.
A verdade é que eles devem estar confundindo sentimentos subjetivos com realidades objetivas. Quando nos unimos a Cristo pela fé, acontece algo tão tremendo que o Novo Testamento não encontra palavras adequadas para descrevê-lo. É um novo nascimento, sim, mas também é uma nova criação, uma ressurreição, luz no meio das trevas, vida que sai da morte. Éramos escravos, agora somos filhos. Estávamos perdidos, agora voltamos para casa. Estávamos condenados e destinados à ira de Deus, agora fomos justificados e adotados em Sua família. Que experiência posterior é possível comparar com esta em grau de importância? Ao descrevermos experiências posteriores, devemos ter cuidado em não desvalorizar nossa regeneração ou desprezar a primeira, decisiva e criadora obra do amor de Deus.
Minha terceira observação sobre as experiências subseqüentes é que elas são incompletas. Algumas pessoas falam das suas próprias experiências dando a impressão de que nada lhes tinha acontecido antes, e que nada mais poderia lhes acontecer depois! Elas dão a impressão de que chegaram onde é possível chegar. Foi esta presunção dos coríntios que Paulo descreveu com sarcasmo tão mordaz:
"Vocês já têm tudo o que precisam! Já são ricos! Vocês já se tornaram reis, e nós, não! Que bom se vocês fossem reis de verdade, para que nós pudéssemos reinar junto com vocês!" (1 Cor. 4:8, BLH).
Eles se comportavam como se estivessem gozando seu pequeno milênio particular! Acontece que o mesmo Novo Testamento, que fala em termos tão contundentes do que Deus fez por nós em Cristo, insiste em nos lembrar que apenas estamos começando a entrar na posse da nossa herança. Ainda iremos passar fome e sede durante esta vida, sabendo que somente na próxima não estaremos mais famintos nem sedentos. Por esta razão encontramos no Novo Testamento, lado a lado, expressões de afirmação e de anseio, de satisfação e de insatisfação. Por um lado "alegramo-nos", por outro "gememos" (p. ex., Rom. 8:23, 2 Cor. 5:2). É verdade que a alegria é parte do fruto do Espírito, mas também existe tristeza para o cristão.
Alguns cristãos falam e se apresentam como se estivessem pensando que devessem trazer no rosto um sorriso permanente! Em conteste, lemos sobre o santo do Antigo Testamento, que disse: "Torrentes de água nascem dos meus olhos, porque os homens não guardam a tua lei (Sal. 119:136), ou do próprio Senhor Jesus, que chorou porque a cidade de Jerusalém não queria se arrepender (Luc. 19:4l), ou do seu apóstolo Paulo que, em certas ocasiões, pôde escrever somente "chorando" (p. ex., Filip. 3:18). Às vezes, desejo poder ver mais lágrimas de cristãos hoje; desejo que existam mais cristãos sensíveis, profundamente perturbados com a contínua pecaminosidade do mundo, da igreja e do próprio coração, e chorando por isso. Somente na consumação Deus irá enxugar tocas as lágrimas dos nossos olhos (Apoc. 21:4).

Uma Exortação

Para concluir esta seção, tomo a liberdade de pronunciar uma exortação prática e pessoal – primeiro aos que não dizem ter tido manifestações excepcionais do Espírito Santo; depois aos que dizem que as tiver, e, por último, a todos nós, quaisquer que tenham sido as nossas experiências.
Primeiro, quero dirigir-me àqueles que, apesar de podermos ter tido muitas experiências profundas do tipo mais "comum", talvez não tenham vivido qualquer experiência mais incomum com o Espírito Santo. Para nós seria fácil, por causa de medo, orgulho ou inveja, questionar ou mesmo negar a validade de experiências que outros dizem ter. Porém, seria um erro agir assim, somente porque outros dizem ter tido estas experiências e nós não as tivemos. Sem dúvida devemos "julgar todas as coisas" e, especialmente, "provar os espíritos" (1 Tess. 5:21; 1 João 4:1). Também poremos achar sábio abster-nos de julgar, em alguns casos.
Ao mesmo tempo, desde que na experiência não haja nada contrário à Escritura, e desde que os frutos da experiência pareçam ser benéficos para o crente e edificantes para a Igreja, humildemente devemos estar dispostos a reconhecer a atuação incomum do Espírito Santo em outras pessoas e, pelo menos, dizer como Gamaliel: "Dai de mão a estes homens, deixai-os ir; porque se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas se é de Deus, não podereis destrui-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus!" (Atos 5:38, 39).
Todos nós, nestes dias em que o Espírito Santo parece estar ativo, precisamos ser sensíveis ao que ele pode estar dizendo e fazendo entre nós. Temos de tomar muito cuidado para não blasfemarmos contra o Espírito Santo, atribuindo sua obra ao diabo, e também para não entristecer o Espírito, tentando enquadrá-lo em nossos próprios padrões tradicionais e seguros. Por outro lado, também não devemos apresentar um descontentamento pecaminoso com sua atuação mais normal e comum em nós. Experiências fora do comum não são necessárias para a maturidade cristã. Devemos nos alegrar no que conhecemos do Espírito Santo como mestre e testemunha, e no amor, na alegria, na paz e no poder que ele nos conferiu.
Em segundo lugar, quero dirigir uma palavra aos que receberam uma visitação incomum do Espírito. Sem dúvida, vocês estão agradecendo a Deus pela grandiosa graça que ele lhes concedeu. Entretanto, lembrem-se que o Espírito Santo é um Espírito soberano. Ele distribui os diferentes dons espirituais "Como lhe apraz" (1 Cor. 12:11) e, da mesma forma, exerce seu ministério incomum também de acordo com sua vontade. É compreensível que você queira dar testemunho do que Deus fez por você. Mas peço-lhe que não procure estereotipar a experiência espiritual de todos ou, mesmo, imaginar que o Espírito Santo necessariamente pretende dar aos outros o que deu a você. São as graças espirituais que devem ser comuns a todos os cristãos, não os dons ou as experiências espirituais. Em outras palavras, deixe que sua experiência leve você a louvar e adorar; mas faça com que sua exortação aos outros seja baseada, não em suas experiências, mas na Escritura.
Para ser mais específico, quero apelar a você que não exija dos outros um "batismo do Espírito" como uma segunda experiência subseqüente, totalmente distinta da conversão, porque isto não pode ser provado na Escritura. Em vez disto, por favor insista em que todos tenhamos o que a Escritura espera de nós, realmente: que não entristeçamos ou apaguemos o Espírito Santo (Efés. 4:30, 1 Tess. 5:19), mas que andemos no Espírito e sejamos preenchidos pelo Espírito (Gál. 5:16, Efés. 5:18). Insista nestas casas, e lhe seremos gratos.
Por último, quero fazer uma exortação a nós todos, seja qual for nossa condição espiritual. Busquemos constantemente ser cheios do Espírito, ser guiados pelo Espírito, andar no Espírito. Será que não podemos concordar nisto com alegria, de maneira que não haja divisões entre nós? Além disto podemos concordar que a principal condição para receber a plenitude é estar com fome. A Escritura diz que Deus enche a boca dos famintos com coisas boas e despede os ricos vazios. Ele diz: "Abre bem a tua boca, e ta encherei" (Sal. 81:10).
Isto não quer dizer que nesta vida haverá um momento em que estaremos tão cheios que não teremos mais fome. É claro que Deus, em Cristo, através do Espírito, satisfaz nossa fome e mata nossa sede, mas, afinal, está escrito que somente na outra vida "jamais terão fome, nunca mais terão Sede" (Apoc. 7:16). Nesta vida nossa fonte é satisfeita somente para se manifestar de novo. Jesus disse: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça" (Mat. 5:6), deixando implícito que ter fome e sede de justiça é tanto um estado permanente do cristão quanto ser "pobre de espírito", "manso" ou "misericordioso".

Portanto, nem os que tiveram experiências incomuns, nem os que não as tiveram, devem crer que já "chegaram lá", e que Deus mão pode enchê-los anda más de Si mesmo! Todos nós precisamos ouvir e atender o convite gracioso de Jesus: "Se alguém tem Sede, venha a mim e beba". Precisamos aprender a continuar indo a Jesus e continuar bebendo. Somente assim, na linguagem sábia e equilibrada do Livro Comum de Oração, podemos "diariamente crescer sempre mais no Espírito, até entrarmos no Reino eterno de Deus".



























O FRUTO DO ESPÍRITO

Já fiz referência mais de uma vez ao "fruto do Espírito". Chegou a hora de examinar com mais detalhes o que isto quer dizer. A expressão vem da carta de Paulo aos gálatas. Estas são suas palavras:
"Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio." (Gál. 5:22, 23a).
Uma simples leitura destas graças cristãs deve ser suficiente para encher de água a boca e fazer o coração bater mais forte, porque este é um retrato de Jesus Cristo. Nenhum homem ou mulher até hoje apresentou estas qualidades com tal equilíbrio ou perfeição como o homem Jesus Cristo. Assim, este é o tipo de pessoa que todo cristão gostaria de ser.
Já foram feitas diversas tentativas de classificar as nove qualidades que Paulo alista. Nenhuma classificação é completamente satisfatória; no entanto, existe o perigo de impor uma que seja artificial. Talvez a mais simples seja aquela que as vê como três tríades, que retratam nosso relacionamento primeiro com Deus, depois com outras pessoas e, por último, conosco mesmos.
Primeiro vem nosso relacionamento com Deus: "Amor, alegria, paz", O Espírito Santo coloca o amor de Deus em nosso coração, a alegria dele em nossa alma e a paz divina em nossa mente. Amor, alegria e paz permeiam um cristão cheio do Espírito. Na verdade, podemos dizer que estas são suas características principais e permanentes. Tudo o que ele faz é concebido com amor, iniciado com alegria e executado com paz.
Depois vem nosso relacionamento com as outras pessoas: "Paciência, ternura, bondade" (BLH). Temos aqui a paciência que suporta grosseria e insensibilidade dos outros e se recusa a se vingar; a gentileza que vai além da tolerância negativa de não desejar o mal para ninguém, passando para a benevolência de desejar o bem a todos; e a bondade que transforma o desejo em atos, e toma a iniciativa de servir as pessoas de maneira concreta e construtiva. Não é difícil ver "paciência, ternura e bondade" como três degraus ascendentes em nossa atitude para com os outros.
Por último, nosso relacionamento conosco mesmos: "Fidelidade, mansidão, domínio próprio". A palavra "fidelidade" é a mesma que é geralmente traduzida por "fé" (pistis). Aqui parece não significar a fé que confia em Cristo ou em outras pessoas, mas a confiabilidade, que convida outras pessoas a confiarem em nós. É a fidelidade privada, a dignidade sólida de alguém que sempre cumpre suas promessas e termina o que começa. Mansidão não é uma qualidade de pessoas meigas e fracas, mas de pessoas fortes e dinâmicas, que mantêm sua força e energia sob controle. Domínio próprio é o senhorio sobre a língua, os pensamentos, os apetites e as paixões.
Este, então, é o retrato de Cristo, e, da mesma forma – pelo menos em termos ideais – do cristão equilibrado, parecido com Cristo, cheio do Espírito. Não temos liberdade para escolher algumas destas qualidades, porque é conjunto (como um cacho de uvas ou um feixe de trigo) que elas nos fazem semelhantes a Cristo. Cultivar algumas, e não outras, coloca-nos em desequilíbrio. O Espírito dá diferentes dons a diferentes cristãos, como veremos no próximo capítulo, mas ele atua no sentido de produzir o mesmo fruto em todos. Ele não se satisfaz se demonstramos amor aos outros, mas não controlamos a nós mesmos; ou se temos alegria e paz em nós, mas não somos gentis para com os outros; ou se temos paciência negativa, sem bondade positiva; ou se apresentamos humildade e flexibilidade, sem a firmeza da confiabilidade cristã. O cristão desequilibrado é carnal; todavia, existe uma perfeição, uma compleição, uma plenitude de caráter cristão que somente cristãos cheios do Espírito têm.
Porém, como é possível desenvolver estas qualidades? Esta é a pergunta que queremos fazer ao apóstolo. Sua resposta surge do fato de que as nove qualidades são reunidas na expressão única "o fruto do Espírito". Desta metáfora emergem verdades importantes.

