quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O DOM CARISMÁTICO DE CURA

Quando Cristo enviou em missão os Seus doze apóstolos e os setenta discípulos, não somente os instruiu para pregarem, mas também lhes deu poder para expulsar demônios e curar toda sorte de enfermidade, Mt 10.1, 8; Mc 3.15; Lc 9.1, 2; 10.9, 17. Entre os cristãos primitivos havia alguns que tinham o dom de cura e que podiam fazer milagres, 1 Co 12.9, 10, 28, 30; Mc 16.17, 18. Todavia, esta condição extraordinária logo cedeu lugar às condições comuns, nas quais a igreja efetua o seu trabalho pelos meios ordinários. Não há base escriturística para a idéia de que o dom carismático de cura fora dado com a intenção de continuar na igreja de todos os séculos. Evidentemente, os milagres e os sinais miraculosos registrados na Escritura foram dados como marcas ou credenciais da revelação divina, eles próprios faziam parte desta revelação, e serviam para atestar e confirmar a mensagem dos primeiros pregadores do Evangelho. Nestas qualidades, eles cessaram quando terminou o período da revelação especial. É verdade que a igreja de Roma e diversas seitas se arrogam o poder de efetuar cura milagrosa, mas essa pretensão não é demonstrada por evidências comprobatórias. Há em circulação muitas estórias maravilhosas de curas milagrosas, mas, antes de se lhes dar crédito, é preciso provar: (1) que não se relacionam com casos de doença imaginária, mas, sim, com casos de doença real ou de defeitos físicos; (2) que não se referem a pseudocuras, ou a curas imaginárias, mas, sim, a curas reais; e (3) que as curas são de fato produzidas de maneira sobrenatural, e não são apenas resultado do uso de meios naturais, quer materiais quer mentais. *
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.604)

sábado, 26 de janeiro de 2013

O PODER DA IGREJA - O MINISTÉRIO ORDINÁRIO DE BENEFICÊNCIA DA IGREJA

Claramente o Senhor tencionava que a igreja cuidasse dos pobres. Ele fez alusão a este dever quando disse aos Seus discípulos: “Porque os pobres sempre os tendes convosco”, Mt 26.11; Mc 14.7. Por meio de uma comunhão de bens, a Igreja Primitiva providenciou para que a ninguém faltasse nada do necessário para a vida, At 4.34. não é impossível que os neoteroi (moços) de At 5.6, 10 fossem os precursores dos diáconos posteriores. E quando as viúvas dos gregos estavam sendo negligenciadas na ministração diária, os apóstolos providenciaram para que sete homens bem qualificados fossem encarregados daquele serviço necessário, At 6.1-6. Eles deviam “servir às mesas”, o que parece significar, neste contexto, superintender o atendimento às mesas dos pobres, ou providenciar uma divisão eqüitativa das provisões que eram postas nas mesas. Diáconos e diaconisas são mencionados repetidamente na Bíblia, Rm 16.1; Fp 1.1; 1 Tm 3.8-12. Além disso, o Novo Testamento contém muitas passagens que instam sobre a necessidade de se fazerem ofertas ou coletas para os pobres, At 20.35; 1 Co 16.1, 2; 2 Co 9.1, 6, 7, 12-14; Gl 2.10; 6.10; Ef 4.28; 1 Tm 5.10, 16; Tg 1.27; 2.15, 16; 1 Jo 3.17. Não pode haver dúvida quanto ao dever da igreja nesta questão. E os diáconos são os oficiais incumbidos da responsabilizante e delicada tarefa de realizar o trabalho da beneficência cristã com referência a todos os necessitados da igreja. Cabe-lhes planejar métodos e meios para coletar os necessários fundos, devem responsabilizar-se pelo dinheiro coletado, e devem providenciar a sua prudente distribuição. Contudo, o seu trabalho não se limita a este oferecimento de auxílio material. Eles devem também instruir e consolar os necessitados. Em todo o seu trabalho, eles devem considerar seu dever aplicar os princípios espirituais quando estão dando cumprimento ao seu dever. É de temer que, lamentavelmente, esta função esteja sendo negligenciada em muitas igrejas hoje. Há a tendência de partir da suposição de que se pode deixar que o estado supra as necessidades até dos pobres da igreja. Mas, ao agir com base nesse pressuposto, a igreja negligencia um dever sagrado, empobrece a sua vida espiritual, priva-se da alegria que se experimenta ao atender às necessidades dos que padecem carência, e priva os que estão passando por dificuldades, os que se vêem em condições deprimentes, e os que muitas vezes caem no mais completo desânimo, da consolação, da alegria e do fulgor das ministrações do amor cristão, em regra inteiramente alheias às obras de caridade administradas pelo estado.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática, Pg. 603)

O PODER DA IGREJA - QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Como diferem as concepções reformada (calvinista) e luterana de Cristo como Cabeça da Igreja? 2. O Velho Testamento contém alguma indicação de que Cristo é o Rei da igreja? 3. Quais sistemas de governo eclesiástico negam ou desacreditam a chefia ou realeza de Cristo? 4. Como a chefia de Cristo afeta a relação da igreja com o estado, a liberdade religiosa e a liberdade de consciência? 5. A Doutrina de que o poder da igreja é exclusivamente espiritual é compatível com o romanismo e com o erastianismo? 6. Como o poder da igreja é superestimado pelos homens da Alta Igreja e subestimado pelos da Baixa Igreja de vários tipos? 7. Como os independentes** vêem o poder dos oficiais? 8. De que modo é limitado o poder da igreja? 9. Qual o fim colimado no exercício do poder da igreja? 10. Que se pretende da igreja em Mt. 18.17? 11. A chave da disciplina proíbe somente a participação nos privilégios externos da igreja , ou também num interesse espiritual, em Cristo? 12. Por quem e como a disciplina é exercida nas igrejas Católica Romana, Anglicana, Metodista e Congregacional? 13. A igreja pode descartar-se da disciplina sem risco?
(Berkhof, L – Teologia Sistemática, Pg. 604)

O PODER DA IGREJA - BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 425-482; Kuyper, Dict. Dogm., de Ecclesia, p. 268-293; id., Tractaat van de Reformatic der Kerken, p. 41-69; Bannerman, The Church I, p. 187-480; II, p. 186-200; Hodge, Church Polity, cf. Índice; Morris, Ecclesiology, p. 143-151; Wilson, Free Church Principles; McPherson, The Doctrine of the Church in Scottish Theology, p. 129-224; Gillespie, Aarron’s Rod Blossoming; ibid., On Ceremonies; Bouwman, De Kerkelijke Tucht; Jansen, De Kerkelijke Tucht; Biesterveld, Van Lonkhuizen, e Rudolph, Het Diaconaat; Bouwman, Het Ambt der Diakenen; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 394-419; Schmid, Doct. Theol.of the Ev. Luth. Chruch, p. 607-621; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 77-101; Cunningham, Discussions of Church Principles; ibid., Historical Theology II, p. 514-587; McPherson, Preesbyterianism.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática, Pg. 604)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

OS MEIOS DE GRAÇA

I. OS MEIOS E GRAÇA EM GERAL
A. A Idéia dos Meios de Graça
O homem decaído recebe todas as bênçãos da salvação da fonte eterna da graça de Deus, em virtude dos méritos de Cristo e pela operação do Espírito Santo. Conquanto o Espírito possa operar, e nalguns aspectos opera imediatamente na lama do pecador, tem-lhe parecido bem jungir-se ao uso de certos meios para a comunicação da graça divina. A expressão “meios de graça” não se encontra na Bíblia, mas, não obstante, é bom designativo dos meios indicados na Bíblia. Ao mesmo tempo, a expressão não é muito definida e pode ter um sentido muito mais compreensivo que o que comumente tem na teologia. A igreja pode ser descrita como o grande meio de graça que Cristo, agindo mediante o Espírito Santo, usa para reunir os eleitos, edificar os santos e formar o Seu corpo espiritual. Ele a qualifica para esta grande tarefa dotando-a de toda sorte de dons espirituais e instituindo os ofícios para a administração da Palavra e dos sacramentos, que são meios pelos quais leva os eleitos ao seu destino eterno. Toda a direção providencial dos santos, na prosperidade e na adversidade, muitas vezes é um meio pelo qual o Espírito Santo leva os eleitos a Cristo ou a uma comunhão cada vez maior com Ele. É até possível incluir nos meios de graça tudo quanto de requer dos homens para o recebimento e o gozo permanente das bênçãos da aliança, tais como a fé, a conversão, a luta espiritual e a oração. Todavia, não é costumeiro nem desejável incluir tudo isso na expressão “meios de graça”. A igreja não é um meio de graça lado a lado com a Palavra e os sacramentos, porque o seu poder de promover a obra da graça de Deus consiste unicamente na administração deles. Ela não é instrumento de comunicação da graça, exceto por meio da Palavra e dos sacramentos. Além disso, a fé, a conversão e a oração são, antes de tudo, frutos da graça de Deus, embora possam tornar-se instrumentos para o fortalecimento da vida espiritual. Não são ordenanças objetivas, mas condições subjetivas para a posse e o gozo das bênçãos da aliança. Conseqüentemente, é melhor não seguir Hodge quando ele inclui a oração, nem McPherson quando acrescenta à Palavra e aos sacramentos a igreja e a oração. Estritamente falando, somente a Palavra e os sacramentos podem ser considerados como meio de graça, isto é, como os canais objetivos que Cristo instituiu na igreja, e aos quais Ele se prende normalmente para a comunicação da Sua graça. Naturalmente, estes nunca podem dissociar-se de Cristo, nem da poderosa operação do Espírito Santo, nem da igreja, que é o órgão designado para a distribuição das bênçãos da graça divina. Em si mesmos, eles são completamente ineficientes, e só produzem resultados espirituais positivos mediante a eficaz operação do Espírito Santo.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.605)

CARACTERÍSTICAS DA PALAVRA E DOS SACRAMENTOS COMO MEIOS DE GRAÇA

O fato de que se pode falar dos meios de graça num sentido muito geral, torna imperativo indicar as características distintivas dos meios de graça no sentido técnico ou restrito da palavra.
1. Eles são instrumentos, não da graça comum, mas da graça especial, da graça que remove o pecado e renova o pecador, em conformidade com a imagem de Deus. É verdade que a Palavra de Deus pode enriquecer, e nalguns aspectos realmente enriquece os que vivem sob o Evangelho com algumas das mais seletas bênçãos da graça comum, no sentido estrito da expressão; mas ela, e também os sacramentos, entram em consideração aqui somente como meios de graça no sentido técnico da expressão. E, neste sentido, os meios de graça sempre estão relacionados com a operação inicial e com a operação progressiva da graça especial de Deus, que é a graça redentora, nos corações dos pecadores.
2. Não em virtude da sua relação com as coisas neles incluídas, mas em si mesmos, eles são meios de graça. Experiências notáveis podem ser, e sem dúvida às vezes são, úteis para o fortalecimento da obra nos corações dos crentes, mas isto não faz delas meios de graça no sentido técnico, visto que só podem realizar isso na medida em que estas experiências são interpretadas à luz da Palavra de Deus, pela qual o Espírito Santo opera. A Palavra e os sacramentos são, em si mesmos, meios de graça; sua eficácia depende unicamente da operação do Espírito Santo.
3. Eles são instrumentos contínuos da graça de Deus, e não excepcionais, em nenhum sentido desta palavra. Quer dizer que não estão associados com a operação da graça de Deus apenas ocasionalmente ou de maneira mais ou menos acidental, mas são os meios ordenados normalmente para a graça salvadora de Deus e, como tais, têm valor perpétuo. O Catecismo de Heidelberg, na Pergunta 65, indaga: “Então, desde que somente pela fé nos tornamos participantes de Cristo e de todos os Seus benefícios, donde vem esta fé?” E a resposta é: “Do Espírito Santo, que age em nossos corações pela pregação do santo Evangelho, e a confirma pelo uso dos santos sacramentos”.
4. Eles são os meios oficiais da igreja de Jesus Cristo. A pregação da Palavra (ou, a Palavra pregada) e a administração dos sacramentos (ou, os sacramentos administrados) são os meios oficialmente instituídos na igreja de Cristo, pelos quais o Espírito Santo produz e confirma a fé nos corações dos homens. Alguns teólogos reformados (calvinistas) limitam ainda mais a idéia dos meios de graça, dizendo que eles só são administrados dentro da igreja visível, e que eles pressupõem a existência do princípio da nova vida na alma. Shedd e Dabney falam deles, sem nenhuma condição, como “meios de santificação”. Diz o primeiro: “Quando se diz que o mundo dos não regenerados tem os meios de graça, o que se tem em mira são os meios de convicção debaixo da graça comum, e não de santificação sob a graça especial de Deus”. Honig também distingue entre a Palavra de Deus como meio de graça e a Palavra como contendo o chamamento para a conversão e servindo para chamar os gentios para o serviço do Deus vivente. O dr. Kuyper também está pensando nos meios de graça como apenas meios para o fortalecimento da nova vida, quando diz: “Os media gratiae são meios instituídos por Deus, dos quais Ele se utiliza para revelar, tanto pessoal como socialmente, à nossa consciência e por meio dela, a recriação que Ele firmou imediatamente em nossa natureza”. Há, por certo, uma verdade nesta apresentação. O princípio da nova vida é produzido imediatamente na alma, isto é, sem a mediação da Palavra pregada. Mas, na medida em que a originação da nova vida também inclui o novo nascimento e a vocação interior, também se pode dizer que o Espírito Santo produz o início da nova vida ou da fé, como diz o Catecismo de Heidelberg, “pela pregação do santo Evangelho”.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.607)

