sábado, 8 de setembro de 2012

O ensino do Novo Testamento sobre a justificação

Dirigimos a nossa atenção agora para a reação dos gentios e dos judeus ante a doutrina da justificação quando o evangelho foi lhes apresentado pela primeira vez.
Temos observado já, que desde o início da história, o ensino divino quanto à justificação de pecadores, incluiu tanto a promessa da vinda de um salvador como também a instrução sobre a prática de sacrifícios. Desde Adão até Abraão, estas coisas foram conhecidas universalmente. Naquele tempo, o mundo não conheceu nenhuma divisão entre gentios e judeus. No entanto, depois de Abraão, a situação tornou-se diferente:
i.
Entre os gentios. O conhecimento da verdade foi deturpado ou esquecido por aqueles que não receberam mais revelações de Deus, semelhantes às que Abraão e os israelitas receberam. O mundo gentílico reteve algumas noções do primitivo culto religioso. O sacrifício de animais continuou. Mas, tudo foi feito sem o conhecimento da verdade do evangelho e, conseqüentemente, desenvolveu-se em sistemas de superstição pagã. Todavia, a melancólica sinceridade do culto pagão pode impressionar. O fato se demonstra claramente: apesar de ter apenas um conhecimento deficiente de Deus, do pecado e da indispensabilidade de salvação, o povo sentiu a necessidade de ser, por alguma maneira, aceito por Deus. Os gentios cultos, desprezando a superstição, usaram a filosofia para encontrar respostas às suas questões religiosas. Tentaram resolver os seus problemas pela luz ofusca da revelação de Deus na natureza. Não tinham definido nenhuma doutrina da justificação. De fato, às vezes eles argumentaram que os seres humanos em si mesmos foram suficientemente virtuosos, e que era decididamente errado considerá-los como pecadores débeis e precisando de ser justificados.
ii.
Entre os judeus. A verdade da justificação pela graça de Deus mediante a fé nunca foi inteiramente perdida. Contudo, ficou deturpada pelo ensino errôneo. Paulo descreveu os líderes judaicos como desconhecedores da "justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria" (Rm 10.3). Portanto, o erro entre muitos dos judeus foi o de auto-justiça. Pensaram que, através de seu próprio sofrimento, o povo pudesse obter o perdão de seus pecados; e que através de suas boas obras (oração, esmolas, cerimônias religiosas, obediência à lei) eles pudessem merecer a vida eterna. Este ensino demonstrou uma deficiência no conhecimento da verdadeira natureza do pecado, e um desprezo de tudo que Jesus Cristo fez a fim de adquirir a salvação de pecadores.
Assim, ambos os povos, gentios e judeus, vieram a entender que as suas próprias obras, tanto do passado como do futuro, poderiam justificá-los; portanto, para agradar a Deus, ambos depositaram a sua confiança na observância exterior de cerimônias religiosas. O evangelho da salvação pela graça de Deus foi anunciado a pessoas que acreditaram nestes erros gentílicos e judaicos. A compreensão deste fato ajuda-nos a entender muitas partes dos Evangelhos e das Epístolas. O nosso Senhor, na exposição do sentido espiritual da lei de Deus, enfatiza a necessidade de uma obediência interior que atinja o coração e a mente. Ele insiste na realidade da punição eterna do pecado e na necessidade do novo nascimento que é algo interior. Podemos achá-lO usando até a lei em seu sentido de uma aliança nacional a fim de provocar convicção de pecado - "faze isto, e viverás" (Lc 10.28). O nosso Senhor procura abrir o caminho para o evangelho da justificação somente pela fé (João 3:16).
Os apóstolos usaram a mesma tática para combater os erros dos gentios e dos judeus. Paulo demonstrou repetidamente que tanto os judeus como os gentios eram pecadores, desprotegidos diante da santa ira de Deus, e incapazes por suas próprias obras a obter qualquer aceitação na presença de Deus. Assim Paulo demonstrou a necessidade urgente de um método de justificação que substituísse aquele que os povos viessem a improvisar para si mesmos. Dessa maneira, o caminho foi preparado para aquela justiça de Deus "mediante a fé em Jesus Cristo" (Romanos 3:22).
É instrutivo descobrir que estes erros dos gentios e dos judeus são os mesmos que a Igreja ainda tem de combater, quando ensina a doutrina bíblica da justificação. O que todas as demais religiões têm em comum, é isto: todas ensinam alguma forma de auto-suficiência humana e todas são mais ou menos opostas à dependência total da graça de Deus para a justificação. No caso dos judeus, houve um erro adicional, porque acreditaram em seu privilégio especial como a nação escolhida por Deus para justificá-los. Todos esses três erros podem ser achados entre os aderentes nominais do cristianismo moderno.
iii.
Além dos erros presentes quando o evangelho do Novo Testamento foi anunciado pela primeira vez, logo surgiu na Igreja Cristã outras questões referentes a justificação. Estas originaram-se das influências do judaísmo e da filosofia grega.
Das influências judaicas surgiram as perguntas: deveriam os cristãos judaicos continuar guardando as cerimônias do judaísmo? Deveriam os gentios que desejam adotar o cristianismo, tornar-se cerimonialmente judeus? Seria fé em Cristo, sem obediência à lei moral e cerimonial como a razão da justificação, suficiente para o perdão e o recebimento por Deus (Atos, capítulo 15)?
O propósito da Epístola aos Hebreus foi persuadir os judeus convertidos, que, como cristãos, eles já desfrutavam da realidade daquilo que foi simbolizado no judaísmo. O registro em Atos da vinda do Espírito Santo em Sua plenitude sobre os gentios cristãos estabeleceu que as cerimônias judaicas não foram essenciais à experiência cristã. As Epístolas aos Romanos e aos Gálatas insistem que a salvação é somente pela fé em Cristo e que não tem necessidade de qualquer contribuição humana para que se torne efetiva. O estudo do procedimento dos apóstolos diante das questões que os importunaram oferece bastante informação quanto à sua compreensão da doutrina da justificação.
Da influência da filosofia grega surgiu a heresia que afirmava que toda a substância material é essencialmente imunda. Os nossos corpos físicos, portanto, foram acusados de serem inerentemente pecaminosos. Esta, por sua vez, conduziu à negação da verdadeira natureza do corpo carnal do nosso Senhor, de forma que Cristo, que sofreu e derramou o Seu sangue, foi incapaz de ser um verdadeiro substituto pelos pecadores. Nesse caso, justificação não foi mais possível pela fé em Cristo como Salvador. Contra tal erro, o idoso apóstolo João asseverou fortemente: "Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus" (1 João 4:1-3). Continua sendo verdade que a corrupção da fé cristã surge muitas vezes da influência de "filosofias e vãs sutilezas" (Colossenses 2:8).

(Justificação pela fé - James Buchanan)

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