segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Natureza da Ressurreição

1. É OBRA DO DEUS TRIÚNO. A ressurreição é obra realizada pelo Deus triúno. Nalguns casos se nos diz simplesmente que Deus ressuscita os mortos, sem se especificar pessoa alguma, Mt 22.29; 2 Co 1.9. Mais particularmente, porém, a obra da ressurreição é atribuída ao Filho, Jo 5.21, 25, 28, 29; 6.38-40, 44, 54; 1 Ts 4.16. Indiretamente, também é apontada como obra realizada pelo Espírito Santo, Rm 8.11.
2. É RESSURREIÇÃO FÍSICA, OU CORPORAL. Nos dias de Paulo havia alguns que consideravam a ressurreição como espiritual, 2 Tm 2.18. E nos dias atuais há muitos que só acreditam numa ressurreição espiritual. Mas a Bíblia é muito explicita ao ensinar a ressurreição do corpo. Cristo é chamado “primícias” da ressurreição, 1 Co 15.20, 23 e “o primogênito de entre os mortos”. Cl 1.18; Ap 1.5. Isto implica que a ressurreição do povo de Deus será semelhante à do seu celestial Senhor. Sua ressurreição foi corporal, e a dos Seus será da mesma natureza. Além disso, também se diz que a ressurreição realizada por Cristo inclui o corpo, Rm 8.23; 1 Co 6.13-20. Em Rm 8.11 se nos diz explicitamente que Deus, por Seu Espírito, ressuscitará nossos corpos mortais. E evidentemente é o corpo que está proeminentemente na mente do apóstolo em 1 Co 15; cf. especialmente os versículos 35-49.
Segundo a Escritura, haverá uma ressurreição do corpo, isto é, não uma criação inteiramente nova, mas um corpo que será, num sentido fundamental, idêntico ao corpo atual. Deus não vai criar um novo corpo para cada ser humano, mas vai ressuscitar o próprio corpo que foi depositado na terra. Sito se pode inferir apenas do termo “ressurreição”, mas é declarado expressamente em Rm 8.11 e 1 Co 15.53, e ademais está implícito na figura da semente semeada no solo, figura que o apostolo emprega em 1 Co 15.36-68. Além disso, Cristo, as primícias da ressurreição, prova conclusivamente a identidade do Seu corpo aos Seus discípulos. Ao mesmo tempo, a Escritura deixa perfeitamente evidente que o corpo passará por grande mudança. O corpo de Cristo ainda não fora plenamente glorificado durante o período de transição entre a ressurreição e a ascensão; contudo, já sofrera notável transformação. Paulo se refere à transformação que terá lugar, quando diz que ao semearmos a semente, não semeamos o corpo que virá a existir; não tencionamos retirar a mesma semente da terra. Todavia, esperamos colher uma coisa que, no sentido fundamental, é idêntica à semente depositada no solo. Conquanto haja uma certa identidade entre a semente semeada e as sementes que dela se desenvolvem, todavia há também uma diferença notável. Nós seremos transformados, diz o apóstolo, “porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade”. Também diz: “Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual”. Transformação não é incoerente com retenção da identidade. É-nos dito que, mesmo agora, cada partícula dos nossos corpos muda a cada sete anos, mas, ao passar por isso tudo, o corpo conserva a sua identidade. Haverá certa conexão física entre o corpo antigo e o novo, mas não nos é revelada a natureza dessa conexão. Alguns teólogos falam num germe remanescente do qual se desenvolve o novo corpo; outros dizem que o princípio organizador do corpo permanece. Orígenes tinha algo dessa espécie em mente; a mesma coisa Kuyper e Milligan. Se tivermos tudo isso em mente, a antiga objeção contra a doutrina da ressurreição, a saber, que é impossível que um corpo ressuscite com as mesmas partículas que o constituíam na ocasião de sua morte, visto que essas partículas passam para outras formas de existência, e talvez para centenas de outros corpos, perde completamente a sua força.
3. É RESSURREIÇÃO DOS JUSTOS E DOS ÍMPIOS. De acordo com Josefo, os fariseus negavam a ressurreição dos ímpios. A doutrina do extincionismo e a da imortalidade condicional, ambas as quais, ao menos nalgumas de suas formas, negam a ressurreição dos ímpios e ensinam a sua aniquilação, doutrina abraçada por muitos teólogos, também encontrou guarida em seitas como o adventismo e a “aurora do milênio”. Acreditam na extinção total dos ímpios. Às vezes se faz a asserção de que a Escritura não ensina a ressurreição dos ímpios, mas isso é patentemente errôneo, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Ao mesmo tempo, deve-se admitir que a ressurreição deles não ocupa lugar proeminente na Escritura. Claramente se vê que o aspecto soteriológico da ressurreição está em primeiro plano, e esta pertence unicamente aos justos. Estes, em contraste com os ímpios, são os únicos que tirarão proveito da ressurreição.
4. É RESSURREIÇÃO DE IMPORTÂNCIA DESIGUAL PARA OS JUSTOS E PARA OS INJUSTOS. Breckenridge cita 1 Co 15.22 para provar que a ressurreição de santos e de pecadores foi adquirida por Cristo. Mas, dificilmente se pode negar que o segundo “todos” nessa passagem só é geral no sentido de “todos os que estão em Cristo”. A ressurreição é ali descrita como resultante de uma união vital com Cristo. Mas, certamente, só os crentes estão nessa relação viva com Ele. A ressurreição dos ímpios não pode ser considerada como uma bênção merecida pela obra mediatária de Cristo, embora esteja relacionada indiretamente com ela. É um resultado necessário da posposição da execução da sentença de morte dada ao homem, o que tornou possível a obra de redenção. A posposição resultou na relativa separação entre a morte temporal e a morte eterna, e na existência de um estado intermediário. Sob estas circunstâncias, é necessário ressuscitar os ímpios dos mortos, a fim de que a morte, em sua máxima extensão e com todo o seu peso, lhes possa ser imposta. Sua ressurreição não é um ato de redenção, mas, sim, de soberana justiça, da parte de Deus. A ressurreição dos justos e dos injustos tem isto em comum – que em ambos os casos os corpos e as almas são reunidas. Mas, no caso daqueles,
isso resulta na vida perfeita, ao passo que no caso destes, redunda na extrema penalidade da morte, Jo 5.28, 29.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

A Ocasião da Ressurreição

1. O CONCEITO PREMILENISTA CONCERNENTE À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO. É opinião comum entre os premilenistas que a ressurreição dos santos estará separada da dos ímpios por um período de mil anos. Ao que parece, quase consideram como verdade axiomática que essas duas classes não têm a mínima possibilidade de ressurgir ao mesmo tempo. E não somente isso, mas o tipo de premilenismo dominante hoje em dia, com a sua teoria de uma dupla segunda vinda de Cristo, sente necessidade de admitir uma terceira ressurreição. Todos os santos das dispensações anteriores e da atual dispensação serão ressuscitados na paurosia, ou seja, na vinda do Senhor. Os que ainda viverem nesse tempo serão transformados num instante, num piscar de olhos. Mas nos sete anos que se seguirão à paurosia, muitos outros santos morrerão, especialmente na grande tribulação. Estes também deverão ressuscitar, e a sua ressurreição ocorrerá quando se der a revelação do dia do Senhor, sete anos após a parousia. Mas, nem neste ponto os premilenistas podem parar. Desde que a ressurreição que se dará no fim do mundo está reservada para os ímpios, terá que haver outra ressurreição dos santos que morreram durante o milênio, a qual precederá a dos ímpios, pois, segundo eles, santos e ímpios não podem ressuscitar ao mesmo tempo.
2. INDICAÇÕES ESCRITURÍSTICAS QUANTO À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO. Segundo a Escritura, a ressurreição dos mortos coincidirá com a paurosia, com a revelação do dia do Senhor e com o fim do mundo, e precederá imediatamente o juízo geral e final. A Bíblia certamente não favorece as distinções premilenistas a respeito desta doutrina. Em diversos lugares ela apresenta a ressurreição dos justos e a dos ímpios como contemporâneas, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Todas essas passagens falam da ressurreição como um único evento, e não contêm a mais ligeira indicação de que a ressurreição dos justos e a dos ímpios estarão separadas por um período de mil anos.
Mas isto não é tudo que se pode dizer em favor da idéia de que ambas coincidem. Em Jo 5.21-29 Jesus combina o pensamento sobre a ressurreição, incluindo a ressurreição dos justos, com o pensamento sobre o juízo, incluindo o juízo dos ímpios. Alem disso, 2 Ts 1.7-10 apresenta claramente a paurosia (versículo 10), a revelação (vers. 7) e o juízo dos ímpios (vers. 8 e 9) como coincidentes. Se não for este caso, a língua terá perdido o seu sentido. Ademais, a ressurreição dos crentes está ligada diretamente à segunda vinda do Senhor em 1 Co 15.23; Fp 3.20, 21 e 1 Ts 4.16, mas também é apresentada como ocorrendo no fim do mundo, Jo 6.39, 40, 44, 54, ou no último dia. Quer dizer que os crentes serão ressuscitados no ultimo dia, e que o ultimo dia é também o dia da vinda do Senhor. Sua ressurreição não precederá o fim por um período de mil anos. Felizmente, há vários premilenistas que não aceitam a teoria de três ressurreições, mas que, não obstante, apegam-se à doutrina de duas ressurreições.
3. CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS A FAVOR DE DUAS RESSURREIÇÕES.
a. Grande ênfase é dada ao fato de que a Escritura, apesar de geralmente falar da ressurreição ton nekron, isto é, “dos mortos”, repetidamente se refere à ressurreição dos crentes como uma ressurreição ek nekron, isto é, “saída dos mortos”. Os premilenistas traduzem esta expressão por “dentre os mortos”, de modo que implica que muitos mortos ainda permaneceriam no túmulo. Lightfoot também afirma que esta expressão se refere à ressurreição dos crentes, mas Kennedy diz: “Não há absolutamente nenhuma prova a favor desta asserção definida”. Também é esta a conclusão a que chega o doutor Vos, depois de um cuidadoso estudo das passagens pertinentes. Em geral se pode dizer que a suposição de que a expressão he anastasis ek nekron deve ser vertida para “a ressurreição dentre os mortos” é inteiramente gratuita. Os léxicos clássicos desconhecem essa versão; e Kremer-Koegel interpreta a expressão dando-lhe este sentido: “do estado dos mortos”, e esta parece ser a interpretação mais natural. Deve-se notar que Paulo emprega as expressões uma pela outra em 1 Co 15. Apesar de estar falando somente da ressurreição dos crentes, é vidente que ele não procura salientar o fato de que esta é de caráter específico, pois emprega a expressão mais geral repetidas vezes, 1 Co 15.12, 13, 21, 42.
b. Os premilenistas recorrem também a certas expressões específicas, tais como “superior ressurreição”, Hb 11.35, “ressurreição da vida”, Jo 5.29, “ressurreição dos justos”, Lc 14.14, e “e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”, 1 Ts 4.16 – todas as quais se referem unicamente à ressurreição dos crentes. Essas expressões parecem colocar essa ressurreição à parte, como algo diferente. Mas essas passagens provam apenas que a Bíblia distingue entre a ressurreição dos justos e a dos ímpios, e não fornecem nenhuma prova de que haverá duas ressurreições, separadas uma da outra por um período de mil anos. A ressurreição do povo de Deus difere da dos incrédulos em seu princípio motriz, em sua natureza essencial e em seu desfecho final, e, portanto, pode muito bem ser apresentada como uma coisa distinta e como uma experiência muitíssimo mais desejável do que a ressurreição dos ímpios. Aquela liberta os homens do poder da morte; esta não. A despeito da sua ressurreição, os incrédulos permanecerão no estado de morte.
c. Um dos principais textos-prova dos premilenistas, a favor de duas ressurreições, acha-se em 1 Co 15.22-24: “Porque assim como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem. Cristo, as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. E então virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai...”. Nesta passagem eles vêem três estágios da ressurreição indicados, quais sejam, (1) a ressurreição de Cristo; (2) a ressurreição dos crentes; e (3) o fim (como eles o interpretam) da ressurreição, isto é, a ressurreição dos ímpios. Silver faz uma colocação pitoresca: “Na ressurreição, Cristo e muitos santos que ressurgiram em Jerusalém e ao redor dela aparecem como o primeiro grupo. Mais de 1900 anos depois, ‘os que são de Cristo, na sua vinda’ aparecerão como o segundo grupo. ‘E então’ (mas não imediatamente), ‘virá o fim’ (vers. 24), o derradeiro e grande bloco de gente, com um grupo de criaturas esquecidas, completando o cortejo”. É de se notar que a idéia “não imediatamente” é introduzida no texto. O argumento é que, uma vez que epeita (depois) do versículo 23 se refere a um tempo ao menos 1900 anos mais tarde, a palavra eita (então) do versículo 24 se refere a um tempo 1000 anos mais tarde. Mas isto é mera suposição, destituída de qualquer prova. As palavras epeita e eita significam de fato a mesma coisa, mas nenhuma delas implica necessariamente a idéia de um longo período intermediário. Observe-se o emprego de epeita em Lc 16.7 e Tg 4.14, e o de eita em Mc 8.25; Jo 13.5; 19.27; 20.27. Ambas as palavras podem ser utilizadas para indicar algo que ocorrerá imediatamente, e para algo que só ocorrerá depois de algum tempo, de maneira que é pura suposição pensar que a ressurreição dos crentes estará separada do fim por um longo período de tempo. Outra suposição gratuita é a de que “o fim” significa “o fim da ressurreição”. De acordo com a analogia da escritura, aquela expressão aponta para o fim do mundo, a consumação, o tempo em que Cristo entregará o Reino ao pai e porá todos os inimigos debaixo dos Seus pés. Este é o conceito adotado por comentadores como Alford, Godet, Hodge, Bachmann, Findley, Robertson & Plummer, e Edwards.
d. Outra passagem a que os premilenistas recorrem é 1 Ts 4.16, “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos ressuscitarão primeiro”. Disto eles inferem que aqueles que não morrem em Cristo ressuscitarão em data posterior. Mas é mais que evidente que não é essa a antítese que o apostolo tem em mente. A declaração subseqüente não é, “depois os mortos que não estão em Cristo ressuscitarão”, mas “depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, pra o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”. Biederwolf admite isso francamente. Tanto nesta passagem como na anterior Paulo está falando somente da ressurreição dos crentes; a dos ímpios não está em seu escopo, de modo nenhum.
e. A passagem mais importante a que se referem os premilenistas é Ap 20.4-6: “... e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição”. Aqui os versículos 5 e 6 fazem menção de uma primeira ressurreição, e isto, é o que se diz, implica que haverá uma segunda. Mas a suposição de que o escritor está falando de uma ressurreição corporal é extremamente duvidosa. Evidentemente o cenário dos versículos 4 a 6 está no céu, e não na terra. E os termos não sugerem uma ressurreição corporal. O vidente não fala de pessoas ou corpos que foram ressuscitados, mas de almas que “viveram” e “reinaram”. E ele denomina esse viver e reinar com Cristo “a primeira ressurreição”. O doutor Vos opina que as palavras, “Esta (enfática) é a primeira ressurreição”, podem até ser “uma assinalada desaprovação de uma interpretação mais realista (quiliástica) da mesma frase”. Com toda a probabilidade, a expressão se refere à entrada das almas dos santos na gloriosa condição de vida com Cristo na morte. A ausência da idéia de uma dupla ressurreição bem pode fazer-nos hesitar em afirmar a sua presença nesta passagem de um livro tão cheio de simbolismos, como o Apocalipse de João. Onde quer que a Bíblia mencione juntas a ressurreição dos justos e a dos ímpios, como em Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15, inexiste a mais ligeira insinuação de que ambas estarão separadas uma da outra por um período de mil anos. Por outro lado, ela ensina que a ressurreição terá lugar no último dia, e imediatamente será seguida pelo juízo final, Mt 25.31, 32; Jo 5.27-29; 6.39,40, 44, 54; 11.24; Ap 20.11-15.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. a Confissão Apostólica fala da ressurreição do corpo, ou da ressurreição da carne? 2. Como explicar a mudança de uma para a outra? 3. Os premilenistas não têm que acrescentar outra ressurreição dos justos às que ocorrerão na paurosia e na revelação, segundo eles? 4. Como os premilenistas elaboram um argumento em favor de uma dupla ressurreição utilizando até Dn 12.2? 5. Como encontram eles um argumento para isso em Fp 3.11? 6. Qual é o principal argumento dos “liberais” modernos contra a doutrina de uma ressurreição física? 7. Que quer dizer Paulo quando fala, em 1 Co 15.44, do corpo ressureto como um soma pneumatikon?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 755-758,770-777; Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 262-279; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 14-22; id., Pauline Eschatology, p136-225;Hodge, Syst., Theol. III, p. 837-844; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 829-841; Shedd, Dogm. Theol., p. 641-658; Valentine, Chr. Theol. II, p. 414-420;Dahle, Life After Death, p. 358-418; Hovey, Eschatology, p23-78; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 164-179; Snowden, The Coming of the Lord, p. 172-191; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality, p. 262-272, 437-459; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the Last Things, p. 222-281; Kliefoth, Eschatologie, p. 248-275; Brown, The Chr. Hope, p. 89-108; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 61-77.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