CONCEITOS HISTÓRICOS A RESPEITO DOS MEIOS DE GRAÇA

Tem havido considerável diferença de opinião na igreja de Jesus Cristo, a respeito dos meios de graça. A Igreja Primitiva nada nos oferece de definido sobre este ponto. Havia muito maior ênfase aos sacramentos que à Palavra de Deus. O batismo era mui geralmente considerado como o meio pelo qual os pecadores são regenerados, enquanto que a eucaristia sobressaía como o sacramento da santificação. Com o correr do tempo, porém, certos conceitos se desenvolveram.
1. CONCEITO CATÓLICO ROMANO. Embora os católicos romanos considerassem até as relíquias e as imagens como meios de graça, distinguiam particularmente a Palavra e os sacramentos. Ao mesmo tempo, não davam a devida proeminência à Palavra, e só lhe atribuíam significação preparatória, na obra da graça. Comparados com a Palavra, os sacramentos eram considerados os verdadeiros meios de graça. No sistema que de desenvolveu gradativamente, a igreja de Roma reconhece um meio até superior aos sacramentos. A própria igreja é considerada como o primordial meio de graça. Nela Cristo continua a Sua vida divino-humana na terra, realiza a Sua obra profética, sacerdotal e real e, por intermédio dela, comunica a plenitude da Sua graça e verdade. Esta graça serve especialmente para elevar o homem, da ordem natural para a sobrenatural. É uma gratia elevans (graça que eleva), um poder físico sobrenatural infundido no homem natural por meio dos sacramentos agindo ex opere operato (por seu próprio poder). Nos sacramentos os sinais visíveis e a graça invisível estão interligados inseparavelmente. De fato, segundo este conceito, a graça de Deus está contida nos meios como uma espécie de substância, é transmitida mediante o canal dos meios e, portanto, está absolutamente atada aos meios. O batismo regenera o homem ex opere operato, e a eucaristia, mais importante ainda, eleva a sua vida espiritual a um nível superior. Fora de Cristo, da igreja e do sacramento não há salvação.
2. CONCEITO LUTERANO. Com a Reforma, a ênfase foi transferida dos sacramentos para a Palavra de Deus. Lutero deu grande proeminência à Palavra de Deus como o primordial meio de graça. Ele assinalava que os sacramentos nada significam sem a Palavra e que, na verdade, eles são apenas a Palavra visível. Lutero não conseguiu corrigir inteiramente o erro católico romano quanto à conexão inseparável entre os meios externos e a graça interna comunicada por intermédio deles. Ele também concebia a graça de Deus como uma espécie de substância contida nos meios, e não a ser obtida sem os meios. A Palavra de Deus em si mesma sempre é eficaz e efetua uma mudança espiritual no homem, a menos que este ponha uma pedra de tropeço no caminho. E o corpo e o sangue de Cristo estão “nos, com os e sob os” elementos do pão e do vinho, de sorte que quem come e bebe estes últimos, também recebe aqueles, conquanto isto só lhe traga proveito se os receber de maneira apropriada. Foi especialmente sua oposição ao subjetivismo dos anabatistas que levou Lutero a acentuar o caráter objetivo dos sacramentos e a tornar a sua eficácia dependente da sua instituição divina, e não da fé exercida pelos participantes. Nem sempre os luteranos escaparam da idéia de que os sacramentos funcionam ex opere operato.
3. CONCEITO DOS MÍSTICOS. Lutero teve que discutir muito com os místicos anabatistas, e foi principalmente sua reação contra as idéias deles que determinaram o seu conceito final sobre os meios de graça. Os anabatistas e outras seitas místicas da época da Reforma e de tempos posteriores à Reforma negavam virtualmente que Deus sempre se serve de meios para a distribuição da Sua graça. Eles salientavam que Deus é absolutamente livre para comunicar a Sua graça, e, portanto, dificilmente se pode conceber que Ele está preso a tais meios externos. Afinal de contas, esses meios pertencem ao mundo natural, e nada têm em comum com o mundo espiritual. Deus, ou Cristo, ou o Espírito Santo, ou a luz interior, age diretamente no coração, e tanto a Palavra como os sacramentos só podem servir para indicar ou simbolizar esta graça interna. Toda esta concepção é determinada por uma idéia dualista da natureza da graça.
4. CONCEITO RACIONALISTA. Os socinianos do tempo da Reforma, por outro lado, foram muito longe na direção oposta. O próprio Socino nem sequer considerava o batismo como um rito destinado a ser permanente na igreja de Jesus Cristo, mas os seus seguidores não chegaram a esse extremo. Reconheciam o batismo e a Ceia do Senhor como ritos de validade permanente, mas lhe atribuíam apenas uma eficácia moral. Significa que eles entendiam que os meios de graça operam somente através da persuasão moral, e não os associavam de modo algum com nenhuma operação mística do Espírito Santo. De fato, davam mais ênfase ao que o homem faz com os meios de graça do que ao que Deus realiza por meio deles, quando falavam deles como simples insígnias da profissão de fé e (quanto aos sacramentos) como memoriais. Os arminianos do século dezessete e os racionalistas do século dezoito compartilhavam este conceito.
5. CONCEITO REFORMADO (CALVINISTA). Enquanto a reação aos anabatistas levou os luteranos a mover-se em direção a Roma e a ligar a graça de Deus aos meios no sentido mais absoluto – posição assumida também pelos anglicanos da Igreja Alta – as igrejas reformadas (calvinistas) deram continuidade ao conceito originário da Reforma. Elas negam que os meios de graça podem, por si mesmos, conferir graça, como se fossem dotados de poder mágico para produzir santidade. Deus, e Deus somente, é a causa eficiente da salvação. E, na distribuição e comunicação da Sua graça, Ele não está atado absolutamente aos meios divinamente ordenados pelos quais Ele age ordinariamente, mas os utiliza para atenderem aos propósitos da Sua graça, de acordo com o Seu livre arbítrio. Mas, apesar de não considerarem os meios de graça como absolutamente necessários e indispensáveis, elas se opõem fortemente à idéia de que estes meios podem ser tratados como puramente acidentais e indiferentes e podem ser negligenciados impunemente. Deus os designou para serem os meios ordinários por meio dos quais Ele aciona a Sua graça nos corações dos pecadores, e negligenciá-los voluntariamente só pode redundar em prejuízo espiritual.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.609)

ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DA DOUTRINA REFORMADA DOS MEIOS DE GRAÇA

Para um bom entendimento da doutrina reformada (calvinista) dos meios de graça, os seguintes pontos merecem ênfase especial:
1. A graça especial de Deus opera somente na esfera em que os meios de graça funcionam. Esta verdade deve ser mantida contrariamente aos místicos, que negam a necessidade dos meios de graça. Deus é Deus de ordem que, na operação da Sua graça, emprega ordinariamente os meios que Ele mesmo ordenou. Isto, naturalmente, não significa que Ele se tornou subserviente aos meios ordenados e que não teria a menor possibilidade de agir sem eles na comunicação da Sua graça, mas somente que Lhe aprouve obrigar-se, exceto no caso das crianças, ao uso destes meios.
2. Num único ponto, a saber, na implantação da nova vida, a graça de Deus age imediatamente, isto é, sem o uso destes meios como instrumentos. Mas, mesmo assim, ela age somente na esfera dos meios de graça, desde que há absoluta exigência deles na indução e na nutrição da nova vida. Esta é uma direta negação da posição do racionalismo, que descreve a regeneração como resultado da persuasão moral.
3. Embora a graça de Deus em geral opere mediatamente, ela não é inerente aos meios como se fosse um depósito divino, mas acompanha a utilização destes. Deve-se defender isto em oposição aos católicos romanos, aos anglicanos da Igreja Alta e aos luteranos, que partem da pressuposição de que os meios de graça sempre operam em virtude de um poder inerente, embora a sua operação possa tornar-se ineficaz pela condição ou atitude do participante.
4. Nunca a Palavra de Deus deve separar-se dos sacramentos, mas sempre deve acompanha-los, visto que, virtualmente, são apenas uma representação visível da verdade que nos é transmitida pela Palavra. Na igreja de Roma a Palavra fica na retaguarda, como se tivesse apenas uma significação preparatória, ao passo que os sacramentos, considerados isoladamente, sem a Palavra, são considerados como os verdadeiros meios de graça.
5. Todo o conhecimento obtido por quem recebe a graça divina é produzido nele por meio da Palavra e da Palavra é derivado. Esta posição deve ser sustentada em oposição a todas as classes de místicos, que alegam revelações especiais e um conhecimento espiritual não mediado pela Palavra, e que, com isso, nos levam a um oceano de ilimitado subjetivismo.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.610)

A PALAVRA COMO MEIO DE GRAÇA

A. Sentido da Expressão “Palavra de Deus” Neste Contexto.
Dificilmente se pode dizer que os católicos romanos consideram a Palavra de Deus como meio de graça. Na opinião deles, a igreja é o grande e todo-suficiente canal da graça para os pecadores, e todos os demais meios lhe estão subordinados. E os dois mais poderosos meios que Deus colocou à disposição da igreja são a oração e os sacramentos. As igrejas da Reforma, porém, tanto as luteranas como as reformadas (calvinistas), honram a Palavra de Deus nessa qualidade, e até a consideram superior aos sacramentos. É verdade que teólogos reformados mais antigos, tais como os professores de Leyden (Synopsis), Mastricht, a Marck, Turretino e outros, e mesmo alguns de data mais recente, como Dabney e Kyper, não tratam separadamente da Palavra como meio de graça, mas isto se deve, em grande parte, ao fato de que já a consideraram noutros contextos. Eles falam francamente dela como meio de graça. E quando consideram a Palavra de Deus como meio de graça, não estão pensando no Logos, a Palavra pessoal, Jo 1.1-14. Tampouco têm em mente alguma palavra procedente da boca de Jeová, Sl 33.6; Is 55.11; Rm 4.17, ou alguma palavra de revelação direta, como a recebida pelos profetas, Jr 1.4; 2.1; Ez 6.1; Os 1.1. É a Palavra de Deus inspirada, a Palavra da Escritura, que eles consideram como meio de graça. E ainda quando falam desta como meio de graça, visualizam-na de um ponto de vista especial. As Escrituras inspiradas constituem o principium cognoscendi (princípio do conhecimento), o manancial de todo o nosso conhecimento teológico, mas não é esse aspecto que temos em mente quando falamos da Palavra de Deus como meio de graça. A Bíblia não é somente o principium cognoscendi de teologia; é também o meio que o Espírito Santo emprega para a propagação da igreja e para a edificação e nutrição dos santos. Ela é preeminentemente a palavra da graça de Deus, e, daí, também o meio de graça mais importante. Estritamente falando, é a Palavra pregada em nome de Deus, e em virtude de um comissionamento divino, que é considerada como meio de graça no sentido técnico da palavra, ao lado dos sacramentos, que são administrados em nome de Deus. Naturalmente, a Palavra de Deus também pode ser considerada como meio de graça num sentido mais geral. Ela pode ser uma bênção real quando levada ao homem de muitas maneiras adicionais: Quando é lida em casa, quando é ensinada na escola ou quando circula por meio de folhetos. Como os meios de graça oficiais, colocados à disposição da igreja, a Palavra e os sacramentos só podem ser administrados pelos oficiais da igreja, legítimos e propriamente qualificados. Mas, diversamente dos sacramentos, a Palavra pode ainda ser levada ao mundo por todos os crentes, e opera de numerosos e diferentes modos.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.613)

A RELAÇÃO DA PALAVRA COM O ESPÍRITO SANTO

Há, desenvolvida no transcurso da história, uma grande diferença de opiniões a respeito da eficácia da Palavra, e, conseqüentemente, quanto à ligação existente entre a efetiva operação da Palavra e a obra do Espírito Santo.
1. O nomismo, em suas várias formas, tais como o judaísmo, o pelagianismo, o semipelagianismo, o arminianismo, o neonomismo e o racionalismo imaginam a influência intelectual, moral e estética da Palavra como a única influência que se lhe pode atribuir. O nomismo não crê na operação sobrenatural do Espírito Santo mediante a Palavra. A verdade revelada na Palavra de Deus age somente pela persuasão moral. Nalgumas de suas formas, como nas do pelagianismo e do racionalismo, o nomismo nem sequer sente necessidade de uma operação especial do Espírito Santo na obra de redenção, mas em suas formas mais moderadas, como nas do semipelagianismo, do arminianismo e do neonomismo, ele considera a influência moral da Palavra insuficiente, de modo que precisa ser suplementada pela obra do Espírito Santo.
2. De outro lado, o antinomismo não considera a Palavra externa necessária, de modo nenhum, e ostenta um misticismo que espera que tudo da palavra interior ou da luz interior ou da operação imediata do Espírito Santo. Seu lema è, “A letra mata, mas o espírito vivifica”. A palavra externa pertence ao mundo natural, não está à altura do homem verdadeiramente espiritual e não pode produzir resultados espirituais válidos. Embora os antinômios de todas as categorias revelem uma tendência para menosprezar, senão para ignorar totalmente os meios de graça, essa tendência recebeu sua mais clara expressão das mãos de alguns anabatistas.
3. Em oposição a estes dois conceitos, os Reformadores sustentavam que a Palavra, sozinha, não é suficiente para produzir a fé e a conversão; que o Espírito Santo pode agir sem a Palavra, mas ordinariamente não o faz; e que, portanto, na obra de redenção a Palavra e o Espírito trabalham juntos. Embora a princípio houvesse pouca diferença sobre este ponto entre os luteranos e os reformados, aqueles desde o início davam ênfase ao fato de que o Espírito age por meio da Palavra como Seu instrumento (per verbum, pela palavra), ao passo que estes preferiam dizer que a operação do Espírito Santo acompanha a Palavra (cum verbo, com a Palavra). Com o tempo, os teólogos luteranos desenvolveram a doutrina realmente luterana, de que a Palavra de Deus contém poder convertedor do Espírito Santo como um depósito divino, que agora se acha tão inseparavelmente ligado a ela, que está presente mesmo quando a Palavra não é utilizada, ou não é utilizada legitimamente. Mas, com o fim de explicar os diferentes resultados da pregação da Palavra no caso de pessoas diferentes, eles tiveram que recorrer, ainda que de forma branda, à doutrina do livre arbítrio do homem. Os reformados, na verdade, consideravam a Palavra de Deus como poderosa sempre, quer como sabor de vida para a vida, quer como sabor de morte para a morte, mas afirmavam que ela se torna eficaz na condução à fé e à conversão somente pela conjunta operação do Espírito Santo nos corações dos pecadores. Eles se recusavam a considerar esta eficácia como um poder impessoal residente na Palavra.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.613)

