sexta-feira, 27 de junho de 2014

Regeneração e Vocação Eficaz

A. Termos Bíblicos Para a Regeneração e Suas Implicações.
1. OS TERMOS QUE ENTRAM EM CONSIDERAÇÃO. O vocábulo grego para “regeneração” (palingenesia) só se acha em Mt 19.28 e Tt 3.5, e somente nesta última passagem se refere ao início da nova vida do cristão individual. A idéia deste início é mais comumente expressa pelo verbo gennao (com anothen em Jo 3.3), ou seu composto anagennao. Estas palavras significam, ou gerar, gerar de novo, ou dar à luz, dar nascimento, Jo 1.13; 3.3, 4, 5, 6, 7, 8; 1 Pe 1.23; 1 Jo 2.29; 3.9; 4.7; 5.1, 4, 18. Numa passagem, a saber, Tg 1.18, é empregada a palavra apokyeo, dar à luz, gerar, produzir. Ademais, a idéia da produção de uma nova vida é expressa pela palavra ktizo, criar, Ef 2.10, e o produto desta nova criação é chamada kaine ktisis (nova criatura), 2. Co 5.17; Gl 6.15, ou kainos anthropos (novo homem), Ef 4.24. Finalmente, o termo syzoopoieo, dar vida com, vivificar com, também é empregado num par de passagens, Ef 2.5; Cl 2.13.
2. IMPLICAÇÕES DESTES TERMOS. Estes termos levam consigo várias implicações importantes, para as quais se deve dirigir a atenção. (a) A regeneração é uma obra criadora de Deus e, portanto, é uma obra na qual o homem é puramente passivo, e na qual não há lugar para cooperação humana. Este é um ponto muito importante, visto que salienta o fato de que a salvação é totalmente de Deus. (b) A obra criadora de Deus produz uma vida nova, em virtude da qual o homem, vivificado com Cristo, participa da vida ressurreta e pode ser chamado nova criatura, havendo sido criado “em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”, Ef 2.10. (c) Devemos distinguir dois elementos da regeneração, quais sejam, geração ou produção da nova vida, e o dar à luz ou o nascimento, pelo qual a nova vida é trazida à luz, retirada das suas recônditas profundezas. A geração implanta o princípio da nova vida na alma, e o novo nascimento faz que este princípio se ponha a afirmar-se em ação. Esta distinção é de grande importância para o exato entendimento da regeneração.
(Teologia Sistemática – Lois Berkhof. Pg. 462)

Emprego do Termo Regeneração na Teologia

1. NA IGREJA PRIMITIVA E NA TEOLOGIA CATÓLICA ROMANA. No modo de entender a Igreja Primitiva o termo “regeneração” não representava um conceito agudamente definido. Era utilizado para indicar uma mudança estreitamente ligada à purificação dos pecados, e não se fazia clara distinção entre a regeneração e a justificação. Identificada com a graça batismal, aquela era entendida especialmente como um designativo da remissão dos pecados, embora não estivesse excluída a idéia de certa renovação moral. Mesmo Agostinho não traçou uma linha incisiva aí, mas distinguia entre a regeneração e a conversão. Para ele, a regeneração inclui, em acréscimo à remissão do pecado, somente uma mudança inicial do coração, seguida por uma conversão posterior. Ele a concebia como uma obra estritamente monergista de Deus, na qual o sujeito humano não pode cooperar e à qual o homem não pode resistir. Para Pelágio, naturalmente, “regeneração” não significava o nascimento de uma nova natureza, mas o perdão dos pecados no batismo, a iluminação da mente pela verdade e a estimulação da vontade pelas promessas divinas. A confusão de regeneração e justificação, já visível em Agostinho, tornou-se mais pronunciada ainda no escolasticismo. De fato, a justificação tornou-se o conceito mais proeminente dos dois, era entendida como incluindo a regeneração, e era concebida como um ato no qual Deus e o homem cooperam. A justificação, de acordo com a descrição comum, inclui a infusão da graça, isto é, o nascimento de uma nova criatura ou a regeneração, e o perdão do pecado e a remoção da culpa ligando-se a ela. Contudo, havia uma diferença de opinião quanto a qual destes dois elementos é o primeiro fator lógico. Segundo Tomaz de Aquino, a infusão da graça vem primeiro, e o perdão de pecados, pelo menos em certo sentido, baseia-se nesta; mas segundo Duns Scotus, o perdão de pecados é o primeiro e serve de base para a infusão da graça. Ambos os elementos são efetuados pelo batismo, ex opere operato (pela ação do próprio objeto). A opinião de Tomaz de Aquino foi vitoriosa na igreja. Até nos dias atuais há uma certa confusão de regeneração e justificação na Igreja Católica Romana, confusão sem dúvida devida em grande parte ao fato de que a justificação não é concebida como um ato forense, mas como um ato ou processo de renovação. Nela o homem não é declarado, mas feito justo. Diz Wilmers, em seu Manual da Religião Cristã (Handbook of the Christian Religion): “Como a justificação é uma renovação ou regeneração, segue-se que o pecado é realmente destruído por ela, e não, como sustentavam os Reformadores, apenas coberto, ou não mais imputado”.
2. PELOS REFORMADORES E NAS IGREJAS PROTESTANTES. Lutero não escapou inteiramente da confusão da regeneração com a justificação. Além disso, ele falava da regeneração ou do novo nascimento num sentido muito amplo. Calvino também usava o termo num sentido muito compre, como um designativo de todo o processo pelo qual o homem é renovado, incluindo, além do ato divino que origina a nova vida, também a conversão (arrependimento e fé) e a santificação. Vários escritores do século dezessete não distinguiam entre a regeneração e a conversão, e empregavam os dois termos um pelo outro, tratando daquilo que agora denominamos regeneração sob o nome de vocação ou chamamento eficaz.* Os Cânones de Dort também utilizam as duas palavras sinonimamente, e a Confissão Belga parece falar da regeneração num sentido mais amplo ainda, Este uso abrangente do termo “regeneração” muitas vezes levou à confusão e à desatenção a distinções muito necessárias. Por exemplo, enquanto que a regeneração e a conversão eram identificadas, ainda se declarava que a regeneração era monergista, a despeito do fato de que na conversão é certo que o homem coopera. A distinção entre a regeneração e a justificação já tinha ficado mais clara, mas gradativamente se tornou também necessário e costumeiro empregar o termo “regeneração” num sentido mais restrito. Turretino define dois tipos de conversão: primeiro, uma conversão “habitual” ou passiva, a produção de uma disposição ou um hábito da alma que, observa ele, poderia ser melhor denominada “regeneração”; e, segundo, uma conversão “real” ou “ativa”, na qual esta disposição ou este hábito implantado se torna ativo na fé e no arrependimento. Na teologia reformada (calvinista) do presente, a palavra “regeneração” é geralmente usada num sentido mais restrito, como um designativo do ato divino pelo qual o pecador é dotado de nova vida espiritual, e pelo qual o princípio dessa nova vida é posto em ação pela primeira vez. Assim concebida, ela inclui tanto a nova geração como o novo nascimento, em que a nova vida se torna manifesta. Contudo, em estrita harmonia com o sentido literal da palavra “regeneração”, o termo é às vezes empregado num sentido ainda mais limitado, para denotar simplesmente a implantação da nova vida na alma, sem as primeiras manifestações desta vida.
Na teologia “liberal” moderna, o termo “regeneração” adquiriu um sentido diferente. Schleiermacher distinguia dois aspectos da regeneração, a saber, a conversão e a justificação, e afirmava que na regeneração “uma nova consciência religiosa é produzida no crente pelo espírito cristão comum da comunidade, e a nova vida, ou a ‘santificação’, constitui o seu aparelhamento” (Pfleiderer). Esse “espírito cristão da comunidade”, é resultado de um influxo da vida divina, mediante Cristo, na igreja, e é chamado “Espírito Santo” por Schleiermacher. O conceito modernista foi bem exposto com estas palavras de Youtz: “A interpretação moderna inclina-se a regressar ao emprego simbólico do conceito de regeneração. As nossas realidades éticas lidam com caracteres transformados. Assim, a regeneração expressa uma mudança ética, radical, vital, e não um início metafísico absolutamente novo. A regeneração é um passo vital no desenvolvimento natural da vida espiritual, um radical reajustamento aos processos morais da vida”. Os estudiosos da psicologia da religião geralmente deixam de distinguir entre regeneração e conversão. Consideram-na como um processo no qual a atitude do homem para com a vida muda do autocêntrico para o heterocêntrico. Ela acha sua explicação primariamente na vida subconsciente, e não envolve necessariamente nada de sobrenatural. Diz William James: “Converter-se, ser regenerado, receber a graça, ter experiência religiosa, obter segurança, são muitas das frases que denotam o processo, gradual ou súbito, pelo qual um ego até então dividido e conscientemente errado, inferior e infeliz, torna-se unificado e conscientemente certo, superior e feliz, em conseqüência do seu apego mais firme às realidades religiosas”. Segundo Clark, “Os estudiosos concordaram em discernir três passos distintos da conversão: (1) Um período de ‘turbulência e tensão’, ou de senso do pecado, ou de sentimento de desarmonia interior, conhecida na teologia como ‘convicção de pecado’ e designada por James como ‘ doença da alma’. (2) Uma crise emocional que marca um ponto decisivo. (3) Uma subseqüente descontração aliada a uma sensação de paz, repouso e harmonia interior, aceitação da parte de Deus, e, não infreqüentemente, a reflexos motores e sensoriais de várias espécies”.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 464)

A Natureza Essencial da Regeneração

Relativamente à natureza da regeneração, há diversos conceitos errôneos que devem ser evitados. Podemos muito bem mencionar primeiro estes, antes de expor as qualificações positivas desta obra recriadora de Deus.
1. CONCEITOS ERRÔNEOS. (a) A regeneração não é uma mudança ocorrida na substância da natureza humana, como o ensinavam os maniqueus e, nos dias da Reforma, Flácio Illírico, que concebiam o pecado original como uma substância, a ser substituída por outra substância na regeneração. Nenhuma nova semente física, nenhum germe físico é implantado no homem: tampouco há qualquer adição ou subtração às faculdades da alma. (b) Também é simplesmente uma mudança ocorrida numa ou mais faculdades da alma, como, por exemplo, da vida emocional (sentimento ou coração), pela remoção da aversão às coisas divinas, como alguns conservadores a concebem; ou do intelecto, pela iluminação da mente que se acha obscurecida pelo pecado, como a consideram os racionalistas. Ela afeta o coração, compreendido no sentido bíblico da palavra, isto é, como o órgão central e totalmente dominante da alma, do qual “procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). quer dizer que a regeneração afeta a natureza humana em sua totalidade. (c) Também não é uma mudança completa ou perfeita da natureza total do homem, ou de alguma parte dela, de sorte que ela não é mais capaz de pecar, como o ensinavam os anabatistas extremos e algumas outras seitas fanáticas. Não significa que, em princípio, ela não afeta a natureza inteira do homem, mas somente que não constitui a mudança completa, que é produzida no homem pela operação do Espírito Santo. Ela não abrange a conversão e a santificação.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 464)

CARACTERÍSTICAS POSITIVAS DA REGENERAÇÃO

Podem ser feitas as seguintes asserções positivas a respeito da regeneração:
a. A regeneração consiste na implantação do princípio da nova vida espiritual no homem, numa radical mudança da disposição dominante da alma, que, sob a influência do Espírito Santo, dá nascimento a uma vida que se move em direção a Deus. Em princípio, esta mudança afeta o homem completo: o intelecto, 1 Co 2.14, 15; 2 Co 4.6; Ef 1.18; Cl 3.10; a vontade, Sl 110.3; Fp 2.13; 2 Ts 3.5; Hb 13.21; e os sentimentos ou emoções, Sl 42.1; Mt 5.4; 1 Pe 1.8.
b. É uma transformação instantânea da natureza do homem, afetando imediatamente o homem todo, intelectual, emocional e moralmente. A afirmação de que a regeneração é uma mudança instantânea implica duas coisas: (1) que não é uma obra que vai sendo levada a efeito gradativamente na alma, como ensinam os católicos romanos e todos os semi-pelagianos; não há nenhum estágio intermediário entre a vida e a morte; ou a pessoa vive ou está morta; e (2) que não é um processo gradual como a santificação. É verdade que alguns escritores reformados (calvinistas) empregaram ocasionalmente o termo “regeneração” como incluindo até a santificação, mas isso foi no tempo em que a ordo salutis não estava tão completamente desenvolvida como está hoje.
c. Em seu sentido mais limitado, é uma mudança que ocorre na vida subconsciente. É uma secreta e inescrutável obra de Deus que o homem nunca percebe diretamente. A mudança pode ter lugar sem que o homem esteja cônscio dela momentaneamente, se bem que não é o que se dá quando a regeneração e a conversão coincidem; e mesmo mais tarde ele só pode percebe-la em seus efeitos. Isto explica por que um cristão pode, por um lado, lutar durante longo tempo com dúvidas e incertezas e, não obstante, pode, por outro lado, domina-las paulatinamente e ascender às alturas da segurança.
(Teolgia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 466)