A Ressurreição dos Mortos

A discussão do segundo advento de Cristo leva naturalmente a uma consideração dos seus concomitantes. O primeiro deles é a ressurreição dos mortos, ou, como às vezes se lhe chama, “a ressurreição da carne”.
A. A Doutrina da Ressurreição na História.
No tempo de Jesus havia uma diferença de opiniões entre os judeus, a respeito da ressurreição. Enquanto que os fariseus criam nela, os saduceus não criam, Mt 22.23; At 23.8. Quando Paulo falou a seu respeito em Atenas, enfrentou zombaria, At 17.32. Alguns dos coríntios a negavam, 1 Co 15, e Himeneu e Fileto, considerando-a como algo puramente espiritual, asseveravam que ela já era coisa pertencente à história, 2 Tm 2.18. Celso, um dos mais antigos opositores do cristianismo, fazia especialmente desta doutrina objeto de escárnio; e os gnósticos, que consideravam a matéria como inerentemente má, naturalmente a rejeitavam. Orígenes defendeu a doutrina contra os gnósticos e contra Celso, mas todavia, não acreditava que é o corpo depositado no túmulo que ressuscita. Ele descrevia o corpo ressureto como um corpo, purificado e espiritualizado. Embora alguns dos chamados pais cristãos primitivos compartilhassem o seu conceito, a maioria deles acentuava a identidade do corpo atual com o da ressurreição. Já na sua Confissão Apostólica, a igreja expressou a sua crença na ressurreição da carne (sarkos).
Agostinho a princípio estava inclinado a concordar com Orígenes, mas posteriormente adotou o conceito predominante, embora não julgasse necessário crer que as atuais diferenças de forma e estatura continuarão na vida por vir. Jerônimo insistia vigorosamente na identidade do corpo atual com o futuro. O Oriente, representado por homens como os dois Gregórios, Crisóstomo e João de Damasco, manifestava a tendência de adotar um conceito mais espiritual da ressurreição do que o Ocidente. Os que acreditavam num milênio futuro falavam de uma dupla ressurreição, a dos justos no princípio do reino milenar, e a dos ímpios no fim dele. Durante a Idade Média, os escolásticos especulavam muito sobre o corpo ressureto, mas as suas especulações são sumamente fantasiosas e de pequeno valor. Principalmente Tomaz de Aquino parecia especialmente informado sobre a natureza do corpo ressureto, e sobre a ordem e o modo da ressurreição. Os teólogos do período da Reforma geralmente estavam de acordo em que o corpo da ressurreição será idêntico ao atual. Todas as grandes confissões da igreja apresentam a ressurreição geral como simultânea com a segunda vinda de Cristo, o juízo final e o fim do mundo. Elas não fazem separação entre quaisquer desses eventos, tais como entre a ressurreição dos justos e a dos ímpios, e entre a vinda de Cristo e o fim do mundo, com um período de mil anos. Por outro lado, os premilenistas insistem em tal separação. Sob a influência do racionalismo e com o avanço das ciências físicas, acentuaram-se algumas das dificuldades que pesavam sobre a doutrina da ressurreição, e, como resultado, o “liberalismo” religioso moderno nega a ressurreição da carne e explica as descrições que dela faz a Escritura como sendo uma representação figurada da idéia de que a personalidade humana completa continuará a existir após a morte.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática PG725)

A Natureza da Ressurreição

1. É OBRA DO DEUS TRIÚNO. A ressurreição é obra realizada pelo Deus triúno. Nalguns casos se nos diz simplesmente que Deus ressuscita os mortos, sem se especificar pessoa alguma, Mt 22.29; 2 Co 1.9. Mais particularmente, porém, a obra da ressurreição é atribuída ao Filho, Jo 5.21, 25, 28, 29; 6.38-40, 44, 54; 1 Ts 4.16. Indiretamente, também é apontada como obra realizada pelo Espírito Santo, Rm 8.11.
2. É RESSURREIÇÃO FÍSICA, OU CORPORAL. Nos dias de Paulo havia alguns que consideravam a ressurreição como espiritual, 2 Tm 2.18. E nos dias atuais há muitos que só acreditam numa ressurreição espiritual. Mas a Bíblia é muito explicita ao ensinar a ressurreição do corpo. Cristo é chamado “primícias” da ressurreição, 1 Co 15.20, 23 e “o primogênito de entre os mortos”. Cl 1.18; Ap 1.5. Isto implica que a ressurreição do povo de Deus será semelhante à do seu celestial Senhor. Sua ressurreição foi corporal, e a dos Seus será da mesma natureza. Além disso, também se diz que a ressurreição realizada por Cristo inclui o corpo, Rm 8.23; 1 Co 6.13-20. Em Rm 8.11 se nos diz explicitamente que Deus, por Seu Espírito, ressuscitará nossos corpos mortais. E evidentemente é o corpo que está proeminentemente na mente do apóstolo em 1 Co 15; cf. especialmente os versículos 35-49.
Segundo a Escritura, haverá uma ressurreição do corpo, isto é, não uma criação inteiramente nova, mas um corpo que será, num sentido fundamental, idêntico ao corpo atual. Deus não vai criar um novo corpo para cada ser humano, mas vai ressuscitar o próprio corpo que foi depositado na terra. Sito se pode inferir apenas do termo “ressurreição”, mas é declarado expressamente em Rm 8.11 e 1 Co 15.53, e ademais está implícito na figura da semente semeada no solo, figura que o apostolo emprega em 1 Co 15.36-68. Além disso, Cristo, as primícias da ressurreição, prova conclusivamente a identidade do Seu corpo aos Seus discípulos. Ao mesmo tempo, a Escritura deixa perfeitamente evidente que o corpo passará por grande mudança. O corpo de Cristo ainda não fora plenamente glorificado durante o período de transição entre a ressurreição e a ascensão; contudo, já sofrera notável transformação. Paulo se refere à transformação que terá lugar, quando diz que ao semearmos a semente, não semeamos o corpo que virá a existir; não tencionamos retirar a mesma semente da terra. Todavia, esperamos colher uma coisa que, no sentido fundamental, é idêntica à semente depositada no solo. Conquanto haja uma certa identidade entre a semente semeada e as sementes que dela se desenvolvem, todavia há também uma diferença notável. Nós seremos transformados, diz o apóstolo, “porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade”. Também diz: “Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual”. Transformação não é incoerente com retenção da identidade. É-nos dito que, mesmo agora, cada partícula dos nossos corpos muda a cada sete anos, mas, ao passar por isso tudo, o corpo conserva a sua identidade. Haverá certa conexão física entre o corpo antigo e o novo, mas não nos é revelada a natureza dessa conexão. Alguns teólogos falam num germe remanescente do qual se desenvolve o novo corpo; outros dizem que o princípio organizador do corpo permanece. Orígenes tinha algo dessa espécie em mente; a mesma coisa Kuyper e Milligan. Se tivermos tudo isso em mente, a antiga objeção contra a doutrina da ressurreição, a saber, que é impossível que um corpo ressuscite com as mesmas partículas que o constituíam na ocasião de sua morte, visto que essas partículas passam para outras formas de existência, e talvez para centenas de outros corpos, perde completamente a sua força.
3. É RESSURREIÇÃO DOS JUSTOS E DOS ÍMPIOS. De acordo com Josefo, os fariseus negavam a ressurreição dos ímpios. A doutrina do extincionismo e a da imortalidade condicional, ambas as quais, ao menos nalgumas de suas formas, negam a ressurreição dos ímpios e ensinam a sua aniquilação, doutrina abraçada por muitos teólogos, também encontrou guarida em seitas como o adventismo e a “aurora do milênio”. Acreditam na extinção total dos ímpios. Às vezes se faz a asserção de que a Escritura não ensina a ressurreição dos ímpios, mas isso é patentemente errôneo, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Ao mesmo tempo, deve-se admitir que a ressurreição deles não ocupa lugar proeminente na Escritura. Claramente se vê que o aspecto soteriológico da ressurreição está em primeiro plano, e esta pertence unicamente aos justos. Estes, em contraste com os ímpios, são os únicos que tirarão proveito da ressurreição.
4. É RESSURREIÇÃO DE IMPORTÂNCIA DESIGUAL PARA OS JUSTOS E PARA OS INJUSTOS. Breckenridge cita 1 Co 15.22 para provar que a ressurreição de santos e de pecadores foi adquirida por Cristo. Mas, dificilmente se pode negar que o segundo “todos” nessa passagem só é geral no sentido de “todos os que estão em Cristo”. A ressurreição é ali descrita como resultante de uma união vital com Cristo. Mas, certamente, só os crentes estão nessa relação viva com Ele. A ressurreição dos ímpios não pode ser considerada como uma bênção merecida pela obra mediatária de Cristo, embora esteja relacionada indiretamente com ela. É um resultado necessário da posposição da execução da sentença de morte dada ao homem, o que tornou possível a obra de redenção. A posposição resultou na relativa separação entre a morte temporal e a morte eterna, e na existência de um estado intermediário. Sob estas circunstâncias, é necessário ressuscitar os ímpios dos mortos, a fim de que a morte, em sua máxima extensão e com todo o seu peso, lhes possa ser imposta. Sua ressurreição não é um ato de redenção, mas, sim, de soberana justiça, da parte de Deus. A ressurreição dos justos e dos injustos tem isto em comum – que em ambos os casos os corpos e as almas são reunidas. Mas, no caso daqueles,
isso resulta na vida perfeita, ao passo que no caso destes, redunda na extrema penalidade da morte, Jo 5.28, 29.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg 726)

A OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO

1. O CONCEITO PREMILENISTA CONCERNENTE À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO. É opinião comum entre os premilenistas que a ressurreição dos santos estará separada da dos ímpios por um período de mil anos. Ao que parece, quase consideram como verdade axiomática que essas duas classes não têm a mínima possibilidade de ressurgir ao mesmo tempo. E não somente isso, mas o tipo de premilenismo dominante hoje em dia, com a sua teoria de uma dupla segunda vinda de Cristo, sente necessidade de admitir uma terceira ressurreição. Todos os santos das dispensações anteriores e da atual dispensação serão ressuscitados na paurosia, ou seja, na vinda do Senhor. Os que ainda viverem nesse tempo serão transformados num instante, num piscar de olhos. Mas nos sete anos que se seguirão à paurosia, muitos outros santos morrerão, especialmente na grande tribulação. Estes também deverão ressuscitar, e a sua ressurreição ocorrerá quando se der a revelação do dia do Senhor, sete anos após a parousia. Mas, nem neste ponto os premilenistas podem parar. Desde que a ressurreição que se dará no fim do mundo está reservada para os ímpios, terá que haver outra ressurreição dos santos que morreram durante o milênio, a qual precederá a dos ímpios, pois, segundo eles, santos e ímpios não podem ressuscitar ao mesmo tempo.
2. INDICAÇÕES ESCRITURÍSTICAS QUANTO À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO. Segundo a Escritura, a ressurreição dos mortos coincidirá com a paurosia, com a revelação do dia do Senhor e com o fim do mundo, e precederá imediatamente o juízo geral e final. A Bíblia certamente não favorece as distinções premilenistas a respeito desta doutrina. Em diversos lugares ela apresenta a ressurreição dos justos e a dos ímpios como contemporâneas, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Todas essas passagens falam da ressurreição como um único evento, e não contêm a mais ligeira indicação de que a ressurreição dos justos e a dos ímpios estarão separadas por um período de mil anos.
Mas isto não é tudo que se pode dizer em favor da idéia de que ambas coincidem. Em Jo 5.21-29 Jesus combina o pensamento sobre a ressurreição, incluindo a ressurreição dos justos, com o pensamento sobre o juízo, incluindo o juízo dos ímpios. Alem disso, 2 Ts 1.7-10 apresenta claramente a paurosia (versículo 10), a revelação (vers. 7) e o juízo dos ímpios (vers. 8 e 9) como coincidentes. Se não for este caso, a língua terá perdido o seu sentido. Ademais, a ressurreição dos crentes está ligada diretamente à segunda vinda do Senhor em 1 Co 15.23; Fp 3.20, 21 e 1 Ts 4.16, mas também é apresentada como ocorrendo no fim do mundo, Jo 6.39, 40, 44, 54, ou no último dia. Quer dizer que os crentes serão ressuscitados no ultimo dia, e que o ultimo dia é também o dia da vinda do Senhor. Sua ressurreição não precederá o fim por um período de mil anos. Felizmente, há vários premilenistas que não aceitam a teoria de três ressurreições, mas que, não obstante, apegam-se à doutrina de duas ressurreições.
3. CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS A FAVOR DE DUAS RESSURREIÇÕES.
a. Grande ênfase é dada ao fato de que a Escritura, apesar de geralmente falar da ressurreição ton nekron, isto é, “dos mortos”, repetidamente se refere à ressurreição dos crentes como uma ressurreição ek nekron, isto é, “saída dos mortos”. Os premilenistas traduzem esta expressão por “dentre os mortos”, de modo que implica que muitos mortos ainda permaneceriam no túmulo. Lightfoot também afirma que esta expressão se refere à ressurreição dos crentes, mas Kennedy diz: “Não há absolutamente nenhuma prova a favor desta asserção definida”. Também é esta a conclusão a que chega o doutor Vos, depois de um cuidadoso estudo das passagens pertinentes. Em geral se pode dizer que a suposição de que a expressão he anastasis ek nekron deve ser vertida para “a ressurreição dentre os mortos” é inteiramente gratuita. Os léxicos clássicos desconhecem essa versão; e Kremer-Koegel interpreta a expressão dando-lhe este sentido: “do estado dos mortos”, e esta parece ser a interpretação mais natural. Deve-se notar que Paulo emprega as expressões uma pela outra em 1 Co 15. Apesar de estar falando somente da ressurreição dos crentes, é vidente que ele não procura salientar o fato de que esta é de caráter específico, pois emprega a expressão mais geral repetidas vezes, 1 Co 15.12, 13, 21, 42.
b. Os premilenistas recorrem também a certas expressões específicas, tais como “superior ressurreição”, Hb 11.35, “ressurreição da vida”, Jo 5.29, “ressurreição dos justos”, Lc 14.14, e “e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”, 1 Ts 4.16 – todas as quais se referem unicamente à ressurreição dos crentes. Essas expressões parecem colocar essa ressurreição à parte, como algo diferente. Mas essas passagens provam apenas que a Bíblia distingue entre a ressurreição dos justos e a dos ímpios, e não fornecem nenhuma prova de que haverá duas ressurreições, separadas uma da outra por um período de mil anos. A ressurreição do povo de Deus difere da dos incrédulos em seu princípio motriz, em sua natureza essencial e em seu desfecho final, e, portanto, pode muito bem ser apresentada como uma coisa distinta e como uma experiência muitíssimo mais desejável do que a ressurreição dos ímpios. Aquela liberta os homens do poder da morte; esta não. A despeito da sua ressurreição, os incrédulos permanecerão no estado de morte.
c. Um dos principais textos-prova dos premilenistas, a favor de duas ressurreições, acha-se em 1 Co 15.22-24: “Porque assim como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem. Cristo, as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. E então virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai...”. Nesta passagem eles vêem três estágios da ressurreição indicados, quais sejam, (1) a ressurreição de Cristo; (2) a ressurreição dos crentes; e (3) o fim (como eles o interpretam) da ressurreição, isto é, a ressurreição dos ímpios. Silver faz uma colocação pitoresca: “Na ressurreição, Cristo e muitos santos que ressurgiram em Jerusalém e ao redor dela aparecem como o primeiro grupo. Mais de 1900 anos depois, ‘os que são de Cristo, na sua vinda’ aparecerão como o segundo grupo. ‘E então’ (mas não imediatamente), ‘virá o fim’ (vers. 24), o derradeiro e grande bloco de gente, com um grupo de criaturas esquecidas, completando o cortejo”. É de se notar que a idéia “não imediatamente” é introduzida no texto. O argumento é que, uma vez que epeita (depois) do versículo 23 se refere a um tempo ao menos 1900 anos mais tarde, a palavra eita (então) do versículo 24 se refere a um tempo 1000 anos mais tarde. Mas isto é mera suposição, destituída de qualquer prova. As palavras epeita e eita significam de fato a mesma coisa, mas nenhuma delas implica necessariamente a idéia de um longo período intermediário. Observe-se o emprego de epeita em Lc 16.7 e Tg 4.14, e o de eita em Mc 8.25; Jo 13.5; 19.27; 20.27. Ambas as palavras podem ser utilizadas para indicar algo que ocorrerá imediatamente, e para algo que só ocorrerá depois de algum tempo, de maneira que é pura suposição pensar que a ressurreição dos crentes estará separada do fim por um longo período de tempo. Outra suposição gratuita é a de que “o fim” significa “o fim da ressurreição”. De acordo com a analogia da escritura, aquela expressão aponta para o fim do mundo, a consumação, o tempo em que Cristo entregará o Reino ao pai e porá todos os inimigos debaixo dos Seus pés. Este é o conceito adotado por comentadores como Alford, Godet, Hodge, Bachmann, Findley, Robertson & Plummer, e Edwards.
d. Outra passagem a que os premilenistas recorrem é 1 Ts 4.16, “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos ressuscitarão primeiro”. Disto eles inferem que aqueles que não morrem em Cristo ressuscitarão em data posterior. Mas é mais que evidente que não é essa a antítese que o apostolo tem em mente. A declaração subseqüente não é, “depois os mortos que não estão em Cristo ressuscitarão”, mas “depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, pra o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”. Biederwolf admite isso francamente. Tanto nesta passagem como na anterior Paulo está falando somente da ressurreição dos crentes; a dos ímpios não está em seu escopo, de modo nenhum.
e. A passagem mais importante a que se referem os premilenistas é Ap 20.4-6: “... e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição”. Aqui os versículos 5 e 6 fazem menção de uma primeira ressurreição, e isto, é o que se diz, implica que haverá uma segunda. Mas a suposição de que o escritor está falando de uma ressurreição corporal é extremamente duvidosa. Evidentemente o cenário dos versículos 4 a 6 está no céu, e não na terra. E os termos não sugerem uma ressurreição corporal. O vidente não fala de pessoas ou corpos que foram ressuscitados, mas de almas que “viveram” e “reinaram”. E ele denomina esse viver e reinar com Cristo “a primeira ressurreição”. O doutor Vos opina que as palavras, “Esta (enfática) é a primeira ressurreição”, podem até ser “uma assinalada desaprovação de uma interpretação mais realista (quiliástica) da mesma frase”. Com toda a probabilidade, a expressão se refere à entrada das almas dos santos na gloriosa condição de vida com Cristo na morte. A ausência da idéia de uma dupla ressurreição bem pode fazer-nos hesitar em afirmar a sua presença nesta passagem de um livro tão cheio de simbolismos, como o Apocalipse de João. Onde quer que a Bíblia mencione juntas a ressurreição dos justos e a dos ímpios, como em Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15, inexiste a mais ligeira insinuação de que ambas estarão separadas uma da outra por um período de mil anos. Por outro lado, ela ensina que a ressurreição terá lugar no último dia, e imediatamente será seguida pelo juízo final, Mt 25.31, 32; Jo 5.27-29; 6.39,40, 44, 54; 11.24; Ap 20.11-15.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. a Confissão Apostólica fala da ressurreição do corpo, ou da ressurreição da carne? 2. Como explicar a mudança de uma para a outra? 3. Os premilenistas não têm que acrescentar outra ressurreição dos justos às que ocorrerão na paurosia e na revelação, segundo eles? 4. Como os premilenistas elaboram um argumento em favor de uma dupla ressurreição utilizando até Dn 12.2? 5. Como encontram eles um argumento para isso em Fp 3.11? 6. Qual é o principal argumento dos “liberais” modernos contra a doutrina de uma ressurreição física? 7. Que quer dizer Paulo quando fala, em 1 Co 15.44, do corpo ressureto como um soma pneumatikon?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 755-758,770-777; Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 262-279; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 14-22; id., Pauline Eschatology, p136-225;Hodge, Syst., Theol. III, p. 837-844; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 829-841; Shedd, Dogm. Theol., p. 641-658; Valentine, Chr. Theol. II, p. 414-420;Dahle, Life After Death, p. 358-418; Hovey, Eschatology, p23-78; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 164-179; Snowden, The Coming of the Lord, p. 172-191; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality, p. 262-272, 437-459; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the Last Things, p. 222-281; Kliefoth, Eschatologie, p. 248-275; Brown, The Chr. Hope, p. 89-108; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 61-77.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

sábado, 22 de setembro de 2012

O JUÍZO FINAL

Outro importante concomitante da volta de Cristo é o juízo final, que será de natureza geral. O Senhor voltará justamente com o propósito de julgar os vivos e de consignar a cada indivíduo o seu destino eterno.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg732)