A LEI E O EVANGELHO NA PALAVRA DE DEUS

Desde o princípio, as igrejas da Reforma distinguiam entre a Lei e o Evangelho como as duas partes da Palavra de Deus como meio de graça. Não se entendia esta distinção como idêntica à que existe entre o Velho Testamento e o Novo, mas era considerada como uma distinção aplicável a ambos os Testamentos. Há Lei e Evangelho no Velho Testamento, e há Lei e Evangelho no Novo. A Lei compreende tudo quanto, na Escritura, é revelação da vontade de Deus na forma de mandado ou proibição, enquanto que o Evangelho abrange tudo, seja no Velho Testamento seja no Novo, que se relaciona com a obra de reconciliação e que proclama o anelante amor redentor de Deus em Cristo Jesus. E cada parte destas tem sua função própria na economia da graça. A Lei procura despertar no coração do homem contrição pelo pecado, ao passo que o Evangelho visa ao despertamento da fé salvadora em Jesus Cristo. Num sentido, a obra da Lei é preparatória para a do Evangelho. Ela intensifica a consciência de pecado e, assim, faz ciente ao pecador da necessidade de redenção. Ambos são subservientes ao mesmo fim, e ambos são componentes indispensáveis do meio de graça. Esta verdade nem sempre tem sido reconhecida suficientemente. O aspecto condenatório da Lei às vezes tem sido salientado a expensas do seu caráter como parte do meio de graça. Desde o tempo de Márcion, sempre houve alguns que só viam contraste entre a Lei e o Evangelho e partiam da suposição de que eles se excluíam mutuamente. Baseavam sua opinião, em parte, na repreensão que Paulo passou em Pedro (G 2.11-14) e, em parte, no fato de que Paulo ocasionalmente traça uma aguda distinção entre a Lei e o Evangelho, e evidentemente os considera como contrastes, 2 Co 3.6-11; Gl 3.2, 3, 10-14; cf. também Jo 1.17. Não enxergavam o fato de que Paulo também diz que a Lei serviu de preceptor para conduzir os homens a Cristo, Gl 3.24, e de que a Epístola aos Hebreus descreve a Lei, não como estando em relação antitética com o Evangelho, mas, antes, como sendo o Evangelho em seu estado preliminar e imperfeito.
Alguns dos teólogos reformados (calvinistas) mais antigos apresentavam a Lei e o Evangelho como opostos absolutos. Eles entendiam que a Lei incorpora todas as exigências e mandamentos da Escritura, e que o Evangelho não contém nenhum tipo de exigência, mas unicamente promessas incondicionais; e assim excluíam dele toda sorte de solicitações imperativas. Isto aconteceu em parte pelo modo como os dois às vezes são contrastados na Escritura, mas também, em parte, como resultado de uma controvérsia com os arminianos, na qual estavam empenhados. O conceito arminiano, que faz a salvação depender da fé e da obediência evangélica como obras realizadas pelo homem, fez com que eles fossem ao extremo de dizer que a aliança da graça não exige coisa alguma da parte do homem, não lhe prescreve nenhum dever, não requer nem ordena coisa nenhuma, nem mesmo a fé, a confiança e a esperança no Senhor, e assim por diante, mas simplesmente transmite ao homem as promessas daquilo que Deus fará por ele. Outros, porém, afirmavam corretamente que nem mesmo a lei de Moisés está destituída de promessas, e que o Evangelho também contém certas exigências. Eles viam claramente que o homem não é meramente passivo, quando é introduzido na aliança, mas é chamado para aceitar ativamente a aliança, com todos os seus privilégios, conquanto seja Deus quem produz nele a capacidade de satisfazer as suas exigências. As promessas de que o homem se apropria certamente lhe impõem certos deveres, e, entre estes, o dever de obedecer à lei de Deus como norma de vida, mas também trazem consigo a segurança de que Deus operará nele “tanto o querer como o efetuar”. Os dispensacionalistas coerentes dos nossos dias voltam a apresentar a Lei e o Evangelho como opostos absolutos. Israel estava debaixo da Lei na dispensação anterior, mas a Igreja da dispensação atual está sob o Evangelho e, como tal, está livre da Lei. Isto significa que agora o Evangelho é o único meio de salvação, e que a Lei já não serve como tal. Os membros da igreja não precisam preocupar-se com as exigências da lei, visto que Cristo as satisfez todas. Ao que parece, eles se esquecem de que, embora Cristo tenha levado sobre Si a maldição da Lei, e tenha cumprido as suas exigências como uma condição da aliança das obras, Ele não cumpriu a lei por eles como norma de vida, à qual o homem está sujeito em virtude da sua criação, independentemente de qualquer acerto pactual.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.614)

DISTINÇÕES NECESSÁRIAS A RESPEITO DA LEI E DO EVANGELHO

a. Como já foi dito no item anterior, a distinção entre a Lei e o Evangelho não é a mesma que há entre o Velho e o Novo Testamentos. Tampouco é a mesma que os dispensacionalistas atuais fazem entre a dispensação da Lei e a dispensação do Evangelho. É contrário aos simples fatos da Escritura dizer que não há Evangelho no Velho Testamento, ou pelo menos na parte do Velho Testamento que abrange a dispensação da Lei. Há Evangelho na promessa à mãe da humanidade, na lei cerimonial e em muitos dos profetas, Is 53 e 54; 55.1-3, 6, 7; Jr 31.33, 34; Ez 36.25-28. De fato há Evangelho percorrendo todo o Velho Testamento, culminando nas profecias messiânicas. É igualmente contrário à Escritura dizer que não há lei no novo Testamento, ou que a Lei não tem aplicação na dispensação do novo Testamento. Jesus ensinou a validade permanente da lei, Mt 5.17-19. Paulo afirma que Deus providenciou para que as exigências sejam cumpridas em nossas vidas, Rm 8.4, e declara os seus leitores responsáveis pela guarda da lei, Rm 13.9. Tiago assegura aos seus leitores que aquele que transgride um só mandamento da lei (e menciona alguns destes), é transgressor da Lei, Tg 2.8-11. E João define o pecado como “transgressão da lei” e declara que este “é o amor de Deus,, que guardemos os seus mandamentos”, 1 Jo 3.4; 5.3.
b. É possível dizer que, nalguns aspectos, o cristão está livre da Lei de Deus. Nem sempre a Bíblia fala da Lei no mesmo sentido. Às vezes a considera como a expressão imutável da natureza e da vontade de Deus, aplicável em todos os tempos e em todas as condições. Mas também se refere a ela de acordo com as funções que ela exerce na aliança das obras, na qual a dádiva da vida eterna foi condicionada ao céu cumprimento. O homem deixou de preencher a condição, com isso perdendo também a capacidade de preenche-la, e agora está, por natureza, sob a sentença de condenação. Quando Paulo traça um contraste entre a Lei e o Evangelho, está pensando neste aspecto da Lei, a quebrantada Lei da aliança das obras, que já não pode justificar o pecador, só podendo condena-lo. Da Lei neste sentido particular, como meio para obtenção da vida eterna e com poder condenatório, os crentes são postos em liberdade em Cristo, visto que Ele se fez maldição por eles e também satisfez as exigências da aliança das obras a favor deles. A Lei, nesse sentido particular, e o Evangelho da livre graça de Deus são mutuamente exclusivos.
c. Há, porém, outro sentido, em que o cristão não está livre da Lei. A situação é completamente diversa quando pensamos na Lei como expressão das obrigações morais do homem para com o seu Deus, a Lei como é aplicada ao homem, mesmo independentemente da aliança das obras. É impossível imaginar alguma condição na qual o homem pudesse reivindicar liberdade da Lei nesse sentido. É puro antinomismo afirmar que Cristo guardou a Lei como regra de vida pelos Seus, de modo que eles não precisam preocupar-se mais com isso. A Lei reivindica, e com justiça, toda a vida do homem, em todos os seus aspectos, sua relação com o Evangelho de Jesus Cristo inclusive. Quando Deus oferece o Evangelho ao homem, a Lei exige que este o aceite. Alguns falam disso como a Lei no Evangelho, mas isto dificilmente está correto. O Evangelho mesmo consiste de promessas, e não é nenhuma lei; todavia, há uma exigência da Lei em conexão com o Evangelho. A Lei não somente exige que aceitemos o Evangelho e creiamos em Jesus Cristo, mas também que levemos uma vida de gratidão, em harmonia com as suas exigências.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.617)

O TRÍPLICE USO DA LEI

È costume, na teologia, distinguir um tríplice uso da lei.
1. DEFINIÇÃO DOS TRÊS USOS. Distinguimos:
a. Um uso político ou civil. A lei atende ao propósito de restringir o pecado e promover a justiça. Considerada segundo este ponto de vista, a Lei pressupõe o pecado e é necessária por causa do pecado. Ela atende ao propósito da graça comum de Deus no mundo em geral. Isto não significa que, conforme este ponto de vista, ela não pode ser considerada um meio de graça, no sentido técnico da palavra.
b. Um uso elêntico ou pedagógico. Nesta capacidade, a Lei atende ao propósito de colocar o homem sob convicção de pecado e de faze-lo cônscio da sua incapacidade para satisfazer as exigências da Lei. Desse modo, a Lei vem a ser o seu preceptor para conduzi-lo a Cristo e, assim, é subserviente ao misericordioso propósito divino de redenção.
c. Um uso didático ou normativo. Este é chamado tertius usus legis, o terceiro uso da Lei. A Lei é norma de vida para os crentes, lembrando-lhes os seus deveres e guiando-os no caminho da vida e da salvação. Os antinômios rejeitam este terceiro uso da lei.
2. DIFERENÇA ENTRE OS LUTERANOS E REFORMADOS (CALVINISTAS) SOBRE ESTE PONTO. Há alguma diferença entre os luteranos e os reformados com respeito a este tríplice uso da Lei. Ambos aceitam esta distinção tripla, mas os luteranos ressaltam o segundo uso da Lei. Em sua opinião, a Lei é, primariamente, o meio determinado para colocar os homens debaixo da convicção de pecado e, assim, indiretamente, indicar o caminho para Jesus Cristo como o Salvador dos pecadores. Conquanto admitam também o terceiro uso da Lei, eles o fazem com certa reserva, visto afirmarem que os crentes não estão mais debaixo da Lei. Segundo eles, o terceiro uso só é necessário porque os crentes ainda são pecadores, e só na medida em que o são; eles precisam ser mantidos em prova pela Lei e devem tornar-se cada vez mais conscientes dos seus pecados. Não admira, pois, que este terceiro uso da Lei não ocupe lugar importante em seu sistema. Em geral os luteranos tratam da Lei somente em conexão com a doutrina da miséria humana. Os reformados fazem plena justiça ao segundo uso da Lei, ensinando que “pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”, Rm 3.20, e que a Lei desperta a consciência da necessidade de redenção; mas dedicam mais atenção ainda à Lei em conexão com a doutrina da santificação. Eles se posicionam vigorosamente na convicção de que os crentes ainda estão sob a Lei como norma de vida e de gratidão. Daí porque o Catecismo de Heidelberg dedica nada menos que onze “Dias do Senhor” à consideração da Lei, e isso em sua terceira parte, que trata da gratidão.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Porque os católicos romanos consideram a igreja como o meio de graça mais proeminente? 2. Que explica a sua negligência da Palavra como meio de graça? 3. Por que os meios de graça são objeto de desconsideração entre os místicos? 4. Que distingue a Palavra e os sacramentos como meios de graça dentre todos os outros meios? 5. É correto dizer que eles só são ministrados na igreja e servem, não para originar a nova vida, mas para fortalece-la? 6. A Palavra de Deus é utilizada exclusivamente como meio de graça. 7. Como diferem a Lei e o Evangelho como diferentes aspectos da Palavra?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Gerf. Dogm. IV, p. 483-505; Hodge, Syst. Theol. III, p. 466-485; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 561-563; Vos, Geref. Dogm. V, De Genademiddelen, p. 1-11; McPherson, Chr. Dogm. III, p. 422-427; Dick, Lect. On Theology, p. 447-458; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 121-296; Valentine, Chr. Theol. II, p. 282-292; Mueller, Chr. Dogm., p. 441-484; Raymond, Syst. Theol. III, p. 243-255; Drummond, Studies in Chr. Doct., p. 399-403.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.617)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