Origem Sobrenatural

A primeira verdade é que o fruto do Espírito é de origem sobrenatural. Isto é evidente, porque as qualidades alistadas são o fruto do Espírito. O próprio Espírito Santo é responsabilizado por sua produção. Eles são a colheria do que ele planta na vida das pessoas que ele preenche.
Também no contexto isto fica evidente, pois "o fruto do Espírito" é contrastado intencionalmente com "as obras da carne". "A carne", na linguagem de Paulo, geralmente não se refere à substância que cobre nosso esqueleto, mas representa nós mesmos, todo nosso ser, aquilo que somos por natureza, decaídos, pecaminosos e egoístas. "O Espírito", por sua vez, não é uma parte de nós, o nosso espírito, mas o Espírito Santo de Deus, do próprio Deus que mora nas pessoas cristãs e está empenhado em transformá-las na imagem de Cristo. À luz desta distinção entre "carne" e "Espírito" podemos dizer que "as obras da carne" são atos que praticamos naturalmente, quando limitados aos nossos recursos, e "o fruto do Espírito" consiste de qualidades que o Espírito faz surgir em nós de maneira sobrenatural (porque elas estão além da nossa capacidade natural), quando colaboramos com ele.
Quando dependemos de nós mesmos, o que surge naturalmente são pecados como "prostituição, impureza, lascívia, bebedices, glutonaria" (vv. 19, 21), enquanto o fruto sobrenatural do Espírito é exatamente o contrário, virtudes como "confiabilidade, humildade, domínio próprio". Quando agimos por conta própria, nós nos rebelamos contra Deus e caímos em "idolatria e feitiçarias" (v. 20), porém o Espírito Santo nos conduz a "amor, alegria e paz". Igualmente, as obras da carne são defeitos anti-sociais como "inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissenções, facções, invejas" (v. 20, 21), enquanto o fruto correspondente do Espírito é "longanimidade, benignidade, bondade".
Portanto, fica claro que, por natureza, todos os nossos relacionamentos são falhos. Desviam-nos de Deus para os ídolos. Desentendemo-nos com outras pessoas e vivemos em discórdia. Desculpamo-nos em vez de nos controlarmos. Viver em harmonia com Deus e com as pessoas, e manter-se sob controle, são obras sobrenaturais da graça de Deus. É o "fruto do Espírito".
Na verdade, este fruto (a soma de todas estas qualidades cristãs) é a melhor evidência que alguém pode apresentar de ter em si a plenitude do Espírito Santo – por causa da sua solidez e objetividade. A verdadeira prova de uma atuação profunda do Espírito de Deus em algum ser humano, não são suas experiências subjetivas e emocionais, nem sinais espetaculares, mas qualidades morais, como Cristo as teve. Creio que um cristão, que alega ter tido experiências grandiosas, mas não tem amor, alegria, paz, bondade e domínio de si, vai causar em todas nós a impressão de que algo está errado com suas alegações. Um outro cristão que, sejam quais forem suas experiências e dons, traz em seu caráter um aroma suave do Senhor Jesus, certamente será preferido para companhia. Isto porque vemos nele uma marca da graça de Deus e um templo do Espírito Santo.

Crescimento Natural

A próxima verdade que devemos observar é que estas qualidades são chamadas de fruto do Espírito. Em condições normais, qualquer fruto cresce naturalmente. É verdade que é possível acelerar o crescimento de plantas, colocando-as em uma estufa, sob uma certa temperatura. O que estamos fazendo é provar artificialmente as condições em que a planta cresceria de modo natural. Porque o processo de crescimento em se (mesmo em uma estufa) não é artificial; ele ainda é natural.
Ao chamar o caráter cristão de "fruto do Espírito", o apóstolo Paulo estava ensinando que sua origem é sobrenatural (já que é o fruto do Espírito), e que seu crescimento é natural (pois é o fruto do Espírito). É importante manter um equilíbrio entre estas duas verdades, no mínimo por uma razão: o fato de que uma vida santa é produto do Espírito Santo pode facilmente levar algumas pessoas a pensarem que não há nada de sua parte que possam fazer no processo. Porém, o fato de que o Espírito o produz como seu fruto" indica ao mesmo tempo que há certas condições das quais o crescimento depende, pelas quais nós somos responsáveis, isto porque o que é natural sempre é condicionado. O processo só é natural quando as condições estão de acordo.
Esta lição que extraímos da horticultura também se aplica ao crescimento em maturidade cristã. O próprio Paulo faz a aplicação, embora não em Gálatas 5, mas em Gálatas 6. Este é outro bom exemplo da necessidade de se estudar cada texto em um contexto amplo e de se passar por cima das divisões arbitrárias dos capítulos em nossa Bíblia. No capítulo 5 Paulo fala do "fruto", e no capítulo 6 ele aborda a questão de "semear", do qual, no fundo, depende qualquer colheita. Estas são suas palavras:
"Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida eterna." (Gál. 6:7,8).
O princípio fundamental está registrado no título: "Aquilo que o homem semear, isto também ceifará". Este é um princípio inflexível de todos os procedimentos de Deus, uma lei de consistência própria, tanto na área física como na moral, tanto no caráter da natureza como no caráter humano. Sempre, invariavelmente, colhemos o que plantamos. Por isso, devido à confiabilidade de Deus, podemos determinar com antecedência o que colheremos, decidindo o que iremos plantar. Se eu fosse um agricultor que quisesse colher feijão, eu teria de semear feijão. Seria ridículo plantar milho ou trigo e querer colher feijão. O mesmo princípio se aplica ao comportamento humano. Se queremos que o Espírito Santo produza um fruto bom em nossa rida, precisamos semear sementes boas. O antigo provérbio expressa isto muito bem:
Semeie um pensamento, e você colherá uma ação;
Semeie uma ação, e você colherá um hábito;
Semeie um hábito, e você colherá um caráter;
Semeie um caráter, e você colherá um destino.
Não podemos alterar isto. Como Paulo disse, "de Deus não se zomba". O verbo grego que ele escolheu é muito ilustrativo. Significa literalmente "levantar o nariz para alguém". Ele quis dizer que não podemos tratar Deus com desprezo, nem passar por cima das leis que ele instituiu. Alguns cristãos se surpreendem por não estar colhendo o fruto do Espírito, mas passam uma grande parte de seu tempo semeando para a carne. Será que eles acham que podem enganar Deus e fazê-lo de bobo, e torcer suas leis, segundo sua conveniência?
Olhe com mais atenção para o que o apóstolo disse. Ele compara nossa personalidade com um campo onde estamos semeando todos os dias. O campo está dividido. Uma parte ele chama de "carne" (nós mesmos, ou o que somos por natureza), a outra de "Espírito" (o Espírito Santo, ou o que somos pela graça). É possível semear nos dois lados do campo. Um cristão "semeia para a sua própria carne", outro "semeia para o Espírito". Em conseqüência, cada um terá uma colheita diferente. O que é esta semeadura? E o que é esta colheria?
Por "semear" parece que o apóstolo está entendendo todo o padrão dos nossos pensamentos e hábitos, nosso estilo de vida, a direção e a disciplina da nossa vida. Isto Inclui as companhias que temos, as amizades que cultivamos, a literatura que lemos, os filmes que assistimos no cinema ou na televisão, o tipo de lazer com que preenchemos nosso tempo livre, e tudo o que ocupa nosso interesse, absorve nossa energia e domina nossa mente. Em relação a todas estas coisas precisamos tomar uma decisão, tendo em vista tanto a tendência geral de nossa vida quanto a miríade de escolhas menores que se nos apresentam todos os dias. Porque nestas coisas estamos semeando, semeando o tempo todo; e haveremos de colher de acordo com o que e onde semeamos.
Sempre Paulo vota a estes assuntos em suas cartas, ilustrando-os com metáforas abundantes. Às vezes são roupas (aquilo que vestimos); outras vezes são competições atléticas (fugir de algumas coisas e correr atrás de outras). Às vezes a questão é de vida ou morte (matar de verdade, até por crucificação, nossos desejos e paixões pecaminosos e, em lugar deles, viver de modo sensíveis às sugestões do Espírito). Ainda outras vezes o negócio é pagar dívidas (porque somos devedores ao Espírito, e não à carne). De todas estas figuras, no entanto, nenhuma enfatiza melhor a naturalidade da santificação do cristão, desde que haja as condições corretas, do que a necessidade de semear a semente certa no campo certo, se quisermos contar com a colheita certa.
Que colheita é essa? Paulo diz que semear para a carne produz uma colheita de "corrupção". Esta é uma palavra repugnante, que desperta imagens horríveis de decadência, decomposição, morte e podridão cadavérica. Provavelmente ela simboliza uma deterioração constante do caráter nesta vida e também a ruína na próxima. Semear para o Espírito, por sua vez, produz uma colheita de "vida eterna", que é uma comunhão cada vez mais íntima, já agora com o Deus vivo, (vida eterna é conhecê-Lo: João 17:3), além daquela comunhão plena com Ele que desafia a imaginação e espera por nós no último dia. Portanto, não só o nosso caráter moral neste mundo, mas também nosso destino definitivo no próximo dependem da semente que estamos lançando agora, e onde a estamos semeando.

Maturidade Gradual

Temos a aprender uma terceira lição do uso que o apóstolo faz desta metáfora do "fruto". Um conhecimento de botânica, mesmo que elementar, é suficiente para que constatemos que os procedimentos de Deus amadurecem com lentidão. Jesus o diz em uma de suas parábolas sobre o trigo: "Primeiro a erva, depois a espiga, e, por fim, o grão cheio na espiga" (Mar. 4:28). Também podemos usar a ilustração de uma fruta: Primeiro o renovo, depois o broto da flor, depois a flor aberta; depois a fruta fertilizada, como um tipo de embrião, porém ainda dura, verde e não comestível; depois ela aumenta, vai ficando macia e adquire as primeiras cores, finalmente temos a fruta madura e saborosa. É um processo natural, condicional e gradual.
O que vale para uma fruta do pomar vale também para o fruto do Espírito. O Espírito Santo implanta vida na alma instantaneamente, no momento do novo nascimento (apesar de vários meses de preparo poderem tê-lo precedido); mas ele leva tempo, muito tempo, para produzir um caráter cristão maduro.
Esta ênfase na santificação gradual não tem a intenção de desculpar nossa pecaminosidade contínua, nem de incentivar nossa preguiça, nem de afrouxar nossa expectativa, mas de nos advertir contra jardineiros charlatães que nos oferecem frutos maduros na hora. Nossa época é mais de indústria que de agricultura. Seu símbolo é mais o martelo que a foice. A automação tem a ver com rapidez. O computador nos dá respostas em Instantes. Mas o Espírito Santo não tem esta pressa. Um caráter é o produto de uma vida inteira.
Se compreendermos como esta atuação de Deus é gradual, seremos mais ativos em colaborar com o Espírito (o jardineiro celestial) que cuida do fruto, prestaremos mais atenção no que semeamos, se quisermos ter uma boa colheita, e disciplinaremos melhor nossos hábitos de devoção pública e particular, de maneira que cresçamos através destes meios de graça que Deus nos concedeu, e o fruto do Espírito se desenvolva e amadureça em nós.
Charles Simeon, um erudito clérigo de Cambridge do início do século passado, cuja profunda influência sob a mão de Deus ainda é sentida hoje, era por natureza e disposição um homem "esquentado", orgulhoso e impetuoso. Quando ele fez sua primeira visita ao seu colega evangelista Henry Venn, em Yelling, a filha mais velha deste descreveu muito bem a ocasião. O incidente é registrado por Michael Hennell:
"É impossível imaginar algo mais ridículo do que sua aparência e sua maneira de ser. Suas caretas estão além do que alguém pare conceber. Assim que ele se foi, reunimo-nos na biblioteca e rimos às gargalhadas." Mas seu pai chamou todos ao jardim e pediu que lhe apanhassem um pêssego, apesar de o verão estar apenas começando e as frutas ainda estarem verdes. Quando eles se mostraram surpresos, ele disse: "Está certo, meus caros, o pêssego ainda está verde, e precisamos esperar, entretanto, com um pouco mais de sol e algumas poucas chuvas, ele estará maduro e doce. O mesmo acontece com o Sr. Simon".1
E assim se deu, porque ele foi colhendo o que ia semeando e, sob a influência graciosa do Espírito Santo, tornou-se uma pessoa gentil, humilde, amorosa e semelhante a Cristo.

