quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Os Discípulos em Éfeso

O segundo incidente incomum está descrito em Atos 19.1-7. Paulo iniciara a terceira das suas famosas viagens missionárias e chegou em Éfeso. Ali ele encontrou uma dúzia de homens que, a julgar pela descrição que Lucas faz deles, nem parecem ter sido cristãos. É verdade que eles são chamados de "discípulos" (v. 1), mas isto não precisa significar mais do que discípulos professos, assim como se diz do mago Simão que ele "abraçou a fé" (8:13), apesar do contexto mostrar que ele só tinha dito crer.
Comentando uma outra passagem da Escritura, Charles Hodge, o erudito de Princeton, do século passado, escreveu: "A Escritura sempre fala das pessoas de acordo com o que elas afirmam de si; com isso chama de crentes os que dizem crer, e de cristãos os que confessam Cristo".7 Paulo perguntou àqueles homens em Éfeso se tinham recebido o Espírito quando "creram" (v. 2). Isto mostra pelo menos que ele sabia que eles diziam serem crentes. Mas também dá a impressão de que, por alguma razão, ele duvidava da veracidade da sua fé, senão de forma alguma teria feito a pergunta. Já vimos que ele é consistente em ensinar que o Espírito é concedido aos que crêem. Como então, ele poderia ter feito esta pergunta, a não ser que algo o fizesse suspeitar de que a vida cristã deles não era real, bem como sua profissão de fé?
Os acontecimentos mostraram que sua suspeita tinha fundamento. Podemos verificar as seguintes constatações: a) Em resposta à sua pergunta se eles tinham recebido o Espírito, não disseram um simples "sim" ou "não", nem mesmo um "não sei" admirado, mas "nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo" (v. 2); b) Então Paulo imediatamente perguntou-lhes sobre seu batismo (v. 3), porque o batismo na água é em nome da Trindade (Mat. 28:19) e, como veremos, dramatiza, representa o batismo no Espírito. Seu raciocínio era simples: como poderia ter-lhes sido ministrado o batismo cristão, se eles nunca tinham ouvido falar no Espírito Santo? Ele estava correto. Eles não tinham sido balizados; c) O batismo que eles tinham recebido era o de João Batista, provavelmente em resultado do ensino incompleto, de Apolo, que havia visitado Éfeso recentemente (18.24-26).
Então, o que Paulo fez? Ele não procedeu a algum ensino mais elevado ou completo; ele voltou completamente ao princípio, à essência do evangelho. Ele lhes explicou que aquele que viria, em quem João Batista dissera que cressem, na verdade era Jesus (v.4); d) Depois, Paulo os batizou "em o nome do Senhor Jesus" e lhes impôs as mãos, conseqüência de que "veio sobre eles o Espírito Santo", acompanhado de sinais (línguas e profecia), como evidência visível e audível.
Atualmente alguns mestres usam esta história para basear seu ponto de vista de que na experiência cristã normal o dom ou batismo do Espírito é uma segunda experiência, subseqüente, depois da conversão. Entretanto, a história na verdade não pode ser usada neste sentido. Naturalmente não estou negando que estes homens receberam o Espírito quando Paulo os batizou e lhes impôs as mãos. A pergunta é: será que eles eram cristãos antes disto? Vimos que, em certo sentido, eles diziam ser "discípulos".
Mas quem afirmaria seriamente que pessoas que nunca ouviram falar do Espírito Santo, nem foram batizadas no nome de Jesus, nem mesmo aparentemente criam em Jesus, são discípulos cristãos verdadeiros? Certamente ninguém. Se eles eram discípulos de alguém, então o eram de Apolo e João Batista. Não eram cristãos claramente convertidos. Com certeza, eles não podem ser considerados cristãos típicos nos dias de hoje.