A DOUTRINA DO JUÍZO FINAL NA HISTÓRIA

Desde os mais primitivos tempos da era cristã, a doutrina de um juízo geral e final esteve ligada à da ressurreição dos mortos. A opinião geral era que os mortos ressuscitariam para serem julgados segundo as obras praticadas enquanto no corpo. Como solene advertência, dava-se ênfase à certeza desse juízo. Esta doutrina já´fazia parte do conteúdo da Confissão Apostólica: “Donde virá para julgar os vivos e os mortos”. A idéia predominante era que esse juízo seria acompanhado pela destruição do mundo. De modo geral, os chamados pais primitivos da igreja não especulavam muito acerca da natureza do juízo final, embora Tertuliano constitua uma exceção. Agostinho procurou interpretar algumas das declarações figuradas da Escritura a respeito do juízo. Na Idade Média, os escolásticos discutiram o assunto com maiores minúcias. Eles também acreditavam que a ressurreição dos mortos seria seguida imediatamente pelo juízo geral, e que este marcaria o fim dos tempos para o homem. O juízo será geral no sentido de que todas as criaturas racionais comparecerão nele, e de que trará uma revelação geral dos feitos de cada um, tanto dos bons como dos maus. Cristo será o Juiz, embora outros estejam associados a Ele no julgamento; não, porém, como juizes no sentido estrito da palavra. Imediatamente após o juízo, haverá uma conflagração universal. Deixamos de mencionar algumas outras particularidades aqui.
Os Reformadores compartiam essa idéia, em geral, mas pouco ou nada acrescentaram ao conceito predominante. O mesmo conceito se acha em todas as confissões protestantes, as quais afirmam explicitamente que haverá um dia de juízo no fim do mundo, mas não entram em detalhes. Tem sido esse o conceito oficial das igrejas até os dias atuais. Isto não significa que não houve outros conceitos que achassem expressão. Kant inferiu do imperativo categórico a existência de um Juiz supremo que aplicaria a justiça a todos os erros numa vida futura. Schelling, com o seu famoso dito, “A história do mundo é o julgamento do mundo”, evidentemente considerava o juízo apenas como um processo imanente atual. Alguns não estavam inclinados a admitir a constituição moral do universo, não acreditavam que a história se move rumo a uma terminação moral, e, assim, negavam o juízo futuro. A esta idéia foi dada uma formulação filosófica por Von Hartmann. Na teologia “liberal” moderna, com sua ênfase ao fato de que Deus é imanente em todos os processos da história, é forte a tendência para considerar o juízo primária, senão exclusivamente, como um processo imanente atual. Diz Beckwith: “Em Seu procedimento (de Deus) para com os homens, nada se susta, não há suspensão de nenhum atributo do Seu ser. O juízo não é, pois, mais verdadeiramente futuro do que presente. Na medida em que Deus é o seu autor, é tão constante e perpétuo como a Sua ação na vida humana. Pospor o juízo para uma hora publica e futura é ter um falso conceito da justiça, como se esta estivesse dormente ou suspensa, totalmente presa a condições externas. Ao contrário, a esfera da justiça deve ser procurada, não fora, primeiro, mas dentro, na vida interior, no mundo da consciência”. Os dispensacionalistas crêem de todo o coração no juízo futuro, mas falam em juízos, no plural. Segundo eles, haverá um juízo na parousia, outro na revelação de Cristo, e ainda outro no fim do mundo.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

NATUREZA DO JUÍZO FINAL

O juízo final do qual a Bíblia fala não pode ser considerado como um processo espiritual invisível e infindável, idêntico à providência de Deus na história. Isto não equivale a negar o fato de que há um julgamento providencial de Deus nas vicissitudes de indivíduos e nações, embora nem sempre se reconheçam como tais. A Bíblia nos ensina claramente que, ainda na presente vida, Deus visita o mal com castigos e recompensa o bem com bênçãos, e que estes castigos e recompensas são positivos nalguns casos, mas noutros aparecem como resultados providenciais naturais do mal cometido ou do bem praticado, Dt 9.5; Sl 9.16; 37.28; 59.13; Pv 11.5; 14.11; Is 32.16,17; Lm 5.7. A consciência humana também atesta este fato. Mas também é manifesto na Escritura que os juízos de Deus no presente não são finais. Às vezes o mal prossegue sem a devida punição, e o bem nem sempre sé recompensado nesta existência com as bênçãos prometidas. Os ímpios dos dias de Malaquias tiveram a coragem de gritar: “Onde está o Deus do juízo?”, Ml 2.17. A queixa que se ouvia naqueles dias era; “Inútil é servir a Deus; que nos aproveitou termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do Senhor dos Exércitos? Ora, pois, nós reputamos por felizes os soberbos; também os que cometem impiedade prosperam, sim, eles tentam ao Senhor e escapam”, Ml 3.14, 15. Jó e seus amigos lutaram com o problema dos sofrimentos dos justos, e a mesma coisa fez Asafe no Salmo 73. A Bíblia nos ensina a ter os olhos postos no futuro, no juízo final, vendo neste a resposta decisiva de Deus para todas essas interrogações, a solução de todos esses problemas e a remoção de todas as discrepâncias aparentes da era atual, Mt 25.31-46; Jo 5.27-29; At 25.24; Rm 2.5-11; Hb 9.27; 10.27; 2 Pe 3.7; Ap 20.11-15. Estas passagens não se referem a um processo, mas, sim a um evento bem definido do fim dos tempos. Ele é descrito como acompanhado por outros eventos históricos, tais como a vinda de Jesus Cristo, a ressurreição dos mortos e a renovação de céus e terra.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

CONCEITOS ERRÔNEOS A RESPEITO DO JULGAMENTO

1. JUÍZO PURAMENTE METAFÓRICO. De acordo com Schleiermacher e muitos outros eruditos alemães, as descrições bíblicas do juízo final devem ser entendidas como indicações simbólicas do fato de que o mundo e a igreja finalmente se separarão. Esta explicação serve para fazer evaporar toda a idéia de um julgamento forense quanto à determinação pública do estado final do homem. É uma explicação que certamente não faz justiça às vigorosas afirmações da escritura a respeito do juízo final, de que será uma declaração formal, publica e final.
2. JUÍZO EXCLUSIVAMENTE IMANENTE. A máxima de Schelling, de que “a história do mundo é o julgamento do mundo”, sem dúvida contém um elemento de verdade. Como acima foi assinalado, há manifestações da justiça retributiva de Deus na história das nações e dos indivíduos. As recompensas e os castigos podem ser de caráter positivo, ou podem ser o resultado do bem ou do mal praticado. Mas quando muitos eruditos “liberais” afirmam que o julgamento divino é totalmente imanente e é inteiramente determinado pela ordem moral do mundo, certamente não fazem justiça às apresentações da Escritura. A idéia que eles têm do juízo como “agindo por si mesmo” faz de Deus um ser ocioso, que apenas vê e aprova a distribuição de recompensas e castigos. Destrói completamente a idéia do juízo como um evento externo e visível a ocorrer nalgum tempo definido do futuro. Além disso, esse conceito não pode satisfazer os anseios do coração humano pela justiça perfeita. Os juízos históricos são sempre e somente parciais, e às vezes são aos homens a impressão de serem disfarces da justiça. Sempre houve e ainda há ocasião para a perplexidade de Jó e de Asafe.
3. O JUÍZO NÃO SERÁ UM SÓ EVENTO. Os premilenistas dos nossos dias falam de três diferentes juízos futuros. Eles distinguem: (a) Um juízo para os santos ressurretos e para os santos vivos, quando da parousia ou da vinda do Senhor, para vindicação pública dos santos, para dar recompensa a cada um segundo as suas obras e para determinar os seus respectivos lugares no reino milenar vindouro. (b) Um juízo por ocasião da revelação de Cristo (no dia do senhor), imediatamente após a grande tribulação, no qual, conforme o conceito predominante, as nações gentílicas serão julgadas como nações, de acordo com a atitude que elas assumiram para com o evangelizante remanescente de Israel (os irmãos menores do Senhor). A entrada dessas nações no reino dependerá do resultado do julgamento. Este é o juízo mencionado em Mt 25.31-46. estará separado do anterior por um período de sete anos. (c) Um julgamento dos ímpios mortos, perante o grande trono branco descrito em Ap 20.11-15. Os mortos serão julgados segundo as suas obras, e estas determinarão o grau da punição que eles receberão. Este juízo ocorrerá mais de mil anos depois do juízo das nações.
Devemos notar, porém, que a Bíblia sempre fala do juízo futuro com um só evento. Ela nos ensina a aguardar, não dias, mas o dia do juízo, Jo 5.28, 29; At 17.31; 2 Pe 3.7, também chamado “aquele dia”, Mt 7.22; 2 Tm 4.8, e “o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus”, Rm 2.5. Os premilenistas sentem a força deste argumento, pois replicam que esse pode ser um dia de mil anos. Além disso, há passagens da escritura que evidenciam abundantemente que os justos e os ímpios comparecerão juntos no juízo para uma separação final, Mt 7.22, 23; 25.31-46; Rm 2.5-7; Ap 11.18; 20.11-15. Ademais, deve-se notar que o julgamento dos ímpios é descrito como um concomitante da parousia e também da revelação, 2 Ts 1.7-10; 2 Pe 3.4-7. E, finalmente, deve-se ter em mente que Deus não julga as nações como nações quando estão em jogo questões eternas, mas somente indivíduos; e que uma separação final dos justos e dos ímpios não tem a menor possibilidade de ser feita antes do fim do mundo. É difícil ver como alguém pode fazer uma interpretação tolerável e coerente de Mt 25.31-46, a não ser partindo do pressuposto de que o juízo a que o texto se refere é o juízo universal de todos os homens, e de que estes serão julgados, não como nações, mas como indivíduos. Até Meyer e Alford, eles próprios premilenistas, consideram que esta é a única explanação sustentável.
4. O JUÍZO FINAL É DESNECESSÁRIO. Alguns consideram inteiramente desnecessário o juízo final, porque o destino de cada ser humano é determinado na hora da sua morte. Se um homem dormir firmado em Jesus, estará salvo; se morrer em seus pecados, estará perdido. Desde que a questão está resolvida, não é necessário fazer-se mais um inquérito judicial, e, portanto, um juízo final é completamente supérfluo. Mas a certeza do juízo futuro não depende da nossa concepção de sua necessidade. Deus nos ensina claramente em Sua palavra que haverá um juízo final, e isto põe fim à questão para todos os que reconhecem a Bíblia como o padrão final da fé. Além disso, o pressuposto subjacente, do qual procede o argumento, a saber, que o juízo final tem o propósito de definir qual seria o estado futuro do homem, é inteiramente errôneo. Seu propósito é, antes, expor diante de todas as criaturas racionais a glória declarativa de Deus num ato formal e forense que, por um lado, engrandecerá a Sua santidade e justiça, e, por outro lado, engrandecerá a Sua graça e misericórdia. Ademais, devemos ter em mente que o juízo do ultimo dia será diferente daquele que ocorre na morte de cada indivíduo em mais de um aspecto. Não será secreto, mas público; não terá referência a um só individuo, mas a todos os homens.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

O JUIZ E OS SEUS ASSISTENTES

Naturalmente, o juízo final, como todas as opera ad extra (obras externas) de Deus, é obra realizada pelo trino Deus, mas a Escritura a atribui particularmente a Cristo. Cristo, em Sua capacidade mediatária, será o futuro Juiz, Mt 25.31, 32; Jo 5.27; At 10.42; 17.31; Fp 2.10; 2 Tm 4.1. Passagens como Mt 28.18; Jo 5.27; Fp 2.9, 10, tornam mais que evidente que a honra de julgar os vivos e os mortos foi conferida a Cristo como Mediador como recompensa por Sua obra expiatória e como parte de Sua exaltação. Esta pode ser considerada como uma das honras culminantes da Sua realeza. Também em Sua capacidade de Juiz, Cristo está salvando o Seu povo de forma suprema: Completará a redenção deles, justificá-los-á publicamente, e removerá as últimas conseqüências do pecado. De passagens como Mt 13.41, 42; 24.31; 25.31, pode-se inferir que os anjos O assistirão nesta grande obra. Evidentemente, os santos, nalgum sentido, vão assentar-se e julgar com Cristo, Sl 149.5-9; 1 Co 6.2, 3; Ap 20.4. É difícil dizer o que isto envolve. Tem-se interpretado no sentido de que os santos condenarão por sua fé o mundo, assim como os ninivitas teriam condenado as cidades incrédulas dos dias de Jesus. Ou que eles meramente estarão presentes ao julgamento presidido por Cristo. Mas o argumento de Paulo em 1 Co 6.2, 3 parece exigir mais do que isso, pois nenhuma das duas interpretações sugeridas provariam que os coríntios eram capazes de julgar as questões surgidas na igreja. Embora não se possa esperar que os santos conheçam todos os que haverão de comparecer no juízo e distribuam as penas impostas, todavia, terão alguma parte ativa no juízo de Cristo, embora seja impossível dizer precisamente o que será isso.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