Aplicação

Eu comecei por alistar as nove qualidades cristãs que em conjunto perfazem o "fruto do Espírito", e mencionei que a simples relação destas qualidades é suficiente para despertar o apetite espiritual dos cristãos. Na verdade, para mim é ponto pacífico que todos temos "fome e sede de justiça" (Mat. 5:6; 6:33). Vimos também três razões pelas quais estas qualidades são chamadas de fruto do Espírito. Para concluir, devemos tirar uma lição de cada uma.
Em primeiro lugar, já que a semelhança a Cristo é de origem sobrenatural, precisamos ter humildade e fé – a humildade para reconhecer que nós não podemos produzir esta colheita por nós mesmos, e fé para crer que Deus pode fazê-la amadurecer em nós como fruto do Espírito. Por isto Jesus ensinou: "Permanecei em mim, e eu permanecerá era vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira; assim nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim" (João 15:4). A santidade começa com a auto-desilusão, porque a fé também nasce somente com auto-desilusão. Não confiar na carne, porque estamos convictos de que nela "não habita bem nenhum" (Rom. 7:18), é uma pré-condição essencial para confiar plenamente no Espírito.
Em segundo lugar, já que a semelhança a Cristo tem um crescimento natural, desde que disponha das condições adequadas, precisamos ter disciplina para garantir que as condições estarão disponíveis. Só se pode colher o que foi semeado. Precisamos semear com dedicação, o que significa cultivar hábitos disciplinados tanto na área do pensamento (concentrando nossa mente no que é bom), quanto na área da vivência (não por último na meditação diária na Palavra de Deus e na oração). Crescimento natural é crescimento condicionado. Se formos conscienciosos em fornecer as condições, o crescimento haverá de ser abundante. Se cuidarmos das sementes, o Espírito Santo cuidará do fruto.
Por último, já que ser semelhante a Cristo vem de um amadurecimento gradual, precisamos ter paciência para esperar. Podemos até chamá-la de "paciência impaciente", porque por paciência eu não entendo resignação. Todo jardineiro, todo agricultor, cada pessoa que vive em contato com o solo sabe que é preciso ter paciência. Não há sentido em querer mudar a ordem das estações ou as leis de crescimento que Deus estabeleceu. Corno Tiago escreveu em um contexto diferente: "Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas" (Tia. 5:7). Ele estava recomendando uma espera paciente da vinda do Senhor, mas ele, da mesma forma, poderia ter aplicado a mesma metáfora para uma espera paciente pelo fruto do Espírito. Como vimos, precisamos preencher as condições, mas depois devemos "esperar a vinda do Senhor" e buscar nEle com expectativa o amadurecimento do fruto, até que, afinal, venha o dia da colheita de um caráter cristão maduro nesta vida e semelhança completa com Cristo na próxima.

CAPÍTULO TRÊS – NOTA
1. Michael Hennel, John Venn and the Clapham Sect (Lutterworth Press, Londres, 1958), p. 89s.

OS DONS DO ESPÍRITO

Em nosso estudo do Espírito Santo até agora nos concentramos em sua atuação no crente individual. O cristão recebe primeiro o "dom" ou "batismo" do Espírito, no começo da sua vida nova, e depois procura apropriar-se, de maneira contínua e crescente, da plenitude do Espírito, resultando na manifestação e amadurecimento do fruto do Espírito em sua vida. Os dons do Espírito também são concedidos individualmente aos crentes, mas sua finalidade é o crescimento sadio da Igreja.
Quando os escritores do Novo Testamento falam sobre a Igreja, com freqüência eles contrastam sua unidade com sua diversidade. As duas características são obra do Espírito Santo. A Igreja é uma, porque o Espírito habita em todos os crentes. A Igreja é multifacetada, porque o Espírito distribui diferentes dons aos crentes. De forma que o dom do Espírito (que Deus nos dá) cria a unidade da Igreja, e os dons do Espírito (que o Espírito dá) diversifica o ministério da Igreja. A mesma verdade pode ser expressa em relação à graça de Deus. A Igreja deve sua unidade à charis (graça), e sua diversidade aos cria" charismata (dons da graça).
Encontramos quatro listas de dons no Novo Testamento. A más conhecida está em 1 Coríntios 12. Igualmente importante é a de Romanos 12:3-8. Listas mais curtas estão em Efésios 4:7-12 e 1 Pedro 4:10,11. Precisamos tentar descobrir, a partir desta e outras passagens, a natureza dos dons espirituais, quantos são, qual é sua relação com os talentos naturais, se são todos miraculosos, quais dons são dados hoje, qual é seu alcance (a quem eles são concedidos), sua origem (de onde eles vêm) e seu propósito (para que eles são dados).

A Natureza dos Dons Espirituais

O melhor ponto de parida que podemos escolher é 1 Coríntios 12:4-6, onde Paulo declara: "Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos."
O objetivo do apóstolo é enfatizar que, mesmo os dons sendo diversos, há um só Doador. Ele afirma esta verdade três vezes, cada vez relacionando os dons a uma outra Pessoa da Trindade ("o mesmo Espírito", "o mesmo Senhor, "o mesmo Deus"). Ele também usa três palavras diferentes para os dons. Primeiro (v. 4) eles são charismata, dons da graça de Deus. Depois, (v. 5) eles são diakoniai, maneiras de servir. Em terceiro lugar, (v. 6) eles são energêmata, energias, atividades ou poderes, que o mesmo Deus "energiza" ou "inspira" (energôn) em todos. E há "diversidade" ou "porções" (diaireseis) de cada grupo.
Juntando estas três palavras, talvez possamos definir dons espirituais como "certas capacidades, concedidas pela graça e poder de Deus, que habilitam pessoas para serviços específicos e correspondentes". Um dom espiritual é, portanto, não a capacidade em si, nem um ministério ou função propriamente dito, mas a capacidade que qualifica uma pessoa para um ministério. Em termos simples, ele pode ser considerado, ou o dom e o trabalho em que é exercido, ou o trabalho e o dom com que é exercido.
Agora temos condições de fazer algumas perguntas em relação a estes dons, que aumentarão nosso conhecimento da sua natureza.

Quantos Dons Existem?

O interesse de alguns cristãos parece estar limitado principalmente a três dons, que são "línguas, profecia e curas". Entretanto, é óbvio que há mais dons que este trio empolgante. Recentemente vi um livro e um livrete, ambos intitulados The Nine Gifts of the Spirit (Os Nove Dons do Espírito). É louvável que a motivação do autor em limitar os dons a nove seja traçar um paralelo com o fruto do Espírito, que tem nove partes, mas é um erro querer restringir o número desta maneira. É verdade que na primeira lista, registrada me começo de 1 Coríntios aparecem nove dons. Também é verdade que a segunda lista, no fim do mesmo capítulo, também abrange nove, mas somente cinco destes coincidem com a primeira lista. De forma que, mesmo em 1 Coríntios, são pelo menos 13 dons. Depois há uma lista de sete dons em Romanos 12 (dos quais cinco não ocorrem em nenhuma lista de 1 Coríntios 12) e outra lista, de cinco dons, em Efésios 4 (dos quais dois são novos), além de outros dois dons citados em 1 Pedro 4, um dos quais ("se alguém fala") anda não recebera menção específica antes. Ao compararmos as listas, nem sempre está claro quais dons são idênticos, mas é quase certo que, no conjunto, o Novo Testamento faça referência a vinte ou mais dons diferentes.
Além disto, não temos motivos para crer que estas cinco listas somadas formam uma lista completa de todos os dons espirituais. Já mencionamos que nas duas listas que aparecem no mesmo capítulo (1 Cor. 12) somente cinco dons são repetidos, de maneira que cada uma tem quatro dons novos, além dos dois inéditos em Efésios, que não estão em nenhuma das duas listas de 1 Coríntios. Nenhum dom aparece em todas as cinco listas, e treze dons estão em apenas uma das cinco listas cada um. A menção dos dons parece obedecer somente ao acaso, como que para enfatizar que cada lista é uma seleção limitada de um total muito maior.
Acrescente-se ainda que é verdade que sabemos, pela história e pela experiência, de dons que o Espírito Santo concedeu a algumas pessoas, que não constam de nenhuma lista bíblica. Será que a capacidade de Charles Wesley de escrever hinos não era tanto um carisma quanto o dom de evangelista de seu irmão, John? E o que dizer de cantores evangélicos, poetas cristãos, e homens e mulheres com dons espirituais destacados (não consigo descrevê-los com nenhuma outra expressão) na literatura cristã, na composição musical, no rádio e na televisão? Repito que somente uma das cinco listas inclui "evangelistas". Será que este dom é abrangente, concedido a todos que labutam em algum tipo de evangelização? Ou será que nosso conhecimento da variedade de dons evangelísticos de Deus não sugere que pode haver o dom da evangelização de massas, o da evangelização nos lares, o da evangelização por amizade, o da evangelização pelo ensino, o da evangelização pela literatura, o da evangelização de crianças, e muitos outros?
Aventuro-me a sugerir que com os dons espirituais ocorre o mesmo que acontece com as experiências mais profundas: nosso Deus é um Deus de uma diversidade rica e colorida. Nossa tendência humana é de tentar limitá-lo em fronteiras arbitrárias que inventamos, para "captá-lo" e criar estereótipos inflexíveis de experiência e ministério. Todavia, o Deus da criação fez uma variedade praticamente infindável de criaturas fascinantes e mesmo entre os seres humanos há um quadro complexo de raças e temperamentos. A Escritura deixa claro que o Deus da redenção é o mesmo.
Em um caso sua sabedoria salvadora é chamada de "multiforme" (Efés 3:10 – polupoikilos). A mesma palavra – sem o prefixo – é usada para sua graça na distribuição dos dons espirituais. Somos incentivados a exercer os dons que recebemos, "como bons despenseiros da multiforme graça de Deus" (1 Ped. 4:10; poikilos é '"multiforme" ou "mesclada"; a BLH traz: "Sejam bons administradores dos diferentes dons que receberam de Deus"). A palavra era usada para se referir a mármore, tecidos bordados e tapetes orientais. A graça de Deus é como uma tapeçaria detalhada, e a rica diversidade dos dons espirituais é como os diversos fios de muitas cores que são entrelaçados para formar a beleza do conjunto.
Como resposta à nossa pergunta inicial: "Quantos dons diferentes existem?", creio que devemos dizer: "O Novo Testamento especifica pelo menos vinte, e o Deus vivo que ama a diversidade e é um doador generoso pode muito bem conceder muito, muito mais do que isto". Paulo afirma isto, repetindo com ênfase, ao falar do assunto, que, em contraste com o único Espírito, há "dons diversos", "diversidade nos serviços" e "diversidade nas realizações" (1 Cor. 11:4-6).