DEFINIÇÃO DE REGENERAÇÃO

Do que acima foi dito sobre o emprego atual da palavra “regeneração”, segue-se que se pode definir a regeneração de duas maneiras. No sentido mais restrito da palavra, podemos dizer: Regeneração é o ato de Deus pelo qual o princípio da nova vida é implantado no homem, e a disposição dominante da alma é tornada santa. Mas, a fim de incluir a idéia do novo nascimento, como também a da nova geração, será necessário complementar a definição com as seguintes palavras: “... e o primeiro exercício santo desta nova disposição é assegurado”.
D. A Vocação Eficaz em Relação à Vocação Externa e à Regeneração.
1. SUA INSEPARÁVEL CONEXÃO COM A VOCAÇÃO EXTERNA. Pode-se dizer que a vocação de Deus é uma só, e a distinção ente uma vocação externa e uma vocação interna ou eficaz simplesmente chama a atenção para o fato de que esta vocação única tem dois aspectos. Não significa que estes dois aspectos estão sempre unidos e sempre andam juntos. Não asseveramos, com os luteranos, que “a vocação interna é sempre concorrente com o ouvir a palavra”. Significa, porém, que onde a vocação interna chega aos adultos, é medida pela pregação da Palavra. A mesma Palavra ouvida na vocação externa torna-se eficiente no coração, na vocação interna. Pela poderosa aplicação feita pelo Espírito Santo, a vocação externa passa direto para a vocação interna. Mas,embora esta vocação esteja estreitamente relacionada com a vocação externa e forme uma unidade com ela, há certos pontos de diferença: (a) É uma vocação pela Palavra, salvadoramente aplicada pela operação do Espírito Santo, 1 Co 1.23, 24; 1 Pe 2.9; (b) É uma vocação poderosa, isto é, uma vocação que é eficaz para a salvação, At 13.48; 1 Co 1.23, 24; e (c) É sem arrependimento, isto é, não está sujeita a mudança e jamais será retirada, Rm 11.29.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 467)

CARACTERÍSTICAS DA VOCAÇÃO INTERNA

Devemos notar as seguintes características:
a. Ela age por meio da suasão moral, mais a poderosa operação do Espírito Santo. Surge a questão sobre se nesta vocação (como distinta da regeneração) a Palavra de Deus age de maneira criadora, ou pela persuasão moral. Pois bem, não há dúvida de que às vezes se diz que a Palavra de Deus age de maneira criadora, Gn 1.3; Sl 33.6, 9; 147.15; Rm 4.17 (embora se possa interpretar isto diferentemente). Mas estas passagens se referem à Palavra do poder de Deus, ao Seu mando cheio de autoridade, e não à palavra da pregação da qual nos ocupamos aqui. O Espírito Santo opera através da pregação da Palavra somente de maneira persuasiva, dando eficiência às suas palavras de persuasão, para que o homem ouça a voz do seu Deus. Isto decorre da própria natureza da Palavra , que se dirige ao entendimento e à vontade. Deve-se ter em mente, porém, que esta suasão moral ainda não constitui a totalidade da vocação interna; requer-se, em acréscimo a isso, uma poderosa operação do Espírito Santo, aplicando a Palavra ao coração.
b. Ela opera na vida consciente do homem. Este ponto está muito intimamente relacionado com o anterior. Se a palavra da pregação não opera criadoramente, mas somente persuasiva, segue-se que ela só pode agir na vida consciente do homem. Ela se dirige ao entendimento, que o Espírito reveste de discernimento espiritual da verdade, e por meio do entendimento, influencia efetivamente a vontade, de modo que o pecador se volta para Deus. A vocação interna necessariamente redunda na conversão, isto é, num consciente abandono do pecado, rumo à santidade.
c. É teológica. A vocação interna é de caráter teológico, isto é, chama o homem para um certo fim: para a grande meta à qual o Espírito Santo está conduzindo os eleitos, e, conseqüentemente, também aos estágios intermediários do caminho para este destino final. É uma vocação para a comunhão de Jesus Cristo, 1 Co 1.9; para herdarem bênçãos, 1 pe 3.9; para a liberdade, Gl 5.13; para a paz, 1 Co 7.15; para a santidade, 1 Ts 4.7; para uma esperança única, Ef 4.4; para a vida eterna, 1 Tm 6.12; e para o reino e glória de Deus, 1 Ts 2.12.
(Teologia Sistemática – Lois Berkhof. Pg. 467)

RELAÇÃO DA VOCAÇÃO EFICAZ COM A REGENERAÇÃO

a. Identificação de ambas na teologia dezessete. É um fato bem conhecido que na teologia do século dezessete a vocação e a regeneração muitas vezes são identificadas, ou, se não inteiramente identificadas, ao menos na medida em que a regeneração é considerada como inclusa na vocação. Diversos teólogos, dos mais antigos, têm um capítulo separado sobre a vocação, mas nenhum sobre a regeneração. Segundo a Confissão de Westminster, X.2, a vocação eficaz inclui a regeneração. Este conceito encontra alguma justificação no fato de que Paulo, que emprega a palavra “regeneração” somente uma vez, evidentemente a concebe como incluída na vocação em Rm 8.30. além disso, há um sentido em que a vocação e a regeneração se relacionam como causa e efeito. Contudo, devemos ter em mente que, ao dizermos que a vocação inclui a regeneração, ou que se relaciona casualmente com ela, não estamos pensando apenas naquilo que é tecnicamente denominado vocação interna ou eficaz, mas na vocação em geral, incluindo até mesmo uma vocação criadora. O extenso uso, nos tempos da Pós-Reforma, do termo “vocação”, em vez de “regeneração”, para designar o início da obra da graça na vida dos pecadores, deve-se ao desejo de salientar a estreita conexão entre a Palavra de Deus e a operação da Sua graça. E o predomínio do termo “vocação” na era apostólica encontra a sua explicação e a sua justificação no fato de que, no caso dos que, naquele período missionário, foram agregados à igreja, a regeneração e a vocação eficaz geralmente eram simultâneas, quando a mudança se refletia em sua vida consciente como um poderoso chamamento de Deus. Todavia, numa apresentação sistemática da verdade, devemos discriminar cuidadosamente entre a vocação e a regeneração.
b. Pontos de diferença entre a regeneração e a vocação eficaz. A regeneração, no sentido mais estrito da palavra, isto é, como nova geração, tem lugar na vida subconsciente do homem, e independe por completo de qualquer atitude que ele possa assumir com referência a ela. A vocação, por outro lado, dirige-se à consciência e implica certa disposição da vida consciente. Isto decorre do fato de que a regeneração age de dentro , enquanto que a vocação age de fora. No caso das crianças, falamos em regeneração, e não em vocação. Ademais, regeneração é uma operação criadora, hiperfísica do Espírito Santo, pela qual o homem é levado de uma condição para outra, de uma condição de morte espiritual para uma condição de vida espiritual. A vocação eficaz, por outro lado, é teológica, induz a nova vida e aponta numa direção que ruma para Deus. Ela assegura os exercícios da nova disposição e leva a nova vida à ação.
c. A ordem relativa da vocação e da regeneração. Talvez se compreenda melhor isto, se observarmos os seguintes estágios: (1) Logicamente, a vocação externa, que ocorre na pregação da Palavra (exceto no caso das crianças), geralmente precede à operação regeneradora do Espírito Santo, ou coincide com ela, operação pela qual a nova vida é produzida na alma do homem. (2) Depois, por uma palavra criadora, Deus gera a nova vida, mudando a disposição interna da alma, iluminando a mente, incitando os sentimentos e renovando a vontade. Neste ato de Deus, são implantados os ouvidos que capacitam o homem a ouvir o chamamento de Deus para a salvação das suas almas. Isto é regeneração no sentido mais restrito da palavra. Nela o homem é inteiramente passivo. (3) Tendo recebido os ouvidos espirituais, o chamamento de Deus pelo Evangelho é agora ouvido pelo pecador e é levado efetivamente ao coração, capacitando-o para compreendê-lo. O desejo de resistir é transformado num desejo de obedecer, e o pecador se rende à influência persuasiva da Palavra pela operação do Espírito Santo. Esta é a vocação eficaz, pela instrumentalidade da palavra da pregação, efetivamente aplicada pelo Espírito de Deus. (4) Finalmente, esta vocação eficaz assegura, pela verdade como meio, os primeiros exercícios santos da nova disposição que nasceu na alma. A nova vida começa a manifestar-se; a vida implantada resulta no novo nascimento. Esta é a consumação da obra de regeneração, no mais amplo sentido da palavra, e o ponto em que ela passa a ser conversão.
Agora, não devemos cometer o engano de considerar esta ordem lógica como uma ordem cronológica aplicável a todos os casos. Muitas vezes a nova vida é implantada nos corações das crianças muito tempo antes de poderem ouvir o chamamento do Evangelho; todavia, elas só são revestidas desta vida onde se prega o Evangelho. Sempre há, por certo, um chamamento criado por Deus, pelo qual a nova vida é produzida. No caso das que vivem sob a administração do Evangelho, existe a possibilidade de receberem elas a semente da regeneração muito antes de chegarem à idade da discrição e, portanto, muito antes também da penetração da vocação eficaz em sua consciência. Contudo, é muito improvável que, sendo regeneradas, vivam em pecado durante anos, e ainda depois de terem atingido a maturidade, sem darem quais quer evidências da nova vida nelas existente. Por outro lado, no caso das que não vivem sob a administração da aliança, não há razão para supor um intervalo entre o tempo da sua regeneração e o da sua vocação eficaz. Na vocação eficaz, ela se tornam imediatamente cônscias da sua renovação, e imediatamente vêem a semente da regeneração germinando para a nova vida. Isto significa que a regeneração, a vocação eficaz e a conversão coincidem.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 468)

A Necessidade da Regeneração

1. A NECESSIDADE É NEGADA PELA TEOLOGIA “LIBERAL” MODERNA. A necessidade da regeneração, como é entendida pela igreja cristã, é naturalmente negada na teologia “liberal” moderna.* Choca-se com o ensino de Rousseau, de que o homem é bom por natureza. Qualquer mudança radical ou qualquer virada completa ocorrida na vida de um homem, que é essencialmente bom, seria uma mudança para pior. Os “liberais” falam em salvação pelo caráter, e a única regeneração que reconhecem é uma regeneração concebida como “um passo vital no desenvolvimento da vida espiritual, um radical reajustamento aos processos morais da vida” (Youtz). Muitos ensinam uma série de renovações éticas. Diz Emerton: “O caráter assim obtido, comprovado e firmemente mantido, é redenção. Não há outra definição do termo que valha a pena. É a redenção do ser inferior do homem mediante o domínio exercido pelo seu ser superior. É o espiritual redimindo o material, o divino que há em todo homem redimindo o animal”.
2. DECORRE DO QUE A ESCRITURA ENSINA A RESPEITO DA CONDIÇÃO NATURAL DO HOMEM. A santidade ou conformidade com a lei divina é a condição indispensável para a segura obtenção do favor divino, para chegar à paz de consciência e para gozar comunhão com Deus, Hb 12.14. Ora, por natureza, a condição é, segundo a Escritura, tanto na disposição como nos atos , exatamente o oposto daquela indispensável santidade. O homem é descrito como morto em delitos e pecados, Ef 2.1, e esta condição requer nada menos que uma recuperação da vida. Uma mudança interior radical é necessária, uma mudança que altere toda a disposição da alma.
3. A ESCRITURA A AFIRMA EXPRESSAMENTE. A Escritura não nos deixa em dúvida acerca da necessidade da regeneração, mas, antes, afirma essa necessidade nos mais claros termos. Diz Jesus: “Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”, Jo 3.3. Esta declaração do Salvador é absoluta e não deixa lugar para exceções. A mesma verdade é exposta com clareza nalgumas das declarações de Paulo, como, por exemplo, em 1 Co 2.14: “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entende-las porque elas se discernem espiritualmente”; Gl 6.15: “Pois nem a circuncisão é cousa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura”. Cf. também Jr 13.23; Rm 3.11; Ef. 2. 3, 4.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 471)

A Causa Eficiente da Regeneração

Há somente três conceitos fundamentalmente diferentes a considerar, e todos os demais são modificações destes.
1. A VONTADE HUMANA. De acordo com a concepção pelagiana, a regeneração é unicamente um ato da vontade humana, e é praticamente idêntica à auto-reforma. Com algumas diferenças ligeiras, este é o conceito da teologia “liberal” moderna. Uma modificação deste conceito é a dos semipelagianos e arminianos, que a consideram, ao menos em parte, como um ato do homem, cooperando com influências divinas aplicadas mediante a verdade. Esta é uma teoria sinergista da regeneração. Estes dois conceitos envolvem uma negação da depravação total do homem, tão claramente ensinada na Palavra de Deus, Jo 5.42; Rm 3.9-18; 7.18,23; 8.7; 2 Tm 3.4, e da verdade bíblica de que é Deus que inclina a vontade do homem, Rm 9.16; Fp 2.13.
2. A VERDADE. Segundo este conceito, a verdade, como um sistema de motivos, apresentada à vontade humana pelo Espírito Santo, é a causa imediata da mudança da impureza para a santidade. Esta era a idéia de Lyman Beecher e de Charles G. Finney. Este conceito presume que a obra do Espírito Santo difere da do pregador apenas em grau. Ambos agem somente pela persuasão. Mas esta teoria é inteiramente insatisfatória. A verdade só poderá ser um motivo para a santidade se for amada, e o homem natural não ama a verdade, mas a odeia, Rm 1.18,25. Conseqüentemente, a verdade, apresentada externamente, não pode ser a causa eficiente da regeneração.
3. O ESPÍRITO SANTO. O único conceito adequado é o da igreja de todos os séculos, de que o Espírito Santo é a causa eficiente da regeneração. Significa que o Espírito Santo age diretamente no coração do homem e muda sua condição espiritual. Não há nenhuma cooperação do pecador nesta obra. É obra do Espírito Santo, direta e exclusivamente, Ez 11.19; Jo 1.13; At 16.14; Rm 9.16; Fp 2.13. Então, a regeneração deve ser concebida monergisticamente. Só Deus age, e o pecador não participa em nada desta ação. Isto, naturalmente, não significa que o homem não coopera com o Espírito de Deus nos estágios posteriores da obra de redenção. É mais que evidente na Escritura que o faz.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 471)