AS PARTES QUE SERÃO JULGADAS

A Escritura contém claras indicações de pelo menos duas partes serão julgadas. É mais evidente que os anjos decaídos comparecerão perante o tribunal de Deus, Mt 8.29; 1 Co 6.3; 2 Pe 2.4; Jd 6. Satanás e seus demônios verão sua ruína final no dia do juízo. Também se vê com toda a clareza que todos os indivíduos da raça humana terão que comparecer às barras da justiça, Sl 50.4-6; Ec 12.14; Mt 12.36, 37; 25.32; Rm 14.10; 2 Co 5.10; Ap 20.12. Estas passagens certamente não dão lugar ao conceito dos pelagianos e dos que seguem sua esteira, de que o juízo final se limitará aos que gozam os privilégios do Evangelho. Tampouco favorecem a idéia daqueles sectários que afirmam que os justos não serão chamados a juízo. Quando Jesus diz, em Jo 5.24, “Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”, claramente quer dizer, como se vê do contexto, que o crente não entrará em juízo condenatório. Às vezes, porém, se objeta que os pecados dos crentes, pecados perdoados, certamente não serão trazidos a público naquele dia; mas a Escritura nos leva à certeza de que o serão, embora, naturalmente, sejam revelados como pecados perdoados. Os homens serão julgados por “toda palavra frívola”, Mt 12.36, e pelos “segredos dos homens”, Rm 2.16; 1 Co 4.5, e não há a mínima indicação de isto se restringirá aos ímpios. Além disso, passagens como Mt 13.30, 40-43, 49; 25.14-23, 34-40, 46 evidenciam que os justos comparecerão ao tribunal de Cristo. Mais difícil é decidir se os anjos bons serão submetidos ao juízo final em algum sentido. O doutor Bavinck mostra-se inclinado a inferir de 1 Co 6.3 que serão; mas esta passagem não prova o ponto. Poderia fazê-lo se a palavra angelous fosse precedida pelo artigo, o que não acontece. Lemos simplesmente: “Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos...?” (no original grego, sem artigo). Dada a incerteza ligada a esta questão, é melhor silenciar a respeito. Mais ainda quando nos lembramos de que os anjos sé são apresentados como ministros de Cristo em conexão com a obra de julgamento, Mt 13.30, 41; 25.31; 2 Ts 1.7, 8.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

A OCASIÃO DO JUÍZO

Conquanto não se possa determinar em termos absolutos a ocasião do juízo futuro, pode ser fixada relativamente, isto é, com relação a outros eventos escatológicos. É evidente que será no fim do presente mundo, pois será um julgamento sobre toda a vida de todos os homens, Mt 13.40-43; 2 Pe 3.7. Além disso, será concomitante com a vinda (parousia) de Jesus Cristo, Mt 25.19-46; 2 Ts 1.7-10; 2 Pe 3.9, 10, e se seguirá imediatamente à ressurreição dos mortos, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; Ap 20.12, 13. A questão sobre se o juízo precederá imediatamente a renovação de céus e terra, ou se será coincidente com ela, ou se será imediatamente após, não pode ser resolvida conclusivamente com base na Escritura. Ap 20.11 parece indicar que a transformação do universo se dará ao iniciar-se o juízo; 2 Pe 3.7, que ambos ocorrerão sincronicamente; e Ap 21.1, que a renovação dos céus e da terra será em seguida ai juízo. Só podemos falar deles, de maneira geral, como concomitantes.
É igualmente impossível determinar a exata duração do juízo: A Escritura fala em “o dia do juízo”, Mt 7.22; 2 Ts 1.10; 2 Tm 1.12, e “o dia da ira”, Rm 2.5; Ap 11.8. Não precisamos inferir destas passagens e doutras semelhantes que será precisamente um dia de vinte e quatro horas, dado que a palavra “dia” também é empregada num sentido mais indefinido na Escritura. Por outro lado, porém, a interpretação feita por alguns premilenistas, de que se trata de um designativo de todo o período milenar, não pode ser considerada plausível. Quando a palavra “dia” é empregada para denotar um período, denota em geral um período totalmente caracterizado por alguma peculiaridade extraordinária, normalmente indicada pelo genitivo que acompanha a palavra. Assim, “o dia da aflição” é o período totalmente caracterizado por aflições, e “o dia da salvação” é o período em sua inteireza notório por sua proeminente manifestação do favor ou graça de Deus. E certamente não se pode dizer que o período milenar dos premilenistas, embora acabando num juízo, é totalmente um período de julgamento. É, antes, um período de alegria, retidão e paz. A característica proeminente desse período, certamente não é de julgamento.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

O PADRÃO DO JUÍZO

O padrão pelo qual os santos e os pecadores serão julgados, evidentemente será a vontade revelada de Deus. Esta não é a mesma para todos. Alguns têm sido mais privilegiados que outros, e isto naturalmente aumenta a sua responsabilidade, Mt 11.21-24; Rm 2.12-16. Isto não significa que haverá diferentes condições de salvação para diferentes classes de gente. Para todos os que comparecerão ao juízo, a entrada no céu, ou a exclusão dele, dependerá da questão se estão revestidos da justiça de Jesus Cristo. Mas haverá diferentes graus, tanto de ventura no céu como de castigo no inferno. E esses graus serão determinados pelo que é feito enquanto na carne, Mt 11.22, 24; Lc 12.47, 48; 20.47; Dn 12.3; 2 Co 9.6. Os gentios serão julgados segundo a lei da natureza, escrita nos seus corações, os israelitas da antiga dispensação segundo a revelação do Velho testamento, e somente segundo esta, e os que gozaram a luz do Evangelho, além da luz da natureza e da revelação do velho Testamento, serão julgados de conformidade com a maior luz que receberam. Deus dará a cada um o que lhe é devido.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

AS DIFERENTES PARTES DO JUÍZO

Aqui devemos distinguir:
1. A COGNITIO CAUSAE (O CONHECIMENTO DA CAUSA). Deus tomará conhecimento do estado de coisas, da vida passada completa do homem, incluindo-se até os pensamentos e os intentos secretos do coração. Isso é descrito simbolicamente na Escritura como a abertura dos livros, Dn 7.10; Ap 20.12. Os fiéis dos dias de Malaquias falavam de um memorial escrito diante do senhor, Ml 3.16. É uma descrição figurada acrescentada para completar a idéia do juízo. Geralmente o juiz tem o livro da lei e o registro daqueles que compareceram perante ele. Com toda a probabilidade, a figura neste caso se refere simplesmente à onisciência de Deus. Alguns falam do livro da Palavra de deus como do livro dos estatutos, e do memorial como o livro da predestinação, o registro privado de Deus. Mas é muito duvidoso que devamos particularizar os pontos dessa maneira.
2. A SENTENTIAE PROMULGATIO (A PROMULGAÇÃO DA SENTENÇA). Haverá promulgação da sentença. O dia do juízo é o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, Rm 2.5. Tudo terá que ser revelado ante o tribunal do Juiz supremo, 2 Co 5.10. O senso de justiça exige isto. A sentença pronunciada sobre cada pessoa não será secreta, não será conhecida apenas pela pessoa, mas será proclamada publicamente, de maneira que pelo menos aqueles que de algum modo estão envolvidos a conhecerão. Assim, a justiça e a graça de Deus refulgirão em todo o seu esplendor.
3. A SENTENTIAE EXECUTIO (A EXECUÇÃO DA SENTENÇA). A sentença dos justos comunicará bem-aventurança eterna, e a dos ímpios, miséria eterna. O Juiz dividirá a humanidade em duas partes, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas, Mt 25.32 e segtes. Em vista do que se dirá sobre o seu estado final no próximo capítulo, não é preciso acrescentar nada mais aqui.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

O ESTADO FINAL DOS ÍMPIOS

Há especialmente três pontos que requerem consideração aqui:
1. O LUGAR PARA O QUAL OS ÍMPIOS SERÃO ENVIADOS. Na teologia dos dias atuais há uma evidente tendência, nalguns círculos, de eliminar a idéia de punição eterna. Os extincionistas, que ainda estão representados em seitas como o adventismo e a “aurora do milênio”, e os defensores da imortalidade condicional, negam a existência perpétua dos ímpios e, com isso, tornam desnecessário um lugar de punição eterna. Na teologia “liberal” moderna, a palavra “inferno” é geralmente considerada como um designativo figurado de uma condição puramente subjetiva, na qual os homens podem achar-se mesmo enquanto na terra, e a qual pode tornar-se permanente no futuro.
Mas essas interpretações certamente não fazem justiça aos dados da escritura. Não pode haver dúvida razoável quanto ao fato de que a Bíblia ensina a existência permanente dos ímpios, Mt 24.5; 25.30, 46; Lc 16.19-31. Além disso, em conexão com o tema do “inferno”, a Bíblia emprega expressões indicativas de lugar o tempo todo. Ela dá ao lugar de tormento o nome de geena, nome derivado do hebraico ge (terra, ou vale) e hinnom ou beney hinnom, isto é, Hinnom ou filhos de Hinnom. Este nome foi aplicado originariamente a um vale sito a sudoeste de Jerusalém. Era o lugar em que os ímpios idólatras sacrificavam seus filhos a Moloque, fazendo-os passar pelo fogo. Daí era considerado impuro e, em tempos mais recentes, era denominado “vale de tophet” (escarro), como uma região completamente desprezada. Fogueiras ardiam ali constantemente, para consumir o lixo de Jerusalém. Como resultado, veio a ser um símbolo do lugar de tormento eterno. Mt 18.9 fala de tem geenan tou pyros, a geena de fogo, e esta expressão forte é empregada como um sinônimo de to pyr to aionion, o fogo eterno, que aparece no versículo anterior. A Bíblia fala também de uma “fornalha acesa”, Mt 13.42, e de um “lago de fogo” (ou “do fogo”), Ap 20.14, 15, que se contrasta com o “mar de vidro, semelhante ao cristal”, Ap 4.6. Os termos “prisão”, 1 Pe 3.19, “abismo”, Lc 8.31 e “tártaro”, 2 Pe 2.4 (margem), também são empregados. A Escritura se refere aos excluídos do céu dizendo que estão fora (nas trevas exteriores) e que são lançados no inferno. A descrição registrada em Lc 16.19-31 é, por certo, inteiramente descritiva de lugar.
2. O ESTADO NO QUAL CONTINUARÃO SUA EXISTÊNCIA. É impossível determinar precisamente o que constituirá a punição eterna dos ímpios, e nos convém falar mui cautelosamente sobre o assunto. Positivamente se pode dizer que consistirá em (a) ausência total do favor de deus; (b) uma interminável perturbação da vida, resultante do domínio completo do pecado; (c) dores e sofrimentos positivos no corpo e na alma; e (d) castigos subjetivos, como agonias da consciência, angústia, desespero, choro e ranger de dentes, Mt 8.12; 13.50; Mc 9.43, 44, 47, 48; Lc 16.23, 28; Ap 14.10; 21.8. Evidentemente, haverá graus na punição dos ímpios. Isto se deduz de passagens como Mt 11.22, 24; Lc 12.47, 48; 20.17. Sua punição será proporcional ao seu pecado contra a luz que receberam. Mas, não obstante, será punição eterna para todos eles. Esta verdade é exposta claramente na Escritura, Mt 18.8; 2 Ts 1.9; Ap 14.11; 20.10. Alguns negam que haverá fogo literal, porque este não poderia afetar espíritos como satanás e seus demônios. Mas, como podemos sabe-lo? Nosso corpo certamente age em nossa alma de algum modo misterioso. Haverá alguma punição positiva correspondente aos nossos corpos. É indubitavelmente certo, porém, que uma grande parte da linguagem referente ao céu e ao inferno deve ser entendida figuradamente.
3. DURAÇÃO DA SUA PUNIÇÃO. Contudo, a questão da eternidade da punição futura mercê consideração mais especial, por ser freqüentemente negada. Dizem que as palavras empregadas na escritura para “sempiterno” e “eterno” podem denotar simplesmente uma “era” ou uma “dispensação”, ou algum outro longo período de tempo. Ora, não se pode negar que são empregadas desse modo nalgumas passagens, mas isto não prova que sempre tenham este sentido limitado. Não é este o sentido literal desses termos. Sempre que são empregados assim, o são empregados figuradamente, e, nesses casos, o seu uso figurado é geralmente esclarecido pelo contexto. Além disso, há razões positivas para se pensar que essas palavras não têm aquele sentido limitado nas passagens a que nos referimos. (a) Em Mt 25.46 a mesma palavra descreve a duração, tanto da bem-aventurança dos santos como da penalidade dos ímpios. Se esta não for, propriamente falando, interminável, tampouco o será aquela; e, todavia, muitos dos que duvidam da punição eterna, não duvidam da felicidade eterna. (b) São empregadas outras expressões que não podem ser postas de lado pela consideração mencionada acima. O fogo do inferno é chamado “fogo inextinguível”, Mc 9.43; e dos ímpios se diz que “não lhes morre o verme”, Mc 9.48. Além disso, o abismo que separará santos e pecadores no futuro é descrito como fixo e intransponível, Lc 16.26.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