A Relação Entre Dons Espirituais e Talentos Naturais

Que relação há entre dons espirituais e talentos naturais? Algumas poucas pessoas responderão imediatamente: "Nenhuma", outras têm falado e escrito como se não houvesse diferença digna de nota entre eles. Parece-me que estas duas posições são extremadas. Deve haver alguma diferença, na verdade uma diferença clara, porque o Deus da criação, por um lado, em sua providência dá talentos a todos os homens e mulheres (tanto que falamos que algumas pessoas têm um "dom" artístico ou um "dom" para música, ou têm uma personalidade muito "dotada") e, por outro, o Deus da nova criação, a Igreja, confere "dons espirituais" somente às pessoas redimidas. São os dons espirituais que diferenciam os membros do Corpo de Cristo, pois cada membro do Corpo tem um dom ou função. Mesmo assim, devemos ter cautela em deduzir disto que não há nenhum vinculo entre dons e talentos. Diversas razões devem levar-nos a pensar.
A primeira é que o mesmo Deus é o Deus da criação e da nova criação, e ele opera sua vontade perfeita através das duas. Esta vontade divina é eterna. Deus disse a Jeremias, por ocasião do seu chamado ao ofício profético: "Ames que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e antes que saísses da madre, te consagrei e te constituí profeta às nações" (Jer. 1:5). Paulo tinha a mesma convicção a respeito de si e de seu chamado para ser apóstolo. O Deus que lhe revelou seu Filho foi o mesmo que "me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça" (Gál. 1:15). Observe que os dois versículos contêm mais que uma referência ao tempo, isto é, antes do nascimento de Jeremias e Paulo, Deus sabe o que lhes aconteceria. Afirma-se que já artes de eles nascerem Deus os tinha consagrado ou separado para o ministério especial para o qual ele haveria de chamá-los depois. É certo, então, que não podemos dizer que não havia uma ligação entre as duas partes da sua vida.
Será que não combina melhor com o Deus da Bíblia concluir que ele os capacitou antes de chamá-los (um condicionamento genético, diríamos modernamente), o que se manifestou e pôde ser usado somente depois? Deus esteve ativo nas duas partes da sua vida, e combinou ambas de maneira perfeita. De modo semelhante todos os escritores bíblicos foram preparados antes pela providência de Deus em termos de temperamento, educação e experiência, para depois serem inspirados pelo Espírito Santo para comunicar uma mensagem totalmente adequada ao tipo de pessoa que eram.
Se alguém objetar que o que valeu para profetas e apóstolos mão vale necessariamente para os cristãos comuns de hoje, eu responderia que a Bíblia sugere o oposto. O plano gracioso de Deus para cada um de nós é eterno. Ele foi imaginado e até "dado em Cristo Jesus antes dos tempos eternos" (2 Tim. 1:9); Deus nos escolheu para que fôssemos santos e nos destinou para que fôssemos seus filhos através de Jesus Cristo "antes da fundação do mundo" (Efés. 1:4,5); e as boas obras para as quais fornos recriados em Cristo são exatamente aquelas que "Deus de antemão preparou " (Efés. 2:10). Esta verdade fundamental de que Deus planejou o fim desde o começo, deve advertir-nos contra concluir com muita rapidez em favor de uma descontinuidade entre natureza e graça, entre nossa vida pré e pós-conversão.
Há uma outra razão para crermos em um vínculo entre dons naturais e espirituais. Diversos charismata, além de não serem milagrosos, são claramente mundanos. São dons espirituais de natureza material. Talvez os exemplos mais claros sejam os três últimos da lista de Paulo em Romanos 12:
"... o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria." (Rom. 12:8).
Não pode haver dúvida de que estes três fazem parte da lista de charismata. A própria palavra consta do início do versículo 6. A lista toda faz parte da metáfora "um corpo – muitos membros" (vv. 4, 5), como em 1 Coríntios 12. Todos os sete dons da lista de Romanos 12 são apresentados de uma maneira quase idêntica.
Então, do que falam estes três dons? O intermediário dos três é ambíguo no grego, podendo significar tanto "aquele que ajuda" como "que tem autoridade" (BLH) ou "quem lidera"; neste sentido é usado para os líderes da igreja e presbíteros em 1 Tess. 5:12 e 1 Tim. 5:17. Quanto aos outros dois dons não há dúvidas. Um ("o que contribui") se refere a dar dinheiro, e é usado especificamente em Efés. 4:28 para expressar a doação "ao necessitado"; o outro é "quem exerce misericórdia". Acontece que descrentes podem, igualmente, dar dinheiro a pessoas necessitadas e exercer misericórdia, e o fazem.
Então, em que sentido as duas atitudes podem ser consideradas "dons espirituais" concedidos por Deus exclusivamente aos seus filhos? É, no mínimo, improvável que o primeiro destes dons seja uma chuva de dinheiro repentina, depois da conversão! Pelo contrário, creio que devermos concordar que os recursos (o dinheiro para dar, a força para servir) já estavam nestas pessoas antes de sua conversão. O que é novo, que transforma sua capacidade natural em um dom espiritual, deve estar na área do seu objetivo (as causas que eles servem e para que dão) e da sua motivação (os incentivos que os orientam). Pelo menos é nisto que Paulo põe a ênfase. Ele diz que não deve haver uma atitude indisposta e relutante. Quem dá dinheiro deve exercer seu dom "com liberalidade" ("generosidade", BLH), e quem exerce misericórdia, "com alegria".
Um vínculo semelhante entre talentos naturais existentes antes da conversão e dons espirituais presentes após a conversão, pode existir também entre dois dos charismata anteriores que Paulo menciona em Romanos 12, que são "o que ensina" (v. 7) e "o que exorta" (v. 8). É óbvio o que significa "ensinar". O verbo "exortar (parakaleo), por sua vez, tem diversos significados, que vão desde "pedir" e "suplicar" até "incentivar", "confortar" e "consolar". Os dois verbos podem estar se referindo a diferentes aspectos do ministério público da palavra, de um lado a instrução e de outro a exortação.
A "exortação" (paraklesis) pode, certamente, ser dada em discurso formal (Atos 13:15), ou por escrito (Heb. 13:22). Mesmo assim, paraklesis é um conceito mais amplo que inclui o tipo de incentivo e conforto que a amizade, interesse e amor pessoal podem dar. Acontece que tanto a instrução como incentivo podem ser dados por pessoas não-cristãs. No mundo secular encontramos muitas pessoas que são (como dizemos) "professores natos", e outras cujo grande dom é sua compreensão, disponibilidade, sensibilidade, em resultado do que elas reanimam as pessoas e as incentivam em seu caminho. Então, qual pode ser a diferença entre professores e conselheiros não-cristãos, por um lado e cristãos com estes dons espirituais, por outro?
Em vista do que foi escrito acima sobre o Deus da natureza e da graça, a priori não é improvável que Deus dê o dom espiritual do ensino a um crente que, antes de converter-se, não conseguia comunicar-se, ou o dom espiritual do aconselhamento a um Irmão ou irmã que é antipático ou rude por temperamento? Isto não seria impossível para Deus. Mas não estaria mais em harmonia com o Deus da Bíblia, cujos planos são eternos, supor que seus dons espirituais andam lado a lado com seus talentos naturais? E que, por exemplo, um "filho de exortação" como Barnabé (Atos 4:36), que exerceu seu ministério pessoal dando generosamente (v. 37) e sendo amigo pessoal (por ex., Atos 9:26, 27, 11:25,26), já era este tipo de pessoa, pelo menos em potencial, quando Deus o fez?
Neste caso devemos procurar as peculiaridades dos dons espirituais de ensino e aconselhamento na elevação, na intensificação, na "cristianização" de um talento natural latente, ou já presente. Por esta razão, uma pessoa pode ser um professor dotado antes de sua conversão, e depois de receber o charisma do ensino que o capacita a expor com entendimento, clareza e relevância. Ou alguém pode ter por natureza uma maior facilidade de se relacionar amigavelmente com pessoas, mas depois da conversão recebe o dom espiritual da "exortação", que o capacita a exercer um ministério cristão específico de "exortação em Cristo" (Filip. 2:1), que inclui a instrução cristã (p. ex., 1 Tess. 4:18; Tito 1:9.) e o calor e a força da fé cristã (Rom. 1:12). Em todas estas últimas referências ocorrem as palavras parakaleo ou paraklesis.
Portanto, a evidência bíblica nos adverte a não traçarmos uma linha demarcatória muito firme entre dons naturais e espirituais. John Owen, era seu grande livro do século XVII Pneumatologia ou A Discourse Concerning the Holy Spirit (Uma Dissertação Sobre o Espírito Santo), distinguiu entre dois tipos de dons espirituais – "os que excedem todos os poderes e capacidades da mente humana" e "os que consistem de reforços extraordinários das capacidades da mente humana".1

Todos os Dons Espirituais São Miraculosos?