Outros expositores chamam a atenção para a seqüência de eventos: fé em Jesus, batismo em nome de Jesus, imposição de mãos por Paulo, vinda do Espírito Santo. Estes enfatizam que o Espírito veio sobre os efésios, não só depois de terem crido, mas também depois de terem sido batizados e recebido a imposição de mãos. Realmente foi assim; mas eu, pessoalmente, não creio que a ordem tem muita importância. Para mim, o que realmente importa é que todos os quatro elementos estão unidos e não podem ser separados. Eles eram partes distintas de uma única iniciação em Cristo, feita com batismo e imposição de mãos (exteriormente), e com a fé e o dom do Espírito (interiormente). (Batismo e Plenitude do Espírito Santo – J.R.W.Stott Pg. 42)

Os Crentes Samaritanos

Depois de entendermos o ensino geral claro de Jesus e seus apóstolos, de que o dom ou batismo do Espírito Santo é uma bênção universal, o bem comum de todos os filhos de Deus, estamos prontos para voltar às duas passagens de Atos onde encontramos pessoas que parece terem-se tornado crentes sem terem recebido o Espírito Santo. Se as estudarmos com cuidado, perceberemos que há nas duas situações algo incomum, algo irregular.
A primeira passagem é Atos 8.5-17. O evangelista Filipe pregou o evangelho em Samaria, e muitos creram e foram batizados. Dificilmente pode haver dúvidas de que eles eram crentes cristãos genuínos; não há nenhuma indicação de que sua resposta tenha sido insuficiente. A única exceção é o mago Simão, de quem se diz que "abraçou a fé" (v.13), mas cuja profissão de fé mais tarde provou-se espúria (vv. 20-23). O primeiro sinal de que há algo de incomum neste incidente é que, "ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João" (v. 14). Por quê? Não há evidências de que em outras ocasiões o trabalho evangelístico teve de ser inspecionado ou interditado por dois apóstolos. No fim do mesmo capítulo, por exemplo (vv. 26-40), o mesmo Filipe pregou o evangelho a um funcionário público etíope e o batizou quando este creu. Todavia, não foi enviado nenhum apóstolo para investigar ou impor-lhe as mãos. Então, que explicação há para este procedimento excepcional de uma delegação apostólica?
A resposta mais provável não é que esta foi a primeira vez que o evangelho tinha sido pregado fora de Jerusalém (vv. 1, 4), mas que estes convertidos eram samaritanos. Certamente está nisto a importância da história no relato de Lucas sobre o desenrolar da missão cristã. Ele está descrevendo como a ordem pré-pentecostal de Jesus está se cumprindo: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra" (1:8). A decisão de Filipe de proclamar Cristo aos samaritanos (8:5) foi uma atitude muito corajosa. Durante séculos houve uma rivalidade ferrenha entre judeus e samaritanos, e ainda no tempo de Jesus "os judeus não se davam com os samaritanos (João 4.9). Agora um judeu tinha pregado a samaritanos e, ainda por cima, samaritanos tinham aceito a mensagem do judeu!
O que ia acontecer? O momento era empolgante, e também perigoso. Será que Filipe estivera certo em dar este passo? Será que os samaritanos realmente poderiam ter abraçado o evangelho? E o que era ainda mais importante, será que os crentes judeus iriam aceitá-los? Ou será que a velha divisão entre judeus e samaritanos continuaria existindo na Igreja, causando uma separação desastrosa entre cristãos judeus e cristãos samaritanos? Não é razoável supor que foi precisamente para evitar o surgimento de uma situação destas que Deus reteve intencionalmente o dom do Espírito dos crentes samaritanos (ou, pelo menos, a evidência externa do dom) até que dois dos principais apóstolos viessem investigar, reconhecer e confirmar, com imposição de mãos, a veracidade da conversão dos samaritanos? Nenhuma outra explicação da história dos samaritanos: a) harmoniza-a com o ensino geral dos apóstolos, do qual ela é um desvio, e b) ao mesmo tempo a situa em seu contexto histórico.