O ESTADO FINAL DOS JUSTOS

1. A NOVA CRIAÇÃO. O estado final dos crentes será precedido pelo passamento do presente mundo e pelo surgimento de uma nova criação. Mt 19.28 fala da “regeneração” e At 3.21, da “restauração de todas as cousas”. Em Hb 12.27 lemos: “Ora, esta palavra: Ainda uma vez por todas, significa a remoção dessas cousas abaladas (céus e terra), como tinham sido feitas, para que as cousas que não são abaladas (o reino de Deus) permaneçam”. Diz Pedro: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”, 2 Pe 3.13, cf. vers. 12; e João teve uma visão dessa nova criação, Ap 21.1. Somente depois que a nova criação estiver estabelecida é que a nova Jerusalém descerá dos céus, da parte de Deus, o tabernáculo de Deus será montado entre os homens e os justos adentrarão o seu gozo eterno. Muitas vezes é levantada a questão sobre se essa criação será inteiramente nova ou se será uma renovação da presente criação. Os teólogos luteranos apóiam fortemente a primeira posição acima, recorrendo a 2 Pe 3.7-13; Ap 20.11 e 21.1, ao passo que os teólogos reformados (calvinistas) preferem a segunda idéia, para a qual encontram apoio em Sl 102.26,27 (Hb 1.10-12) e Hb 12.26-28.
2. A HABITAÇÃO ETERNA DOS JUSTOS. Muitos concebem também o céu como uma condição subjetiva, que os homens podem desfrutar no presente e que, seguindo a justiça, naturalmente se tornará permanente no futuro. Mas aqui também se deve dizer que a Escritura apresenta o céu como um lugar. Cristo ascendeu ao céu, o que só pode significar que ele foi de um lugar para outro. O céu descrito como a casa de nosso Pai, onde há muitas mansões, Jo 14.1, e esta descrição dificilmente seria válida para uma condição. Além disso, diz a Escritura que os crentes estão dentro, enquanto que os incrédulos estão fora, Mt 22.12, 13; 25.10-12. A Escritura nos dá motivos para acreditarmos que os justos herdarão, não somente o céu, mas a nova criação inteira, Mt 5.5; Ap 21.1-3.
3. A NATUREZA DA SUA RECOMPENSA. A recompensa dos justos é descrita como vida eterna, sito é, não apenas uma vida sem fim, mas a vida em toda a sua plenitude, sem nenhuma das imperfeições e dos distúrbios da presente vida, Mt 25.46; Rm 2.7. A plenitude dessa vida é desfrutada na comunhão com Deus, o que é realmente a essência da vida eterna, Ap 21.3. Eles verão a Deus em Jesus Cristo face a face, encontrarão plena satisfação nele, alegrar-se-ão nele e O glorificarão. Contudo, não devemos pensar que as alegrias do céu são exclusivamente espirituais. Haverá alguma coisa correspondente ao corpo. Haverá reconhecimento e relações sociais num plano elevado. Também é evidente na Escritura que haverá graus na bem-aventurança do céu, Dn 12.3; 2 Co 9.6. Nossas boas obras serão a medida da recompensa que receberemos pela graça, embora elas não a mereçam. Apesar disso, porém, a alegria de cada indivíduo será perfeita e completa.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que o senso moral da humanidade exige um juízo futuro? 2. A quais precursores históricos do juízo final a Escritura se refere? 3. Onde se realizará o juízo final? 4. Que encorajamento há para os crentes no fato de que Cristo será o Juiz? 5. A expressão segundo a qual aquele que crê no Filho “não entrará em condenação” (ou “não entra em juízo”), Jo 5.24, não prova que os crentes não serão julgados? 6. Segundo a Escritura, que obras entrarão em consideração no juízo final? 7. Se todos os crentes herdam a vida eterna, em que sentido a sua recompensa será determinada por suas obras? 8. O propósito do juízo é dar a Deus um melhor conhecimento dos homens? 9. Qual o seu propósito? 10. Os homens se perderão definitivamente só pelo pecado de rejeitar conscientemente a Cristo?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 777-815; Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 280-327; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 32-50; Hodge, Syst., Theol. III, p. 844- 880; Shedd, Dogm. Theol., p. 659-754; ibid., Doctrine of Endless Punishment; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 842-862; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 581-595; Beckwith, Realities of Chr. Theol., p. 361-382; Drummond, Studies in Chr. Doct., p. 504-514; Macintosh, Theol. as an Empirical Science, p. 205-215; Dahle, Life After Death, p. 418-455; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 180-194; King, Future Retribution; Hovey, Biblical Eschatology, p. 145-175; Von Huegel, Eternal Life; Alger, History of the Doctrine of a Future Life, p. 394-449, 508-549, 567-724; Schilder, Wat is de Hemel; Vos, The Pauline Eschatology, p. 261-316; Kliefoth, Eschatologie, p. 275-351.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

A DOUTRINA DAS ESCRITURAS NA REFORMA


A Teologia Reformada recebe seu nome da Reforma Protestante do século XVI, com suas ênfases teológicas distintas, mas é teologia solidamente baseada na própria Bíblia. Os crentes na tradição reformada têm alta consideração às contribuições específicas como as de Martinho Lutero, Úlrico Zwinglio, Guillherme Farel, Jonh Knox e, particularmente, de João Calvino, mas eles também encontram suas fortes distinções nos gigantes da fé que os antecederam, tais como Anselmo e Agostinho e principalmente nas cartas de Paulo e nos ensinamentos do Senhor Jesus Cristo.
Os Cristãos Reformados sustentam as doutrinas características de todos os cristãos, incluindo a Trindade, a verdadeira divindade e humanidade de Jesus Cristo, a necessidade do sacrifício de Jesus pelo pecado, a Igreja como instituição divinamente estabelecida, a inspiração da Bíblia, a exigência para que os cristãos tenham uma vida reta, e a ressurreição do corpo. Eles sustentam outras doutrinas em comum com cristãos evangélicos, tais como justificação somente pela fé, a necessidade do novo nascimento, o retorno pessoal e visível de Jesus Cristo e a Grande Comissão.
O que, então, é distinto a respeito da Teologia Reformada?
1. A Doutrina das Escrituras(sola Scriptura); 2. A doutrina da graça (sola gratia); 3. A doutrina da fé(sola fides); 4. A doutrina de Cristo (solus Christus); 5. A doutrina do sacerdócio universal dos fiéis(cada crente, por assim dizer, é um sacerdote. 1Pedro2.9. O sacerdote no AT intercedia pelo povo).

O compromisso da reforma para com a Escritura enfatiza a inspiração, autoridade e suficiência da Bíblia.
Uma vez que a Bíblia é a Palavra de Deus e, portanto, tem a autoridade do próprio Deus,os reformadores afirmam que essa autoridade é superior àquela de todos os governos e de todas as hierarquias da Igreja.
Essa convicção deu aos crentes reformados a coragem para enfrentar a tirania e fez da teologia reformada uma força revolucionária na sociedade. A suficiência das Escrituras significa que ela não necessita ser suplementada por uma revelação nova ou especial. A Bíblia é o guia completamente suficiente para aquilo que nós devemos crer e para como nós devemos viver como cristãos.
Os Reformadores, em particular, João Calvino, enfatizaram o modo como a Palavra escrita, objetiva e o ministério interior, sobrenatural do Espírito Santo trabalham juntos, e o Espírito Santo iluminando a Palavra para o povo de Deus. A Palavra sem a iluminação do Espírito Santo mantém-se como um livro fechado. A suposta condução do Espírito sem a Palavra leva a erros excessos. Os Reformadores também insistiam sobre o direito de os crentes estudarem as Escrituras por si mesmos. Ainda que não negando o valor de mestres capacitados, eles compreenderam que a clareza das Escrituras em assuntos essenciais para a salvação torna a Bíblia propriedade de todo crente. Com esse direito de acesso, sempre vem a responsabilidade sobre a interpretação cuidadosa e precisa.

SOLA SCRIPTURA (SOMENTE AS ESCRITURAS)
1 – Princípios da Reforma: sola gratia (somente pela graça), sola fides(somente pela fé), solus Christus (somente Jesus Cristo), sacerdócio universal dos fiéis(cada crente, por assim dizer, é um sacerdote. 1Pedro2.9. O sacerdote no AT intercedia pelo povo) , sola Scriptura (somente a Escritura).
2 – Sola Scriptura: Somente a Escritura é a suprema autoridade em matéria de vida e doutrina; só ela é o árbitro de todas as controvérsias (= a supremacia das Escrituras). Ela é a norma normanda ("norma determinante") e não a norma normata ("norma determinada") para todas as decisões de fé e vida.
3 – A autoridade da Escritura é superior à da Igreja e da tradição. Contra a afirmação católica:"a igreja ensina" ou "a tradição ensina, "os reformadores afirmavam: "a Escritura ensina."
4 – A experiência pessoal dos reformadores com as Escrituras e com o Cristo revelado nas Escrituras:
Lutero – "Quando estava com 20 anos de idade, eu ainda não havia visto uma Bíblia. Eu achava que não existiam evangelhos ou epístolas exceto as que estavam escritas nas liturgias dominicais. Finalmente, encontrei uma Bíblia na biblioteca e levei-a comigo para o mosteiro. Eu comecei a ler, reler e ler tudo novamente, para grande surpresa do Dr. Staupitz."
5 – Para os reformadores, a Bíblia não era um livro de doutrinas e proposições a serem aceitas intelectualmente ou mediante a autoridade da igreja, mas uma revelação direta, viva e pessoal de Deus, acessível a qualquer pessoa.
6 – Daí a preocupação de colocar as Escrituras nas línguas vernaculares. Lutero e sua tradução no castelo de Wartburgo. Calvino e sua introdução ao Novo Testamento francês de seu primo Robert Olivétan (1535).






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7 – A autoridade das Escrituras é intrínseca: a Igreja não confere autoridade às Escrituras, mas apenas a reconhece. Essa autoridade decorre da origem divina das Escrituras.
8 – Existem evidências internas e externas da inspiração e divina autoridade das Escrituras, mas estes atributos não são passíveis de "prova." A única evidência que importa é o "testemunho interno do Espírito" no coração do leitor. Ênfase de Calvino: "A menos que haja essa certeza [pelo testemunho do Espírito], que é maior e mais forte que qualquer juízo humano, será fútil defender a autoridade da Escritura através de argumentos, ou apoiá-la com o consenso da Igreja, ou fortalecê-lo com outros auxílios. A menos que seja posto este fundamento, ela sempre permanecerá incerta" (8.1.71).
9. A Igreja não se coloca acima da Escritura pelo fato de ter definido o seu cânon (Novo Testamento). A Igreja apenas reconheceu o que já era aceito há muito tempo pelos cristãos. Paralelo: a observância do domingo e sua oficialização por Constantino. A afirmação de que a igreja estabeleceu o cânon é verdadeira; ma só o evangelho estabeleceu a igreja, e a autoridade da Escritura não está no cânon, mas no evangelho.
10. Não foi a igreja que formou a Escritura, mas vice-versa. A Igreja está edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e profetas” (Ef 2.20), ou seja, o evangelho, que está contido nas Escrituras e é a sua essência.
Lutero: a igreja, longe de ter prioridade sobre a Escritura, é na realidade uma criação da Escritura, nascida do ventre da Escritura.
11. Por isso, Cristo é o centro e a chave das Escrituras (ênfase especial dos reformadores). A Escritura se interpreta a si mesma ("analogia da Escritura"), sempre à luz do princípio cristológico. A mensagem central da Bíblia, o evangelho, é a única chave para a interpretação bíblica.
12. Essa ênfase cristocêntrica, levou Lutero a estabelecer distinções entre os livros da Bíblia. Nem todos revelam a Cristo com igual clareza. Os evangelhos e Paulo o fazem de maneira profunda. Já a carta de Tiago tem uma limitada ênfase cristológica ("epístola de palha").
13. A interpretação alegórica e os múltiplos sentidos atribuídos à Escritura, obscurecem a sua mensagem.
Os reformadores deram ênfase ao sentido comum, histórico7gramatical.

14. Os "entusiastas" estavam errados ao apelarem para revelações diretas fora das Escrituras. O Espírito
Santo é o autor último das Escrituras, o inspirador dos profetas e apóstolos. Ele não pode contradizer7se.

15. Por outro lado, o "princípio do livre exame" não significa interpretar as Escrituras de modo subjetivo e
exclusivista. É preciso levar em conta a história e o testemunho da Igreja. Os reformadores não sentiram a
necessidade de abandonar os credos do cristianismo antigo e o testemunho dos Pais da Igreja. Todos
estes, porém, devem ser julgados e avaliados pela Escritura.

16. Lutero nada sabia de um conhecimento puramente objetivo, desinteressado ou erudito da Bíblia. "A
Palavra de Deus é viva. Isto significa que ela vivifica aqueles que nela crêem. Portanto, devemos correr
para ela antes de perecermos e morrermos." A experiência é necessária para o entendimento da Palavra:
esta não deve ser simplesmente repetida ou conhecida, mas vivida e sentida. Na Escritura o Deus vivo e verdadeiro sempre confronta o leitor em julgamento e graça.