O Emprego da Palavra de Deus Como Instrumento da Regeneração

Surge a questão sobre se a Palavra de Deus é utilizada como meio no ato de regeneração ou não; ou, como muitas vezes a questão é colocada, se a regeneração é mediata ou imediata.
1. A LEGÍTIMA IMPORTÂNCIA DA QUESTÃO. Requer-se cuidadosa discriminação, para evitar entendimento errôneo.
a. Quando os antigos teólogos reformados (calvinistas) insistiam no caráter imediato da regeneração, muitas vezes davam ao termo “imediato” uma conotação inexistente hoje. Alguns dos representantes da escola de Saumur, como Cameron e Pajon, ensinavam que, na regeneração, o Espírito ilumina e convence sobrenaturalmente a mente ou o intelecto de maneira tão poderosa, que a vontade não pode deixar de seguir os ditames dominantes do juízo prático. Ele opera imediatamente só no intelecto, e, por meio deste, age mediatamente na vontade. Segundo eles, não há nenhuma operação imediata do Espírito na vontade do homem. Em oposição a estes homens, os teólogos reformados geralmente acentuavam o fato de que, na regeneração, o Espírito opera também diretamente na vontade do homem, e não apenas por intermédio do intelecto. Hoje, a questão da regeneração mediata ou imediata é ligeiramente diversa, embora relacionada com o que acima foi exposto. Trata-se da questão do uso da Palavra de Deus como um meio, na obra da regeneração.
b. Deve-se observar cuidadosamente a forma da questão. A questão não é se Deus opera a regeneração por meio de uma palavra criadora. Admite-se geralmente que o faz. Tampouco é se Ele emprega a palavra da verdade, a palavra da pregação, para o novo nascimento, como distinta da geração divina do novo homem, isto é, para assegurar os primeiros exercícios santos da nova vida. A questão real é se Deus, ao implantar ou gerar a nova vida, emprega a palavra da Escritura ou a palavra da pregação como instrumento ou meio. No passado, a discussão desta matéria muitas vezes padeceu da falta de adequada discriminação.
2. CONSIDERAÇÕES QUE FAVORECEM UMA RESPOSTA NEGATIVA. Diz o dr. Shedd: “A influência do Espírito Santo é distinguível da influência da verdade; da do homem sobre o homem; e da de qualquer instrumento ou meio, seja qual for. Sua energia age diretamente sobre a alma humana propriamente dita. É influência de espírito sobre espírito; de uma das pessoas trinitárias sobre uma pessoa humana. Nem a verdade, nem algum outro ser humano pode operar assim, diretamente sobre a essência da alma”. As seguintes considerações dão respaldo a este conceito:
a. A regeneração é um ato criador, pelo qual o pecador espiritualmente morto é devolvido à vida. Mas a verdade do Evangelho só pode agir de maneira moral e persuasiva. Tal instrumento não tem efeito sobre os mortos. Afirmar o seu uso pareceria implicar uma negação da morte espiritual do homem; coisa que, naturalmente, não está na intenção dos que tomam esta posição.
b. A regeneração tem lugar na esfera do subconsciente, isto é, fora da esfera da atenção consciente, ao passo que a verdade se dirige à consciência do homem. Ela só pode exercer a sua influência persuasiva quando a atenção do homem está posta nela.
c. A Bíblia distingue entre a influência do Espírito Santo e a da Palavra de Deus, e declara que aquela influência é necessária para o recebimento próprio da verdade, Jo 6.64, 65; At. 16.14; 1 Co 2.12-15; Ef 1.17-20. Observe-se particularmente o caso de Lídia, de quem diz Lucas: ela “nos escutava (ekouen, imperfeito); o Senhor lhe abriu (dienoixem, aoristo, ato simples) o coração para atender (prosechein, infinito de resultado ou propósito) às cousas que Paulo dizia”.
3. PASSAGENS BÍBLICAS QUE PARECEM PROVAR O CONTRÁRIO.
a. Em Tg 1.18 lemos: “Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas”. Esta passagem não prova que a nova geração é mediada pela Palavra de Deus, pois o termo ali empregado é apokyese, que não se refere ao ato de gerar, mas, sim, ao ato de dar nascimento. Os que acreditam na regeneração imediata não negam que o novo nascimento, em que a nova vida se manifesta inicialmente, é assegurado pela Palavra.
b. Pedro exorta os crentes a se amarem uns aos outros ardentemente, em vista do fato de que eles foram “regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente”, 1 Pe 1.23. Não é correto dizer, como alguns têm feito, que “a palavra”, neste versículo, é a palavra criadora, ou a segunda pessoa da Trindade, pois o próprio Pedro nos informa que tem em mente a palavra pregada aos destinatários da epístola, versículo 25. Mas é perfeitamente válido assinalar que mesmo gennao (vocábulo usado na citada passagem) nem sempre se refere ao gerar masculino, mas também indica o ato feminino de dar nascimento a filhos. Isto é perfeitamente evidenciado por passagens como Lc 1.13, 57; 23.29; Jo 16.21; Gl 4.24. Conseqüentemente, não há base para a asserção de que Pedro, na passagem em foco, refere-se ao ato inicial da regeneração, a saber, à geração. E se se refere à regeneração num sentido mais amplo, não oferece nenhuma dificuldade quanto à matéria aqui em consideração. A idéia de que ele se refere ao novo nascimento é favorecida pelo fato de que os destinatários da carta são apresentados como tendo nascido de novo de uma semente que evidentemente já tinha sido implantada na alma, cf. Jo 1.13. Não é necessário identificar a semente com a Palavra.
c. Às vezes a parábola do Semeador é apresentada em favor da idéia de que a regeneração se dá por meio da Palavra. Nesta parábola, a semente é a palavra do Reino. O argumento é que a vida está na semente e brota da semente. Conseqüentemente, a nova vida brota da semente da Palavra de Deus. Mas, em primeiro lugar, isto é errar o alvo, pois dificilmente significa que o Espírito ou o princípio da nova vida está encerrado na Palavra, exatamente como o germe vivo está encerrado na semente. Isto lembra um pouco a concepção luterana da vocação, segundo a qual o Espírito está na Palavra, de modo que a vocação seria sempre eficaz, se o homem não pusesse uma pedra de tropeço no caminho. E, em segundo lugar, isto é forçar um ponto que absolutamente não se acha no tertium comparationis (no terceiro elemento de comparação). O Salvador quer explicar nesta parábola como sucede que a semente da Palavra dá fruto nalguns casos, e noutros não. Só dá fruto nos casos em que ela cai em bom terreno, em corações preparados de modo tal que compreendem a verdade.
4. OS PERTINENTES ENSINOS DOS NOSSOS PADRÕES CONFESSIONAIS. É bom considerar aqui os seguintes trechos: Confissão Belga, artigos XXIV e XXXV; Catecismo de Heidelberg, perg. 54; os Cânones de Dort III e IV, artigos 11, 12, 17 e, finalmente, as Conclusões de Utrecht, adotados por nossa igreja em 1908. Nestas passagens é mais que evidente que os nossos escritos confessionais falam de regeneração num sentido amplo, incluindo tanto a origem da nova vida como a sua manifestação na conversão. É-nos dito até que a fé regenera o pecador. Há trechos que parecem dizer que a Palavra de Deus serve de instrumento na obra de regeneração. Todavia, vêm expressos em tal linguagem que permanece duvidoso se de fato ensinam que o princípio da nova vida é implantado na alma pela instrumentalidade da Palavra. Eles não discriminam cuidadosamente entre os vários elementos que distinguimos na regeneração. Nas Conclusões de Utrecht lemos: “Quanto ao terceiro ponto, o da regeneração imediata, o Sínodo declara que esta expressão pode ser usada em bom sentido, como no que as nossas igrejas sempre confessaram, contra os luteranos e a Igreja Católica Romana, que a regeneração não é efetuada por meio da Palavra ou dos Sacramentos como tais, mas, sim, pela toda-poderosa obra regeneradora do Espírito Santo; que, todavia, esta obra regeneradora do Espírito Santo não pode, nesse sentido, ser dissociada da pregação da Palavra, como se ambas fossem separadas uma da outra; pois apesar de nossa Confissão ensinar que não temos por que duvidar quanto à salvação dos nossos filhos que morrem na infância embora não tenham ouvido a pregação do Evangelho, e apesar de nossos padrões confessionais em parte alguma se expressarem sobre a maneira pela qual a regeneração é efetuada no caso destas crianças e outras – não obstante é certo, por outro lado, que o Evangelho é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, e que, no caso dos adultos, a obra regeneradora do Espírito Santo acompanha a pregação do Evangelho”.
(Teologia Sistemática – Lois Berkhof. Pg. 474)