OS SACRAMENTOS EM GERAL

A. RELAÇÃO ENTRE A PALAVRA E OS SACRAMENTOS.
Em distinção da Igreja Católica Romana, as igrejas da Reforma salientam a prioridade da Palavra de Deus. Enquanto aquela parte do pressupostos de que os sacramentos contêm tudo que é necessário para a salvação dos pecadores, não precisam de interpretação e, portanto, tornam a Palavra completamente supérflua como meio de graça, estas consideram a Palavra como absolutamente essencial, e apenas levantam a questão, por que se lhe deve acrescentar os sacramentos. Alguns luteranos alegam que uma graça específica, diferente da que é produzida pela Palavra é transmitida pelos sacramentos. Isso é quase universalmente negado pelos reformados (calvinistas), uns poucos teólogos escoceses e o doutor Kuyper formando exceções à regra. Eles assinalam o fato de que Deus criou o homem de tal maneira, que ele obtém conhecimento particularmente pelas avenidas dos sentidos da visão e da audição. A Palavra está adaptada aos ouvidos e os sacramentos aos olhos. E, desde que os olhos são mais sensíveis que os ouvidos, pode-se dizer que Deus, ao acrescentar os sacramentos à Palavra, vem em auxílio do pecador. A verdade dirigida aos ouvidos através da Palavra está representada simbolicamente nos sacramentos para os olhos. Deve-se ter em mente, porém, que, enquanto a Palavra pode existir e também é completa sem os sacramentos, os sacramentos nunca são completos sem a Palavra. Há pontos de semelhança e de diferença entre a Palavra e os sacramentos.
1. PONTOS DE SEMELHANÇA. Eles concordam: (a) no autor, visto que Deus mesmo instituiu ambos como meio de graça; (b) no conteúdo, pois Cristo é o conteúdo central tanto da Palavra como dos sacramentos; e (c) na maneira pela qual o conteúdo é assimilado, isto é, pela fé. Esta constitui o único modo pelo qual o pecador pode tornar-se participante da graça oferecida na Palavra e nos sacramentos.
2. PONTOS DE DIFERENÇA. Eles diferem: (a) em sua necessidade, sendo que a Palavra é indispensável, ao passo que os sacramentos não; (b) em seu propósito, desde que a Palavra visa a gerar e a fortalecer a fé, enquanto que os sacramentos servem somente para fortalece-la; e (c) em sua extensão, visto que a Palavra vai pelo mundo inteiro, ao passo que os sacramentos só são ministrados aos que estão na igreja.
B. ORIGEM E SENTIDO DA PALAVRA “SACRAMENTO”.
A palavra “sacramento” não se encontra na Escritura. É derivada do termo latino sacramentum, que originariamente denotava uma soma de dinheiro depositada por duas partes em litígio. Após a decisão da corte, o dinheiro da parte vencedora era devolvido, enquanto que a da perdedora era confiscada. Ao que parece, isto era chamado sacramentum porque objetivava ser uma espécie de oferenda propiciatória aos deuses. A transição para o uso cristão do termo deve ser procurada: (a) no uso militar do termo, em que denotava o juramento pelo qual um soldado prometia solenemente obediência ao seu comandante, visto que no batismo o cristão promete obediência ao seu Senhor; e (b) no sentido especificamente religioso que o termo adquiriu quando a Vulgata o empregou para traduzir o grego mysterion. É possível que este vocábulo grego fosse aplicado aos sacramentos por terem eles uma tênue semelhança com alguns dos mistérios das religiões gregas. Na Igreja Primitiva a palavra “sacramento” era empregada primeiramente para denotar todas as espécies de doutrinas e ordenanças. Por esta mesma razão, alguns se opuseram ao nome e preferiam falar em “sinais” ou “mistérios”. Mesmo durante e imediatamente após a Reforma, muitos não gostavam do nome “sacramento”. Melanchton empregava “signi”, e tanto Lutero como Calvino achavam necessário chamar a atenção para o fato de que a palavra “sacramento” não é empregada em seu sentido original na teologia. Mas o fato de que a palavra não se encontra na Escritura e de que não é utilizada em seu sentido original quando aplicada às ordenanças instituídas por Jesus, não tem por que dissuadir-nos, pois muitas vezes o uso determina o sentido de uma palavra. Pode-se dar a seguinte definição de sacramento: Sacramento é uma santa ordenança instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez, expressam sua fé e sua fidelidade a Deus.
C. PARTES COMPONENTES DO SACRAMENTO.
Devemos distinguir três partes nos sacramentos.
1. O SINAL EXTERNO OU VISÍVEL. Cada sacramento contém um elemento material, palpável aos sentidos. Num sentido bem livre, este elemento às vezes é chamado sacramento. Contudo, no sentido estrito da palavra, o termo é mais inclusivo e denota o sinal e aquilo que é significado ou simbolizado. Para evitar mal-entendido, deve-se ter em mente este uso diferente. Isto explica por que se pode dizer que um descrente pode receber, e, todavia, não receber o sacramento. Não o recebe no sentido pelo da palavra. O objeto externo do sacramento inclui, não somente os elementos que se usam, a saber, água, pão e vinho, mas também o rito sagrado, aquilo que se faz com estes elementos. Segundo este ponto de vista externo, a Bíblia denomina os sacramentos sinais e selos, Gn 9.12, 13; 17.11; Rm 4.11.
2. A GRAÇA ESPIRITUAL INTERNA, SIGNIFICADA E SELADA. Os sinais e selos pressupõem algo que é significado e selado e que geralmente é chamado matéria interna do sacramento. Esta é variadamente indicada na Escritura como aliança da graça, Gn 9.12, 13; 17.11, justiça da fé, Rm 4.11, perdão dos pecados, Mc 1.4: Mt 26.28, fé e conversão, Mc 1.4; 16.16, comunhão com Cristo em Sua morte e ressurreição, Rm 6.3, e assim por diante. Declarada resumidamente, pode-se dizer que consiste de Cristo e todas as Suas riquezas espirituais. Os católicos romanos a vêem na graça santificante acrescentada à natureza humana, capacitando o homem a praticar boas obras e a subir às alturas da visio Dei (visão de Deus). Os sacramentos não significam meramente uma verdade geral, mas uma promessa dada a nós e por nós aceita, e servem para fortalecer a nossa fé com respeito à realização dessa promessa, Gn 17.1-14; Ex 12.13; Rm 4.11-13. eles representam visivelmente e aprofundam a nossa consciência das bênçãos espirituais da aliança, da purificação dos nossos pecados e da nossa participação na vida que há em Cristo, Mt 13.11; Mc 1.4, 5; 1 Co 10.2, 3, 16, 17; Rm 2.28, 29; 6.3, 4; Gl 3.27. como sinais e selos, eles são meios de graça, isto é, meios pelos quais se fortalece a graça interna produzida no coração pelo Espírito Santo.
3. UNIÃO SACRAMENTAL ENTRE O SINAL E QUILO QUE É SIGNIFICADO. Geralmente se lhe chama forma sacramenti, forma dos sacramentos (forma significando aqui essência), porque é exatamente a relação entre o sinal e a coisa significada que constitui a essência do sacramento. Segundo o conceito reformado (calvinista), esta (a) não é física, como pretendem os católicos romanos, como se a coisa significada fosse inerente ao sinal e o recebimento da matéria externa incluísse necessariamente a participação na matéria interna; (b) nem local, como a descrevem os luteranos, como se o sinal e a coisa significada estivessem presentes no mesmo espaço, de sorte que tanto os crentes como os incrédulos recebessem o sacramento completo ao receberem o sinal; (c) mas espiritual, ou como o expressa Turretino, moral e relativa, de modo que, quando o sacramento é recebido com fé, a graça de Deus o acompanha. Conforme este conceito, o sinal externo torna-se um meio empregado pelo Espírito Santo na comunicação da graça divina. A estreita relação existente entre o sinal e a coisa significada explica o emprego daquilo que geralmente se chama “linguagem sacramental”, na qual o sinal é mencionado em lugar da coisa significada, ou vice-versa, Gn 17.10; At 22.16; 1 Co 5.7.
D. NECESSIDADE DOS SACRAMENTOS.
Os católicos romanos afirmam que o batismo é absolutamente necessário para todos, para a salvação, e que o sacramento da penitência é igualmente necessário para aqueles que cometeram pecado mortal depois do batismo; mas que a confirmação, a eucaristia e a extrema unção são necessárias somente no sentido de que foram ordenadas e são eminentemente úteis. Por outro lado, os protestantes ensinam que os sacramentos não são absolutamente necessários para a salvação, mas são obrigatórios em vista do preceito divino. A negligência voluntária do seu uso redunda no empobrecimento espiritual e tem tendência destrutiva, precisamente como acontece com toda desobediência persistente a Deus. Que não são absolutamente necessários para a salvação, segue-se: (1) do caráter espiritual e livre da dispensação do Evangelho, na qual Deus não prende a Sua graça ao uso de certas formas externas, Jo 4.21, 23; Lc 18.14; (2) do fato de que a Escritura menciona unicamente a fé como condição instrumental da salvação, Jo 5.24; 6.29; 3.36; At 16.31; (3) do fato de que os sacramentos não originam a fé, mas a pressupõem, e são ministrados onde se supõe a existência da fé, At 2.41; 16.14, 15, 30, 33; 1 Co 11.23-32; e (4) do fato de que muitos foram realmente salvos sem o uso dos sacramentos. Pensemos nos crentes anteriores ao tempo de Abraão e no ladrão penitente na cruz.
E. OS SACRAMENTOS DO VELHO E DO NOVO TESTAMENTOS COMPARADOS.
1. SUA UNIDADE ESSENCIAL. Roma alega que há diferença essencial entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Ela afirma que, à semelhança de todo o ritual da antiga aliança, seus sacramentos também eram meramente típicos. A santificação produzida por eles não era interna, mas apenas legal, e prefigurava a graça que haveria de ser conferida ao homem no futuro, em virtude da paixão de Cristo. Isso não significa que nenhuma graça interna acompanhava o uso deles, mas simplesmente que isso não era efetuado pelo sacramento propriamente ditos, como acontece na nova dispensação. Eles não tinham eficácia objetiva, não santificavam o participante ex opere operato, mas unicamente ex opere operantis, isto é, por causa da fé e caridade com que eram recebidos. Uma vez que a plena concretização da graça tipificada por aqueles sacramentos dependia da vinda de Cristo, os santos do Velho Testamento foram encerrados no Limbus Patrum (Limbo dos Pais) até Cristo os tirar de lá. A verdade, porém, é que não há diferença entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Provam-no as seguintes considerações; (a) em 1 Co 10.1-4 Paulo atribui à igreja do Velho Testamento aquilo que é essencial nos sacramentos do Novo testamento; (b) em Rm 4.11 ele fala da circuncisão de Abraão como selo da justiça da fé; e (c) em vista do fato de que eles representam as mesmas realidades espirituais, os nomes dos sacramentos de ambas as dispensações são utilizados uns pelos outros: a circuncisão e a páscoa são atribuídas à igreja do Novo Testamento, 1 Co 5.7; Cl 2.11, e o batismo e a Ceia do Senhor à igreja do Velho Testamento, 1 Co 10.1-4.
2. SUAS DIFERENÇAS FORMAIS. Não obstante a unidade essencial dos sacramentos das duas dispensações, há certos pontos de diferença. (a) Em Israel os sacramentos tinham um aspecto nacional em acréscimo à sua significação espiritual como sinais e selos da aliança grega. (b) Ao lado dos sacramentos, Israel tinha muitos outros ritos simbólicos, tais como as ofertas e as purificações, que no essencial concordavam com os seus sacramentos, ao passo que os sacramentos do Novo Testamento estão absolutamente sós. (c) Os sacramentos do Velho Testamento apontavam para Cristo no futuro, e eram os selos da graça que ainda teriam que ser merecidas, ao passo que os do Novo testamento apontam para Cristo no passado e o Seu sacrifício de redenção já consumado. (d) Em harmonia com o conteúdo total da dispensação do Velho Testamento, a porção da graça divina que acompanhava o uso dos sacramentos do Velho Testamento era menor do que a que atualmente se obtém mediante o confiante recebimento dos sacramentos do Novo Testamento.
F. NÚMERO DOS SACRAMENTOS.
1. NO VELHO TESTAMENTO. Durante a antiga dispensação havia dois sacramentos, quais sejam, a circuncisão e a páscoa. Alguns teólogos reformados (calvinistas) eram de opinião que a circuncisão originou-se em Israel e foi auferido deste povo da aliança por outras nações. Mas agora é patentemente claro que esta posição é insustentável. Desde os tempos mais primitivos, os sacerdotes egípcios eram circuncidados. Além disso, a prática da circuncisão se acha em muitos povos da Ásia, da África e até da Austrália, e é muito improvável que todos a tenham derivado de Israel. Todavia, somente em Israel ela se tornou um sacramento da aliança da graça. Como pertencente à dispensação do Velho Testamento, era um sacrifício cruento, simbolizando a excisão da culpa e da corrupção do pecado, e constrangendo as pessoas a deixarem que o princípio da graça de Deus penetrasse suas vidas completamente. A páscoa também era um sacrifício cruento. Os israelitas escaparam do destino dos egípcios com sua substituição por um sacrifício, que foi um tipo de Cristo, Jo 1.29, 36; 1 Co 5.7. A família salva comeu o cordeiro que fora imolado, simbolizando assim um ato assimilativo de fé, muito parecido com o ato de comer o pão na Ceia do Senhor.
2. NO NOVO TESTAMENTO. A igreja do Novo Testamento também tem dois sacramentos a saber, o batismo e a Ceia do Senhor. Em harmonia com a nova dispensação em seu conjunto global, eles são sacramentos incruentos. Contudo, simbolizam as mesmas bênçãos espirituais que eram simbolizadas pela circuncisão e pela páscoa na antiga dispensação. A igreja de Roma aumentou para sete o número dos sacramentos de maneira totalmente infundada. Aos dois que foram instituídos por Cristo ela acrescentou a confirmação, a penitência, a ordenação, o matrimônio e a extrema unção. Ela procura base bíblica para a confirmação em At 8.17; 14.22; 19.6; Hb 6.2; para a penitência em Tg 5.16; para a ordenação em 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6; para o matrimônio em Ef 5.32; e para a extrema unção em Mc 6.13; Tg 5.14. Pressupõe-se que cada um destes sacramentos comunica, em acréscimo à graça geral da santificação, uma graça sacramental especial, diferente em cada sacramento. Esta multiplicação dos sacramentos criou uma dificuldade para a igreja de Roma. Geralmente se admite que, para serem válidos, precisam ter sido instituídos por Cristo; mas Cristo instituiu apenas dois. Conseqüentemente, ou os outros não são sacramentos, ou o direito de instituí-los terá que ser atribuído aos apóstolos também. Na verdade, antes do Concílio de Trento, muitos asseveravam que os cinco adicionais não foram instituídos diretamente por Cristo, mas por meio dos apóstolos. Todavia, aquele concílio declarou ousadamente que todos os sete sacramentos foram instituídos pessoalmente por Cristo, e, desse modo, impôs à teologia da sua igreja uma tarefa impossível. É um ponto que tem que ser aceito pelos católicos romanos com base no testemunho da igreja, mas que não de vê ser comprovado.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. O vocábulo mysterion tem no Novo Testamento o mesmo sentido que tem nas religiões de mistério? 2. Os ensinos neotestamentários a respeito dos sacramentos foram copiados das religiões de mistério, como pretende uma recente escola de crítica do Novo Testamento? 3. É correta a afirmação dessa escola, de que Paulo descreve os sacramentos como eficazes ex opere operato? 4. Por que os luteranos preferem falar dos sacramentos como ritos e gestos, a falar deles como sinais? 5. Que entendem eles por matéria coelestis (matéria celeste) dos sacramentos? 6. Que se quer dizer com a doutrina católica romana da intenção, com referência á ministração dos sacramentos? 7. Que requisito negativo Roma considera necessário estar presente no participante do sacramento? 8. É correto descrever a relação existente entre o sinal e a coisa significada como uma unio sacramentalis (união sacramental)? 9 Que constitui a gratia sacramentalis (graça sacramental) em cada um dos sete sacramentos da Igreja Católica Romana?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 483-542; Kuyper, Dict. Dogm., De Sacramentis, p. 3-96; Hodge, Syst., Theol. III, p. 466-526; Vos, Geref. Dogm. V, De Genademiddelen, p. 1-35; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 727-757; McPherson, Chr. Dogm., p. 422-431; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 419-450; Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Ch., p. 504-540; Valentine, Chr. Theol. II, p. 278-305; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 121-296; Kaftan, Dogm., p. 625-636; Pope, Chr. Theol. III, p. 294-310; Miley, Syst. Theol. II, p. 389-395; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 305-314; Moehler, Symbolism, p. 202-218; Schaff, Our Fathers’ Faith and Ours,* p. 309-315; Bannerman, The Church II, p. 1-41; Macleod, The Ministry and the Sacraments of the Church of Scotland, p. 198-227; Candlish, The Sacraments, p. 11-44; Burgess, The Protestant Faith, p. 180-198.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 623)