17. Alguns textos relevantes: Sl19:7711; Sl119; Jo5:39; Rm15:4; 2Tm3:16; 717.

Autor: Alderi Souza de Matos
Fonte: http://www.monergismo.com/textos/cinco_solas/solascriptura_alderi.htm


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Morte Física

A idéia escriturística da morte inclui a morte física, a morte espiritual e a morte eterna. Naturalmente, a morte física e a espiritual são discutidas em conexão com a doutrina do pecado, e a morte eterna é considerada mais particularmente na escatologia geral. Por essa razão, uma discussão da morte em qualquer sentido da palavra poderia parecer fora de lugar na escatologia individual. Todavia, dificilmente se poderia deixar totalmente fora de consideração, ao se fazer a tentativa de relacionar as gerações passadas com a consumação final.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Natureza da Morte Física.

A Bíblia contém algumas indicações instrutivas quanto à natureza da morte física. Fala desta de várias maneiras. Em Mt 10.28 e Lc 12.4, fala-se dela como a morte do corpo, em distinção da morte da alma (psyche). Ali o corpo é considerado como um organismo vivo, e a psyche é evidentemente o pneuma do homem, o elemento espiritual que constitui o princípio da sua vida natural. Este conceito da morte natural também está subjacente à linguagem de Pedro em 1 Pe 3.14-18. Noutras passagens é descrita como o término da psyche, isto é, da vida animal, ou como a perda desta., Mt 2.20; Mc3.4; Lc 6.9; 14.26; Jo 12.25; 13.37, 38; At 15.26; 20.24, e outras passagens. E, finalmente, também é descrita como separação de corpo e alma, Ec 12.7 (comp. Gn 2.7); Tg 2.26, idéia também básica em passagens como Jo 19.30; At 7.59; Fp 1.23. Cf. também o emprego de êxodos (“partida”) em Lc 9.31; 2 Pe 1.15, 16.
Em vista disso tudo, pode-se dizer que, de acordo com a Escritura, a morte física é o término da vida física pela separação de corpo e alma. Jamais uma aniquilação, apesar de algumas seitas descreverem a morte dos ímpios como tal. Deus não aniquila coisa alguma de Sua criação. A morte não é uma cessação da existência, mas uma disjunção das relações naturais da vida. A vida e a morte não são antagônicas entre si como ocorre com a existência e a não existência, mas são mutuamente opostas somente como diferentes modos de existência. É deveras impossível dizer exatamente o que é a morte. Falamos dela como a cessação da vida física, mas então surge imediatamente a pergunta: O que é precisamente a vida? E não temos resposta. Não sabemos o que é a morte em sua essência, mas a conhecemos somente em suas relações e ações. E a experiência nos ensina que, onde estas são separadas e cessam, a morte entra. A morte é um rompimento das relações naturais da vida. Pode-se dizer que o pecado é per se (por si mesmo) morte, porque representa um rompimento das relações vitais do homem, criado à imagem de Deus, com o seu Criador. Significa a perda dessa imagem e, conseqüentemente, perturba todas as relações da vida. Este rompimento também se dá na separação de corpo e alma, chamada morte física.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Relação Entre o Pecado e a Morte

Os pelagianos e os socinianos ensinam que o homem foi criado mortal, não meramente no sentido de que ele poderia cair presa da morte, mas no sentido de que ele, em virtude da sua criação, estava sob a lei da morte, e, no transcurso do tempo, estava destinado a morrer. Isto significa que Adão não era somente suscetível de morte, mas estava realmente sujeito à morte antes de cair. Os defensores deste conceito eram movidos primariamente pelo desejo de fugir da prova do pecado original extraída do sofrimento e morte das crianças. A ciência dos dias atuais parece dar apoio a essa posição acentuando o fato de que a morte é lei da matéria organizada, visto que esta traz consigo a semente da decadência e da dissolução. Alguns dos chamados pais primitivos da igreja e alguns teólogos mais recentes, como Warbuton e Laidlaw, assumem a posição de que Adão de fato foi criado mortal, isto é, sujeito à lei da dissolução mas que, no caso dele, a lei só foi efetiva porque ele pecou. Se tivesse comprovado a sua obediência, teria sido exaltado a um estado de imortalidade. Seu pecado não produziu nenhuma mudança em seu ser constitucional, nesse aspecto, mas, sob a sentença de Deus, fê-lo sujeito à lei da morte e o privou da dádiva da imortalidade, que poderia ter tido sem experimentar a morte.
Naturalmente, neste conceito a entrada fatual da morte continua tendo caráter penal. É um conceito que encaixaria muito bem na posição supralapsária, mas não é exigido por esta. Na realidade, essa teoria procura apenas enquadrar os fatos revelados na Palavra de Deus nos pronunciamentos da ciência, mas mesmo estes não a consideram imperativa. Suponhamos que a ciência provasse conclusivamente que a morte reinava no mundo vegetal e animal antes da entrada do pecado; mesmo então não se seguiria necessariamente que ela também prevalecia no mundo dos seres racionais e morais. E ainda que ficasse estabelecido sem sombra de dúvida que todos os organismos físicos, os humanos inclusive, trazem dentro de si as sementes da dissolução, isto ainda não provaria que o homem não foi uma exceção à regra, antes da Queda. Diremos nós que o absoluto poder de Deus, pelo qual o universo foi criado, não era suficiente para manter o homem com vida indefinidamente? Além disso devemos ter em mente os seguintes dados da Escritura: (1) O homem foi criado à imagem de Deus, e isto, em vista das perfeitas condições em que a imagem de Deus existiu originariamente, por certo exclui a possibilidade de que trouxesse consigo as sementes da dissolução e da mortalidade. (2) A morte física não é apresentada na Escritura como resultado natural da continuidade da condição original do homem, devido ao seu fracasso em não conseguir subir às alturas da imortalidade pelo caminho da obediência; mas, sim, como resultado da sua morte espiritual, Rm 6.23; 5.21; 1 Co 15.56; Tg 1.15. (3) As expressões bíblicas certamente indicam a morte como uma coisa introduzida no mundo da humanidade pelo pecado, e como uma punição positiva pelo pecado, Gn 2.17; 3.19; m 5.12, 17; 6.23; 1 Co 15.21; Tg 1.15. (4) A morte não é descrita como algo natural na vida do homem, mera falha de um ideal, e sim assaz decisivamente como algo alheio e hostil à vida humana: é uma expressão da ira divina, Sl 90.7, 11, um julgamento, Rm 1.32, uma condenação, Rm 5.16 e uma maldição, Gl 3.13, e enche os corações dos filhos dos homens de temor e tremor, justamente porque é tida como uma coisa antinatural.
Tudo isso não significa, porém, que não poderia ter havido morte nalgum sentido da palavra no mundo da criação inferior, independentemente do pecado, mas, mesmo ali, é evidente que a entrada do pecado trouxe um cativeiro de corrupção que era estranho à criatura, Rm 8.20-22. Por estrita justiça, Deus poderia ter imposto a morte ao homem no mais completo sentido da palavra imediatamente após a sua transgressão, Gn 2.17. Mas, por Sua graça comum, restringiu a operação do pecado e da morte, e, por Sua graça especial em Cristo Jesus, venceu estas forças hostis, Rm 5.17; 1 Co 15.45; 2 Tm 1.10; Hb 2.14; Ap 1.18; 20.14. A morte realiza agora plenamente a sua obra só nas vidas que recusam a libertação do seu jugo, libertação oferecida em Cristo Jesus. Os que crêem em Cristo estão livres do poder da morte, foram restaurados à comunhão com Deus, e foram revestidos de uma vida sem fim, Jo 3.36; 6.40; Rm 5.17-21; 8.23; 1 Co 15.26, 51-57; Ap 20.14; 21.3, 4.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Significado da Morte dos Crentes

A Bíblia fala da morte física como punição, como “o salário do pecado”. Dado, porém, que os crentes estão justificados e não estão mais na obrigação de prestar qualquer satisfação penal, surge naturalmente a questão: Por que eles têm que morrer? É mais que evidente que, quanto a eles, o elemento penal e retirado da morte. Não se acham mais sob a lei, quer como exigência da aliança das obras, quer como poder condenatório, visto haverem obtido completo perdão por todos os seus pecados. Cristo se fez maldição por eles, e, assim, removeu a pena do pecado. Mas, se é assim, por que Deus ainda julga necessário faze-los passar pela dolorosa experiência da morte? Por que simplesmente não os transfere de uma vez para o céu? Não se pode dizer que a destruição do corpo é absolutamente essencial para uma perfeita santificação, uma vez que isso é contraditado pelos exemplos de Enoque e Elias. Tampouco é satisfatório dizer que a morte liberta o crente dos males e sofrimentos da presente vida e dos estorvos do pó, livrando o espírito do grosseiro e carnal corpo atual. Deus poderia também realizar esta libertação por uma transformação súbita, como a que os santos vivos experimentarão por ocasião da parousia. É evidente que a morte dos crentes deve ser considerada como a culminação dos corretivos que Deus ordenou para a santificação do Seu povo. Conquanto a morte, em si mesma, continue sendo um verdadeiro mal natural para os filhos de Deus, uma coisa antinatural que, como tal, é temida por eles, na economia da graça se faz subserviente ao seu progresso espiritual e aos melhores interesses do reino de Deus. A própria idéia da morte, as aflições que cercam a morte, o sentimento de que as doenças são prenúncios da morte, e a consciência da aproximação da morte – tudo isso tem um efeito benéfico sobre o povo de Deus. Serve para humilhar os orgulhosos, para mortificar a carnalidade, para refrear o mundanismo e para fomentar a mentalidade espiritual. Na união mística com o seu Senhor, os crentes são levados a participar das experiências de Cristo. Justamente como Ele entrou em Sua glória pelo caminho dos sofrimentos e morte, eles também só podem tomar posse da sua herança eterna por meio da santificação. Muitas vezes a morte é a prova suprema do vigor da fé que há neles, e com freqüência provoca extraordinárias manifestações da consciência de vitória precisamente na hora da derrota aparente, 1 Pe 4.12, 13. Ela completa a santificação das almas dos crentes, de sorte que eles passam imediatamente a ser “espíritos dos justos aperfeiçoados”, Hb 12.23; Ap 21.27. Para os crentes, a morte não é o fim, mas o inicio de uma vida perfeita. Eles adentram a morte com a certeza de que o seu aguilhão já foi retirado, 1 Co 15.55, e de que ela é para eles a porta do céu. Eles dormem em Jesus, 1 Ts 4.14 (Almeida, Rev. e Corrigida; cf. também Ap 14.13), e sabem que até os seus corpos serão finalmente arrebatados do poder da morte, para estarem para sempre com o Senhor, Rm 8.11; 1 Ts 4.16, 17. Disse Jesus: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). E Paulo tinha a bem-aventurada consciência de que, para ele, o viver é Cristo, e o morrer era lucro. Daí, pôde ele entoar com jubilosas notas, no fim de sua carreira: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”, 2 Tm 4.7, 8.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual a idéia fundamental da concepção bíblica da morte? 2. A morte é apenas resultado natural do pecado, ou é uma positiva punição pelo pecado? 3. Se é punição, como se pode provar isto pela Escritura? 4. Em que sentido o homem, como foi criado por Deus, era mortal? Em que sentido era imortal? 5. Como se pode reprovar a posição dos pelagianos? 6. Em que sentido a morte realmente deixou de ser morte para os crentes? 7. A que propósito a morte atende em suas vidas? 8. Quando se põe fim total ao poder da morte para eles?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Dick, Lect. On Theol., p. 426-433; Dabney, Syst. and Polemic Theol., p. 817-821; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 536-540; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 569-573; Schmid, Dogm. Theol. of the Ev. Luth. Church, p. 626-631; Pope, Chr. Theol. III, p. 371-376; Valentine, Chr. Theol. II, p. 389-391; Hovey, Eschatology, p. 13-22; Dahle, Life After Death, p. 24-58; Kennedy, St. Paul’s Conception of the Last Things, p. 103-157; Strong, Syst. Theol., p. 982, 983; Pohle-Preuss, Eschatology, p. 5-17.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

A Imortalidade da Alma

No capítulo anterior foi assinalado que a morte física é a separação de corpo e alma, e marca o fim da nossa presente existência física. Necessariamente envolve e resulta na decomposição do corpo. Marca o fim da nossa presente vida e o fim do “corpo natural”. Mas agora surge a questão: Que acontece com a alma? A morte física dá fim à sua vida, ou ela continuará a existir e a viver após a morte? Sempre foi firme convicção da igreja de Jesus Cristo que a alma continua a viver depois da sua separação do corpo. Esta doutrina da imortalidade da alma requer breve consideração nesta altura.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Diferentes Conotações do Termo “Imortalidade”.