Conceitos Divergentes de Regeneração

1. CONCEITO PELAGIANO. De acordo com os pelagianos, a liberdade e a responsabilidade pessoais do homem implicam que ele, em todos os tempos, tanto é capaz de desistir de pecar como de cometer pecado. Somente os atos de volição consciente são tidos como pecados. Em conseqüência, a regeneração consiste simplesmente numa reforma moral. Quer dizer que o homem, que antes optou pela transgressão da lei, agora opta por viver em obediência.
2. REGENERAÇÃO BATISMAL. Esta nem sempre é apresentada do mesmo modo.
a. Na Igreja de Roma. Segundo a Igreja Católica Romana, a regeneração inclui, não somente a renovação espiritual, mas também a justificação ou o perdão, e é efetuada por intermédio do batismo. No caso das crianças, a obra de regeneração é sempre eficaz; não assim no caso dos adultos. Estes podem prazerosamente aceitar e utilizar a graça da regeneração, mas também podem resistir-lhe e torna-la eficaz. Além disso, é sempre possível que aqueles que se apropriam dela venham a perde-la de novo.
b. Na Igreja Anglicana. A Igreja da Inglaterra não é unânime sobre este ponto, apresentando duas tendências diferentes. Os puseytas, assim chamados, concordam no essencial com a igreja de Roma. Mas há também uma influente parte da igreja que distingue duas espécies de regeneração: uma consiste meramente numa mudança da relação da pessoa com a igreja e com os meios de graça; a outra, numa mudança fundamental da natureza humana. De acordo com este grupo, somente a primeira delas é efetuada pelo batismo. Esta regeneração não inclui nenhuma renovação espiritual. Por meio dela, o homem apenas entra numa nova relação com a igreja, e se torna filho de Deus no mesmo sentido em que os judeus se tornaram filhos de Deus pela aliança, cujo selo era a circuncisão.
c. Na Igreja Luterana. Lutero e seus seguidores não conseguiram purificar a igreja do fermento de Roma sobre este ponto. De modo geral, os luteranos defendem, em oposição a Roma, o caráter monergista da regeneração. Consideram o homem inteiramente passivo na regeneração e incapaz de contribuir com alguma coisa para ela, embora os adultos lhe possam fazer resistência por muito tempo. Ao mesmo tempo, alguns ensinam que o batismo, agindo ex opere operato, é o meio usual pelo qual Deus efetua a regeneração. È o meio usual, mas não o único, pois a pregação da Palavra também pode produzi-la. Falam eles de duas espécies de regeneração, quais sejam, a regeneratio prima (primeira regeneração), pela qual a nova vida é gerada, e a regeneratio secunda (segunda regeneração, ou renovação), pela qual a nova vida é conduzida em direção a Deus. Enquanto que as crianças recebem a regeneratio prima por meio do batismo, os adultos, que recebem a primeira regeneração por meio da Palavra, tornam-se participantes regeneratio secunda através do batismo. Segundo os luteranos, a regeneração pode ser perdida. Mas, pela graça de Deus, pode ser restabelecida no coração do pecador penitente, e isto sem rebatismo. O batismo é um penhor da continuada prontidão de Deus para renovar o batizado e perdoar os seus pecados. Além disso, nem sempre a regeneração é realizada completa e imediatamente, mas muitas vezes é um processo gradual na vida dos adultos.
3. O CONCEITO ARMINIANO. De acordo com os arminianos, a regeneração não é exclusivamente obra do homem. É fruto da escolha do homem, pela qual ele se decide a cooperar com as influências divinas externas por meio da verdade. Estritamente falando, a obra do homem é anterior à de Deus. Os arminianos não admitem que haja uma obra prévia de Deus pela qual a vontade é inclinada para o bem. Naturalmente, eles acreditam também que se pode perder a graça da regeneração. Os arminianos wesleyanos alteraram este conceito no sentido de que salientam o fato de que a regeneração é obra do Espírito, ainda que em cooperação com a vontade humana. Eles admitem uma operação prévia do Espírito Santo para iluminar, despertar e atrair o homem. Contudo, eles também acreditam que o homem pode resistir a esta obra do Espírito Santo, e que, enquanto resistir, permanecerá em sua condição não regenerada.
4. O CONCEITO DOS TEÓLOGOS MEDIATÁRIOS. Este conceito segue modelo panteísta. Após a encarnação, não existem duas naturezas separadas em Cristo, mas somente uma natureza divino-humana, uma fusão da vida divina e humana. Na regeneração, uma parte dessa vida divino-humana é introduzida no pecador. Isto não requer operação separada do Espírito Santo toda vez que se regenera um pecador. A nova vida foi comunicada à igreja uma vez por todas, é agora uma permanente possessão da igreja, e passa da igreja para o indivíduo. A comunhão com a igreja também garante a participação da nova vida. Este conceito ignora inteiramente o aspecto legal da obra de Cristo. Além disso, torna impossível afirmar que alguém pôde ser regenerado antes de vir à existência a vida divino-humana de Cristo. Os santos do Velho Testamento não puderam ser regenerados. O pai desta idéia é Schleiermacher.
5. O CONCEITO TRICOTÔMICO. Alguns teólogos elaboraram uma peculiar teoria da regeneração baseados no conceito tricotômico da natureza humana. Este conceito parte do pressuposto de que o homem consiste de três partes – corpo, alma e espírito. Geralmente se admite, embora haja variações sobre este ponto, que o pecado tem sua sede somente na alma, e não no espírito (pneuma). Se tivesse penetrado o espírito, o homem estaria irremediavelmente perdido, exatamente como os demônios, que são seres puramente espirituais. O espírito é a vida superior e divina do homem, destinada a dominar e dirigir a vida inferior. Pela entrada do pecado no mundo, a influencia do espírito sobre a vida inferior é por demais enfraquecida; mas, pela regeneração é fortalecida novamente, e se restabelece a harmonia na vida do homem. Esta é, naturalmente, uma teoria puramente racionalista.
6. O CONCEITO DO LIBERALISMO MODERNO. Os teólogos “liberais” dos dias atuais não têm todos o mesmo conceito de regeneração. Alguns falam em termos que lembram o conceito de Schleiermacher. Mais geralmente, porém, eles defendem uma idéia puramente naturalista. São avessos à idéia de a regeneração é uma obra sobrenatural e recriadora de Deus. Em virtude do Deus imanente, todo homem tem em si um princípio divino e, assim, possui potencialmente tudo que é preciso para a salvação. A única coisa necessária é que o homem tome consciência da sua divindade potencial, e que se submeta conscientemente à direção do princípio superior que nele há. A regeneração é uma simples mudança ética no caráter.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Que outros termos e expressões a Bíblia usa para designar a obra da regeneração? 2. A Bíblia distingue nitidamente entre vocação, regeneração, conversão e santificação? 3. Como explicar que a Igreja Católica Romana inclui até a justificação na regeneração? 4. Como diferem a regeneração e a conversão? 5. Existe o que chamam de graça proveniente, que antecede a regeneração e prepara para ela? 6. O que é a regeneração ativa, em distinção da regeneração passiva? 7. A passividade do homem na regeneração dura algum tempo? 8. A idéia de que a Palavra de Deus não é instrumento para a efetuação da regeneração faz a pregação da Palavra parecer fútil e completamente desnecessária? 9. Isto não leva às bordas do misticismo?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Kuiper, Dict. Dogm., De Salute, p. 70-83; ibid., Het Werk van den Heiligen Geest II, p. 140-162; Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 11-82; ibid., Roeping en Wedergeboorte; Mastricht, Godgeleerdheit VI, 3; Dick, Theology, Lect. LXVI; Shedd, Dogm. Theol.II, p. 490-528; Dabney, Syst. And Polem. Theol., Lect. XLVII: Vos, Geref. Dogm. IV, p. 32-65; Hodge, Syst. Theol. III, p. 1-40; McPherson, Chr. Dogm., p. 397-401; Alexander, Syst. Of Bib. Theol. II, p. 370-384; Litton, Introd. to Dogm. Theol. II, p. 313-321; Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Church, p. 463-470; Valentine, Chr. Theol. II, p. 242-271; Raymond, Syst. Theol. II, p. 344-359; Pope, Chr. Theol. III, p. 5-13; Strong, Syst. Theol., p. 809-828; Boyce, Abstract of Syst. Theol., p. 328-334; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 314-322; Anderson, Regeneration.
(Teologia Sistemática – Lois Berkhof. Pg. 477)

Conversão

Da discussão da regeneração e da vocação eficaz é natural a transição para a da conversão. Pela operação do Espírito, aquelas redundam nesta. A conversão pode ser uma crise agudamente marcante, mas também pode vir na forma de um processo gradual. Na psicologia da religião, geralmente a regeneração e a conversão são identificadas. Tudo isso indica a estreita relação entre ambas.
A. Os Termos Bíblicos Para Conversão.
1. VOCÁBULOS DO VELHO TESTAMENTO. O Velho Testamento emprega especialmente duas palavras para a conversão, a saber:
a. Nacham, que serve para expressar um profundo sentimento, ou de tristeza (no niphal) ou de alívio (no piel). No niphal significa arrepender-se, e este arrependimento com freqüência é acompanhado por uma mudança de plano ou de ação, ao passo que no piel significa consolar-se. Como um designativo de arrependimento – e é este o sentido que nos interessa aqui – é empregado não somente com referência ao homem, mas também a Deus, Gn 6.6, 7; Ex 32.14; Jz 2.18; 1 Sm 15.11.
b. Shubh, que é a palavra mais comum para conversão, significa volver, voltar-se, virar e retornar. Muitas vezes foi utilizado num sentido literal, tanto com relação a Deus como com relação ao homem, mas logo adquiriu uma significação religiosa e ética. Este sentido é mais proeminente nos profetas, onde se refere ao retorno de Israel ao Senhor, depois de ter-se apartado dele. A palavra mostra claramente que aquilo que o Velho Testamento denomina conversão é uma volta para Deus, de quem o pecado separou o homem. Este é um importante elemento da conversão. Acha expressão nas palavras do filho pródigo; “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai”, ou, na versão utilizada pelo Autor: “Voltarei, e irei a meu pai” (Lc 15.18).*
2. VOCÁBULOS DO NOVO TESTAMENTO. Há particularmente três palavras que requerem consideração aqui:
a. Metanoia (forma verbal, metanoeo). Esta é a palavra mais comum para conversão no Novo Testamento, e também é o mais fundamental dos termos empregados. A palavra é composta de meta e nous, que por sua vez é relacionado com o verbo ginosko (latim noscere; português, conhecer), tudo referente à vida consciente do homem. A tradução comum na Bíblia, “arrependimento”, não faz plena justiça ao original, visto que dá indevida proeminência ao elemento emocional. Trench assinala que no grego clássico a palavra significa: (1) conhecer depois, pós-conhecimento; (2) mudar a mente com resultado deste pós-conhecimento; (3) em conseqüência desta mudança da mente, lamentar o curso seguido; e (4) uma mudança da conduta quanto ao futuro, resultante de todos os fatores anteriores. Contudo, podia indicar uma mudança para pior, bem como para melhor, e não incluía necessariamente uma resipiscentia – um voltar a ser sábio. No Novo Testamento, o seu sentido é aprofundado, e denota primariamente uma mudança do entendimento, passando a ter uma visão mais sábia do passado, incluindo o pesar pelo mal praticado e levando a uma mudança da vida para melhor. Aqui o elemento de resipiscentia está presente. Em sua obra sobre O Grande Significado de Metanoia (The Great Meaning of Metanoia), Walden chega à conclusão de que o termo veicula a idéia de “uma mudança geral da mente que se torna, em se desenvolvimento mais completo, uma regeneração intelectual e moral”. Embora sustentando que a palavra denota primariamente uma mudança da mente, não devemos perder de vista que os seu significado não s limita à consciência intelectual, teórica, mas também inclui a esfera moral, a consciência propriamente dita. Tanto a mente como a consciência estão corrompidas, Tt. 1.15, e quando a nous de uma pessoa é mudada, ela não só recebe novo conhecimento, mas também a direção da sua vida consciente, a sua qualidade moral, é mudada também. Para particularizar mais, a mudança indicada pela palavra metanoia tem que ver. (1) com a vida intelectual, 2 Tm 2.25, para um melhor conhecimento de Deus e da Sua verdade, e uma salvadora aceitação desta (idêntica à ação da fé); (2) com a vida volitiva consciente, At 8.22, para um voltar-se para Deus que esta mudança é acompanhada por uma tristeza segundo Deus, 2 Co 7.10, e abre novos campos de fruição para o pecador. Em todos estes aspectos metanoia inclui uma oposição consciente à anterior. Esta oposição constitui um elemento essencial seu e, portanto, merece cuidadosa atenção. Converte-se não é apenas passar de uma direção consciente para outra, mas fazê-lo com uma aversão claramente percebida para com a direção anterior. Noutras palavras, metanoia tem, não somente um lado positivo, mas também um lado negativo: olha retrospectivamente e também prospectivamente. A pessoa convertida torna-se consciente da sua ignorância e do seu erro, da sua obstinação e da sua loucura. Sua conversão inclui a fé e o arrependimento. É triste dizer, mas a igreja foi aos poucos perdendo de vista o sentido original de metanoia. Na teologia latina, Lactânio a traduziu “resipiscentista”, um voltar a ser sábio, como se a palavra derivasse de meta e anoia, e denotasse um retorno da loucura ou da insensatez. Contudo, a maioria dos escritores latinos nos preferiu traduzi-la por “poenitentia”, o vocábulo que denota a tristeza e o pesar que se seguem quando uma pessoa para a Vulgata como tradução de metanoia, e sob, a influência da Vulgata, os tradutores ingleses traduziram a palavra grega por “repentance” (arrependimento), dando assim, ênfase ao elemento emocional e fazendo de metanoia um termo equivalente a metameleia. Nalguns casos, a deterioração foi mais longe ainda. A Igreja Católica Romana exteriorizou a idéia de arrependimento em seu sacramento da penitência, de modo que o termo metaonoeite do Testamento Grego (Mt 3.2) tornou-se poenitentiam agite – “fazei penitência”, na Versão Latina.
b. Epistrophe (forma verbal, epistrepho). Esta palavra é a segunda em importância em seguida a metanoia. Enquanto na Septuaginta metanoia é uma das traduções de nacham, as palavras epistrophe servem para traduzir as palavras hebraicas teshubhah e shubh. São usadas constantemente no sentido de retornar ou voltar. As palavras gregas devem ser lidas à luz do hebraico, para extrair-se o importante ponto, que a virada indicada é em realidade um retorno. No Novo Testamento, o substantivo epistrophe é usado só uma vez, em At 15.3, ao passo que o verbo ocorre várias vezes. Tem significação um tanto mais ampla que metanoeo, e realmente indica ao ato final da conversão. Denota, não apenas uma mudança da nous (da mente), mas acentua o fato de que uma nova relação é estabelecida, que a vida ativa é levada a mover-se noutra direção. É preciso ter isto em mente na interpretação de At 3.19, onde os dois termos são usados um ao lado do outro. Às vezes metanoeo contém unicamente a idéia de arrependimento enquanto que epistrepho sempre inclui o elemento fé. Metanoeo e pisteuein podem ser usados um ao lado do outro; não assim com epistrepho e pisteuein.
c. Metameleia (forma verbal, metamelomi). Somente a forma verbal é utilizada no Novo Testamento, e significa literalmente vir a afligir-se depois. É uma das traduções do hebraico nacham na Septuaginta. No Novo Testamento acha-se somente cinco vezes, a saber, em Mt 21.29, 32; 27, 3; 2 Co 7.10; Hb 7.21. É evidente, graças a estas passagens, que a palavra faz sobressair o elemento de arrependimento, embora não seja necessariamente o arrependimento verdadeiro. Nele o elemento negativo, retrospectivo e emocional está acima de tudo mais, enquanto que metanoeo também inclui um elemento volitivo e denota uma enérgica virada da vontade. Enquanto metanoeo ás vezes é usado no imperativo, nunca acontece isso com metamelomai. Os sentimentos não se deixam comandar. Esta palavra corresponde mais de perto ao termo latino poenitentia do que a palavra metanoeo.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 481)