Alguns leitores podem estar surpresos com a pergunta, porque nunca pensaram que todos os charismata implicassem em milagre. Todavia, a pergunta precisa ser feita, porque agora parece que algumas pessoas dão a impressão de que a palavra "carismático" é mais ou menos sinônimo de "miraculoso".
Nossa resposta à pergunta precisa começar com a repetição de alguns dons que, longe de serem miraculosos, parecem ser bem comuns, até prosaicos. Não há nada de miraculoso nos dons de ensino e exortação, dar dinheiro e exercer misericórdia. Também não há razão óbvia, a concluir das palavras, para pensar que "palavra da sabedoria", "palavra do conhecimento " ou "fé" (1 Cor. 12:8,9) sejam ou incluam milagres. Nada no texto ou me contexto sugere isto. A interpretação natural é que eles se referem a uma medida especial de sabedoria e conhecimento (somada ao dom de comunicá-los) e um grau especial de fé, obviamente não para justificação ou santificação, mas para um tipo especial de ministério. Alguns exemplos do Antigo Testamento são Salomão, que recebeu o dom da sabedoria, e os heróis de Hebreus 11, que receberam o dom da fé.
No mesmo sentido, Paulo e Pedro chamam "servir" de dom espiritual (Rom. 12:7, 1 Ped. 4:11). O verbo diakoneo é comum e pode referir-se a qualquer tipo de serviço, pastoral ou (o que é mais provável) prático. Ho diakonon é o garçom que serve à mesa (Luc. 22:26s.) e a mesma palavra é usada para o trabalho doméstico de Maria (Luc. 10:40). Depois, Paulo menciona em 1 Coríntios 12:28 dois charismata traduzidos por "socorros" e "governos" (antilempseis e kuberneseis). A primeira palavra aparece somente aqui no Novo Testamento, mas é corretamente traduzida por "ajudas" ou "atos de ajuda". Parece ser outro termo geral como "serviço".
Kuberneseis, por sua vez, significa "administração", e o Léxico de Arndt-Gingrich acrescenta que "o plural indica provas de capacidade para ocupar uma posição de liderança na igreja". A palavra cognata kubernetes é o "timoneiro", o "piloto" ou, mesmo, o "capitão" de um navio (Atos 27:11), vindo a ser aplicada figuradamente, no grego clássico, para pessoas em posições seculares de liderança como, por exemplo, o governador de uma cidade. Kuberneseis parece ser, então, o dom de guiar ou dirigir outros, talvez, incluindo a capacidade de distribuir responsabilidades para partes do programa da igreja, ou a liderança de presidir uma reunião e "pilotar" com sabedoria os procedimentos de uma diretoria.
O que dizer, então, dos dons miraculosos? A "operação de milagres" e os "operadores de milagres" já dizem pelo nome que envolvem milagres; o mesmo acontece provavelmente com "dons de curar, "curas", bem como "variedades de línguas" e "interpretação de línguas" (1 Cor. 12:9,10,28,29). Presumindo que todos estes são dons miraculosos, surge a pergunta: Será que eles ainda são concebidos nos dias de hoje? É estranho como as pessoas em geral têm rapidamente a resposta pronta, seja um simples "sim" ou "não", sem verificar primeiro se há uma doutrina bíblica de milagres, à luz da qual esta pergunta possa ser analisada e respondida. Aventuro-me a dizer que tanto "sim", quanto "não" são respostas extremadas.
Um "não" dogmático, talvez, acrescido de: "Milagres não acontecem mais hoje" ou, pior: "Milagres não podem acontecer", é uma posição impossível de ser mantida por um cristão. O Deus em que cremos é o Criador livre e soberano do universo. Ele sustenta tudo pela palavra do seu poder. Toda a natureza lhe está subordinada. Ele não somente pode operar milagres, mas ele também tem feito milagres. Quem somos nós para restringir seu poder e dizer-lhe o que pode ou não fazer?
Todavia, a posição oposta também parece ser insustentável. Em sua forma mais extrema, ela diz que quase tudo o que Deus faz é miraculoso. Entretanto, por definição, um milagre é um evento extraordinário, um desvio criativo da maneira normal e natural pela qual Deus age. Se milagres fossem coisas comuns, deixariam de sê-los. No entanto, alguns cristãos vêem a atuação de Deus somente no que é milagroso. Eles fizeram dele um tipo de mágico. Todos precisamos urgentemente compreender a revelação bíblica do Deus vivo cuja maneira primordial de agir na natureza e na história, não é nem sobrenatural e nem miraculosa. Deus é o Altíssimo, que controla o reino dos homens (Dan. 4:32), e que "considera as nações como um pingo que cai dum balde" e "as ilhas como pó fino" (Isa. 40:15); "Deus é o juiz: a um abate, a outro exalta" (Sal. 75:7). Também é ele quem faz seu sol nascer e quem envia a chuva (Mat. 5:45), quem mantém a regularidade das estações (Gên. 8:22; Atos 14:17), quem comanda o ímpeto do mar (Sal. 89:9), quem alimenta as aves e veste as flores (Mat. 6:26,30), e quem tem o fôlego do ser humano em sua mão (Dan. 5:23).
A partir do momento em que virmos o Deus vivo constantemente em ação, através dos processos da história e da natureza, começaremos a perceber, por exemplo, que toda cura é cura divina, seja com ou sem o uso de meios naturais, psicológicos ou cirúrgicos. Sem estes meios, a cura pode ser chamada, corretamente, de "cura miraculosa", com o uso de recursos disponíveis ela pode ser chamada de "não-miraculosa", mas as duas possibilidades são igualmente "cura divina".
Uma forma menos extrema desta segunda posição é a afirmação de que, apesar de que nem tudo o que Deus faz é miraculoso, ele quer que os milagres sejam elementos regulares de nossa vida e ministério nos dias de hoje, como acontecia com nosso Senhor e seus apóstolos. Mas isto também não pode ser sustentado de maneira séria por pessoas que firam sua doutrina de milagres da Bíblia. A Bíblia contém muitas histórias de milagres, mas ela não é somente um livro de milagres, assim como o Deus da Bíblia não é somente um Deus de milagres. Grandes porções da história bíblica não contém um único registro de milagre. De João Batista, que Jesus chamou de maior homem da antiga dispensação, é dito especificamente que ele não fez nenhum milagre (João 10:41).
Na verdade, quando começamos a identificar onde os milagres estão na Bíblia, descobrimos que eles se agrupam como estrelas no céu noturno. Existem quatro constelações principais. A primeira concentração é a época de Moisés (as pragas do Egito, a passagem pelo Mar vermelho, o maná, a água, etc.). A próxima é a época de Elias, Eliseu e de outros profetas; a terceira é no ministério do próprio Senhor Jesus, e a quarta no dos Seus apóstolos. Acontece que estas são as quatro épocas principais em que houve revelação – a lei, os profetas, o Senhor e os apóstolos. E o principal propósito dos milagres era confirmar cada novo estágio da revelação. Por exemplo, o fato de que Moisés era um profeta especial ("a quem o Senhor conhecia face a face") foi confirmado por seus milagres especiais ("Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, ... no tocante a todos os sinais e maravilhas, que, por mando do Senhor, fez..." – Deut. 34:10,11). De maneira semelhante, o ministério do Senhor Jesus foi "aprovado por Deus ... com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele..." (Atos 2:22).
Assim Deus também testificou da mensagem das testemunhas oculares apostólicas "por sinais, prodígios e vários milagres, e por distribuições2 do Espírito Santo segundo a sua vontade" (Heb. 2:4). Por esta razão é correra chamar o livro de Atos de "Atos dos Apóstolos", porque todos os milagres que Lucas registrou neste livro foram feitos por apóstolos (veja Atos 2:43; 5:12); as duas únicas exceções são de dois homens que os apóstolos tinham comissionado pessoalmente, pela imposição de mãos (6:8; 8:6,7). Também os sinais que Paulo fez foram chamados por ele de "credenciais do apostolado" (2 Cor. 12:12). 3
Então, qual deve ser nossa atitude diante de milagres que são ditos acontecerem hoje? Não deve ser nem uma incredulidade obtusa ("não acontecem mais milagres"), nem uma credibilidade impensada ("É claro! Milagres estão acontecendo o tempo todo"), mas uma atitude de mente aberta, de averiguação: "Eu não conto com milagres corno algo comum nos dias de hoje, porque a revelação especial que eles estavam confirmando já está completa; mas, sem dúvida, Deus é soberano e livre, e é bem possível que haja situações especiais em que lhe apraz fazer milagres".

Será que Todos os Dons Espirituais da Bíblia São Dados Hoje?

Já dei a entender que pode bem ser que as quatro listas que constam da Bíblia não sejam completas, e que haja dons espirituais concedidos hoje que não aparecem em nenhuma destas listas. Agora verificamos o oposto, que nem todos os vinte ou mais dons que são relacionados são concedidos. Deixando de lado a questão dos dons miraculosos, que já estudamos, precisamos abordar a questão de se há "profetas" e "apóstolos" hoje na igreja. Para as pessoas que partem do pressuposto de que todos os charismata mencionados no Novo Testamento anda são concedidos, a existência atual de apóstolos e profetas é ponto pacífico. Estes cristãos geralmente dizem e escrevem que não há "nenhuma evidência bíblica" de que algum dom seria tirado. Acontece que, na verdade, há evidências para exatamente isto que eles dizem não haver.
É provável que a palavra "apóstolo" seja usada com três sentidos diferentes no Novo Testamento. Somente em um único texto parece que ela é usado para todos os cristãos, que é onde Jesus diz que "o enviado (apostolos, em grego) não é maior do que aquele que o enviou" (João 13:16). No sentido geral de que todos nós somos enviados por Cristo ao mundo e compartilhamos da missão apostólica da Igreja, (João 17:18, 20,21), todos somos "apóstolos", no sentido amplo. Mas, já que isto se aplica a todos os cristãos, não é um charisma dado somente a alguns.
Em segundo lugar, a palavra é usada pelo menos duas vezes para "apóstolos das igrejas" (2 Cor. 8:23; Filip. 2:25), mensageiros enviados em missões especiais de uma igreja para outra. Neste sentido a palavra pode ser aplicada a missionários e outros cristãos enviados em missão especial. Porém, naturalmente não é este o sentido do charisma "apóstolo", porque o que é imediatamente digno de nota nas duas listas em que "apóstolo" ocorre é que em ambas este dom encabeça a lista (1 Cor. 12:28, 29; Efés. 4:11), e que na lista de Coríntios os primeiros dons estão em ordem de importância ("primeiro, segundo, terceiro"), e "apóstolos" vêm "primeiro". O dom do apostolado, que recebe esta preferência, deve referir-se, portanto, àquele grupo pequeno e especial de homens que foram "apóstolos de Cristo" e que incluía os doze (Luc. 6:13), Paulo (p. ex., Gál. 1:1), provavelmente Tiago, o irmão do Senhor (Gál. 1:1, 19), e possivelmente um ou dois outros. Eles detinham a condição especial de terem sido testemunhas oculares do Jesus histórico, especialmente depois da ressurreição (Atos 1:21,22; 1 Cor. 9:1; 15:8,9), de terem sido indicados e autorizados pessoalmente por Cristo (Mar. 3:14), e de terem sido inspirados especialmente pelo Espírito Santo para o seu ministério de ensino (p. ex., João 14:25,26; 16:12-15). Portanto, neste sentido principal em que estão na lista, eles não têm sucessores, conforme a natureza do caso, como se dá com "missionários" hoje, no sentido secundário do termo.
E o que dizer dos profetas? Sem dúvida, na história da Igreja houve ocasiões em que se alega terem surgido profetas. Será que estas alegações têm precedentes? Isto depende em grande parte de nossa definição do que seja "profecia" e "profeta". O concerto bíblico, que remonta ao tempo do Antigo Testamento, é que um profeta era um instrumento da revelação divina, a quem vinha a palavra do Senhor e que, portanto, pronunciava as próprias palavras de Deus (p. ex., Êxo. 4:12; 7:1,2; Jer. 1:4-9; 23:16,18,22,28). Neste sentido do termo, que é o significado bíblico essencial, eu creio que devemos dizer que não há mais profetas, porque a auto-revelação de Deus foi completada em Cristo e no testemunho apostólico de Cristo, e o cânon da Escritura foi encerrado há muito.
Além disto, "profetas" vêm logo depois dos apóstolos nas listas de Efésios e 1 Coríntios mencionadas acima, "apóstolos e profetas" são, em diversos textos, encarados como fundamento (por causa do seu ensino) sobre o qual a Igreja é edificada (Efés. 2:20; 3:5). O conhecimento mais simples possível de construção arquitetônica é suficiente para nos dizer que, uma vez colocado o alicerce de um edifício e a estrutura superior sendo construída, o alicerce não pode ser colocado novamente. Portanto, no sentido primordial de "profetas", como veículos de revelação direta e nova, parece que temos de dizer que este charisma não é mais concedido. Não existe mais ninguém na Igreja que pode arriscar-se a dizer: "Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo..." ou "Assim diz o Senhor".
Entretanto, tem sido argumentado que "profeta' pode ser usado em um outro sentido, secundário. Algumas pessoas acham que hoje pode haver pessoas como o profeta Ágabo (Atos 11:28; 21:10,11), cuja função não é acrescentar algum elemento à revelação, mas predizer algum evento futuro. Isto é possível. Todavia, tanto a história da Igreja quanto a experiência pessoal me fazem ser cauteloso. Nada trouxe mais descrédito para Edward Irving e sua "Igreja Católica Apostólica" no início do século passado do que o fato de que as predições das "profetisas" não se concretizaram. As minhas próprias observações confirmam isto, porque eu mesmo ouvi muitas predições que não se cumpriram e levaram as pessoas envolvidas ou à desonestidade ou à desilusão.
Outras pessoas sugerem que ministério profético é o que interpreta acontecimentos políticos ou comenta assuntos sociais (como os profetas do Antigo Testamento), porém é difícil isolar este aspecto da sua obra da sua inspiração divina. Ainda outros interpretam o dom da profecia como o dom da exposição da Escritura ou da pregação, ou de "edificar, exortar e consolar" (1 Cor. 14:3).
Neste sentido, Abraão Kuyper escreveu: "Por profecia, Paulo entendeu pregação inspirada, em que o pregador se sente ungido e impulsionado pelo Espírito Santo".4
Entretanto, todas estas interpretações ficam longe da elevada definição bíblica acerca da profecia. Na Escritura, um profeta não é, em primeiro lugar, uma pessoa que prediz o futuro, nem alguém que comenta o cenário político, nem um pregador avivado, nem mesmo alguém que traz uma palavra de ânimo; ele é a boca de Deus, o instrumento de revelação nova. Parece que neste sentido Paulo identifica "apóstolos e profetas" como os mais importantes de todos os charismata (Efés. 2:20; 3:5; 4:11; 1 Cor. 12:28); e é neste sentido que devermos dizer que eles não existem mais na Igreja (sejam quais forem os significados e ministérios secundários). Hoje, Deus não ensina mais a Igreja através de revelação nova, mas pela exposição da sua revelação que foi completada em Cristo e na Bíblia.