Sendo o incidente de Samaria tão obviamente anormal, é difícil entender porque a maioria dos cristãos pentecostais e alguns carismáticos podem considerá-lo como uma norma da experiência espiritual de hoje, ou seja, que o Espírito Santo é concedido depois da conversão. Da mesma forma, é difícil justificar o ponto de vista "católico" de que o Espírito é transmitido somente com a imposição de mãos apostólicas (que, para eles, são as mãos de bispos considerados "de sucessão apostólica"). Será que não está claro no restante no Novo Testamento que tanto a ocasião como os meios do dom aos samaritanos foram atípicos? Se isto é assim, então nem a experiência em dois estágios nem a imposição de mãos é a norma para receber o Espírito nos dias de hoje.6
Alguns carismáticos aceitam este argumento sobre a norma, mas voltam com uma contraproposta. Considerando que a experiência dos samaritanos foi anormal, dizem eles, será que esta anormalidade não poderia ser repetida hoje? Eu creio que nossa resposta a esta pergunta será determinada por nossa compreensão das razões para a anormalidade de Samaria. Se pudesse ser provado que o fato de eles não terem recebido logo o Espírito foi devido à sua má compreensão do evangelho ou sua aceitação falha dele, então talvez alguém pudesse argumentar que uma resposta falha hoje poderia resultar em um início igualmente falho. Porém eu não creio que se possa provar isto. Pelo menos não há nada no relato de Lucas que sugira, ou que Filipe não ensinou de forma correta, ou que os samaritanos não creram de modo próprio, de maneira que os apóstolos tiveram de complementar o ensino de Filipe ou aperfeiçoar a compreensão dos samaritanos.
Pelo contrário, o que levou os apóstolos até Samaria foi exatamente a notícia de que estas pessoas "tinham recebido a Palavra de Deus" (v. 14). Não parece ter havido nada falho na Palavra de Deus que eles ouviram nem na resposta que lhe deram. Em vez disto, como foi dito acima, a razão pela qual o Espírito não lhes foi dado parece estar na situação histórica. E, já que esta situação histórica foi única e não pode ser repetida (o cisma judaico-samaritano foi tragado há muito pela missão cristã universal), não consigo ver como a maneira anormal pela qual os samaritanos receberam o Espírito pode ser encarada hoje como precedente.
(Batismo e Plenitude do Espírito Santo - J.R.W.Stott. Pg.38)

O Dia de Pentecostes

E foi assim que aconteceu! Dos que ouviram a palavra naquele dia, três mil Se arrependeram, creram e foram batizados com água. Não é dito especificamente que eles receberam a remissão dos seus pecados e o dom do Espírito, mas temos fortes razões para crer que isto aconteceu. Não se trata de um argumento fraco baseado no silêncio. Ele está baseado na promessa inequívoca do apóstolo Pedro de que eles receberiam estes dons se se arrependessem, cressem e fossem batizados. Sabemos que todos os três mil foram batizados (v. 41) depois de ter "aceitado a palavra" (com fé penitente). Uma vez que eles preencheram os requisitos, Deus deve ter cumprido sua promessa. Isto leva à conclusão de que, de acordo com o segundo capítulo de Atos, dois diferentes grupos de pessoas receberam o "batismo" ou "dom" do Espírito no dia de Pentecostes – os 120 do início do capítulo e os 3.000 do fim.
Parece que os 3.000 não experimentaram os mesmos fenômenos miraculosos (o vento impetuoso, as línguas de fogo, a comunicação em línguas estranhas). Pelo menos não lemos nada sobre isto no relato, Porém, devido à promessa de Deus através de Pedro, eles devem ter herdado a mesma garantia e recebido o mesmo dom (versículos 33 e 39). Mesmo assim, havia uma diferença entre os dois grupos: os 120 já estavam regenerados, e receberam o batismo do Espírito somente depois de esperar em Deus durante dez dias. Os 3.000, por sua vez, eram descrentes, e receberam o perdão dos seus pecados e o dom do Espírito ao mesmo tempo – imediatamente após terem se arrependido e crido, sem precisarem esperar nem um instante.