A Idéia de Conversão. Definição

A doutrina da conversão, naturalmente, como toda as outras doutrinas cristã, baseia-se na Escritura, sobre esta base deve ser aceita. Desde que a conversão é uma experiência consciente ocorrida nas vidas de muitos, o testemunho da experiência pode ser acrescentado ao da Palavra de Deus, mas esse testemunho, por mais valioso que seja, nada acrescenta à segura veracidade da doutrina ensinada na Palavra de Deus. Podemos ser gratos ao fato de que nos últimos anos a psicologia da religião deu considerável atenção ao fato da conversão, mas sempre se deve ter em mente que, embota tenha trazido à nossa atenção alguns fato interessantes, pouco ou nada fez para explicar a conversão como um fenômeno religioso. A doutrina escriturística da conversão baseia-se, não somente nas passagens que contêm um ou mais dos termos mencionados na seção anterior, mas também em muitas outras nas quais o fenômeno da conversão é descrito ou apresentado concretamente com exemples vivos. Nem sempre a Bíblia fala de conversão no mesmo sentido. Podemos distinguir os seguintes sentidos:
1. CONVERSÕES NACIONAIS. Nos dias de Moisés, de Josué e dos juízes, repetidamente o povo de Israel dava as costas a Jeová e, depois de experimentar o desprazer de Deus, arrependia-se dos seus pecados e retornava ao Senhor; houve uma conversão de Jonas, os ninivitas se arrependeram dos seus pecados e foram poupados pelo Senhor, Jn 3.10. Estas conversões eram simplesmente da natureza de reformas morais. Podem ter sido acompanhadas de algumas conversões religiosas reais de indivíduos, mas ficavam muito aquém da verdadeira conversão de todos os que pertenciam à nação. Em regra, eram muito superficiais. Apareciam sob a liderança de governantes piedosos, e quando eram substituídos por homens ímpios, o povo logo recaía em seus velhos hábitos.
2. CONVERSÕES TEMPORÁRIAS. A Bíblia se refere também a conversões de indivíduos que não representam nenhuma mudança do coração e, portanto, só têm significação passageira. Na parábola do Semeador Jesus fala dos que ouvem a palavra e logo a recebem com alegria, mas não têm raízes em si mesmos e, portanto, duram pouco. Quando lhes sobrevêm as tribulações, provações e perseguições, depressa se ofendem e caem. Mt 13.20, 21. Paulo faz menção de Hiemeneu e Alexandre, que “vieram a naufragar na fé”, 1 Tm 1.19, 20. Cf. também 2 Tm 2.17, 18. E em 2 Tm 4.10 ele se refere a Demas que o abandonara porque o amor ao presente século o dominara. E o escritor de Hebreus fala de alguns que caíram, sendo que eles “uma vez foram iluminados e provaram o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro”, Hb 6.4-6. Finalmente, a respeito de alguns que tinham voltado as costas aos fiéis, diz João: “Eles saíram do nosso meio, entretanto não eram dos nossos; porque, se tivessem sido nossos, teriam permanecido conosco”, 1 Jo 2.19. Tais conversões temporárias podem, por algum tempo, ter a aparência de conversões verdadeiras.
3. CONVERSÃO VERDADEIRA (CONVERSIO ACTUALIS PRIMA). A verdadeira conversão nasce da tristeza segundo Deus, e redunda numa vida de devoção a Deus, 2 Co 7.10. É uma mudança que tem suas raízes na obra de regeneração, e que é efetuada na vida consciente do pecador pelo Espírito de Deus; mudança de pensamentos e opiniões, de desejos e volições, que envolve a convicção de que a direção anterior da vida era insensata e errônea, e altera todo o curso da vida. Há dois lados nesta conversão, um ativo e o outro passivo; o primeiro sendo o ato de Deus pelo qual Ele muda o curso consciente da vida do homem, e o último, o resultado desta ação como se vê na mudança que o homem faz no curso da sua vida e em seu voltar-se para Deus. Conseqüentemente, pode-se dar uma dupla definição de conversão: (a) A conversão ativa é o ato de Deus pelo qual Ele faz com que o pecador regenerado, em sua vida consciente, se volte para Ele com arrependimento e fé. (b) A conversão passiva é o resultante ato consciente do pecador pelo qual ele, pela graça de Deus, volta-se para Deus com arrependimento e fé. Esta conversão é a conversão que nos interessa primordialmente na teologia. A Palavra de Deus contém vários exemplares notáveis dela, como, por exemplo, as conversões de Naamã, 2 Rs 5.15; de Manasses, 2 Cr 33.12, 13; de Zaqueu, Lc 19.8, 9; do cego de nascença, Jo 9.38; da mulher samaritana, Jo 4.29; do eunuco, At 8.30 e segtes.; de Cornélio, At 10.44 e segtes.; de Paulo, At 9.5 e segtes.; de Lídia, At. 16.14; e outras.
4. A CONVERSÃO REPETIDA. A Bíblia fala também de uma conversão repetida, na qual a pessoa convertida, depois de uma queda nos caminhos do pecado, retorna a Deus. Strong prefere não usar a palavra “conversão” para esta mudança, empregando antes palavras e frases como “rompimento, abandono, volta, negligências e transgressões” e “retorno a Cristo, confiança novamente depositada nele”. Mas a própria Escritura usa a palavra “conversão” para esses casos, Lc 22.32; Ap 2.5, 16, 21, 22; 3.3, 19. Deve-se entender, que a conversão, no sentido estritamente soteriológico, nunca se repete. Os que experimentaram a verdadeira conversão podem cair temporariamente sob os falsos encantos do mal e cair em pecado; até podem, às vezes, perambular longe do lar; mas a nova vida forçosamente se reafirmará e por gim os levará a voltar para Deus com corações penitentes.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 481)

Características da Conversão

A conversão é simplesmente uma parte do processo salvífico. Mas, porque é parte de um processo orgânico, naturalmente está ligada de modo íntimo com cada uma das outras partes. Às vezes se vê a tendência, especialmente em nosso país, de identifica-la com alguma das outras partes do processo, ou de exalta-la como se se tratasse da parte muitíssimo mais importante do processo. É bem conhecido o fato de que alguns, ao falarem da sua redenção, nunca vão além da sua conversão, esquecendo-se de falar do seu crescimento espiritual, nos anos posteriores.Isto sem dúvida se deve ao fato de que na experiência deles, a conversão sobressai como uma crise incisivamente marcante, crise que exigiu da parte deles. Tendo-se em conta a tendência atual de se perder a percepção das linhas de demarcação presentes no processo de salvação, é bom lembrar-nos da veracidade do adágio latino: “Qui bene distinguet, bene docet” (“Quem distingue bem, ensina bem”). Devemos notar as seguintes características da conversão:
1. A conversão pertence aos atos recriadores de Deus, e não aos Seus atos judiciais. Ela não altera a posição, mas, sim, a condição do homem. Ao mesmo tempo, relaciona-se estreitamente com as operações divinas na esfera judicial. Na conversão, o homem toma consciência do fato de que ele merece a condenação, e também é levado ao reconhecimento desse fato. Conquanto isto já pressuponha fé, ela conduz também a maior manifestação da fé em Jesus Cristo, a uma segura confiança nele para a salvação. E esta fé, por sua vez, pela apropriação da justiça de Jesus Cristo, serve de instrumento para a justificação do pecador. Na conversão, o homem se desperta para a jubilosa segurança de que todos os seus pecados são perdoados com base nos méritos de Jesus Cristo.
2. Como a palavra metanoia claramente indica, a conversão tem lugar, não na vida subconsciente do pecador, mas em sua vida consciente. Isto não significa que ela não tem suas raízes na vida subconsciente. Sendo um efeito direto da regeneração, naturalmente inclui uma transição nas operações próprias da nova vida, do subconsciente para o consciente. Em vista disso, pode-se dizer que a conversão começa nas profundezas da personalidade, mas, como um ato completo, certamente está dentro das linhas abrangidas pela vida consciente. Isto põe em relevo a estrita conexão existente entre a regeneração e a conversão. A conversão que não esteja arraigada na regeneração, não é conversão verdadeira.
3. A conversão assinala o início, não só do despojamento do velho homem, da fuga do pecado, mas também do revestimento do novo homem, da luta pela santidade no viver. Na regeneração, o princípio pecaminoso da velha vida já é substituído pelo princípio santo da nova vida. Mas é somente na conversão que esta transição penetra a vida consciente, levando-a numa nova direção, rumo a Deus. O pecador abandona conscientemente a vida antiga e pecaminosa e se volta para uma vida em comunhão com Deus e a Ele devotada. Não quer dizer, porém, que a luta entre a velha e a nova está acabada de uma vez; ela continuará enquanto durar a vida do homem.
4. Tomando a palavra “conversão” em seu sentido mais específico, ela indica uma mudança instantânea, e não um processo como o da santificação. É uma mudança que se dá uma vez e não se pode repetir, embora, como acima exposto, a Bíblia também denomine conversão o retorno do cristão a Deus, depois de haver caído em pecado. Neste caso, é a volta do crente para Deus e para a santidade, depois de os haver perdido de vista temporariamente. Quanto à regeneração, não temos a menor possibilidade de falar em repetição; mas na vida consciente do cristão há altos e baixos, períodos de íntima comunhão com Deus e períodos de afastamento dele.
5. Contrariamente aos que pensam na conversão unicamente como uma crise definida na vida, deve-se notar que, conquanto a conversão possa ser uma crise agudamente marcante, pode ser também uma mudança muito gradativa. A teologia mais antiga sempre distinguia entre conversões súbitas e graduais (como nos casos de Jeremias, João Batista e Timóteo); e em nossos dias, a psicologia da religião acentua a mesma distinção. As conversões marcadas por crise são mais freqüentes na épocas de declínio religioso, e nas vidas daqueles que não gozaram os privilégios de uma verdadeira educação religiosa, e que vagavam longe das veredas da verdade, da retidão e da santidade.
6. Finalmente, em nossos dias, quando muitos psicólogos mostram uma inclinação para reduzir a conversão a um fenômeno geral e natural do período da adolescência, é necessário assinalar que, quando falamos em conversão, temos em mente uma obra sobrenatural de Deus, resultando numa mudança religiosa. Os psicólogos às vezes insinuam que a conversão é apenas um fenômeno natural, chamando a atenção para o fato de que mudanças repentinas ocorrem também na vida moral e intelectual do homem. Alguns deles sustentam que a emergência da idéia de sexo desempenha um papel importante na conversão. Contra esta tendência racionalista e naturalista, é preciso afirmar o caráter específico da conversão religiosa.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 484)

Elementos Diferentes na Conversão

Já transparece na seção anterior que a conversão compreende dois elementos, quais sejam, o arrependimento e a fé. Destes, o primeiro é retrospectivo e o segundo é prospectivo. O arrependimento relaciona-se diretamente com a santificação, enquanto que a fé está estreitamente, embora não exclusivamente, relacionada com a justificação. Em vista do fato que a fé será discutida num capítulo à parte, vamos limitar-nos ao arrependimento aqui, definindo-o como a mudança produzida na vida consciente do pecador, pela qual ele abandona o pecado.
1. ELEMENTOS DO ARREPENDIMENTO. Distinguimos três elementos no arrependimento:
a. Um elemento intelectual. Há uma mudança de conceito, um reconhecimento de que o pecado envolve culpa pessoal, contaminação e desamparo. Este elemento é designado na Escritura como epignosis hamartias (conhecimento do pecado), Rm 3.29, cf. 1.32. Se este não for acompanhado pelos elementos subseqüentes, poderá manifestar-se como temor do castigo, sem ódio ao pecado.
b. Um elemento emocional. Há uma mudança de sentimento que se manifesta em tristeza pelo pecado contra um Deus santo e justo, Sl 51.2, 10, 14. Este elemento do arrependimento é indicado pelo verbo metamelomai. Quando acompanhado pelo elemento subseqüente, é lupe kata theou (tristeza segundo Deus), mas se não for acompanhado por ele, será lupe tou kosmou (tristeza do mundo), que se manifesta em remorso e desespero, 2 Co 7.9, 10; Mt 27.3; Lc 18.23.
c. Um elemento volitivo. Há também um elemento volitivo, que consiste numa mudança de propósito, num abandono interior do pecado e numa disposição para a busca do perdão e da purificação, Sl 51.5, 7, 10; Jr 25.5. Este elemento inclui os outros dois, e, portanto, é o aspecto mais importante do arrependimento. É indicado na Escritura pela palavra metanoia, At 2.38; Rm 2.4.
2. O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA , DA IGREJA CATÓLICA ROMANA. A Igreja de Roma exteriorizou inteiramente a idéia de arrependimento. Os elementos mais importantes do seu sacramento da penitência são a contrição, a satisfação e a absolvição. Destes quatro, a contrição é o único que pertence propriamente ao arrependimento, e mesmo deste o romanista exclui toda tristeza pelos pecados inatos, e só retém a tristeza pelas transgressões pessoais. E porque uns poucos experimentam a contrição real, ele também se satisfaz com a atrição. Esta é “a convicção mental de que o pecado merece punição, mas não inclui a confiança em Deus e o propósito de abandonar o pecado. É o medo do inferno” . Confissão, na Igreja Católica Romana, é confissão ao sacerdote, que absolve o confessante, não declarativa, mas judicialmente. Além disso, a satisfação consiste na prática da penitência pelo pecador, isto é, suportando ele alguma coisa dolorosa, ou realizando alguma tarefa difícil ou desagradável. A idéia central é que tais práticas externas constituem realmente uma satisfação pelo pecado.
3. CONCEITO BÍBLICO DE ARREPENDIMENTO. Contra esse conceito externo de arrependimento, a idéia escriturística deve ser defendida. De acordo com a Escritura, o arrependimento é um ato totalmente interno, e não deve ser confundido com a mudança da vida que dele procede. A confissão do pecado e a reparação dos males praticados são frutos do arrependimento. O arrependimento é somente uma condição negativa, e não um meio positivo de salvação. Embora sendo o dever do atual pecador, não vale para as exigências da lei quanto às transgressões passadas. Além disso, o arrependimento jamais existe, senão em conjunção com a fé, ao passo que, por outro lado, onde quer que haja fé verdadeira, há também arrependimento verdadeiro. Ambos são apenas diferentes aspectos do mesmo movimento – movimento de abandono do pecado em direção a Deus. Lutero falava às vezes de um arrependimento que antecede à fé, mas, sem embargo, parece que concordava com Calvino em considerar o arrependimento verdadeiro como um dos frutos da fé. Os luteranos gostam de salientar o fato de que o arrependimento é produzido pela lei, e a fé pelo, Evangelho. Devemos ter em mente, porém, que os dois são inseparáveis; são simplesmente complementares do mesmo processo.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 484)

quinta-feira, 5 de junho de 2014

QUE TIPO DE LÍDER DEUS USA?