O Termo "Carismático"

Estivemos examinando a natureza dos charismata, fazendo e respondendo algumas perguntas sobre eles. Tudo isto me leva a registrar um protesto brando centra diversos usos indevidos do adjetivo "carismático" que representa mal a natureza dos charismata.
Alguns teólogos contrapõem os termos "carismático" e "institucional" quando falam do ministério cristão. Eles chamam pastores e mestres (também bispos e presbíteros) de "institucionais", por terem sido indicados pela igreja, e profetas de "carismáticos", por terem sido indicados pelo próprio Deus. Todavia, isto é (pelo menos em parte) uma distinção errada. É verdade que Deus chamou "apóstolos e profetas" sem que eles recebessem alguma autorização da Igreja. Isto porque a Igreja não tem o direito de autorizar pessoas que Deus não chamou. De acordo com a Bíblia, pastores e mestres são tão "carismáticos" como profetas (Efés. 4:11), e jamais uma pessoa deve ser indicada para um cargo na igreja sem ter sido antes chamada e dotada por Deus.
O Novo Testamento em nenhuma ocasião admite uma anormalidade tão absurda como um homem exercendo um ministério sem o charisma que o qualifique para tal. John Owen expressou isto de maneira admirável: "A Igreja não tem poder para nomear alguém para uma função ministerial, se Cristo não se antecipou à sua indicação concedendo-lhe dons espirituais". 5
Podemos ir ainda mais longe e dizer (por exemplo) que o Novo Testamento não faz distinção entre "o dom do ensino" e "o dom de mestre" (p. ex., 1 Cor. 12:28; Rom. 12:7; Efés. 4:11). O charisma consiste em uma união de cargo e dom.
Nos últimos anos, os jornalistas acostumaram-se a escrever de líderes "carismáticos", ou de políticos e artistas com "carisma". No sentido em que eles a usam, a palavra parece descrever um misto de charme e temperamento. A pessoa chamada de "carismática" tem uma personalidade brilhante. Porém, não há justificativa pare aplicar este termo a descrentes de destaque, que não confessam Jesus como Senhor. Tem-se também a impressão falsa de que os charismata do Novo Testamento são todos dons espetaculares, sendo que os dons de misericórdia em segredo, generosidade e administração podem ser "carismáticos" da mesma forma, no verdadeiro sentido bíblico.
Em terceiro lugar, há o "movimento carismático" contemporâneo, ao qual já fizermos referência. Por mim mesmo, eu uso esta expressão por cortesia para com aqueles que a preferem, em vez de outra qualquer mas eu faço isto com relutância, porque parece-me que isto dá uma impressão falsa muito séria. Isto significa aplicar a um grupo de cristãos dentro da igreja o título "carismático", que, na verdade, pertence a toda a Igreja. Toda a Igreja é uma comunidade carismática. Ela é o Corpo de Cristo, cujos membros funcionam por causa dos seus dons (charismata).

O Alcance dos Dons Espirituais: A Quem Eles São Dados?

Agora que tentei definir o que são os dons espirituais – com sua variedade rica, sua relação com os talentos naturais, e que incluem também características mundanas e sensacionais – é hora de refletir sobre a sua distribuição. A quem eles são concedidos? Nossa resposta imediata deve ser que, se há uma diversidade ampla, deve haver também uma distribuição ampla. Charismata não são privilégio de um grupo seleto. Pelo contrário, o Novo Testamento nos garante que todo cristão tem pelo menos um dom ou capacitação para o serviço, por mais adormecido ou desusado que seja. Há duas evidências para esta afirmação.
A primeira é que todos os quatro capítulos que alistam os dons espirituais contêm um registro direto deste fato:
"Digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um. ... tendo, porém, diferentes dons" (Rom. 12:3,6) – usemo-los.
"Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente." (1 Cor. 12:11).
"E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo..." (Efés. 4:7).
"Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus." (1 Ped. 4:10).
As palavras em itálico em cada versículo são ou pas ("todos"), ou hekastos ("cada um"). Certamente é empolgante notar que os dons, além de terem distribuição ampla, são universais!
A segunda evidência é a metáfora do corpo, a representação favorita de Paulo sobre a Igreja como Corpo de Cristo. A Igreja se assemelha ao corpo humano, porque ambos são sistemas coordenados que consistem de muitos membros, dos quais cada um tem uma função distinta. É significativo que nas três passagens em que Paulo aborda a questão dos dons espirituais (Rom. 12; 1 Cor. 12 e Efés. 4) ele usa a metáfora do corpo. Parece que em sua mente o Corpo de Cristo e os charismata necessariamente precisam andar lado a lado. Em duas das três passagens, o vínculo entre ambos é bem evidente. Seu argumento é, por um lado, que, como no corpo humano, também no Corpo de Cristo cada órgão ou membro tem alguma função e, por outro, que cada um tem uma função diferente.
"Porque, assim como num corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função; assim também nós, conquanto muitos somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada..." (Rom. 12:4-6), que devem ser usados.
"Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo." "Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos." "Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo." (1 Cor. 12:12, 14, 27).
Este fato, de que cada cristão tem um dom e, portanto, uma responsabilidade, e de que nenhum cristão é esquecido e deixado sem capacitação, é fundamental na doutrina da Igreja do Novo Testamento. Isto também deverá transformar a vida de cristãos e igrejas. A idéia tradicional que temos de uma igreja local é a de um pastor sobrecarregado, talvez ajudado por um pequeno núcleo de colaboradores dedicados, enquanto a maioria dos membros dá pouca ou nenhuma contribuição à vida e ao trabalho da igreja. Isto nos lembra mais a imagem de um ônibus (com um motorista e muitos passageiros sonolentos) do que a de um corpo (em que todos os membros são ativos, cada um contribuindo com uma atividade espacial para a saúde e a eficiência do todo). Na verdade, eu não duvido de que uma imagem falsa da igreja é uma das principais razões do crescimento do "movimento carismático". Este movimento é um protesto contra o clericalismo (onde obreiros de tempo integral ocupam os espaços dos leigos), e uma tentativa de liberar os leigos para os papéis de liderança responsável para os quais Deus os dotou.
Muitas igrejas locais (especialmente seus pastores) lamentam que faltam à igreja líderes capacitados, e esta é a desculpa comum para fazer pouco e para conservar firmemente nas mãos do pastor o controle do pouco que é feito. A Bíblia, no entanto, dirige-se a cada igreja com as mesmas palavras que Paulo dirigiu aos coríntios: "Vós sós Corpo de Cristo". Este é um exemplo de como as aparências podem diferir da Escritura: as aparências indicam que a congregação não tem dons, mas a Bíblia diz: "Tolice! Não pode ser, vocês são o Corpo de Cristo!"
Este conflito entre a Palavra de Deus e as conclusões humanas leva a uma case na fé. Se levamos Deus a sério, somos obrigados a crer que ele capacitou, ou pelo menos está disposto a fazê-lo, cada Igreja local com todos os dons que ela precisa para sua vida, sua saúde, seu crescimento e seu trabalho. Nossa obrigação é orar para que Deus levante obreiros dotados, estar constantemente à procura de pessoas que estão enterrando conscientemente ou negligenciando sem perceber seus dons, incentivar as pessoas a pôr em prática os dons que Deus lhes deu (veja 1 Tim. 4:14; 2 Tim. 1:6), e providenciar oportunidades para que eles possam fazê-lo. Sem dúvida, há espaço para voluntários que oferecem seus serviços; mas é mais saudável e bíblico que a Igreja supervisione e esteja alerta a como Deus está equipando e chamando seu povo para o serviço.
Lembro-me de ter sido tocado por uma palavra sábia dita por Jan van Capelleveen, jornalista, radialista e secretário de informações da Sociedade Bíblica Holandesa, no Congresso Europeu de Evangelização, realizado em Amsterdã em 1971. Ele sugeriu que fizéssemos um "Inventário das oportunidades espirituais e dos dons espirituais da igreja local". Ou seja, um grupo de cada igreja deveria tomar tempo e se esforçar em verificar o que Deus estava querendo que a igreja fizesse, e que recursos ele lhe tinha dado para isto (ou precisada lhe dar).
Esta identificação de metas e a adaptação dos recurvos às metas podem ser princípios elementares da moderna administração de empresas; mas a Bíblia já os ensinou muito antes mesmo de se pensar em administração de empresas! Seja como for, nada melhor pode ser imaginado para libertar uma igreja do clericalismo, ou para mobilizar seus membros, do que a compreensão das verdades bíblicas simples de que a Igreja é o Corpo de Cristo, e que cada membro do corpo tem uma função a exercer. É neste sentido, como vimos, que toda a Igreja é uma "comunidade carismática", porque cada membro da comunidade tem um charisma e, em alguns casos, mais de um.

A Origem dos Dons Espirituais: De Onde Eles Vêm?