Esta distinção entre os dois grupos, os 120 e os 3.000, é de grande relevância, porque a norma para hoje, sem dúvida, deve ser o segundo grupo, os 3.000, e não o primeiro (como muitos pensam). A experiência dos 120 ocorreu em dois estágios diferentes, simplesmente em razão de circunstâncias históricas. Eles não poderiam ter recebido o dom pentecostal antes do Pentecostes. Todavia, estas circunstâncias históricas há muito deixaram de existir. Nós vivemos depois dos acontecimentos de Pentecostes, como os 3.000. Portanto, nós, como eles, recebemos o perdão dos pecados e o "dom" ou "batismo" do Espírito ao mesmo tempo.
Isto não quer dizer que tudo o que está relacionado com o segundo grupo no dia de Pentecostes é normativo para a experiência cristã hoje. Creio que todos concordarão em que a conversão de 3.000 pessoas como resultado de um único sermão é um tanto excepcional; certamente não é a expectativa média de um evangelista no mundo moderno!
A verdade é que o Dia de Pentecostes teve pelo menos dois significados, e muitos fazem confusão hoje em dia porque não entendem a distinção entre eles. Em primeiro lugar, este evento foi o último da atividade salvadora de Jesus: o derramamento do Espírito prometido há tanto tempo, subseqüente à sua morte, ressurreição e ascensão. Neste sentido, este dia deu início à nova era messiânica, a era do Espírito. Ele é singular em si, assim como a morte do Salvador não pode ser repetida, nem sua ressurreição e ascensão, que o precedem. Suas bênçãos, no entanto, existem para todos os que pertencem a Cristo. Desde aquele dia, todos os cristãos, sem exceção, tornaram-se participantes desta nova era e receberam os dons do perdão e do Espírito, que Cristo nos tornou acessíveis através de sua morte, ressurreição, ascensão e derramamento do Espírito. Neste sentido os que se converteram no dia de Pentecostes, em resultado à pregação de Pedro são exemplos para todos os crentes subsequentes.
Porém o dia de Pentecostes tinha ainda um outro significado, mais inesperado, Ele foi o cumprimento não só da expectativa geral do Antigo Testamento da vinda do Espírito, mas também das promessas especiais de Jesus no Cenáculo, ditas primeiramente aos apóstolos, e cujo cumprimento haveria de capacitá-los para seu trabalho apostólico especial, de mestres inspirados e autorizados.
O Pentecostes pode também ter um terceiro significado. É correto considerá-lo o primeiro "reavivamento", a primeira vez que o Espírito manifestou seu poder em medida tão abundante que um grupo tão grande, de 3.000, foi, ao mesmo tempo, convencido dos seus pecados, renascido e admitido na comunidade cristã. Reavivamentos ou manifestações incomuns do poder do Espírito Santo como este, continuaram existindo na história da Igreja cristã de tempos em tempos. Mas não podem ser considerados como norma.
Normativa, isto sim, foi a experiência prometida especificamente na conclusão de Pedro, a todos a quem Deus chama e que respondem com fé penitente; a saber, que eles receberiam o perdão e o Espírito Santo. Estes dois dons foram e ainda são dados e recebidos ao mesmo tempo. Não há intervalo entre eles, como houve no caso dos 120 (por causa da razão histórica excepcional explicada acima).
