segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO

1. O CONCEITO PREMILENISTA CONCERNENTE À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO. É opinião comum entre os premilenistas que a ressurreição dos santos estará separada da dos ímpios por um período de mil anos. Ao que parece, quase consideram como verdade axiomática que essas duas classes não têm a mínima possibilidade de ressurgir ao mesmo tempo. E não somente isso, mas o tipo de premilenismo dominante hoje em dia, com a sua teoria de uma dupla segunda vinda de Cristo, sente necessidade de admitir uma terceira ressurreição. Todos os santos das dispensações anteriores e da atual dispensação serão ressuscitados na paurosia, ou seja, na vinda do Senhor. Os que ainda viverem nesse tempo serão transformados num instante, num piscar de olhos. Mas nos sete anos que se seguirão à paurosia, muitos outros santos morrerão, especialmente na grande tribulação. Estes também deverão ressuscitar, e a sua ressurreição ocorrerá quando se der a revelação do dia do Senhor, sete anos após a parousia. Mas, nem neste ponto os premilenistas podem parar. Desde que a ressurreição que se dará no fim do mundo está reservada para os ímpios, terá que haver outra ressurreição dos santos que morreram durante o milênio, a qual precederá a dos ímpios, pois, segundo eles, santos e ímpios não podem ressuscitar ao mesmo tempo.
2. INDICAÇÕES ESCRITURÍSTICAS QUANTO À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO. Segundo a Escritura, a ressurreição dos mortos coincidirá com a paurosia, com a revelação do dia do Senhor e com o fim do mundo, e precederá imediatamente o juízo geral e final. A Bíblia certamente não favorece as distinções premilenistas a respeito desta doutrina. Em diversos lugares ela apresenta a ressurreição dos justos e a dos ímpios como contemporâneas, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Todas essas passagens falam da ressurreição como um único evento, e não contêm a mais ligeira indicação de que a ressurreição dos justos e a dos ímpios estarão separadas por um período de mil anos.
Mas isto não é tudo que se pode dizer em favor da idéia de que ambas coincidem. Em Jo 5.21-29 Jesus combina o pensamento sobre a ressurreição, incluindo a ressurreição dos justos, com o pensamento sobre o juízo, incluindo o juízo dos ímpios. Alem disso, 2 Ts 1.7-10 apresenta claramente a paurosia (versículo 10), a revelação (vers. 7) e o juízo dos ímpios (vers. 8 e 9) como coincidentes. Se não for este caso, a língua terá perdido o seu sentido. Ademais, a ressurreição dos crentes está ligada diretamente à segunda vinda do Senhor em 1 Co 15.23; Fp 3.20, 21 e 1 Ts 4.16, mas também é apresentada como ocorrendo no fim do mundo, Jo 6.39, 40, 44, 54, ou no último dia. Quer dizer que os crentes serão ressuscitados no ultimo dia, e que o ultimo dia é também o dia da vinda do Senhor. Sua ressurreição não precederá o fim por um período de mil anos. Felizmente, há vários premilenistas que não aceitam a teoria de três ressurreições, mas que, não obstante, apegam-se à doutrina de duas ressurreições.
3. CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS A FAVOR DE DUAS RESSURREIÇÕES.
a. Grande ênfase é dada ao fato de que a Escritura, apesar de geralmente falar da ressurreição ton nekron, isto é, “dos mortos”, repetidamente se refere à ressurreição dos crentes como uma ressurreição ek nekron, isto é, “saída dos mortos”. Os premilenistas traduzem esta expressão por “dentre os mortos”, de modo que implica que muitos mortos ainda permaneceriam no túmulo. Lightfoot também afirma que esta expressão se refere à ressurreição dos crentes, mas Kennedy diz: “Não há absolutamente nenhuma prova a favor desta asserção definida”. Também é esta a conclusão a que chega o doutor Vos, depois de um cuidadoso estudo das passagens pertinentes. Em geral se pode dizer que a suposição de que a expressão he anastasis ek nekron deve ser vertida para “a ressurreição dentre os mortos” é inteiramente gratuita. Os léxicos clássicos desconhecem essa versão; e Kremer-Koegel interpreta a expressão dando-lhe este sentido: “do estado dos mortos”, e esta parece ser a interpretação mais natural. Deve-se notar que Paulo emprega as expressões uma pela outra em 1 Co 15. Apesar de estar falando somente da ressurreição dos crentes, é vidente que ele não procura salientar o fato de que esta é de caráter específico, pois emprega a expressão mais geral repetidas vezes, 1 Co 15.12, 13, 21, 42.
b. Os premilenistas recorrem também a certas expressões específicas, tais como “superior ressurreição”, Hb 11.35, “ressurreição da vida”, Jo 5.29, “ressurreição dos justos”, Lc 14.14, e “e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”, 1 Ts 4.16 – todas as quais se referem unicamente à ressurreição dos crentes. Essas expressões parecem colocar essa ressurreição à parte, como algo diferente. Mas essas passagens provam apenas que a Bíblia distingue entre a ressurreição dos justos e a dos ímpios, e não fornecem nenhuma prova de que haverá duas ressurreições, separadas uma da outra por um período de mil anos. A ressurreição do povo de Deus difere da dos incrédulos em seu princípio motriz, em sua natureza essencial e em seu desfecho final, e, portanto, pode muito bem ser apresentada como uma coisa distinta e como uma experiência muitíssimo mais desejável do que a ressurreição dos ímpios. Aquela liberta os homens do poder da morte; esta não. A despeito da sua ressurreição, os incrédulos permanecerão no estado de morte.