RELAÇÃO ENTRE A PALAVRA E OS SACRAMENTOS

Em distinção da Igreja Católica Romana, as igrejas da Reforma salientam a prioridade da Palavra de Deus. Enquanto aquela parte do pressupostos de que os sacramentos contêm tudo que é necessário para a salvação dos pecadores, não precisam de interpretação e, portanto, tornam a Palavra completamente supérflua como meio de graça, estas consideram a Palavra como absolutamente essencial, e apenas levantam a questão, por que se lhe deve acrescentar os sacramentos. Alguns luteranos alegam que uma graça específica, diferente da que é produzida pela Palavra é transmitida pelos sacramentos. Isso é quase universalmente negado pelos reformados (calvinistas), uns poucos teólogos escoceses e o doutor Kuyper formando exceções à regra. Eles assinalam o fato de que Deus criou o homem de tal maneira, que ele obtém conhecimento particularmente pelas avenidas dos sentidos da visão e da audição. A Palavra está adaptada aos ouvidos e os sacramentos aos olhos. E, desde que os olhos são mais sensíveis que os ouvidos, pode-se dizer que Deus, ao acrescentar os sacramentos à Palavra, vem em auxílio do pecador. A verdade dirigida aos ouvidos através da Palavra está representada simbolicamente nos sacramentos para os olhos. Deve-se ter em mente, porém, que, enquanto a Palavra pode existir e também é completa sem os sacramentos, os sacramentos nunca são completos sem a Palavra. Há pontos de semelhança e de diferença entre a Palavra e os sacramentos.
1. PONTOS DE SEMELHANÇA. Eles concordam: (a) no autor, visto que Deus mesmo instituiu ambos como meio de graça; (b) no conteúdo, pois Cristo é o conteúdo central tanto da Palavra como dos sacramentos; e (c) na maneira pela qual o conteúdo é assimilado, isto é, pela fé. Esta constitui o único modo pelo qual o pecador pode tornar-se participante da graça oferecida na Palavra e nos sacramentos.
2. PONTOS DE DIFERENÇA. Eles diferem: (a) em sua necessidade, sendo que a Palavra é indispensável, ao passo que os sacramentos não; (b) em seu propósito, desde que a Palavra visa a gerar e a fortalecer a fé, enquanto que os sacramentos servem somente para fortalece-la; e (c) em sua extensão, visto que a Palavra vai pelo mundo inteiro, ao passo que os sacramentos só são ministrados aos que estão na igreja.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 619)

ORIGEM E SENTIDO DA PALAVRA “SACRAMENTO”

A palavra “sacramento” não se encontra na Escritura. É derivada do termo latino sacramentum, que originariamente denotava uma soma de dinheiro depositada por duas partes em litígio. Após a decisão da corte, o dinheiro da parte vencedora era devolvido, enquanto que a da perdedora era confiscada. Ao que parece, isto era chamado sacramentum porque objetivava ser uma espécie de oferenda propiciatória aos deuses. A transição para o uso cristão do termo deve ser procurada: (a) no uso militar do termo, em que denotava o juramento pelo qual um soldado prometia solenemente obediência ao seu comandante, visto que no batismo o cristão promete obediência ao seu Senhor; e (b) no sentido especificamente religioso que o termo adquiriu quando a Vulgata o empregou para traduzir o grego mysterion. É possível que este vocábulo grego fosse aplicado aos sacramentos por terem eles uma tênue semelhança com alguns dos mistérios das religiões gregas. Na Igreja Primitiva a palavra “sacramento” era empregada primeiramente para denotar todas as espécies de doutrinas e ordenanças. Por esta mesma razão, alguns se opuseram ao nome e preferiam falar em “sinais” ou “mistérios”. Mesmo durante e imediatamente após a Reforma, muitos não gostavam do nome “sacramento”. Melanchton empregava “signi”, e tanto Lutero como Calvino achavam necessário chamar a atenção para o fato de que a palavra “sacramento” não é empregada em seu sentido original na teologia. Mas o fato de que a palavra não se encontra na Escritura e de que não é utilizada em seu sentido original quando aplicada às ordenanças instituídas por Jesus, não tem por que dissuadir-nos, pois muitas vezes o uso determina o sentido de uma palavra. Pode-se dar a seguinte definição de sacramento: Sacramento é uma santa ordenança instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez, expressam sua fé e sua fidelidade a Deus.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 619)

PARTES COMPONENTES DO SACRAMENTO

Devemos distinguir três partes nos sacramentos.
1. O SINAL EXTERNO OU VISÍVEL. Cada sacramento contém um elemento material, palpável aos sentidos. Num sentido bem livre, este elemento às vezes é chamado sacramento. Contudo, no sentido estrito da palavra, o termo é mais inclusivo e denota o sinal e aquilo que é significado ou simbolizado. Para evitar mal-entendido, deve-se ter em mente este uso diferente. Isto explica por que se pode dizer que um descrente pode receber, e, todavia, não receber o sacramento. Não o recebe no sentido pelo da palavra. O objeto externo do sacramento inclui, não somente os elementos que se usam, a saber, água, pão e vinho, mas também o rito sagrado, aquilo que se faz com estes elementos. Segundo este ponto de vista externo, a Bíblia denomina os sacramentos sinais e selos, Gn 9.12, 13; 17.11; Rm 4.11.
2. A GRAÇA ESPIRITUAL INTERNA, SIGNIFICADA E SELADA. Os sinais e selos pressupõem algo que é significado e selado e que geralmente é chamado matéria interna do sacramento. Esta é variadamente indicada na Escritura como aliança da graça, Gn 9.12, 13; 17.11, justiça da fé, Rm 4.11, perdão dos pecados, Mc 1.4: Mt 26.28, fé e conversão, Mc 1.4; 16.16, comunhão com Cristo em Sua morte e ressurreição, Rm 6.3, e assim por diante. Declarada resumidamente, pode-se dizer que consiste de Cristo e todas as Suas riquezas espirituais. Os católicos romanos a vêem na graça santificante acrescentada à natureza humana, capacitando o homem a praticar boas obras e a subir às alturas da visio Dei (visão de Deus). Os sacramentos não significam meramente uma verdade geral, mas uma promessa dada a nós e por nós aceita, e servem para fortalecer a nossa fé com respeito à realização dessa promessa, Gn 17.1-14; Ex 12.13; Rm 4.11-13. eles representam visivelmente e aprofundam a nossa consciência das bênçãos espirituais da aliança, da purificação dos nossos pecados e da nossa participação na vida que há em Cristo, Mt 13.11; Mc 1.4, 5; 1 Co 10.2, 3, 16, 17; Rm 2.28, 29; 6.3, 4; Gl 3.27. como sinais e selos, eles são meios de graça, isto é, meios pelos quais se fortalece a graça interna produzida no coração pelo Espírito Santo.
3. UNIÃO SACRAMENTAL ENTRE O SINAL E QUILO QUE É SIGNIFICADO. Geralmente se lhe chama forma sacramenti, forma dos sacramentos (forma significando aqui essência), porque é exatamente a relação entre o sinal e a coisa significada que constitui a essência do sacramento. Segundo o conceito reformado (calvinista), esta (a) não é física, como pretendem os católicos romanos, como se a coisa significada fosse inerente ao sinal e o recebimento da matéria externa incluísse necessariamente a participação na matéria interna; (b) nem local, como a descrevem os luteranos, como se o sinal e a coisa significada estivessem presentes no mesmo espaço, de sorte que tanto os crentes como os incrédulos recebessem o sacramento completo ao receberem o sinal; (c) mas espiritual, ou como o expressa Turretino, moral e relativa, de modo que, quando o sacramento é recebido com fé, a graça de Deus o acompanha. Conforme este conceito, o sinal externo torna-se um meio empregado pelo Espírito Santo na comunicação da graça divina. A estreita relação existente entre o sinal e a coisa significada explica o emprego daquilo que geralmente se chama “linguagem sacramental”, na qual o sinal é mencionado em lugar da coisa significada, ou vice-versa, Gn 17.10; At 22.16; 1 Co 5.7.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 620)

A GRAÇA ESPIRITUAL INTERNA, SIGNIFICADA E SELADA

Os sinais e selos pressupõem algo que é significado e selado e que geralmente é chamado matéria interna do sacramento. Esta é variadamente indicada na Escritura como aliança da graça, Gn 9.12, 13; 17.11, justiça da fé, Rm 4.11, perdão dos pecados, Mc 1.4: Mt 26.28, fé e conversão, Mc 1.4; 16.16, comunhão com Cristo em Sua morte e ressurreição, Rm 6.3, e assim por diante. Declarada resumidamente, pode-se dizer que consiste de Cristo e todas as Suas riquezas espirituais. Os católicos romanos a vêem na graça santificante acrescentada à natureza humana, capacitando o homem a praticar boas obras e a subir às alturas da visio Dei (visão de Deus). Os sacramentos não significam meramente uma verdade geral, mas uma promessa dada a nós e por nós aceita, e servem para fortalecer a nossa fé com respeito à realização dessa promessa, Gn 17.1-14; Ex 12.13; Rm 4.11-13. eles representam visivelmente e aprofundam a nossa consciência das bênçãos espirituais da aliança, da purificação dos nossos pecados e da nossa participação na vida que há em Cristo, Mt 13.11; Mc 1.4, 5; 1 Co 10.2, 3, 16, 17; Rm 2.28, 29; 6.3, 4; Gl 3.27. como sinais e selos, eles são meios de graça, isto é, meios pelos quais se fortalece a graça interna produzida no coração pelo Espírito Santo.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 620)