Alguns leitores poderão levantar imediatamente a objeção de que os 120 não foram os únicos, já que a experiência de alguns crentes samaritanos e de alguns discípulos de João Batista, registrada mais adiante em Atos (8:5-17 e 19:1-7) também ocorreu em duas etapas. Em seguida nos deteremos um pouco nestas passagens. Antes disso, é preciso repetir que a doutrina do Espírito Santo não pode ser deduzida de passagens puramente descritivas em Atos. É impossível construir uma doutrina consistente se partir delas, porque elas não são consistentes. Não se pode nem deduzir uma doutrina do Espírito Santo da descrição do dia de Pentecostes; minhas tentativas acima são deduções das interpretações do evento que Pedro faz em seu sermão. Além disso, um dos princípios fundamentais da interpretação da Bíblia é começar com o geral, nunca com o especial. A pergunta crucial a fazer é: qual é o ensino geral dos autores do Novo Testamento sobre o recebimento do Espírito Santo? Depois estaremos em condições de analisar, à luz deste ensino geral, os dois desvios aparentes desta norma e as passagens narrativas de Atos.
Então, o que os apóstolos ensinaram sobre quando e como uma pessoa recebe o Espírito? Podemos dar uma resposta clara e definida a esta pergunta. Já vimos o que Pedro ensinou. Verificamos que Paulo ensinou consistentemente a mesma coisa. Ele insistiu em que nós "recebemos o Espírito" não como resultado de boas obras de obediência, que podemos ter feito, mas "pela pregação da fé" (Gál. 3:2), ou seja, "porque ouviram e creram nas Boas-Notícias do Evangelho" (BLH). Ele o diz de maneira mais simples ainda: "... a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito prometido" (Gál. 3:14). O contexto deixa claro que esta "fé" não é um segundo ato de fé, depois da conversão, mas fé Salvadora, a fé que responde ao evangelho e recebe a Cristo.
(Batismo e Plenitudo do Espírito Santo - J.R.W.Stott. Pg.35)

A Promessa de uma Bênção Universal

O próximo passo em nosso estudo é constatar que o derramamento ou batismo do Espírito não é somente uma bênção diferente, especial, para esta nova era (por não ter estado disponível antes), mas também é uma bênção universal (por ser agora direito recebido por todos os filhos de Deus). Isto já transpareceu no fato de que ele é parte da salvação que Deus nos concedeu por meio de Cristo. Todavia, há ainda outras evidências que o confirmam.
A primeira é a profecia de Joel e como Pedro a entendeu. A ênfase na promessa de Deus através de Joel está na universalidade do dom do Espírito. Veja os termos em que Pedro a citou: "E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne" (Atos 2:17). Isto não pode estar se referindo a "toda a carne", seja qual for sua disposição interior de receber o dom, seu arrependimento e sua fé; refere-se a "toda a carne", independente de sua posição ou privilégios exteriores. Indica que não haverá distinção de sexo ou idade, dignidade ou raça no recebimento deste dom divino, porque tanto filhos como filhas, jovens ou idosos, servos ou servas, e mesmo "todos os que ainda estão longe" (v. 39) o que se refere aos gentios, irão recebê-lo. Ainda mais: independente de idade, sexo, raça e classe social, o dom inclui todos os que se arrependem e crêem.
No tempo do Antigo Testamento, apesar de todos os crentes serem realmente regenerados,5 o Espírito Santo vinha sobre pessoas especiais para ministérios especiais em épocas especiais. Ele ainda capacita pessoas especiais para tarefas especiais, como veremos mais adiante. Porém, agora este ministério é mais amplo e profundo do que jamais foi em tempos do Antigo Testamento. Então, qual é a diferença entre o ministério do Espírito nos dias do Antigo Testamento e os nossos dias?
Em primeiro lugar, todos os crentes, de todas as raças, participam agora da bênção do Espírito. Em segundo lugar, apesar de os crentes do Antigo Testamento terem conhecido a Deus e experimentado um novo nascimento, a presença do Espírito, morando agora nos crentes, é algo que eles nunca presenciaram, e que faz parte da nova aliança e do reino de Deus, profetizado tanto pelos profetas como pelo Senhor Jesus (Jer. 31:33, Ezeq. 36:26, 27; João 14:16, 17; Rom. 14:17), Em terceiro lugar, a obra diferente do Espírito Santo se relaciona essencialmente com Jesus Cristo. Vimos acima que ele, em seu ministério de santificação, revela Cristo aos crentes e forma Cristo nos crentes, e isto, pela natureza do assunto, ele não poderia ter feito antes que Cristo viesse (veja João 16:14; Gál. 4:19; Efés. 3:16, 17).