Já definimos a natureza diversa e a distribuição ampla dos charismata. Agora precisamos enfatizar que eles vêm de Deus. Dons espirituais são dons de Deus. O Novo Testamento expressa isto de diversas marraras.
Em primeiro lugar, os dons espirituais são dons da graça de Deus. As próprias palavras gregas indicam isto claramente. Charismata são dotações de charis, isto é, do favor imerecido de Deus. Veja estes textos:
"Tendo diferentes dons (charismata) segundo a graça (charis) que nos foi dada" (Rom. 12:6).
"A graça (charis) foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom (dorea) de Cristo" (Efés. 4:7).
"Servi uns aos outros, cada um conforme o dom (charisma) que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça (charis) de Deus" (1 Ped. 4:10).
Para sentirmos a força disto, pode ser útil lembrarmos que a palavra charisma não é usada somente para os dons espirituais, no Novo Testamento, mas também para a salvação. Por exemplo: "O salário do pecado é a morte, mas o dom (charisma) gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom. 6.23). Estamos acostumados a creditar nossa salvação à graça imerecida de Deus que nos alcança, e nada ensina melhor a humildade do que esta realidade. Entretanto, os charismata, que são dados para o serviço, são tanto um presente gratuito e imerecido de Deus quanto o carisma da vida eterna. Portanto, também nesta área não há lugar para inveja ou vanglória.
Em segundo lugar, os dons espirituais são dons do Espírito de Deus. O capítulo 12 de 1 Coríntios começa, literalmente, com as palavras: "A respeito dos espirituais", ou "A respeito das coisas espirituais" (peri de tôn pneumatikôn). Nossas traduções trazem "dons" espirituais, mas percebemos que não se trata da palavra charismata. Talvez Paulo usou esta expressão mais vaga deliberadamente, porque pretendia escrever sobre a atuação do Espírito em diversas áreas, iluminando nossas mentes para confessarmos Jesus como Senhor (v.3), e unindo-nos ao Corpo de Cristo quando somos balizados nele e bebemos dele (v,13), além de nos dotar de dons espirituais. As expressões "o Espírito", "o Espírito de Deus", "o Espírito Santo", "o mesmo Espírito", "um só Espírito" e "um e o mesmo Espírito" ocorrem juntas onze vezes nos primeiros treze versículos. Portanto, a ênfase é óbvia.
Mesmo assim, nos versículos 4 a 6 (como já vimos) há uma referência consciente às três pessoas da Trindade: "o mesmo Deus", "o mesmo Senhor e "o mesmo Espírito". Também em Romanos 12 e 1 Pedro 4 é Deus Pai o Autor dos dons espirituais, e em Efésios 4 eles são os dons do Cristo glorificado, o cabeça da Igreja, que "deu dons aos homens" (vv. 7-11), em cumprimento à profecia. Parece que, mesmo sendo o Espírito Santo o executivo da Divindade, e mesmo Deus fazendo o que faz hoje, através do seu Espírito, a mesma coisa acontece tanto com os dons espirituais como com as experiências más profundas: não devemos creditá-las exclusivamente ao Espírito, mas lembrar que as três pessoas da Trindade estão envolvidas.
Em terceiro lugar, os dons espirituais são dons da soberania de Deus. Em Efésios 4 o Cristo glorificado é apresentado como um general vitorioso, que lidera uma multidão de cativos libertos e distribui os despojos da batalha. Os presentes são de graça e a distribuição é soberana. Isto também é dito em 1 Coríntios 12:11: "Um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente".
Por isso, recebemos a permissão, na verdade uma ordem, de "procurar os melhores dons", e isto "com zelo" (1 Cor. 12:31). É possível que este desejo sério esteja relacionado com "a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (Rom. 12:3), e a Bíblia nos incentiva a orarmos por um aumento da nossa fé. Mesmo assim, a partilha dos dons não depende da nossa vontade, mas da vontade do próprio Espírito Santo soberano. Portanto, os charismata provêm da vontade graciosa de Deus, e são concedidos por ele através do Espírito Santo.
O apóstolo se detém para explicar as conseqüências deste fato (1 Cor. 12:14-26). Seu argumento é que, se o Espírito Santo distribui dons espirituais de acordo com sua vontade graciosa e soberana, então não há nenhuma justificativa para inveja nem arrogância. Como podemos ter coragem de desprezar nosso dom e olhar com inveja para os dons dos outros, se Deus nos deu dons de acordo com sua graça e vontade? Da mesma forma, como podermos menosprezar os dons de outras pessoas e compará-los depreciativamente com os nossos, se Deus lhes deu seus dons de acordo com sua graça e vontade? Vejamos como ele trata os pecados opostos de auto-desprezo e autoglorificação.
Primeiro, o auto-desprezo (vv. 15-20), Com vivacidade divertida ele faz as diversas partes do corpo humano falarem. O pé não deve depreciar-se e dizer "Olhem para mim! Eu não sirvo para nada. Eu não posso ajuntar coisas ou fazer manobras complicadas como a mão, que é tão versátil. Eu não passo de um velho pé desajeitado. De modo semelhante, o ouvido não deve diminuir-se e dizer: "Olhem para mim! Eu também não sirvo para nada. Eu não posso ver nada, nem formas, nem cores. Eu sou cego. Tudo o que eu posso fazer é ouvir ruídos". Observações auto-depreciativas como estas são tolas, e não fazem com que pé ou ouvido "deixem de ser do corpo".
Porque, se todo o corpo fosse nada mais que um enorme olho, como poderia ouvir alguma coisa? E se fosse um ouvido desproporcional, como faria para cheirar alguma coisa? Não, o corpo precisa ouvir e ver, cheirar e ouvir. Assim, "Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve". Se ele não tivesse feito isto, não existiria o corpo. Entretanto, "o certo é que há muitos membros, mas um só corpo". Assim, nenhum órgão tem motivo válido para auto-desprezo.
O pecado oposto é autoglorificação (vv. 21-26). O olho não pode desprezar a mão ou desfazer-se desdenhosamente dela, dizendo: "Eu não preciso de você. Você não passa de uma mão. É verdade que você pode pegar e segurar coisas. Mas você é inútil, porque não pode ver". Da mesma forma, a cabeça não tem o direito de olhar da sua altura para os pés e dizer com afetação: "Eu não preciso de vocês! Vocês não passam de dois pés de chinelos. Eu reconheço que vocês conseguem se mover desajeitadamente por aí. Mas quem pensa aqui sou eu. Eu abrigo o sistema nervoso central. Sou eu quem pensa, planeja e decide. Eu posso me dar muito bem sem vocês". Paulo não admite este tipo de conversa arrogante, e até a contradiz: "Pelo contrário", diz ele, "Deus fez o corpo de maneira a fazer suas partes mais fracas indispensáveis e dar maior honra a suas partes menos apresentáveis".
Para recapitular a voz do auto-desprezo diz: "Eu não sirvo para nada; você não precisa de mim", e a voz da autoglorificação diz: "Você não serve para nada; eu não preciso de você". Todavia, a voz de Deus diz: "Vocês precisam um do outro". Os dons que Deus nos deu e os que ele deu a outros, todos são importantes e necessários. Juntos eles formam o Corpo de Cristo, completo e sadio, no qual todos os membros funcionam adequadamente.
Somente quando paramos de desprezar os outros ou nós mesmos, e reconhecemos que os dons vêm de Deus, não haverá mais "divisão no corpo" (v. 25). Deus odeia a discórdia. Sua vontade, pelo contrário, é que "cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros", participando uns dos sofrimentos e das alegrias dos outros. E a grande verdade, a única que pode libertar-nos de inveja e vanglória, é que os dons espirituais são presentes de Deus, distribuídos por sua graça e de acordo com sua vontade. Citando a feliz frase de John Owen, eles são as "obras de caridade arbitrárias" de Deus.6 Por isso, não temos o direito de desvalorizá-los, quer tenham sido concedidos a nós, quer a outros.

O Propósito dos Dons Espirituais: Para que Eles São Dados?