Quando pensamos em um líder, nosso foco recai sobre alguém "que convence seguidores de que pode resolver seus problemas de uma forma melhor e mais eficaz do que qualquer outra pessoa”. A compreensão do de que consiste a liderança, leva-nos a um indivíduo que reconhece os problemas, as dificuldades e as necessidades de um grupo. Ele ajuda a identificar o que está errado e lidera pessoas no caminho de soluções satisfatórias. Qualquer indivíduo que segue um bom líder vive confiantemente. O otimismo penetra qualquer grupo que é abençoado com uma liderança piedosa.
Um líder convence outras pessoas a segui-lo porque tem respostas e soluções. Ele sabe o caminho a seguir ou, pelo menos, convence seus seguidores de que é competente. Pouca ou nenhuma vantagem pode ser obtida pela elevação de alguém a uma posição de autoridade, se essa pessoa é nitidamente incapaz de convencer o grupo de que pode resolver seus problemas. Visto que um grupo sem líder sente-se instintivamente como se estivesse condenado, ele dará as boas-vindas a qualquer um que estiver disposto a indicar-lhe a saída. Este poderá ser um homem de Deus ou um patife ambicioso, um destruidor, ou alguém que determina o passo ideal. E será tolerado até que apareça um líder mais persuasivo. Esse tipo de líder administra precariamente em sistemas democráticos, mantendo seu poder através do medo e por ameaças. Fidel Castro talvez não tenha melhorado a vida de muitos cubanos, mas tem mostrado como o poder pode ser mantido através da força e do medo.
Para um líder guiar, precisa ter autoridade, tanto quanto um automóvel precisa de um motor para ser dirigido. Se o líder é escolhido desconsiderando-se os critérios de Deus e os valores bíblicos, o grupo e seus propósitos serão postos em perigo. Exemplo claro disso foram as trágicas conseqüências da escolha de Israel, para que Abimeleque reinasse sobre eles (Jz 9). A sua história sórdida demonstra o quão é importante fazer a escolha certa. A Bíblia oferece grandes exemplos de líderes escolhidos por Deus. Suas personalidades foram tão distintas quanto as suas faces e as suas biografias, no entanto, algumas características merecem uma consideração especial. A liderança depende de algumas qualidades e habilidades.

Exemplos Bíblicos de Homens Usados por Deus
José: Um Líder Ideal Moldado em uma Prova Severa de Rejeição

A famosa história bíblica de José apresenta-nos um homem humilde de princípios. O status de filho favorito que José tinha, em vez de fazê-lo orgulhoso e esnobe, despertou-lhe o desejo de viver à altura das expectativas de seus pais. Os sonhos que Deus dava a José convenceram-no não do fato de que de era muito bom para servir outras pessoas mas, ao contrário, de que Deus o tinha escolhido para uma tarefa especial. Quando seus irmãos venderam-no como escravo, em vez de nutrir um espírito de autocomiseração, José manteve sua atitude positiva. Deus duramente testou seus princípios, mas ele não vacilou. Embora a esposa de Potifar tenha tentado repetidamente seduzi-lo, José resistiu às suas investidas por causa de seu caráter bem desenvolvido. Mesmo sendo inocente, seu aprisionamento falhou na indução da ira escondida ou de um espírito vingativo. Enquanto o copeiro de faraó tinha esquecido de apelar por sua causa justa diante do rei, José continuou servindo a Deus, abnegado, na prisão. O desapontamento grosseiro diante da terrível injustiça não provocou nenhuma ferida destrutiva em seu espírito. O sofrimento desmerecido não produziu uma falta de confiança na providência de Deus.
José foi um homem tão incomum, que sua preparação, por Deus, para a liderança, pode ajudar pessoas que aspiram qualquer ministério que influencie outras pessoas. A seguir veremos algumas de suas grandes qualidades, necessárias a líderes bem sucedidos.
Destaca-se um senso de vocação indestrutível. Desde sua infância, José acalentou um senso de destino. A atenção especial do seu pai, intensificada pelos sonhos que José entendera serem dados por Deus, lançou os alicerces da responsabilidade e da maturidade. A vocação, para um cristão, é algo sério porque ele sabe que a vida não é sem propósito. Ele sabe, como José sabia, que Deus marcou a sua vida com um valor distinto. O "chamado" bíblico não concede meramente a uma pessoa o direito de regozijar-se na liberdade de escolha e no auto-desenvolvimento, mas obriga-a a beneficiar outras pessoas. Através do curso da sua vida, José nunca perdeu aquela certeza. Ele pôde confiantemente falar a seus irmãos bajuladores, que temiam por suas vidas após a morte de Jacó: "Não temais; porque, porventura, estou eu em lugar de Deus? Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida a um povo grande" (Gn 50.19-20). Um profundo senso do chamado de Deus para servir outros deve marcar a vida dos líderes.
Deus, depois de moldar seu servo através de muitos sofrimentos e provas, finalmente elevou José à posição de primeiro ministro do Egito. Ele foi tirado das algemas da prisão para exercer autoridade absoluta sobre todo o Egito, ao lado do próprio faraó. Ele não foi motivado pelo poder ilimitado para despejar a vingança sobre seus irmãos invejosos ou da esposa mentirosa de Potifar. Ele chorou diante de seus irmãos enquanto eles pediam seu perdão. A liderança, de acordo com os parâmetros de Deus, não pode ser contaminada com a inveja e o ressentimento.
Examinando mais profundamente a vida de José, um líder escolhido por Deus, podemos ressaltar outras qualidades marcantes, como estrelas brilhando em uma noite sem nuvens. Stogdill sugeriu que perfis psicológicos, em si mesmos, dão pouca indicação do surgimento de um líder capacitado. Porém, em resumo, a vida de José era significativamente caracterizada pelo seguinte perfil:
Primeiro, ter capacidade e potencial indiscutíveis (inteligência, atenção, facilidade de se comunicar, originalidade, julgamento). José demonstrou todas essas qualidades durante sua vida. Ambos, Potifar e o faraó, imediatamente reconheceram em José uma pessoa dotada e incomum. A confiança deles acabou sendo bem fundamentada.
Segundo, realização requer sabedoria, conhecimento e consumação. Ainda que não tenhamos qualquer idéia sobre a formação acadêmica de José, não há dúvida alguma com relação à sua habilidade de administrar o armazenamento da colheita e o seu programa de distribuição.
Terceiro, ter uma responsabilidade irrefutável (confiança, iniciativa, persistência, auto confiança, desejo de vencer). Sem ter dado atenção aos detalhes e a integridade, José raramente poderia ter manejado o imenso e complexo trabalho ordenado pelo faraó.
Quarto, ter uma participação direta (atividade, sociabilidade, cooperação, adaptação). Claramente, José tomou parte no processo de implementação de um programa nacional estabelecido para evitar a fome sobre a nação. A mudança de longos anos em uma prisão para uma alta posição governamental, requer mais do que uma pequena dose de adaptação. A sociabilidade e a cooperação foram o seu pão de cada dia. A participação direta fez com que o programa fosse bem-sucedido.
Quinto, ter um status integrado (posição socioeconômica, popularidade). A popularidade de José em todas as esferas Sociais e econômicas em que Deus o tinha colocado, brilha através das linhas da narrativa de Gênesis. Embora seja verdade que a falta de popularidade entre seus irmãos fosse gerada pela inveja destes, não houve hostilidade alguma da parte de José que encorajasse essa animosidade destes. Obviamente, líderes que carecem popularidade precisam implementar força.
Sexto, estar em uma situação ordenada por Deus (habilidade mental, experiências, necessidades e interesses de seguidores, objetivos para serem alcançados e tarefas para serem realizadas). Durante sua longa vida, José demonstrou uma habilidade incrível de manejar as tarefas a ele apresentadas. Não há sugestão alguma de que ele sentiu-se derrotado completamente pela situação que Deus colocara diante dele.
José ilustra como as circunstâncias e as capacidades para liderar combinam-se na formação de líderes marcantes. Como Stogdill escreveu: "A evidência forte indica que habilidades diferentes de liderança e as peculiaridades são exigidas em situações diferentes. Os comportamentos e as peculiaridades que capacitam um criminoso para ganhar e manter o controle sobre uma quadrilha não são as mesmas que capacitam um líder religioso para formar e manter um grupo de seguidores. Contudo, algumas qualidades gerais como a coragem, a firmeza e a convicção parecem caracterizar ambos".
Notavelmente sociável e articulado, José atraiu atenção, independentemente de sua posição servil, como escravo na casa de Potifar. Que outra razão teria uma pessoa de alta-classe, esposa de um oficial, para seduzi-lo? Sua adaptabilidade brilha durante toda a narrativa de Gênesis. Como um escravo em uma casa, como um prisioneiro na cadeia ou como o primeiro ministro do país, José conduziu as suas responsabilidades naturalmente. Ele deu a impressão de que havia sido especialmente treinado para as diversas atividades que realizara. Sua responsabilidade brilha adiante, como um diamante polido no meio de seixos.
Em todas as tarefas que era obrigado a fazer, ele sempre inspirava confiança. José foi elevado ao topo por causa da peculiaridade de seu caráter. Desse modo é que um líder deve demonstrar sua capacidade. Ele pode confiantemente levar adiante as responsabilidades pesadas pertinentes à liderança.
Sua auto confiança não deve ser entendida como mera segurança de que ele poderá realizar com êxito qualquer exigência que for posta diante dele. José foi mais do que um administrador habilidoso e capacitado. Ele demonstrou em sua conduta que era um homem que tinha completa confiança em Deus. Paulo descreveu essa atitude assim: "Tudo posso naquele que me fortalece" (Fp 4.13). Um líder piedoso precisa possuir este tipo de atitude, não em si mesmo, mas naquele que é totalmente confiável: Deus. José foi elevado ao topo por causa de qualidades marcantes que um bom líder necessita ter.