UNIÃO SACRAMENTAL ENTRE O SINAL E QUILO QUE É SIGNIFICADO

Geralmente se lhe chama forma sacramenti, forma dos sacramentos (forma significando aqui essência), porque é exatamente a relação entre o sinal e a coisa significada que constitui a essência do sacramento. Segundo o conceito reformado (calvinista), esta (a) não é física, como pretendem os católicos romanos, como se a coisa significada fosse inerente ao sinal e o recebimento da matéria externa incluísse necessariamente a participação na matéria interna; (b) nem local, como a descrevem os luteranos, como se o sinal e a coisa significada estivessem presentes no mesmo espaço, de sorte que tanto os crentes como os incrédulos recebessem o sacramento completo ao receberem o sinal; (c) mas espiritual, ou como o expressa Turretino, moral e relativa, de modo que, quando o sacramento é recebido com fé, a graça de Deus o acompanha. Conforme este conceito, o sinal externo torna-se um meio empregado pelo Espírito Santo na comunicação da graça divina. A estreita relação existente entre o sinal e a coisa significada explica o emprego daquilo que geralmente se chama “linguagem sacramental”, na qual o sinal é mencionado em lugar da coisa significada, ou vice-versa, Gn 17.10; At 22.16; 1 Co 5.7.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 620)

NECESSIDADE DOS SACRAMENTOS

Os católicos romanos afirmam que o batismo é absolutamente necessário para todos, para a salvação, e que o sacramento da penitência é igualmente necessário para aqueles que cometeram pecado mortal depois do batismo; mas que a confirmação, a eucaristia e a extrema unção são necessárias somente no sentido de que foram ordenadas e são eminentemente úteis. Por outro lado, os protestantes ensinam que os sacramentos não são absolutamente necessários para a salvação, mas são obrigatórios em vista do preceito divino. A negligência voluntária do seu uso redunda no empobrecimento espiritual e tem tendência destrutiva, precisamente como acontece com toda desobediência persistente a Deus. Que não são absolutamente necessários para a salvação, segue-se: (1) do caráter espiritual e livre da dispensação do Evangelho, na qual Deus não prende a Sua graça ao uso de certas formas externas, Jo 4.21, 23; Lc 18.14; (2) do fato de que a Escritura menciona unicamente a fé como condição instrumental da salvação, Jo 5.24; 6.29; 3.36; At 16.31; (3) do fato de que os sacramentos não originam a fé, mas a pressupõem, e são ministrados onde se supõe a existência da fé, At 2.41; 16.14, 15, 30, 33; 1 Co 11.23-32; e (4) do fato de que muitos foram realmente salvos sem o uso dos sacramentos. Pensemos nos crentes anteriores ao tempo de Abraão e no ladrão penitente na cruz.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 621)

OS SACRAMENTOS DO VELHO E DO NOVO TESTAMENTOS COMPARADOS

1. SUA UNIDADE ESSENCIAL. Roma alega que há diferença essencial entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Ela afirma que, à semelhança de todo o ritual da antiga aliança, seus sacramentos também eram meramente típicos. A santificação produzida por eles não era interna, mas apenas legal, e prefigurava a graça que haveria de ser conferida ao homem no futuro, em virtude da paixão de Cristo. Isso não significa que nenhuma graça interna acompanhava o uso deles, mas simplesmente que isso não era efetuado pelo sacramento propriamente ditos, como acontece na nova dispensação. Eles não tinham eficácia objetiva, não santificavam o participante ex opere operato, mas unicamente ex opere operantis, isto é, por causa da fé e caridade com que eram recebidos. Uma vez que a plena concretização da graça tipificada por aqueles sacramentos dependia da vinda de Cristo, os santos do Velho Testamento foram encerrados no Limbus Patrum (Limbo dos Pais) até Cristo os tirar de lá. A verdade, porém, é que não há diferença entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Provam-no as seguintes considerações; (a) em 1 Co 10.1-4 Paulo atribui à igreja do Velho Testamento aquilo que é essencial nos sacramentos do Novo testamento; (b) em Rm 4.11 ele fala da circuncisão de Abraão como selo da justiça da fé; e (c) em vista do fato de que eles representam as mesmas realidades espirituais, os nomes dos sacramentos de ambas as dispensações são utilizados uns pelos outros: a circuncisão e a páscoa são atribuídas à igreja do Novo Testamento, 1 Co 5.7; Cl 2.11, e o batismo e a Ceia do Senhor à igreja do Velho Testamento, 1 Co 10.1-4.
2. SUAS DIFERENÇAS FORMAIS. Não obstante a unidade essencial dos sacramentos das duas dispensações, há certos pontos de diferença. (a) Em Israel os sacramentos tinham um aspecto nacional em acréscimo à sua significação espiritual como sinais e selos da aliança grega. (b) Ao lado dos sacramentos, Israel tinha muitos outros ritos simbólicos, tais como as ofertas e as purificações, que no essencial concordavam com os seus sacramentos, ao passo que os sacramentos do Novo Testamento estão absolutamente sós. (c) Os sacramentos do Velho Testamento apontavam para Cristo no futuro, e eram os selos da graça que ainda teriam que ser merecidas, ao passo que os do Novo testamento apontam para Cristo no passado e o Seu sacrifício de redenção já consumado. (d) Em harmonia com o conteúdo total da dispensação do Velho Testamento, a porção da graça divina que acompanhava o uso dos sacramentos do Velho Testamento era menor do que a que atualmente se obtém mediante o confiante recebimento dos sacramentos do Novo Testamento.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 621)

NÚMERO DOS SACRAMENTOS

1. NO VELHO TESTAMENTO. Durante a antiga dispensação havia dois sacramentos, quais sejam, a circuncisão e a páscoa. Alguns teólogos reformados (calvinistas) eram de opinião que a circuncisão originou-se em Israel e foi auferido deste povo da aliança por outras nações. Mas agora é patentemente claro que esta posição é insustentável. Desde os tempos mais primitivos, os sacerdotes egípcios eram circuncidados. Além disso, a prática da circuncisão se acha em muitos povos da Ásia, da África e até da Austrália, e é muito improvável que todos a tenham derivado de Israel. Todavia, somente em Israel ela se tornou um sacramento da aliança da graça. Como pertencente à dispensação do Velho Testamento, era um sacrifício cruento, simbolizando a excisão da culpa e da corrupção do pecado, e constrangendo as pessoas a deixarem que o princípio da graça de Deus penetrasse suas vidas completamente. A páscoa também era um sacrifício cruento. Os israelitas escaparam do destino dos egípcios com sua substituição por um sacrifício, que foi um tipo de Cristo, Jo 1.29, 36; 1 Co 5.7. A família salva comeu o cordeiro que fora imolado, simbolizando assim um ato assimilativo de fé, muito parecido com o ato de comer o pão na Ceia do Senhor.
2. NO NOVO TESTAMENTO. A igreja do Novo Testamento também tem dois sacramentos a saber, o batismo e a Ceia do Senhor. Em harmonia com a nova dispensação em seu conjunto global, eles são sacramentos incruentos. Contudo, simbolizam as mesmas bênçãos espirituais que eram simbolizadas pela circuncisão e pela páscoa na antiga dispensação. A igreja de Roma aumentou para sete o número dos sacramentos de maneira totalmente infundada. Aos dois que foram instituídos por Cristo ela acrescentou a confirmação, a penitência, a ordenação, o matrimônio e a extrema unção. Ela procura base bíblica para a confirmação em At 8.17; 14.22; 19.6; Hb 6.2; para a penitência em Tg 5.16; para a ordenação em 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6; para o matrimônio em Ef 5.32; e para a extrema unção em Mc 6.13; Tg 5.14. Pressupõe-se que cada um destes sacramentos comunica, em acréscimo à graça geral da santificação, uma graça sacramental especial, diferente em cada sacramento. Esta multiplicação dos sacramentos criou uma dificuldade para a igreja de Roma. Geralmente se admite que, para serem válidos, precisam ter sido instituídos por Cristo; mas Cristo instituiu apenas dois. Conseqüentemente, ou os outros não são sacramentos, ou o direito de instituí-los terá que ser atribuído aos apóstolos também. Na verdade, antes do Concílio de Trento, muitos asseveravam que os cinco adicionais não foram instituídos diretamente por Cristo, mas por meio dos apóstolos. Todavia, aquele concílio declarou ousadamente que todos os sete sacramentos foram instituídos pessoalmente por Cristo, e, desse modo, impôs à teologia da sua igreja uma tarefa impossível. É um ponto que tem que ser aceito pelos católicos romanos com base no testemunho da igreja, mas que não de vê ser comprovado.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. O vocábulo mysterion tem no Novo Testamento o mesmo sentido que tem nas religiões de mistério? 2. Os ensinos neotestamentários a respeito dos sacramentos foram copiados das religiões de mistério, como pretende uma recente escola de crítica do Novo Testamento? 3. É correta a afirmação dessa escola, de que Paulo descreve os sacramentos como eficazes ex opere operato? 4. Por que os luteranos preferem falar dos sacramentos como ritos e gestos, a falar deles como sinais? 5. Que entendem eles por matéria coelestis (matéria celeste) dos sacramentos? 6. Que se quer dizer com a doutrina católica romana da intenção, com referência á ministração dos sacramentos? 7. Que requisito negativo Roma considera necessário estar presente no participante do sacramento? 8. É correto descrever a relação existente entre o sinal e a coisa significada como uma unio sacramentalis (união sacramental)? 9 Que constitui a gratia sacramentalis (graça sacramental) em cada um dos sete sacramentos da Igreja Católica Romana?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 483-542; Kuyper, Dict. Dogm., De Sacramentis, p. 3-96; Hodge, Syst., Theol. III, p. 466-526; Vos, Geref. Dogm. V, De Genademiddelen, p. 1-35; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 727-757; McPherson, Chr. Dogm., p. 422-431; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 419-450; Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Ch., p. 504-540; Valentine, Chr. Theol. II, p. 278-305; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 121-296; Kaftan, Dogm., p. 625-636; Pope, Chr. Theol. III, p. 294-310; Miley, Syst. Theol. II, p. 389-395; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 305-314; Moehler, Symbolism, p. 202-218; Schaff, Our Fathers’ Faith and Ours,* p. 309-315; Bannerman, The Church II, p. 1-41; Macleod, The Ministry and the Sacraments of the Church of Scotland, p. 198-227; Candlish, The Sacraments, p. 11-44; Burgess, The Protestant Faith, p. 180-198.
(Berkhf, L – Teologia Sistemática pg 623)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O BATISMO CRISTÃO