Numa discussão da doutrina da imortalidade, deve-se ter em mente que o termo “imortalidade” nem sempre é empregado no mesmo sentido. São indispensáveis certas distinções para evitar confusão.
1. No sentido mais absoluto da palavra, só se atribui imortalidade a Deus. Paulo fala dele em 1 Tm 6.15, 16 como o “bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores: o único que possui imortalidade”. Isto não significa que nenhuma de Suas criaturas seja imortal nalgum sentido da palavra. Entendida naquele sentido irrestrito, esta palavra de Paulo ensinaria também que os anjos não são imortais, e certamente não é esta a intenção do apostolo. O sentido evidente da sua afirmação é que Deus é o único ser que possui imortalidade “como uma qualidade original, eterna e necessária”. Seja qual for a imortalidade que se possa atribuir a quaisquer criaturas suas, é dependente da vontade divina, é-lhes conferida, e, portanto, teve um começo. Deus, por outro lado, é necessariamente livre de todas as limitações temporais.
2. A imortalidade, no sentido de uma existência continuada ou sem fim, também é atribuída a todos os espíritos, a alma humana inclusive. Uma das doutrinas da religião ou filosofia natural é que, quando o corpo é dissolvido, a alma não comparte a sua dissolução, mas retém a sua identidade como um ser individual. Esta idéia da imortalidade da alma está em perfeita harmonia com o que a Bíblia ensina acerca do homem, mas a Bíblia, a religião e a teologia não estão interessadas primariamente nesta imortalidade puramente quantitativa e incolor – a pura e simples existência contínua da alma.
3. Ainda, o termo “imortalidade” é empregado na linguagem teológica para designar o estado do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes da decadência e da morte. Neste sentido da palavra, o homem era imortal antes da Queda. Esse estado evidentemente não excluía a possibilidade do homem se tornar sujeito à morte. Embora o homem, no estado de retidão, não estivesse sujeito à morte, estava propenso a essa sujeição. Era inteiramente possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da morte; e o fato é que ele caiu vítima dele.
4. Finalmente, a palavra “imortalidade” designa, especialmente na linguagem escatológica, o estado do homem no qual ele é impérvio à morte e não tem a mínima possibilidade de se tornar sua presa. Neste supremo sentido da palavra, o homem não era imortal em virtude da sua criação, apesar de ter sido criado à imagem de Deus. Esta imortalidade seria o resultado, se Adão tivesse cumprido a condição da aliança das obras, mas agora só pode resultar da obra de redenção, quando se completar na consumação.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Testemunho da Revelação Geral Quanto à Imortalidade da Alma

A pergunta de Jó, “Morrendo o homem porventura tornará a viver?” (Jó 14.14) é de interesse perene. E com ela sempre se repete a pergunta se os mortos voltarão a viver. A resposta a essa indagação sempre foi afirmativa. Conquanto os evolucionistas não possam admitir que a fé na imortalidade da alma é uma qualidade original do homem, não se pode negar que esta fé é pouco menos que universal e se encontra até nas formas inferiores de religião. Sob a influência do materialismo, muitos se inclinam a duvidar, e até a negar a vida futura do homem. Todavia, esta atitude negativa não é a que prevalece. Num recente simpósio sobre “imortalidade”, que inclui as idéias de cerca de cem homens representativos, as opiniões são praticamente unânimes em favor de uma vida futura. Os argumentos históricos e filosóficos em prol da imortalidade da alma não são absolutamente conclusivos, mas certamente são testemunhos importantes da existência continuada, pessoal e consciente do homem. São os seguintes:
1. ARGUMENTO HISTÓRICO. O consensus gentium (consenso dos povos) é tão forte com relação à imortalidade da alma, como com referencia à existência de Deus. Sempre houve eruditos descrentes que negavam a existência permanente do homem, mas em geral se pode dizer que a crença na imortalidade da alma se acha em todas as raças e nações, não importa seu estágio de civilização. Vê-se que uma noção tão comum só pode ser considerada como um instinto natural ou como algo envolvido na própria constituição da natureza humana.
2. ARGUMENTO METAFÍSICO. Este argumento se baseia na simplicidade (ontológica) da alma humana, e desta se infere a sua indissolubilidade. Na morte a matéria se dissolve em suas partes. Mas a alma, como uma entidade espiritual, não se compõe de várias partes, e, portanto, é incapaz de divisão ou dissolução. Conseqüentemente, a decomposição do corpo não leva consigo a destruição da alma. Mesmo quando aquele perece, esta permanece intacta. Este argumento é muito antigo, e já utilizado por Platão.
3. ARGUMENTO TEOLÓGICO. A impressão que se tem é que os seres humanos são dotados de capacidades quase infinitas que nunca se desenvolvem plenamente nesta vida. É como se, na maioria, os homens mal tenham começado a realizar algumas das grandes coisas às quais aspiram. Há idéias que não se concretizam, apetites e desejos não satisfeitos nesta existência, anseios e aspirações frustrados. Pois bem, argumenta-se que Deus não teria conferido aos homens essas habilidades e talentos só para faze-los fracassar em suas realizações, não teria dado aos corações esses desejos e aspirações só para decepciona-los. Ele deve ter providenciado uma existência futura, na qual a vida humana alcançara fruição real.
4. ARGUMENTO MORAL. A consciência humana atesta a existência de um Governante do universo que exerce justiça. Todavia, as exigências da justiça não são satisfeitas na presente vida. Há uma distribuição desigual e aparentemente injusta do bem e do mal. Muitas vezes os ímpios prosperam, aumentam suas riquezas, e gozam abundantemente dos prazeres da vida, enquanto que, freqüentemente, os justos vivem na pobreza, enfrentam penosos e humilhantes contratempos e padecem muitas aflições. Daí, deverá haver um futuro estado de existência no qual a justiça reinará suprema e as desigualdades do presente serão retificadas.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Testemunho da Revelação Especial Quanto à Imortalidade da Alma

As provas históricas e filosóficas da sobrevivência da alma não são absolutamente demonstrativas e, portanto, a ninguém compelem à crença. Para maior segurança nesta matéria, pe necessário dirigir os olhos da fé para a Escritura. Aqui também devemos firmar-nos na voz da autoridade. Ora, a posição da Escritura com respeito a esta questão pode, a princípio, parecer um tanto dúbia. Ela fala de Deus como o único que tem imortalidade (1 Tm 6.15), e nunca afirma isso a respeito do homem. Não há nenhuma menção explícita da imortalidade da alma, e muito menos qualquer tentativa de provar isso de maneira formal. Daí, os russelitas ou os da aurora do milênio freqüentemente desafiam os teólogos a indicarem uma única passagem em que a Bíblia ensine que a alma do homem é imortal. Mas, mesmo que a Bíblia não afirme explicitamente que a alma do homem é imortal, e não procure provar isso de maneira formal, como tampouco procura apresentar prova formal da existência de Deus, não significa que a Escritura o negue ou o contradite ou o ignore. Ela pressupõe claramente em muitas passagens que o homem continua sua existência consciente após a morte. De fato, ela trata da verdade da imortalidade do homem de modo muito parecido ao modo como trata de existência de Deus, isto é, ela a pressupõe como um postulado incontestável.
1. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO VELHO TESTAMENTO. Repetidamente se assevera que o Velho Testamento, particularmente o Pentateuco, não ensina, de modo nenhum, a imortalidade da alma. Ora, é mais que certo que essa grande verdade é revelada com menor clareza no Velho Testamento que no Novo; mas os fatos a respeito não autorizam a asserção de que ela está completamente ausente do Velho Testamento. É um fato bem conhecido e geralmente reconhecido que a revelação de Deus na Escritura é progressiva e aumenta gradativamente em clareza; e é evidente que a doutrina da imortalidade, no sentido de uma vida eterna e bem-aventurada, só poderia ser revelada em todos os seus aspectos depois da ressurreição de Jesus Cristo, que “trouxe à luz a vida e a imortalidade” 2 Tm 1.10. Mas, embora tudo isso seja verdade, não se pode negar que o Velho Testamento dá a entender a existência continuada e consciente do homem, quer no sentido de uma pura imortalidade ou sobrevivência da alma, quer no de uma bem-aventurada vida futura. Isso está implícito:
a. Em sua doutrina de Deus e do homem. As próprias raízes da esperança de Israel quanto à imortalidade estavam e sua crença em Deus como o seu Criador e Redentor, o Deus da Aliança, que nunca falharia com ele. Ele era para os israelitas o Deus vivo, eterno e fiel, em cuja comunhão eles encontravam alegria, vida, paz e perfeita satisfação. Teriam eles palpitado por Ele como palpitaram, ter-se-iam confiado a Ele completamente, na vida e na morte, e O teriam exaltado em seus cânticos como sua porção para sempre, se achassem que tudo que Ele lhes oferecia era apenas uma breve fração de tempo? Como poderiam auferir real consolo da redenção prometida por Deus, se considerassem a morte como o fim de sua existência? Além disso, o Velho Testamento descreve o homem como criado à imagem de Deus, criado para a vida, e não para a mortalidade. Em distinção dos animais irracionais, ele possui uma vida que transcende o tempo e já contém em si uma garantia de imortalidade. Foi criado para comunhão com Deus, é pouco menor do que os anjos, e Deus pôs a eternidade no seu coração, Ec 3.11.
b. Em sua doutrina do sheol. O Velho Testamento nos ensina que os mortos descem ao sheol. A discussão desta doutrina pertence ao capítulo subseqüente. Mas, seja qual for a interpretação válida do sheol veterotestamentário, e o que quer que se possa dizer da condição dos que descem para esse lugar, certamente este é descrito como um estado de existência mais ou menos consciente, embora não de bem-aventurança. O homem só entra no estado de perfeita bem-aventurança se libertado do sheol. Nesta libertação chegamos ao verdadeiro âmago da esperança veterotestamentária de uma imortalidade bem-aventurada. Isso é ensinado claramente em diversas passagens, como Sl 16.10; 49.14, 15.
c. Em suas freqüentes advertências contra a consulta aos mortos ou a “espíritos familiares” (segundo a versão utilizada pelo Autor, em todas as passagens abaixo citadas), isto é, pessoas que podiam invocar os espíritos dos mortos e comunicar as suas mensagens aos consulentes, Lv 19.31; 20.27; Dt 18.11; Is 8.19; 29.4. Não diz a Escritura que é impossível consultar os mortos, mas, antes, parece pressupor a possibilidade, condenando a prática.*
d. Em seus ensinamentos a respeito da ressurreição dos mortos. Esta doutrina não é ensinada explicitamente nos livros mais antigos do Velho Testamento. Contudo, Cristo assinala que ela foi ensinada implicitamente na declaração, “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”, Mt 22.32, cf. Êx 3.6, e repreende os judeus por não compreenderem as Escrituras sobre este ponto. Alem disso, a doutrina da ressurreição é ensinada explicitamente em passagens como Jó 19.23-27; Sl 16.9-11, 17.15; 49.15; 73.24; Is 26.19; Dn 12.2.
e. Em certas passagens notáveis do Velho Testamento, que falam da alegria do crente em comunhão com Deus depois da morte. Estas são, no mais importante, idênticas às passagens citadas no item anterior, quais sejam Jó 19.25-27; Sl 16.9-11; 17.15; 73.23, 24, 26. elas exalam a confiante expectação de venturas na presença de Jeová.**
2. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO NOVO TESTAMENTO. No Novo Testamento, depois que Cristo trouxe à luz a vida e a imortalidade, naturalmente as provas de multiplicam. Outra vez as passagens que as contêm podem ser divididas em várias classes como referentes:
a. À sobrevivência da alma. Ensina-se claramente uma existência continuada dos justos e dos ímpios. Que as almas dos crentes sobreviverão, vê-se de passagens como Mt 10.28; Lc 23.43; Jo 11.25, 26; 14.3; 2 Co 5.1; e várias outras passagens evidenciam muito bem que se pode dizer a mesma coisa das almas dos ímpios, Mt 11.21-24; 12.41; Rm 2.5-11; 2 Co 5.10.
b. À ressurreição pela qual o corpo também é levado a participar da existência futura. Para os crente, a ressurreição significa a redenção do corpo e a entrada na perfeita vida de comunhão com Deus, na plena bem-aventurança da imortalidade. Esta ressurreição é ensinada em Lc 20.35, 36; Jo 5.25-29; 1 Co 15; 1 Ts 4.16; Fp 3.21, e noutras passagens. Para os ímpios, a ressurreição também significará uma renovada e continuada existência do corpo, mas isto dificilmente poderá chamar-se vida. A Escritura a denomina morte eterna. A ressurreição dos ímpios é mencionada em Jo 5.29; At 24.15; Ap 20.12-15.
c. À vida bem-aventurada dos crentes, na comunhão com Deus. Há numerosas passagens no Novo Testamento que acentuam o fato de que a imortalidade dos crentes não é uma simples existência sem fim, mas uma encantadora vida de felicidade na comunhão com Deus e com Jesus Cristo, a pela fruição da vida que é implantada na alma enquanto ainda na terra. Dá-se clara ênfase a isso em passagens como Mt 13.43; 25.34; Rm 2.7, 10; 1 Co 15.49; Fp 3.21; 2 Tm 4.8; Ap 21.4; 22.3, 4.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)