c. Um dos principais textos-prova dos premilenistas, a favor de duas ressurreições, acha-se em 1 Co 15.22-24: “Porque assim como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem. Cristo, as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. E então virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai...”. Nesta passagem eles vêem três estágios da ressurreição indicados, quais sejam, (1) a ressurreição de Cristo; (2) a ressurreição dos crentes; e (3) o fim (como eles o interpretam) da ressurreição, isto é, a ressurreição dos ímpios. Silver faz uma colocação pitoresca: “Na ressurreição, Cristo e muitos santos que ressurgiram em Jerusalém e ao redor dela aparecem como o primeiro grupo. Mais de 1900 anos depois, ‘os que são de Cristo, na sua vinda’ aparecerão como o segundo grupo. ‘E então’ (mas não imediatamente), ‘virá o fim’ (vers. 24), o derradeiro e grande bloco de gente, com um grupo de criaturas esquecidas, completando o cortejo”. É de se notar que a idéia “não imediatamente” é introduzida no texto. O argumento é que, uma vez que epeita (depois) do versículo 23 se refere a um tempo ao menos 1900 anos mais tarde, a palavra eita (então) do versículo 24 se refere a um tempo 1000 anos mais tarde. Mas isto é mera suposição, destituída de qualquer prova. As palavras epeita e eita significam de fato a mesma coisa, mas nenhuma delas implica necessariamente a idéia de um longo período intermediário. Observe-se o emprego de epeita em Lc 16.7 e Tg 4.14, e o de eita em Mc 8.25; Jo 13.5; 19.27; 20.27. Ambas as palavras podem ser utilizadas para indicar algo que ocorrerá imediatamente, e para algo que só ocorrerá depois de algum tempo, de maneira que é pura suposição pensar que a ressurreição dos crentes estará separada do fim por um longo período de tempo. Outra suposição gratuita é a de que “o fim” significa “o fim da ressurreição”. De acordo com a analogia da escritura, aquela expressão aponta para o fim do mundo, a consumação, o tempo em que Cristo entregará o Reino ao pai e porá todos os inimigos debaixo dos Seus pés. Este é o conceito adotado por comentadores como Alford, Godet, Hodge, Bachmann, Findley, Robertson & Plummer, e Edwards.
d. Outra passagem a que os premilenistas recorrem é 1 Ts 4.16, “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos ressuscitarão primeiro”. Disto eles inferem que aqueles que não morrem em Cristo ressuscitarão em data posterior. Mas é mais que evidente que não é essa a antítese que o apostolo tem em mente. A declaração subseqüente não é, “depois os mortos que não estão em Cristo ressuscitarão”, mas “depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, pra o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”. Biederwolf admite isso francamente. Tanto nesta passagem como na anterior Paulo está falando somente da ressurreição dos crentes; a dos ímpios não está em seu escopo, de modo nenhum.
e. A passagem mais importante a que se referem os premilenistas é Ap 20.4-6: “... e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição”. Aqui os versículos 5 e 6 fazem menção de uma primeira ressurreição, e isto, é o que se diz, implica que haverá uma segunda. Mas a suposição de que o escritor está falando de uma ressurreição corporal é extremamente duvidosa. Evidentemente o cenário dos versículos 4 a 6 está no céu, e não na terra. E os termos não sugerem uma ressurreição corporal. O vidente não fala de pessoas ou corpos que foram ressuscitados, mas de almas que “viveram” e “reinaram”. E ele denomina esse viver e reinar com Cristo “a primeira ressurreição”. O doutor Vos opina que as palavras, “Esta (enfática) é a primeira ressurreição”, podem até ser “uma assinalada desaprovação de uma interpretação mais realista (quiliástica) da mesma frase”. Com toda a probabilidade, a expressão se refere à entrada das almas dos santos na gloriosa condição de vida com Cristo na morte. A ausência da idéia de uma dupla ressurreição bem pode fazer-nos hesitar em afirmar a sua presença nesta passagem de um livro tão cheio de simbolismos, como o Apocalipse de João. Onde quer que a Bíblia mencione juntas a ressurreição dos justos e a dos ímpios, como em Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15, inexiste a mais ligeira insinuação de que ambas estarão separadas uma da outra por um período de mil anos. Por outro lado, ela ensina que a ressurreição terá lugar no último dia, e imediatamente será seguida pelo juízo final, Mt 25.31, 32; Jo 5.27-29; 6.39,40, 44, 54; 11.24; Ap 20.11-15.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. a Confissão Apostólica fala da ressurreição do corpo, ou da ressurreição da carne? 2. Como explicar a mudança de uma para a outra? 3. Os premilenistas não têm que acrescentar outra ressurreição dos justos às que ocorrerão na paurosia e na revelação, segundo eles? 4. Como os premilenistas elaboram um argumento em favor de uma dupla ressurreição utilizando até Dn 12.2? 5. Como encontram eles um argumento para isso em Fp 3.11? 6. Qual é o principal argumento dos “liberais” modernos contra a doutrina de uma ressurreição física? 7. Que quer dizer Paulo quando fala, em 1 Co 15.44, do corpo ressureto como um soma pneumatikon?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 755-758,770-777; Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 262-279; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 14-22; id., Pauline Eschatology, p136-225;Hodge, Syst., Theol. III, p. 837-844; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 829-841; Shedd, Dogm. Theol., p. 641-658; Valentine, Chr. Theol. II, p. 414-420;Dahle, Life After Death, p. 358-418; Hovey, Eschatology, p23-78; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 164-179; Snowden, The Coming of the Lord, p. 172-191; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality, p. 262-272, 437-459; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the Last Things, p. 222-281; Kliefoth, Eschatologie, p. 248-275; Brown, The Chr. Hope, p. 89-108; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 61-77.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

Nenhum comentário:

Postar um comentário