ANALOGIAS DO BATISMO CRISTÃO
1. NO MUNDO GENTÍLICO. O batismo não era uma coisa inteiramente nova nos dias de Jesus. Os egípcios, os persas e os hindus tinham todos as suas purificações religiosas. Estas eram mais proeminentes ainda nas religiões gregas e romanas. Às vezes ela tomavam a forma de banhos no mar, e às vezes eram efetuadas por aspersão. Diz Tertuliano que, nalguns casos, a idéia de um novo nascimento estava ligada a estas ilustrações. Muitos eruditos dos dias atuais afirmam que o batismo cristão, especialmente como ensinado por Paulo, deve sua origem a ritos similares das religiões de mistério, mas essa derivação não tem nem as aparências a seu favor. Enquanto que o rito de iniciação nas religiões de mistério envolve um reconhecimento da divindade em questão, não há vestígio de um batismo em nome de algum deus. Tampouco há qualquer evidência de que a influência do pneuma divino, deveras proeminente nas religiões de mistério, fosse alguma vez relacionado com o rito de lustração. Além disso, as idéias de morte e ressurreição, que Paulo associava ao batismo, não se ajustam de modo algum ao ritual de mistério. E, finalmente, a forma do taurobolium (taurobóleo),** que se supõe ser a mais notável analogia que se pode citar, é tão estranha ao rito do Novo testamento, que faz com que a idéia de que este é derivado daquele pareça completamente ridícula. Estas purificações pagãs, mesmo em sua forma externa, têm muito pouco em comum com o nosso batismo cristão. Ademais, é um fato bem estabelecido que as religiões de mistério não apareceram no Império Romano antes dos dias de Paulo.
2. ENTRE OS JUDEUS. Os judeus tinham muitas purificações e abluções, mas estas não tinham caráter sacramental e, portanto, não eram sinais e selos da aliança. O chamado batismo dos prosélitos tinha maior semelhança com o batismo cristão. Quando gentios eram incorporados em Israel, eles eram circuncidados e, pelo menos em tempos mais tardios, também eram batizados. De há muito se tem debatido a questão sobre se este costume estava em voga antes da destruição de Jerusalém, mas Schuerer demonstrou cabalmente, com citações da Mishna*** que estava. De acordo com as autoridades judaicas citadas por Wall em sua História do Batismo Infantil (History of Infant Baptism), esse batismo tinha que ser ministrado na presença de duas ou três testemunhas. As crianças cujos pais recebiam esse batismo, desde que nascidas antes da administração do rito, também eram batizadas, à solicitação do pai, contanto que não fossem de idade (os meninos, treze anos e as meninas doze), mas se fossem de idade, somente à solicitação delas próprias. As crianças nascidas após o batismo do pai ou dos pais, eram tidas por limpas e, daí, não necessitavam do batismo. Contudo, parece que esse batismo também era apenas uma espécie de lavamento cerimonial, um tanto semelhante a outras purificações. Às vezes se diz que o batismo de João foi derivado desse batismo de prosélito, mas é mais que evidente que não foi este o caso. Seja qual for a relação histórica que possa ter existido entre os dois, é evidente que o batismo de João estava prenhe de significações novas e mais espirituais. Lambert está muito certo quando, ao falar das lustrações judaicas, diz: “Seu propósito era, pela remoção de uma contaminação cerimonial, restaurar o homem à sua posição normal dentro das fileiras da comunidade judaica: de outro lado, o batismo de João tinha por objetivo transferir os que se lhe submetiam a uma esfera totalmente nova – a esfera da definida preparação para o reino de Deus, que se aproximava. Mas, acima de tudo, a diferença está nisto – que o batismo de João nunca poderia ser considerado uma simples cerimônia; todo ele fremia sempre de significação ética. Uma purificação do coração, do pecado, era não somente sua condição preliminar, mas seu constante objetivo e propósito. E pela penetrante e incisiva pregação com o que ele o acompanhava, João livrou-o de baixar, como doutro modo teria tendido a fazer, ao nível de um mero opus operatum”. Outra questão que requer consideração é a de relação entre o batismo de João e o de Jesus. Nos Cânones de Trento, a igreja Católica Romana anatemiza os que dizem que o batismo de João se igualava ao de Jesus em eficácia, e o considera, juntamente com os sacramentos do Velho Testamento, como puramente típico. Ela pretende que os que foram batizados por João não receberam verdadeira graça batismal nesse batismo, e mais tarde foram rebatizados, ou, expressando-o mais corretamente, foram batizados pela primeira vez à maneira cristã. Os teólogos luteranos mais antigos afirmavam que os dois eram idênticos no que se refere ao propósito e à eficácia, ao passo que alguns dos mais recentes rejeitaram o que eles achavam que era uma identidade completa e essencial de ambos. Algo similar se pode dizer dos teólogos reformados. Os teólogos mais antigos identificavam os dois batismos, enquanto que os de uma época mais recente dão atenção a certas diferenças. Vê-se que João mesmo chamou a atenção para um ponto de diferença em Mt 3.11. Alguns também acham uma prova da diferença essencial entre os dois em At 19.1-6, que, segundo eles, registra um caso em que alguns que tinham sido batizados por João, foram rebatizados. Mas esta interpretação está sujeita a dúvida. O que parece correto é dizer que os dois são essencialmente idênticos, embora diferindo nalguns pontos. O batismo de João, como o batismo cristão. (a) foi instituído pelo próprio Deus, Mt 21.25; Jo 1.33; (b) estava relacionado com uma radical mudança de vida, Lc 1.1-17; Jo 1.20-30; (c) estava numa relação sacramental com o perdão dos pecados, Mt 3.7, 8; Mc 1.4; Lc 3.3 (comp. At 2.28) e (d) empregava o mesmo elemento material, qual seja, água. Ao mesmo tempo, havia diversos pontos de diferença: (a) o batismo de João ainda pertencia à antiga dispensação e, como tal, apontava para Cristo, no futuro; (b) em harmonia com a dispensação da lei em geral, acentuava a necessidade de arrependimento, embora sem excluir inteiramente a fé; (c) foi planejado somente para os judeus e, portanto, representava mais o particularismo do Velho Testamento que o universalismo do Novo; e (d) visto que o Espírito Santo ainda não fora derramado na plenitude do Pentecostes, o batismo de João ainda não era acompanhado por tão grande porção de dons espirituais como o ulterior batismo cristão.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.627)

A INSTITUIÇÃO DO BATISMO CRISTÃO

1 - FOI INSTITUÍDO COM AUTORIDADE DIVINA. O batismo foi instituído por Cristo depois que Ele consumou a obra de reconciliação e depois que esta recebeu a aprovação do Pai na ressurreição. É digno de nota que Ele prefaciou a grande comissão com as palavras: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra”. Revestido da plenitude dessa autoridade mediatária, Ele instituiu o batismo cristão e, desta maneira, tornou-o obrigatório para todas as gerações subseqüentes. A grande comissão foi colocada nas seguintes palavras: “Ide, portanto (isto é, porque todas as nações estão sujeitas a Mim), fazei discípulos de todas as nações, batizando-s em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado”, Mt 28.19, 20. A forma complementar de Mc 16.15, 16 tem esta redação: “Ide por todo o mundo e pregai e evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”. Assim, nesta ordem repassada de autoridade estão claramente indicados os seguintes elementos: (a) Os discípulos deveriam ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a todas as nações, a fim de levar as pessoas ao arrependimento e ao reconhecimento de Jesus como o Salvador prometido; (b) Os que aceitavam a Cristo pela fé deveriam ser batizados em nome do Deus triúno, como sinal e selo do fato de que tinham entrado numa nova relação com Deus e, nesta qualidade, estavam obrigados a viver de acordo com as leis do reino de Deus; (c) Deveriam ser colocados sob o ministério da Palavra, não meramente como proclamação das boas novas, mas como exposição dos mistérios, privilégios e deveres da nova aliança. Para encorajamento dos discípulos, Jesus acrescentou as palavras: “E (Eu, que estou revestido de autoridade para dar esta ordem) eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.627)

A FÓRMULA BATISMAL

Os apóstolos receberam instruções específicas para batizarem eis to onoma tou patros kai tou hyiou kai tou hagiou pneumatos (para uma relação com o nome do Pai e do Filho e Espírito Santo). A Vulgata traduziu as primeiras palavras, “eis to onoma” pela expressão latina “in nomine” (em nome), tradução seguida pela de Lutero, “im namen”.* Dá-se-lhes assim o sentido de “sobre a autoridade do trino Deus”. Em sua Gramática do Novo Testamento Grego (Grammar of the Greek New Testament), p. 649, Robertson lhes atribui este sentido, mas não apresenta nenhuma prova em seu favor. O fato é que esta interpretação é exegeticamente insustentável. A idéia de “sobre a autoridade de” é expressa pela frase en toi onomati, ou pela frase mais curta en onomati, Mt 21.9; Mc 16.17; Lc 10.17; Jo 14.26; At 3.6; 9.27, etc. A preposição eis (para dentro de) é mais indicativa de um fim e, portanto, pode ser interpretada no sentido de “em relação a”, ou “para a profissão de fé em alguém e sincera obediência a alguém”. Está em completa harmonia com isso o que Allen diz em seu comentário de Mateus: “A pessoa batizada era simbolicamente introduzida no nome de Cristo”, isto é, tornava-se Seu discípulo, isto é, entrava num estado de lealdade a Ele e de comunhão com Ele “. Este é o sentido dado por Thayer, Robinson e, substancialmente, também por Cremer-Koegel e Baljon, em seus léxicos. É também o sentido adotado por comentadores como Meyer, Alford, Allen, Bruce, Grosheide e Van Leeuwen. Este significado do termo é plenamente confirmado por expressões paralelas como eis ton Mousen, 1 Co 10.2; eis to onoma Paulou, I Co 1.13 eis hen soma, 1 Co 12.13; e eis Christon, Ro 6.3; Gl 3.27. O argumento do doutor Kuyper tocante a este ponto acha-se em Uit het Woord, Eerste Serie, Eerste Bundel. Ao que parece, devemos traduzir a preposição eis por "para dentro de” ou “para” (isto é, “em relação a”) o nome. O vocábulo onoma (nome) é empregado no sentido do hebraico shem como indicativo de todas as qualidades pelas quais Deus se faz conhecido e que constituem a soma total de tudo quanto Ele é para os Seus adoradores. Em sua obra intitulada Bible Studies (Estudos Bíblicos), Deissman se refere a exemplos interessantes deste uso particular da palavra onoma nos papiros. Interpretado sob esta luz, a fórmula batismal indica que, pelo batismo (isto é, por aquilo que é significado ou simbolizado no batismo), o participante é colocado num relacionamento especial com a auto-revelação divina, ou com Deus como Ele se revelou e revelou o que deseja ser para o Seu povo, e, ao mesmo tempo, torna-se dever imperativo viver à luz dessa revelação.
Não é necessário presumir que, quando Jesus empregou estas palavras, Ele tencionava tê-las como uma fórmula a ser utilizada para sempre. Ele as empregou apenas como descritivas do caráter do batismo que Ele instituiu, exatamente como expressões similares se prestam para caracterizar outros batismos, At 19.3; 1 Co 1.13; 10.2; 12.13. Às vezes se diz, com recurso a passagens como At 2.48; 8.16; 10.48; 19.5, e também Rm 6.3 e Gl 3.27, que os apóstolos evidentemente não usaram a fórmula trinitária; mas esta não é uma dedução necessária, embora seja inteiramente possível, desde que eles não compreenderam as palavras de Jesus na grande comissão como prescrevendo uma fórmula definida. Também é possível, porém, que as expressões utilizadas nas passagens indicadas servissem para acentuar certas particularidades concernentes ao batismo ministrado pelos apóstolos. Devemos notar que as preposições variam. At 2.38 fala de um batismo epi toi onomati lesou Christou, que provavelmente se refere a um batismo baseado na confissão de Jesus como o Messias. Segundo At 10.48, os que se achavam presentes na casa de Cornélio foram batizados en onomati lesou Christou, para indicar que foram batizados sobre a autoridade de Jesus. Todas as passagens restantes mencionam um batismo eis to onoma lesou Christou (ou tou kyriou lesou), ou simplesmente um batismo eis Christon. Talvez as expressões sirvam apenas para salientar o fato de que os participantes foram colocados numa relação especial com Jesus, a quem os apóstolos estavam pregado, e, por isso, Lhe estavam sujeitos como seu Senhor. Mas qualquer que tenha sido a prática na era apostólica, é evidente que quando, mais tarde, a igreja sentiu a necessidade de uma fórmula, não pôde achar outra melhor do que a contida nas palavras de instituição do batismo. Esta fórmula já estava em uso quando a Didaquê (O Ensino dos Doze Apóstolos) foi escrita (c. 100 A.D.).
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.629)

A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTÓRIA

ANTES DA REFORMA. Os chamados “pais primitivos” consideravam o batismo como o rito de iniciação na igreja, e normalmente o consideravam como estreitamente ligado ao perdão de pecados e à comunicação da nova vida. Algumas das suas expressões parecem indicar que eles criam na regeneração batismal. Ao mesmo tempo, deve-se notar que, no caso dos adultos, eles não consideram o batismo como eficaz independentemente da correta disposição da alma, e não viam o batismo como absolutamente essencial para a iniciação da nova vida, mas, antes, consideravam-no como o elemento de consumação do processo de renovação. O batismo de crianças já era corrente nos dias de Orígenes e Tertuliano, embora este último o desestimulasse, com base em questões de conveniência.
A opinião geral era que o batismo nunca devia ser repetido, mas não havia unanimidade quanto à validade do batismo ministrado por hereges. No transcorrer do tempo, porém, veio a ser um princípio estabelecido não rebatizar os que foram batizados em nome do Deus triúno. O modo do batismo não estava em discussão. Do segundo século em diante, aos poucos ganhou terreno a idéia de que o batismo age mais ou menos magicamente. Até mesmo Agostinho parece ter considerado o batismo como eficiente ex opere operato, no caso das crianças. Ele considerava absolutamente necessário o batismo e afirmava que as crianças não batizadas estão perdidas. Segundo ele, o batismo elimina a culpa original, mas não remove totalmente a corrupção da natureza. Os escolásticos a princípio partilhavam o conceito de Agostinho, que, no caso do batismo de adultos, que o batismo é sempre eficaz ex opere operato. A importância das condições subjetivas foi menosprezada. Assim, a característica concepção católica romana do sacramento, de acordo com a qual o batismo é o sacramento da regeneração e da iniciação na igreja, aos poucos ganhou proeminência. Ele contém a graça que simboliza e a confere a todos quantos não ponham obstáculo no caminho. Esta graça era considerada muito importante, visto que (a) marca indelevelmente o participante como membro da igreja; (b) livra da culpa do pecado original e de todos os pecados atuais cometidos até à hora do batismo, remove a corrupção do pecado, embora permaneça a concupiscência, e liberta o homem da punição eterna e de todas as punições temporais positivas; (c) produz renovação espiritual pela infusão da graça santificante e das virtudes sobrenaturais da fé, da esperança e do amor; e (d) incorpora o participante na comunhão dos santos e na igreja visível.
2. DESDE A REFORMA. A Reforma Luterana não se desfez inteiramente da concepção católica romana dos sacramentos. Para Lutero, a água do batismo não é água comum, mas uma água que, mediante a Palavra com seu poder divino inerente, veio a ser uma água da vida, cheia de graça, um lavamento de regeneração. Por esta eficácia divina da Palavra, o sacramento efetua a regeneração. No caso dos adultos, Lutero colocava o efeito do batismo na dependência da fé presente no participante. Percebendo que não podia pensar desse modo no caso de crianças, que não podem exercer fé, ele, certa vez, afirmou que Deus, por Sua graça preveniente, produz fé na criança ainda sem discernimento, mas posteriormente confessou ignorância sobre este ponto. Teólogos luteranos mais recentes houve que retiveram a idéia de uma fé infantil como pré-condição para o batismo, ao passo que outros entendiam que o batismo produz essa fé imediatamente. Nalguns casos, isto levou à idéia de que o sacramento age ex opere operato.
Os anabatistas cortaram o nó górdio de Lutero negando a legitimidade do batismo de crianças. Eles insistiam em batizar todos os candidatos à admissão no seu círculo que tinham recebido o sacramento na infância, e não consideravam isto um rebatismo, mas, sim, o primeiro batismo verdadeiro. Para eles, as crianças não têm lugar nenhum na igreja.
Calvino e a teologia reformada partiam da pressuposição de que o batismo foi instituído para os crentes, e não produz, mas fortalece a nova vida. Naturalmente, eles se defrontaram com a questão como as crianças poderiam ser consideradas crentes e sobre como poderiam ser fortalecidas espiritualmente, visto não poderem exercer fé. Alguns simplesmente assinalavam que as crianças nascidas de pais crentes são filhos da aliança e, como tais, herdeiros das promessas de Deus, incluindo-se também a promessa de regeneração; e que a eficácia espiritual do batismo não se limita à hora da sua ministração, mas continua durante a vida toda. A Confissão Belga também expressa essa idéia com as seguintes palavras: “Tampouco este batismo nos é útil somente na ocasião em que a água é derramada sobre nós e recebida por nós, mas também no transcurso de toda a nossa vida”. Outros foram além dessa posição e afirmavam que os filhos da aliança devem ser considerados presumivelmente regenerados. Isto não equivale a dizer que todos eles são regenerados quando são apresentados para o batismo, mas que se presume que são regenerados, enquanto não se deduza das suas vidas o contrário. Havia ainda alguns que consideravam o batismo como nada mais que o sinal de uma aliança externa. Sob a influencia dos socinianos, dos arminianos, dos anabatistas e dos racionalistas, tornou-se costume em muitos círculos negar que o batismo seja um selo da graça divina, e considera-lo como um simples ato de profissão da parte do homem. Em nossos dias, muitos cristãos professos perderam completamente a consciência da significação espiritual do batismo. Tornou-se mera formalidade.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.631)