Moisés: um Homem Preparado e Usado por Deus

O potencial da liderança de Moisés teve origem na criatividade de sua família (Hb 11.23). Quando recusara aceitar o status de neto do Faraó, ele demonstrou firmeza e convicção (v.24). Ele escolheu ser maltratado e alienado, em vez de permanecer no conforto e na segurança do palácio. Moisés expressou sua segurança pessoal de um homem que reconhecera que Deus o tinha separado à parte para uma missão especial (vv. 25,26). Sem medo perante a ira do rei, nem imprudência, demonstrou fé nas promessas de Deus, as quais o mantiveram cativo a Deus e seus propósitos por quarenta anos no deserto. Deus testou a paciência de Moisés severamente, enquanto assistia sua vida mergulhando nas areias do deserto, aparentemente, sem nenhum alvo desafiador ou resultados marcantes que pudessem virar história. Quando Deus, finalmente, o chamara para abandonar o pastoreio das ovelhas do seu sogro, para assumir uma posição ímpar de pastor da nação de Israel e libertar o povo do cativeiro, Moisés tentou escapar dessa responsabilidade. Deus superou sua relutância natural, devido ao seu impedimento de falar, para que, por fim, ele comunicasse bravamente a vontade de Deus ao Faraó, ainda que naquele momento isso pudesse custar sua própria vida.
Moisés demonstrou incríveis qualidades de liderança durante os quarenta anos de jornada pelo deserto. A paciência, a preocupação pela glória de Deus e a perseverança são as qualidades que especialmente se sobressaem. Quase que com a mesma importância foram a sua coragem perante o perigo, a sua criatividade perante a rebeldia e a sua mansidão diante de tribulações. Todos esses elementos de liderança de alta qualidade são manifestos em Moisés. Sua fama, depois de milhares de anos, eleva-o ao nível de um dos mais extraordinários líderes de todos os tempos.
A atual análise de liderança mostra que as excelentes qualidades que Moisés apresentara são tão necessárias hoje quanto elas foram três mil anos atrás. Alguns líderes desenvolvem certos valores de âmbito pessoal. Por exemplo, James J. Cribbin enfatizou a seguinte lista de traços:
A. Desempenho Atual: É a habilidade de desempenhar bem as funções na posição atual que uma pessoa se encontra. Moisés recebeu o melhor treinamento e educação disponível no Egito. Como pastor das ovelhas de Jetro, ele foi completamente confiável.
B. Iniciativa: É a habilidade de ser um "auto-iniciador". Moisés tomou sua posição ao lado dos rejeitados escravos hebreus contra o mestre-de-¬obra egípcio que batia em um companheiro hebreu. Caso não tivesse a fibra de um líder, certamente, Moisés não poderia ter escolhido se identificar com os oprimidos e ter assassinado o opressor (Ex 2.12-13).
C. Aceitação: É a habilidade de ganhar respeito e vencer a confiança de outras pessoas. Moisés levantou a questão de aceitação pelos israelitas desde o começo. Ele sabia que quarenta anos passados no deserto do Sinai, tomando conta de ovelhas, não era a experiência que a maioria consideraria como algo essencial à liderança (Ex. 3.11). Deus usara de pragas e da função mediadora de Moisés, infligindo aqueles julgamentos milagrosos, para ganhar o respeito dos egípcios e também o dos israelitas.
D. Comunicação: É a habilidade de articular claramente o propósito e os alvos do grupo. Embora Moisés acreditasse que não tinha eloqüência, tendo sido afligido com uma "boca pesada” (Ex 4.10) durante o curso de sua vida, ele exibiu uma habilidade de comunicação incomum. A habilidade "de ter acesso" às pessoas em vários níveis precisa fazer parte das funções de um líder. Em várias ocasiões, Moisés teve que responder às murmurações e as incredulidades dos israelitas com argumentos válidos e decisões persuasivas. Mais importante ainda, ele foi especialmente perito em comunicar-se com Deus. Considere a exposição do autor da conclusão de DeUteronômio: "Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o SENHOR houvesse tratado face a face" (Dt 34.10). Um homem de oração é a exigência básica para a liderança cristã.
E. Análise e discernimento: É a habilidade de alcançar conclusões idôneas baseadas na evidência. Moisés julgou corretamente a criação do bezerro de ouro, e a sua adoração, como repúdio a Deus. De alguma forma, Arão não demonstrou a habilidade para analisar o pedido da liderança israelita. Sua análise foi tristemente prejudicada pela falta de discernimento, de tal forma, que coincidiu com os desejos deles sem qualquer reação negativa (Ex 32.1-6). Como um líder deficiente, Arão trouxe destruição à nação. O resultado foi o caos espiritual, e milhares morreram como conseqüência.
F. Realização: É a quantidade e a qualidade de trabalho produzido através do uso efetivo do tempo. Mais uma vez Moisés se sobressai nessa categoria. Foi ele que, não somente liderou o povo para fora do Egito, mas também, deu a Lei, o tabernáculo e as cerimônias pelas quais Israel tinha que se aproximar de Deus e conhecer a sua vontade.
G. Flexibilidade: É a habilidade de adaptar-se a mudanças e de ajustar-¬se ao inesperado. De um príncipe honrado na corte do faraó, a um pastor insignificante no Sinai, até um porta-voz de Deus e líder de uma nação, Moisés demonstrou tremenda adaptabilidade. Sua humildade ímpar o fez verdadeiramente maleável nas curvas e travessas do caminho que Deus colocara perante ele.
H. Objetividade: É a habilidade para controlar sentimentos pessoais, uma mente aberta. A reação de Moisés, à sugestão de Deus que ele haveria de destruir Israel da face da terra e fazer de Moisés uma grande nação, demonstra como este era destituído de sentimentos pessoais e de ambições orgulhosas (Ex 32.11-13). Uma breve reflexão mostrará que cada uma dessas oito características foram refletidas na liderança de Moisés.
Um estudo supervisionado pelo Fuller School of World Mission em Pasadena, na Califórnia avaliou 900 líderes de igrejas do passado e do presente, na esperança de descobrir quais os comportamentos básicos que melhor podiam explicar sua eficiência. A primeira convicção desses líderes afirma que eles acreditam que a autoridade espiritual é um princípio básico do poder espiritual. Já que o impacto de uma vida flui do poder espiritual de um homem, é necessário esclarecer que aqueles que têm melhor servido a Deus são aqueles que têm vivido em relacionamento mais íntimo com ele. Moisés alimentou sua intimidade com Deus através da oração, da comunhão e da obediência.
Sabemos muito pouco sobre a mãe de Moisés para tecermos comentários sobre o seu impacto na vida do filho. Podemos ter. certeza, porém, que sua criatividade, livrando a vida de seu filho (Ex. 2.3,4), e a coragem que ela demonstrou aceitando a responsabilidade de criá-lo para a princesa egípcia, foram fatores primordiais na formação do caráter de Moisés. Será que podemos justificar a criação de um paralelo entre a mãe de Moisés e Susanna Wesley que teve um impacto no mundo através da influência que ela exerceu nos seus filhos, John e Charles Wesley, os fundadores do Metodismo do século XVIII, na Inglaterra?
Os segredos da criação dos filhos de Susanna foram resumidos da seguinte forma:
1. Ela ensinou autoridade, pela sua reverência.
2. Ela ensinou domínio, pela sua satisfação.
3. Ela ensinou sucesso, pela sua criatividade.
4. Ela ensinou sofrimento, pela sua tolerância.
5. Ela ensinou responsabilidade, pela sua regularidade.
6. Ela ensinou disciplina, pela sua bondade.
7. Ela ensinou liberdade, pela sua lealdade.
8. Ela ensinou planejamento, pela sua determinação.
9. Ela ensinou propósito, pela sua fé.
10. Ela ensinou liderança, pela sua iniciativa.
11. Ela ensinou vitória, pelo amor.
12. Ela ensinou domínio, pela sua segurança.
13. Ela ensinou liberdade, pela sua virtude.
14. Ela ensinou responsabilidade, pela sua firmeza.
15. Ela ensinou alegria, pela sua alegria.
É verdade que não podemos saber completamente como a mãe de Moisés demonstrou essas virtudes. Porém, podemos ter uma idéia de que as qualidades que o escolhido de Deus apresentara durante os quarenta anos de exaustivos desafios e tribulações, foram instiladas por um tipo de retaguarda que ele e os Wesleys receberam. Os primeiros sete anos de vida de uma criança são os mais cruciais na formação da sua personalidade.
Será que as mães estão instilando qualidades de caráter bíblico em suas crianças? Qual a influência que a televisão e os filmes têm em nossos jovens? Será que eles estão sendo moldados para o serviço de Deus, líderes que guiarão a Igreja e as organizações cristãs para o próximo milênio de forma bem-sucedida?

Davi: um Homem Humilde de Coragem e Determinação

Davi irradia-se das páginas das Escrituras como um modelo de liderança hábil. Mesmo antes de alcançar a idade normal de maturidade, bravamente desafiou um urso ou um leão para recuperar uma ovelha de sua boca (1 Sm 17.35). Com coragem inspirada pela fé no Deus Todo-Poderoso, Davi pediu o privilégio de lutar com Golias. Embora não tivesse experiência de batalha, nem treinamento especial, sentiu a confiança que somente Deus dá para aqueles que ele seleciona para carregar o seu estandarte e enfrentar a morte que o ameaçava. Combinado com uma aparente coragem imprudente, podemos encontrar em Davi um homem que elevou sua lealdade de rei ungido de Deus para um nível raramente visto. Não importa que Saul fora tão instável quanto a água, ou que mentira constantemente por causa de seu medo invejoso e infundado de que Davi estava conspirando para derrubá-lo. Mesmo sabendo que Deus o tinha escolhido para substituir Saul como rei, Davi, ainda sim, apoiou o líder constituído da nação.
Davi repetidamente demonstrou versatilidade nos anos que fugira e escondera-se da ira mortal do rei Saul. Quer evitando a fome, comendo o pão da Presença (lSm 21.1-9), fingindo loucura na presença de Áquis em
Gate ou cortando um pedaço da orla do manto de Saul para provar que não tinha nenhuma intenção má, Davi consistentemente inspirou confiança em seus seguidores e à nação, como um todo.
Uma dose impressionante de humildade coexistiu com a coragem e a determinação de Davi. Quando a notícia da morte de Saul o alcançou, ele deu um exemplo de tristeza genuína em seu ato, rasgando suas vestes, pranteando, jejuando e chorando por seu inimigo caído. Quando o profeta Natã repreendeu seus pecados de adultério e assassinato, não reagiu em fúria e autodefesa, mas com uma convicção de coração partido e de arrependimento. O Salmo 51 revela como Davi sentiu profundamente as feridas de sua consciência. Qualquer líder que é inclinado a arrepender-se superficialmente não é digno de sua posição como um modelo exemplar. Davi amou intensamente seu filho Absalão, mesmo depois da desprezível rebelião que ele levantara contra seu pai. Joabe sabia que Absalão não merecia viver, mas intensifica a aflição de Davi diante da notícia de que o seu filho rebelde estava morto. O poder e a fama não fizeram Davi insensível às outras pessoas.
Davi deu valor à justiça. Considere a maneira que ele desafiou a prática de distribuição dos despojos da batalha entre os homens. Ele se assegurou de que os homens fracos recebessem um montante igual e justo.
Robert Clinton desenvolveu idéias novas em relação à forma pela qual Deus desenvolve líderes segundo o seu próprio coração. Eles são padrões que descrevem uma idéia geral, providenciando uma estrutura, um tipo de esboço da vida de uma pessoa.
Primeiro, de significado especial, são os traços da personalidade que fazem uma pessoa ser o que ela é. Alguns traços são natos, e outros são formados através da disciplina familiar e da transferência de valores.
Segundo, são os processos que movem uma pessoa ao decorrer de sua vida. Os eventos, as pessoas e as circunstâncias afetam as atitudes e produzem reações que as pessoas desenvolvem desde o nascimento até a morte. Enquanto uma pessoa amadurece, ela aprende através da experiência e da reflexão. A leitura, o estudo e a discussão afetam no processo que transforma um jovem imprudente em um líder respeitado. Paulo adverte Timóteo para não ordenar um irmão que seja “neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condena~]ao do diabo " (1 Tm 3.6). Quando o processo necessário de testes e de tropeços da vida são bem sucedidos, um líder em potencial pode mover-se ao serviço sem colocar em perigo a vida do grupo.
Finalmente, é preciso considerar os princípios, isto é, as verdades fundamentais que servem como as raízes de uma árvore ou os alicerces de um edifício, mantendo-o firme em tempestades e terremotos. O pastor Warren Wiersbe, antigo pastor da Moody Church em Chicago, e autor bem conhecido, escreveu o seguinte sobre princípios: "Em relação à única coisa que eu me lembro de uma das minhas aulas de seminário é uma estrofe de uma poesia que um professor cansado apresentou no meio de uma aula monótona:

'Os métodos são muitos,
e poucos os princípios.
Os métodos sempre mudam,
mas nunca os princípios'.
Aquela convicção levou-me a uma vida incessante à busca de princípios, as verdades fundamentais que nunca mudam, mas sempre têm um novo preceito atrás deles. Aprendi avaliar homens e ministérios baseado nos princípios que os motivaram, e também baseado no fruto que eles produziram".
Uma liderança sem princípios é como um navio sem bússola. Liderança sem o processo de experiência é como um navio sem o capitão. Liderança sem um padrão é como um navio sem um destino ou porto seguro.
Davi demonstrara o padrão da sua vida nos Salmos. Como um exemplo, veja suas palavras: "Ó Deus, tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água. Assim, eu te contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória" (63.1-2). A inclinação de seu coração repousava-se em Deus. Esta foi sua disposição, um ardente almejo da intimidade com Deus, que é refletido em muitos Salmos compostos por Davi.
A biografia bíblica de Davi revela o processo pelo qual Deus elevou esse jovem a uma estatura de proeminência mundial. Nos olhos de seu pai era improvável que Davi se tornasse um líder da nação, tanto que Samuel teve que perguntar a Jessé se ele não tinha outro filho que Deus pudesse indicar como sua escolha. Não havia nem passado por sua mente que Davi pudesse vir a ser ungido como o futuro rei de Israel (lSm 16.11-13).
O desempenho de Davi sobre a nação foi um modelo criado pela sabedoria e poder aplicados ao governo. Entre os princípios proeminentes exemplificados por Davi, o primeiro que podemos fazer menção é integridade, incluindo as virtudes de honestidade e de veracidade. Enquanto Saul tinha como características pessoais a desonestidade e a insegurança, Davi, desde a sua mocidade, buscava vencer a tentação da hipocrisia e duplicidade. Spurgeon estava certo quando disse a seus alunos ministeriais: "Um ministro de Cristo deve ter sua língua, seu coração e suas mãos em concordância".
Segundo, a confiabilidade, uma faceta da integridade, caracterizava-o. Davi fez da confiabilidade, uma regra para sua vida para cumprir suas promessas. Lembre do caso de Mefibosete, filho de Jônatas, que recebeu de volta toda a terra que pertencia a Saul, e comeu na mesa do rei (2Sm 9.7). Nestes dias em que manter promessas não é mais considerado uma obrigação solene, as ações de Davi desafiam os cristãos de hoje a terem responsabilidade.
Terceiro, observe o princípio de justiça. O insensato Nabal quase perdera sua cabeça por não reconhecer que a liderança de Davi baseava-se em um senso vital de justiça (lSm 25), em vez de subornos, favoritismos e "panelinhas". O general Joabe, que servira Davi tão habilmente nas batalhas, mas que pecava na falta deste princípio crucial de orientar sua vida pela justiça, finalmente perdeu sua vida como uma conseqüência da falta de justiça.
Quarto, note o princípio de humildade que fez de Davi um homem segundo o coração de Deus. Quando três dos seus valentes romperam pelo arraial dos filisteus para tirar água da cisterna que estava junto à porta de Belém, para que Davi bebesse, Davi não bebeu da água (2Sm 23.15-17). Como um grande líder como foi, Davi não se considerou digno de beber da água que foi tirada com o risco de vida para satisfazer seu desejo caprichoso da água especial de Belém.