Os dons de Deus são dados para serem usados. Os órgãos do corpo humano são funcionais. De modo semelhante, os membros do Corpo de Cristo foram feitos para exercer seus dons. Nós somos "despenseiros da multiforme graça de Deus", e recebemos a ordem para sermos "bons despenseiros" (1 Ped. 4:10). Paulo escreveu: "Usemos os nossos diferentes dons" (Rom. 12.6, BLH). Porém, como devemos usá-los?
Muitos mal-entendidos existem em relação ao propósito com que Deus distribui dons espirituais na Igreja. Algumas pessoas os chamam de "dons do amor", como se seu propósito principal fosse enriquecer os receptores, e nós pudéssemos usá-los para nosso próprio benefício. Outros pensam que eles são "dons de culto" como se seu propósito principal fosse adorar a Deus e sua esfera de atuação primordial fosse a direção do culto público. A Escritura, por sua vez, afirma que eles são "dons de serviço", cujo propósito primordial é "edificar" a Igreja.
Os apóstolos Paulo e Pedro sublinham o uso altruísta dos dons de Deus a serviço de outras pessoas; na verdade, de toda a Igreja:
"Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos" ( 1 Cor. 12:7, BJ).
"Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu" (1 Ped. 4:10).
Portanto, os dons espirituais não são dados para ajudar, confortar e fortalecer a nós mestres (os receptores), mas outros. Este é o significado da palavra "edificar" (veja Efés. 4:12, 16).
Esta também é a razão pela qual, alguns dons são mais valiosos do que outros. Já vimos que nenhum dom deve ser desprezado. Ao mesmo tempo, porém, devemos desejar ansiosamente "os melhores dons" (1 Cor. 12:31). Como, então, podemos avaliar sua importância relativa? A única resposta possível a esta pergunta é: "De acordo com o grau em que edificam". Já que todos os charismata são dados para a edificação de cristãos individuais e da igreja como um todo, quanto mais eles edificam, mais valiosos eles são. Paulo é claro como cristal a respeito disto. "Visto que desejais dons espirituais", ele escreve, "procurai progredir, para a edificação da igreja" (1 Cor. 14:12).
Por este critério, os dons de ensino têm o valor mais elevado, porque nada edifica melhor os cristãos do que a verdade de Deus. Por isso, não é surpreendente encontrar um ou mais dons de ensino encabeçando as listas do Novo Testamento. A insistência dos apóstolos na prioridade do ensino tem relevância considerável na Igreja do nosso tempo. Em todo o mundo, as igrejas estão espiritualmente subnutridas, por causa da carência de expositores da Bíblia. Em áreas onde há movimentos de massa todos estão suplicando mestres que instruam os convertidos. Por causa da escassez de instrutores, é triste ver tantas pessoas preocupadas e até distraídas por dons de importância secundária.
A esta altura, provavelmente, algo precisa ser dito a respeito das "línguas", um dom muito enfatizado por algumas pessoas. Ainda paira um ponto de interrogação sobre o fenômeno contemporâneo conhecido como falar em línguas, quanto a ele ser idêntico ao dom do Novo Testamento. Está claro que no dia de Pentecostes os crentes cheios do Espírito estavam falando "em outras línguas", isto é, em línguas estranhas, e "segundo o Espírito lhes concedia que falassem", e que todas estas línguas eram compreensíveis a grupos da multidão (Atos 2:4,11).
A suposição teológica e lingüística é forte no sentido de que o fenômeno mencionado era 1 Coríntios é o mesmo. Primeiro, porque as expressões no grego são praticamente as mesmas, e uma das primeiras regras da interpretação da Bíblia é que expressões idênticas têm significado idêntico. Em segundo lugar, porque o substantivo glossa tem somente dois significados conhecidos, que são o órgão na boca e o idioma. A tradução "expressão extática" não tem base lingüística. Isto não é uma tradução, mas uma interpretação. De modo análogo, o verbo "interpretação de línguas" significa tradução de idiomas. Em terceiro lugar, todo o empenho de 1 Coríntios 14 é no sentido de desencorajar o curto do caráter ininteligível, como coisa de criança: "Irmãos, não sejas meninos no juízo; ... sede homens amadurecidos" (v. 20). O Deus da Bíblia é um Deus racional, que não tem prazer em irracionalidade ou em ininteligibilidade.
A interpretação levanta algumas dificuldades exegéticas, que levaram algumas pessoas a distinguirem radicalmente entre "línguas" era Atos e "línguas" em 1 Coríntios. Mas as dificuldades são pequenas em comparação com a força do argumento de que o fenômeno é o mesmo, não uma expressão extática ininteligível, mas um idioma inteligível – compreensível, é claro, a alguns poucos presentes (como no dia de Pentecostes); obviamente ela precisada ser "interpretada" ou "traduzida" em um porto como Corinto, em que se falavam muitos idiomas, para benefício daqueles que falavam alguma língua estrangeira. Se o dom é essencialmente lingüistico, é mais fácil compreender a razão pela qual Paulo o coloca no fim da lista, e porque não é mencionado nas três outras listas. É verdade que ele diz: "Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas" (1 Cor. 14:5; no mesmo sentido Moisés disse: "Oxalá todo o povo do Senhor fosse profeta", Núm. 11:29), porque todos os dons de Deus são bons e desejáveis, mas em si (isto é, além do conteúdo falado) eles não têm capacidade para edificar.
O que dizer, então, da prática atual e particular do falar em línguas, corno ajuda à devoção pessoal? Muitos dizem estar descobrindo através disto um novo grau de fluência quando se achegam a Deus. Outros falam de um tipo de "liberação psíquica" que experimentaram, e que ninguém quer lhes negar. Por outro lado, precisa ser dito (1 Cor. 14) que Paulo, antes de proibir completamente o falar em línguas em público sem interpretação, desencoraja com insistência que se fale em línguas em particular, se a pessoa não entende o que está dizendo. Muitas vezes, as pessoas se esquecem do versículo 13: "O que fala em outra língua, ore para que a possa interpretar". De outra forma sua mente fica "infrutífera" ou improdutiva. Mas, então, o que ele deverá fazer? O próprio Paulo faz a pergunta. E responde dizendo que irá orar e cantar "com o espírito", mas também "com a mente". Está claro que ele simplesmente não consegue imaginar oração e louvor dos cristãos em que a mente não esteja envolvida de modo ativo.
Alguns leitores, sem dúvida, responderão que nos primeiros versículos de 1 Coríntios 14 o apóstolo contrasta a profecia e o falar em línguas, afirma que o profeta "edifica a igreja" enquanto quem fala era línguas "edifica a si mesmo" e, portanto, está incentivando ativamente a prática de falar em línguas em particular. Eu questiono se podemos tirar esta conclusão legitimamente, devo confessar. Duas razões fazem-me hesitar.
A primeira é que, no Novo Testamento, a "edificação" invariavelmente é um ministério voltado para as outras pessoas. A palavra grega oikodomeô significa literalmente "construir" – cidades, casas, sinagogas, etc. É aplicada figuradamente à Igreja. Jesus disse: "Edificarei a minha igreja" (Mat. 16:18). O apóstolo Paulo escreveu: "Edifício de Deus sós vós" (1 Cor. 3:9; veja Efés. 2:20, 21), e Pedro acrescentou: "Vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual" (1 Ped. 2:5). A partir deste significado básico, a palavra passou a ser usada no sentido de "fortalecer, estabelecer, fazer crescer em número e maturidade" cristãos e igrejas. Lucas escreve que a Igreja na Palestina estava "edificando-se", e Paulo escreve que sua autoridade apostólica tinha-lhe sido dada "para edificação" (Atos 9:31; 2 Cor. 10:8; 12:19; 13:10).
Além disso, os cristãos têm um ministério de "edificação de uns para com os outros" (Rom. 14:19), também expresso na ordem: "Edificai-vos reciprocamente" (1 Tess. 5:11; veja Rom. 15:2; Efés. 4:29; Jud. 20). E, se alguém perguntar o que más edifica a Igreja, Paulo responderia "a verdade" (Atos 20:32; veja Col. 2:7) e "o amor" (l Cor. 8:1; veja também 10:23).
A mesma ênfase em edificar os outros transparece em 1 Coríntios 14: o profeta "edifica" com sua mensagem (vv. 3, 4), e, no culto público, "tudo" deve ser feito "para edificação" (v. 26; veja também v. 17), e os cristãos devem procurar "progredir, para a edificação da igreja" (v. 12; veja também o v. 5). Agora, à luz desta ênfase consistente do Novo Testamento na edificação como ministrado aos outros na Igreja, o que faremos com a única exceção, que diz que quem fala em línguas "edifica a si mesmo"? Certamente deve existir pelo menos uma ponta de ironia no que Paulo escreve, porque a frase praticamente se contradiz em seus termos. A auto-edificação está completamente fora de cogitação quando o Novo Testamento fala de edificação.
Em segundo lugar, devermos entender a expressão à luz do ensino que já estudamos "para a utilidade de todos", para o serviço aos outros. Então, como pode-se inverter este dom e usá-lo para proveito próprio, e não mais o proveito de todos? Não devemos concluir que isto é um abuso do dom? O que pensar de um crente que recebeu um dom de ensino e que o usa somente para dar-se instrução particular, ou de alguém que recebeu um dom de curar e o usa somente para curar a si, e mais ninguém? É difícil justificar o uso egoísta de um dom concedido especificamente para o benefício dos outros.
Por estas duas razões parece-me que deve haver uma ponta de ironia, quando não de sarcasmo, no tom de voz de Paulo quando ele descreve aquele que fala em línguas para edificar a si mesmo. Para ele não há dúvidas de que os coríntios, a quem ele explicou claramente o propósito dos dons espirituais no capítulo 12, entenderão o que ele está dizendo e não carecem de maiores explanações.
Portanto, os charismata são dados para a "utilidade de todos". Paulo aplica este princípio em Efésios 4:11,12 aos dons de ensino. Cristo dotou alguns para serem "apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres". Por quê? Com que propósito? Ele mesmo responde. "Com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo". O objetivo imediato do instrutor é levar pessoas cristãs (os "santos") à maturidade cristã e ao serviço cristão, equipando-os para o seu ministério na Igreja e no mundo. Os pastores são chamados para serem instrutores, e isto de forma alguma quer dizer que eles devem reservar com ciúmes todos os ministérios que devem ser exercidos para si. Pelo contrário, seu ministério é produzir mais ministério, incentivando outros a exercerem os dons que Deus lhes deu. Somente então o outro objetivo será alcançado, que é (novamente) "a edificação do corpo de Cristo", até que atinja sua unidade e maturidade completas, a "medida da estatura da plenitude de Cristo" (vv. 12,13).
Esta meta gloriosa, que deveria preencher nossas mentes como acontecia com o apóstolo Paulo, será alcançada através da dupla influência da verdade e do amor. É "seguindo (ou falando) a verdade em amor que cresceremos "em tudo naquele que é o cabeça, Cristo" (v. 15). É evidente que a verdade é indispensável para que cristãos e igrejas cresçam em maturidade, porque sem uma compreensão completa e um entendimento claro da verdade revelada de Deus continuamos sendo como crianças, "agitados de um lado para outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina" (v. 14). A verdade, no entanto, pode ser fria e cruel, se não for aquecida e amaciada pelo amor. É por uso que Paulo diz que "o conhecimento ensoberbece, mas o amor edifica" (1 Cor. 8:1). Todos nós sabemos da influência destacada que o amor tem em termos de um desenvolvimento emocional sadio das crianças. Se isto é válido para a família humana, quanto mais será para a família de Deus? Esta é a razão da inclusão de 1 Coríntios 13 entre os capítulos 12 e 14, que tratam dos dons espirituais.
Os charismata são dados todos para o serviço, para a edificação do Corpo de Cristo, mas eles devem ser exercidos em amor, para que produzam o resultado desejado, isto porque sem o amor todos os dons são sem valor, não importa quão espetaculares sejam (13:1-3). Desta forma, o amor é o "caminho sobremodo excelente", mais valioso até que os dons más elevados (12:31). Mas não devemos ter necessidade de escolher entre dons e amor, porque Deus quis que eles andassem juntos. O verdadeiro amor sempre se expressa no serviço, não através dos dons que nos foram dados para capacitar-nos para servir.
De fato, se amor e verdade andam juntos, e amor e dons também estão lado a lado, então amor e serviço também andam juntos, já que o verdadeiro amor sempre se expressa pelo serviço. Amor é servir. Ficamos, portanto, com estes quatro aspectos da vida cristã formando um anel ou um círculo que não pode ser quebrado: amor, verdade, dons e serviço. O amor produz serviço, o serviço usa os dons, o dom más elevado é o ensino da verdade, e a verdade, por sua vez, deve ser dita com amor. Cada um envolve os outros e, seja onde for que comecemos, todos os quatro são ativados. Entretanto, "o maior destes é o amor (1 Cor. 13:13).

CAPÍTULO QUATRO – NOTAS

1. John Owen, A Discourse Concerning the Holy Spirit (Richard Baynes, 4ª. Edição, Londres, 1835), p. 310.
2. A palavra em grego não é charismata, mas merismoi, "distribuições" (melhor que a tradução "dons" – ARC), e pode referir-se à distribuição de poderes, como sugere o contexto, em vez de dons.
3. As palavras atribuídas ao Senhor ressurreto, de que "estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem", constam da chamada "conclusão mais longa" do Evangelho de Marcos (18:18), reconhecidamente posterior à escrita do Evangelho. A BJ menciona uma "conclusão mais breve". Muitos eruditos são da opinião, por causa da evidência fraca em favor destas conclusões nos manuscritos mais antigos, que o Evangelho de Marcos terminava abruptamente com o versículo 8 ou, o que é mais provável, que originalmente ele tinha uma conclusão que incluía as aparições de Jesus depois da ressurreição, mas que infelizmente lei perdida. É no mínimo muito inseguro basear uma crença no caráter normal dos milagres nesta conclusão mais longa, já que é praticamente certo que ela não é de Marcos e, por isso, também não é de Jesus.
4. A. Kuyper, The Work of the Holy Spirit (A Obra do Espírito Santo), 1888 (Funk and Wagnalls Londres e Nova York, 1900), p. 187.
5. John Owen, op. cit., p. 315.
6. John Owen, op. cit., p. 324.























CONCLUSÃO

Começamos com a "promessa" ou "batismo" do Espírito, este generoso dom inicial que Deus nos dá quando nos toma para sermos seu povo. O perdão e o dom do Espírito são verso e anverso da salvação ampla que Cristo nos dá. Nunca devemos deixar de agradecer a Deus com admiração renovada diariamente pelo fato de que ele, em seu amor, primeiro deu seu Filho para morrer por nós, e depois deu seu Espírito para viver em nós. Hoje não há más templo em Jerusalém para onde precisamos ir a fim de nos encontrarmos com Deus; cada um de nós é templo de Deus, bem como a igreja local, porque Deus mora em nós através do seu Espírito.
Em segundo lugar, precisamos buscar cada vez mais a plenitude do Espírito, através de arrependimento, fé e obediência e, também, continuar semeando no Espírito, de modo que seu fruto cresça e amadureça em nosso caráter. Eu creio que posso dizer sem medo de errar que já há muitos anos criei o hábito de orar para que cada dia Deus me encha de seu Espírito e faça aparecer o fruto do Espírito mais em minha vida.
Por último, devemos nos lembrar sempre que o Espírito Santo se preocupa tanto com a Igreja quanto com os cristãos individuais. Por isso devemos nos alegrar igualmente com sua charis (graça) dada a todos, que nos torna um, e com seus charismata (dons) distribuídos a todos, que nos tornam diferentes. Tanto a unidade quanto a diversidade da Igreja são da sua vontade.
Vimos que os dons são capacitações múltiplas e variadas para o serviço; que cada cristão, sem exceção recebeu pelo menos um dom; que eles são distribuídos pela vontade soberana de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo; e que eles são dados "para o bem de todos", para edificar em maturidade o Corpo de Cristo, a Igreja. Portanto, usemos nossos dons em favor dos outros, "como bons despenseiros da multiforme graça de Deus ... para que em todas as cosas seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém" (1 Ped. 4:10,11).