O MODO PRÓPRIO DO BATISMO

Os batistas divergem do restante do mundo cristão em sua posição,* segundo a qual o mergulho ou a imersão, seguida da emersão, é o único modo próprio do batismo; e segundo a qual este modo é absolutamente essencial ao batismo, porque este rito pretende simbolizar a morte e ressurreição de Jesus Cristo, e a conseqüente morte e ressurreição do batizando com Ele. Portanto, surgem duas questões, e é melhor considera-las na seguinte ordem: (1) O que é essencial no simbolismo do batismo? E (2) Será que a imersão é o único modo próprio do batismo? Esta ordem é a preferível porque a primeira questão é a mais importante das duas, e porque a resposta à segunda dependerá em parte da que for dada à primeira.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.631)

O QUE É ESSENCIAL NO SIMBOLISMO DO BATISMO?

Segundo os batistas, a imersão, seguida pela emersão, é o essencial no simbolismo do batismo. A capitulação disto equivaleria à rendição do próprio batismo. A verdadeira idéia batismal, dizem eles, se expressa no afundar na água e no sair dela. Naturalmente, é puramente acidental que essa imersão devolva certo lavamento ou purificação. O batismo continuaria sendo batismo, ainda que a pessoa fosse imersa nalguma coisa destituída de propriedades purificadoras. Eles baseiam sua opinião em Mc 10.38, 39; Lc 12.50; Rm 6.3, 4; Cl 2.12. Mas as duas primeiras passagens expressam meramente a idéia de que Cristo seria oprimido pelos sofrimentos que lhe sobreviriam, e absolutamente não falam do sacramento do batismo. As duas últimas são as únicas que oferecem algum ponto de apoio ao assunto, e mesmo estas não vão ao ponto, pois não falam diretamente de nenhum batismo com água, mas, sim, do batismo espiritual representando por aquele. Elas descrevem a regeneração com a figura de um morrer e um ressuscitar. Sem dúvida, é perfeitamente óbvio que elas não fazem menção do batismo como símbolo da morte e ressurreição de Cristo. Se o batismo fosse descrito como algum símbolo, seria como símbolo do morrer e ressurgir do crente. E, visto que este é apenas um modo figurado de descrever a sua regeneração, faria do batismo uma figura de uma figura.
A teologia reformada (calvinista) tem uma concepção inteiramente diversa daquilo que é essencial no simbolismo do batismo. Ela o vê na idéia de purificação. O Catecismo de Heidelberg indaga, na Pergunta 69: “Como é que está simbolizado e selado em seu favor no santo batismo que você participa do sacrifício de Cristo na cruz?” E responde: “Assim: que Cristo determinou o lavamento externo com água e acrescentou a promessa de que eu sou lavado com o Seu sangue que me purifica da corrupção da minha alma, isto é, de todos os meus pecados, tão certamente como a água me lava exteriormente, pela qual a sujeira do corpo comumente é removida”. Esta idéia de purificação era a coisa pertinente em todas as abluções do Velho testamento, e também no batismo de João, Sl 51.; Ez 36.25; Jo 3.25, 26. E podemos admitir que, neste sentido, o batismo de Jesus estava em completa harmonia com os batismos anteriores. Se fosse Sua intenção que o batismo que Ele instituiu simbolizasse uma coisa inteiramente diferente, teria indicado isso com muita clareza, para evitar todo e qualquer mal-entendido. Além disso, a Escritura deixa muitíssimo claro que o batismo simboliza a limpeza ou purificação espiritual, At 2.38; 22.16; Rm 6.4, 5; 1 Co 6.11; Tt 3.5; Hb 10.22; 1 Pe 3.21; Ap 1.5. é este exatamente o ponto no qual a Bíblia coloca toda a ênfase, ao passo que ela nunca descreve o ir ao fundo e subir como algo essencial.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.632)

SERÁ QUE A IMERSÃO É O ÚNICO MODO PRÓPRIO DO BATISMO?

A opinião geralmente predominante fora dos círculos batistas ou imersionistas é que, desde que a idéia fundamental, a saber, a de purificação, ache expressão no rito, o modo do batismo é deveras insignificante. Pode ser igualmente ministrado por imersão, derramamento, afusão ou aspersão. A Bíblia simplesmente emprega a palavra genérica para denotar uma ação destinada a produzir certo efeito, qual seja, limpeza ou purificação, mas em parte nenhuma determina o modo específico pelo qual o efeito há de ser produzido. Jesus não prescreve um determinado modo de batismo. Evidentemente, Ele não deu a isso tanta importância como a que os imersionistas dão. Tampouco os exemplos bíblicos de batismo acentuam algum modo em particular. Não há um único caso em que se nos diga explicitamente como se deve ministrar o batismo.
Todavia, os batistas asseveram que o Senhor ordenou o batismo por imersão, e que todos quantos o ministram de maneira diferente estão agindo em franca desobediência à Sua autoridade. Para provarem sua afirmação, recorrem às palavras bapto e baptizo, que são empregadas na Escritura com o sentido de “batizar”. Vê-se que a segunda palavra é uma forma intensiva ou freqüentativa da primeira, embora no uso geral nem sempre se mantenha a distinção. Bapto é empregado muitas vezes no Velho Testamento, mas no Novo Testamento só ocorre quatro vezes, a saber, em Lc 16.24; Jo 13.26; Ap 19.13, e, nestes casos, não se refere ao batismo cristão. Houve tempo em que os batistas estavam muito confiantes em que o único sentido deste verbo é “imergir”; mas muitos deles mudaram de opinião desde quando Carson, uma das suas maiores autoridades, chegou à conclusão de que o referido verbo tem também um sentido secundário, qual seja, o de “morrer”, de sorte que veio a significar “morrer por submersão” e ainda “morrer de qualquer maneira”, caso em que deixou de ser indicativo do modo. Surgiu ainda a questão sobre se o verbo baptizo, que é utilizado 76 vezes e que é empregado pelo Senhor nas palavras da instituição, é derivado de bapto em seu sentido primário ou em seu sentido secundário. E o doutor Carson responde que é derivado de bapto no sentido de “imergir”. Diz ele: “Já demonstrei que bapto possui dois sentidos, e somente dois, “imergir” e “morrer”. Baptizo, asseverei, tem apenas uma significação. Esta se encontra no sentido primário da raiz, e nunca admiti o secundário. Minha posição é que ele sempre significa imergir, jamais expressando nada senão modo”. Os imersionistas têm que afirmar isso, se querem provar que o Senhor ordenou o batismo por imersão.
Mas os fatos, como aparecem tanto no grego clássico como no grego do Novo Testamento, não oferecem base para essa posição. Mesmo o doutor Gale, talvez o autor mais culto dos que procuram sustentar isso, sentiu-se constrangido pelos fatos a modifica-la. Wilson, em sua esplendida obra sobre o Batismo de Crianças (Infant Baptism), que, em parte, é uma réplica à obra do doutor Carson, cita estes dizeres de Gale: ”A palavra baptizo pode não expressar tão necessariamente a ação de colocar debaixo d’água, como se daria em geral com uma coisa nessa condição, não importando como chegou a ficar assim, se foi mergulhada na água, ou se a água veio sobre ela; se bem que, na verdade, mergulhar na água é o modo mais natural e mais comum, e, portanto, este modo está implícito usual e muito constantemente, mas não necessariamente”. Wilson demonstra conclusivamente que, de acordo com o uso do grego, o batismo é efetuado de vários modos. Diz ele: “Deixe-se o elemento batizante circundar o seu objeto, e, no caso dos líquidos, seja que esta condição relativa tenha sido produzida por imersão, afusão ou absorção, ou de qualquer outro modo, o uso grego o reconhece como batismo válido.” Ele prossegue e mostra pormenorizadamente que é impossível manter a posição de que, no Novo Testamento, a palavra baptizo sempre significa imersão.
É mais que evidente que ambos as apalavras, bapto e baptizo, tinham outros sentidos, como os de “lavar”, “banhar-se” e “purificar mediante lavamento”. A idéia de lavamento ou purificação aos poucos se tornou a idéia proeminente, ao passo que a da maneira pela qual isto se realizava foi-se afastando para os fundos do cenário. Que esta purificação às vezes era efetuada por aspersão, é evidente em passagens como Nm 8.7; 19.13, 18, 19, 20; sl 51.7; Ez 36.25; Hb 9.10. No apócrifo Judite 12.7 e em Mc 7.3, 4 não temos a menor possibilidade de pensar em imersão. Tampouco é possível isso no contexto das seguintes passagens do Novo Testamento: Mt 3.11; Lc 11.37, 38; 12.50; Rm 6.3; 1 Co 12.13; Hb 9.10 (cf. os versículos 13, 14, 19, 21); 1 Co 10. 1, 2. Visto que a palavra baptizo não significa necessariamente “imergir”, e uma vez que em nenhum caso o Novo Testamento afirma explicitamente que o batismo era feito por imersão, o peso da prova (o onus probandi) permanece sobre os imersionistas.
João Batista seria capaz de realizar a enorme tarefa de fazer imergir as multidões que se ajuntavam em torno dele às margens do rio Jordão, ou ele simplesmente derramava água sobre elas, como indicam algumas das inscrições primitivas?* Os apóstolos teriam achado água suficiente em Jerusalém e teriam as facilidades necessárias para batizar por imersão três mil pessoas num só dia? Onde estão as evidências que provam que eles seguiram algum outro método, e não o modo dos batismos do Velho Testamento? Acaso Atos 9.18 mostra de algum modo que Paulo saiu do lugar em que Ananias o encontrara, para deixar-se imergir nalgum lago ou rio? O relato do batismo de Cornélio não dá a impressão de que a água teve que ser trazida e que as pessoas presentes foram batizadas na casa mesmo? (At 10.47, 48). Há alguma prova de que o carcereiro de Filipos não foi batizado na prisão ou perto dela, mas levou seus prisioneiros até o rio, para que pudessem fazer-se imergir? Teria ele ousado levá-los para fora da cidade, quando lhe fora ordenado que os mantivesse presos com segurança? (At 16.22-33). Até a narrativa do batismo do eunuco, em At. 8.36, 38, que muitas vezes é vista como a mais forte prova bíblica do batismo por imersão, não pode ser considerada como evidência conclusiva. Um cuidadoso estudo de uso que Lucas faz da preposição eis mostra que ele a empregava, não somente no sentido de para dentro de, mas também no sentido de a ou para, de modo que é inteiramente possível ler a significativa informação dada no versículo 38 como segue: “ambos desceram à água e Filipe batizou o eunuco”. E mesmo que as palavras estivessem destinadas a transmitir a idéia de que eles desceram dentro da água, isto ainda não provaria o ponto, pois, de acordo com representações feitas em gravuras dos primeiros séculos, os que eram batizados por afusão muitas vezes ficavam de pé dentro d’água, durante o batismo. É inteiramente possível, por certo, que na era apostólica alguns tenham sido batizados por imersão, mas o fato de que em parte alguma o Novo Testamento insiste nisso, prova que a imersão não era essencial. A imersão é um bom modo do batismo, mas também o é o batismo por afusão ou por aspersão, desde que todos eles simbolizam purificação. As passagens aludidas acima provam que muitas abluções veterotestamentárias (batismos)eram feitas por aspersão. Numa profecia a respeito da renovação espiritual do dia do Senhor no Novo Testamento, diz o Senhor: “Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados”, Ef 36.25. O elemento simbolizado no batismo, a saber, o Espírito purificador, foi derramado sobre a igreja, Jl 2.28, 29; At 2.4, 33. E o escritor de Hebreus fala dos seus destinatários como tendo os seus corações purificados (aspergidos) de má consciência, Hb 10.22.**
(Berkhof, L – Teologia Sistemática pg.634)