Conclusão

Muitos outros exemplos de princípios de liderança poderiam ser extraídos das histórias da vida de homens proeminentes do Antigo Testamento. Porém, esses exemplos apresentados devem ser suficientes para destacar o significado do caráter e da maturidade espiritual nas vidas daqueles que Deus escolhera para servi-lo como líderes. As circunstâncias de hoje são radicalmente diferentes daquelas que envolviam a vida de José, Moisés e Davi, mas, os princípios e verdades que governaram suas ações e atitudes, ainda podem ser mantidas como verdadeiras para os dias de hoje.

(O LÍDER QUE DEUS USA – RUSSEL SHEDD. PG.7)

A SELEÇÃO DOS LÍDERES QUE DEUS QUER USAR

Qualquer processo humano de seleção apresenta defeitos, até fracassos ocasionais. As críticas ao técnico da seleção brasileira que representou o Brasil nas finais da Copa do Mundo de Futebol da França provam que, mesmo nos esportes, o melhor homem, para aquela função, não tem o apoio de todos os torcedores do time o tempo todo.
Em assuntos de importância eterna, a descoberta e a seleção do melhor líder para uma igreja ou uma organização pode ser um trabalho agonizante e paralisador. O desafio deste capítulo tem como foco os importantes passos no processo de seleção e nas características e personalidades que devem ser procuradas em um líder.

Procurando um Homem com o Coração de Deus

O primeiro passo concentra-se na oração. Em oração, uma pessoa espera em Deus para indicá-la quem ama ao Senhor e verdadeiramente deseja lima vida de intimidade com ele. Da multidão de discípulos que seguiram Jesus foi importante selecionar doze para aprender com ele e sair para pregar (Mc 3.14). Jesus investiu uma noite inteira em oração antes de escolher os doze homens que se tornariam apóstolos (Lc 6.12).
Os onze apóstolos oraram para Deus intervir na seleção do sucessor de Judas (At 1.24-26). Foi durante o período de oração e jejum dos principais líderes da Igreja em Antioquia que o Espírito Santo disse: "Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At 13.2-3). É provável que a seleção de Timóteo para liderar a Igreja depois que os anciãos tinham imposto suas mãos sobre ele e profetizado, foi acompanhada de oração de fé (1Tm 4.14).

Procurando um Homem Aprovado

Se um líder causou problemas em sua posição anterior, somente uma evidência muito forte, indicando uma mudança para melhor, será o sinal de uma boa escolha. Uma denominação evangélica no México colocou como regra para a ordenação vários passos necessários para o pastorado. Somente os homens que tivessem cruzado, de forma bem-sucedida, esses passos passariam pela ordenação. Os passos são os seguintes: 1) Se um jovem alegasse ter recebido o chamado ao ministério, ele seria solicitado a investir um ano evangelizando e distribuindo folhetos evangelísticos. 2) Se ele demonstrasse certa habilidade em convencer pessoas a considerarem Cristo, ele, então, seria solicitado a começar uma congregação ou um ponto de pregação. Se ele fosse bem sucedido em trazer um grupo de pessoas para regularmente adorar a Deus e ouvir a sua Palavra, ele poderia prosseguir ao terceiro passo. 3) Ele seria solicitado a servir como assistente de um pastor.
Assim, poderia aprender não somente os segredos de um ministério bem sucedido, como também, o pastor poderia avaliar sua atitude de servo por um ano. 4) Com a confirmação do pastor, ele era, então, obrigado a completar o curso de seminário ou escola bíblica. 5) Após o término bem-¬sucedido dos seus estudos teológicos, ele seria submetido a uma série de três dias de perguntas feitas por pastores. Se estes finalmente ficassem convencidos de que ele tinha as qualidades e o conhecimento necessário para o pastorado, eles recomendariam a ordenação do candidato.
Observe as vantagens que esse método de seleção tem sobre a forma normalmente utilizada para escolha de líderes para uma igreja ou uma organização cristã.
A. É bíblico. Note que o candidato de Paulo para o ministério não pode ser um novo convertido. Ele precisa ser de boa reputação (1 Tm 3.6-7). Paulo revelou uma atitude semelhante quando afirmou sua própria filosofia de ministério: "[...] O qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo" (Cl 1.28).
Tiago escreveu: "Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo" (3.1). Pedro escreveu para os anciãos na Ásia Menor, indicando que ele tinha em mente os homens mais experientes e aprovados nas igrejas (1Pe 5.1; At 14.23). Hebreus sugere que a função de liderança dos mestres deve ser reservada àqueles que tem estado na igreja por tempo suficiente para serem provados (5.11-14).
B. É prático. A sabedoria demanda que um líder seja maduro, e não infantil. Isso significa que a elasticidade emocional substitui a infantilidade emocional de altos e baixos. Examine a história de Saul outra vez e note a evidência clara de uma personalidade despreparada de experiência e de maturidade para governar a nação. A maneira que ele explicou a sua desobediência (1 Sm 15.15) demonstra claramente um raciocínio de ordem emocional, carente de princípios.
A igreja em Corinto sofreu da praga de líderes imaturos e infantis que dividiam o Corpo de Cristo em facções e criavam tensão através de inveja t: de discórdia (1 Co 3.1-3). Quando homens jovens são entregues a posições de liderança, gradativamente, e avaliados a cada novo estágio, a boa qualidade de liderança torna-se quase que uma certeza.
C. É previsível. Um líder desaprovado pode conduzir uma igreja ou urna nação ao caos porque ninguém sabe como ele usará o poder que controla. "Poder tende a corromper; poder absoluto corrompe completamente" é mais que um slogan. A história mostra quão rapidamente os ideais da Igreja ou da nação são desviados do propósito original dos fundadores quando seus líderes não abraçam os mesmos princípios.

Procurando um Homem Disponível

A habilidade e o talento valem muito pouco para os líderes que não estão disponíveis, dispostos e prontos a servir. Paulo mencionou este primeiro passo: "Fiel é a palavra: se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja" (1Tm 3.1). Paulo certamente conhecia líderes que queriam a função ou o título, mas que estavam pouco preparados para o serviço. Timóteo era excepcional, como a carta de Paulo aos filipenses pode confirmar. Em seu desejo de mandar alguém para ministrar e aconselhar a igreja, Timóteo sobressaiu-se como a escolha óbvia, pois ele não tinha empecilhos com preocupações irrelevantes. "Porque a ninguém tenho de igual sentimento que, sinceramente, cuide dos vossos interesses; pois todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus" (Fp 2.20¬21). Além do mais, Paulo exortou Timóteo para escolher homens que continuassem na obra de Deus em Éfeso, e que fossem como soldados que cuidadosamente evitam se envolver nas questões civis. Do contrário, ele desagradaria aquele que o alistou (2Tm 2.4).
O mesmo é verdade para o atleta. Que estrela olímpica compete com êxito tendo sua atenção dividida? Para vencer, a pessoa precisa estar disposta, concentrada e determinada em seu coração para a vitória (cf. 2Tm 2.5). O serviço para Deus exige a diligência e a vontade séria para ser aprovado pelo Senhor (v.15). Será que Pedro não tratou deste mesmo assunto? "Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade" (1Pe 5.2). Jesus certamente viu, debaixo das camadas de incompetência, inexperiência e imaturidade dos seus discípulos, homens que estavam dispostos, e até zelosos para servir. Isso explica a confiança com a qual Jesus chamou-lhes de suas diversas carreiras, prometendo fazer-lhes "pescadores de homens"(Mt 4.19).
A importância da disponibilidade e da disposição de se trabalhar para Deus pode ser mais claramente vista nas exigências que Jesus colocou sobre um homem que ele chamara para segui-lo. "Permite-me ir primeiro sepultar meu pai. Mas Jesus insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos" (Lc 9.59-60). Para outro candidato que se oferecera seguir Jesus depois de despedir-se de sua família, Jesus disse: "Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus" (vv.61¬62). Grandes recompensas estão reservadas para aqueles que deixam casas, famílias e campos para trabalhar para Deus (Mc 10.29-30). Esse é o tipo de desprendimento que bons líderes necessitam. Quando olhamos o sucesso extraordinário que Jesus atingiu através de homens que ele escolhera, vemos a verdade nesta definição: "Um líder é uma pessoa comum com uma determinação extraordinária".

Procurando um Homem Que é Disposto a Ensinar e a Aprender

A liderança exige o conhecimento e o treinamento. Paulo usa a frase: "apto para ensinar" (1Tm 3.2). A habilidade para ensinar depende do desejo contínuo de aprender. Uma pessoa nunca deve dizer que já aprendeu, como se não precisasse mais crescer em entendimento. Depois de 80 anos de aprendizado na escola de Deus, o Senhor prometeu a Moisés: "Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar" (Ex 4.12). Quando Tiago avisa que um "maior juízo" aguarda mestres cristãos, é provável que não se referia aos erros daqueles que deliberadamente distorcem a verdade, mas daqueles que, através da preguiça e da ignorância, dão opiniões humanas, em vez da infalível Palavra de Deus. É tão comum ouvir em nossos dias mensagens que apresentam pouca profundidade e reflexão e raro interesse em expor o sentido verdadeiro do texto bíblico.
Porque a vida é dinâmica e o assunto muda constantemente, a liderança eficaz exige o crescimento e a adaptação constante.
De acordo com a pesquisa feita com milhares de líderes pela Escola de Missões Mundiais do Fuller (mencionada anteriormente), os líderes eficientes "mantém uma postura de aluno durante a vida inteira. Nunca param de estudar; lêem livros que aumentam seu conhecimento e ampliam seus horizontes. Assistem cursos para crescer e melhorar suas aptidões ministeriais”.
Pastores que não se aposentam enquanto têm voz audível e uma mente que raciocina bem, demonstram mais uma das características de líderes eficazes, segundo a pesquisa do Fuller. "Eles têm uma perspectiva vitalícia de ministério. Pretendem continuar a ministrar enquanto puderem. Amam o que fazem e nunca escolheriam parar de ministrar. Encaram o ministério como um privilégio".
O outro lado da moeda se mostra quando um líder idoso pára. de estudar e descobrir novas facetas da verdade. Passa a argumentar que tudo sempre fora feito assim e não enxerga o fato de que a dinâmica de sua liderança está se esgotando. A situação delicada pode ser contornada com muita dificuldade, a não ser que o líder venerável, mais idoso, se transfira para uma esfera menos exigente ou que ele "volte para escola".
A abertura para novas idéias significa que um líder tem um ouvido pronto para ouvir. Uma pessoa que arrogantemente crê que sabe muito mais do que seus seguidores, e que estudo é uma perda de tempo, encontrará desafios em sua liderança. A confiança que seus seguidores precisam manter será desgastada. Sua habilidade de efetuar mudanças nas vidas de outras pessoas será dissipada.
A seleção do líder da nação ou da igreja local, muitas vezes, será a decisão de maior importância que um grupo tomará. É o líder escolhido que determina o passo da organização, que direciona o rumo que ela seguirá. Muita reflexão e oração são os mínimos necessários que precisam ser investidos na escolha de um homem de Deus.

Procurando um Homem Perseverante

John Haggai, depois de examinar cuidadosamente personalidades históricas e compará-las com líderes atuais, chegou a seguinte conclusão: "Um fator distingue a organização que vence: a habilidade de permanecer". A persistência vem com a firmeza das convicções que uma pessoa mantém. O percurso que ela escolhe é o escolhido por Deus. Esse percurso é mais digno do que qualquer outro.
Alguns dos heróis do Antigo Testamento demonstraram incrível persistência. Considere José durante o que parecia intermináveis anos na prisão. Moisés esperou quarenta anos na península do Sinai, pelo tempo de Deus, para livrar o seu povo. Samuel começou mais jovem do que qualquer outro homem de Deus a discernir a voz do Senhor. Ele permaneceu fiel até o último instante de sua vida. Começar bem é bom, mas terminar bem é muito melhor. Olhando para a história dos diversos heróis da Bíblia, "a tão grande nuvem de testemunhas a rodear-nos", o autor de Hebreus exorta para que "desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta” (12.1).
Foi dito que John Wesley pregou cerca de 40.000 vezes. Ele andou a cavalo por volta de 400.000 quilômetros. Não é de nos surpreender que ele foi sozinho o homem que mais influenciou a Inglaterra em sua geração. Ele tinha persistência. Trabalhou incansavelmente para conquistar homens e mulheres para Cristo. Inspirou seguidores que tornaram o metodismo uma força poderosa para Deus que permanece até hoje. Deus o usou de forma poderosa porque ele não desistiu.
(
(O LÍDER QUE DEUS USA – RUSSEL SHEDD. PG.15)