Pedro entendeu que a profecia de Joel prometia este dom ou batismo do Espírito a todos os crentes; isto parece claro da conclusão do seu grande sermão (Atos 2:38, 39), onde ele aplica a passagem aos seus ouvintes: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros (para nós também) é a promessa (que nós herdamos, veja v. 33) para vossos filhos, e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor nosso Deus chamar". Esta última sentença é uma afirmação muito clara e impressionante. Quer dizer que a promessa do "dom" ou "batismo" do Espírito é para tantos quantos o Senhor nosso Deus chamar. A promessa de Deus está ligada à vocação de Deus. Todos os que acatam o chamado de Deus herdam a promessa divina.
(Batismo e Plenitude do Espírito Santo - John R.W. Stott. Pg.30)

A Promessa de uma Bênção Diferente

Podemos ir além. Este "derramamento" ou "batismo" do Espírito haveria de ser uma das bênçãos mais distintivas da nova época. Tanto que o apóstolo Paulo pôde descrever a nova era iniciada por Jesus como "o ministério do Espírito" (2 Cor 3.8).
É claro que isto não quer dizer que o Espírito Santo não existia antes. O Espírito Santo é Deus e, portanto, eterno. Também não quer dizer que ele estava inativo antes. No tempo do Antigo Testamento, ele estava incessantemente ativo – na criação e na preservação do universo, na providência e na revelação, na regeneração de crentes, e na capacitação de pessoas especiais para tarefas especiais.
Mesmo assim, alguns profetas predisseram que nos dias do Messias, Deus concederia uma difusão liberal do Espírito Santo, nova e diferente, bem como acessível a todos (como veremos). Neste sentido Isaías falou do dia em que o Espírito seria "derramado sobre nós lá do alto" (32.15). Em Isaías 44:3 Deus prometeu: "Derramarei água sobre o sedento, e torrentes sobre a terra seca, derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade, e a minha bênção sobre os teus descendentes". A mesma terminologia foi usada por Ezequiel, a quem Deus disse: "Saberão que eu sou o Senhor seu Deus, quando.., derramarei o meu Espírito sobre a casa de Israel" (39:28,29). Da mesma forma, em uma passagem mais conhecida, Deus disse: "E acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne" (Joel 2:28).
João Batista, o último profeta da ordem antiga, resumiu esta expectava em seu dito conhecido, que creditou o derramamento do Espírito ao próprio Messias: "Eu vos tenho balizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo" (Mar. 1:8).
A esta altura é instrutivo observar que esta profecia de João, registrada pelos três evangelistas sinóticos como futuro simples ("ele vos batizará"), no quarto evangelho toma a forma de um particípio presente: "Eu não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar com água, me disse: Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo" (João 1:33). Este uso do particípio presente tira do verbo os limites do tempo. Ele não descreve o evento único que foi o Pentecostes, mas o ministério específico de Jesus: "Esse é o que batiza com o Espírito Santo".2
Na verdade, as mesmas palavras, ho baptizôn, que aqui se referem a Jesus, são aplicadas por Marcos a João Batista! Geralmente, João é chamado de ho baptistés, "o Batista", porém três vezes na narrativa de Marcos (1:4; 6:14, 24) ele é chamado de ho baptizôn, (diferença que não aparece em nossas traduções em português, mas que significa "o Batizador", N.T.). Em outras palavras, assim como João é chamado de "o Batista" ou "o Batizador", porque a característica do seu ministério era batizar com água, também Jesus é chamado de "o Batista" ou "o Batizador", porque a característica do seu ministério é batizar com o Espírito Santo.
Esta referência ao ministério diferente de Jesus é reforçada pelo versículo 29 do mesmo capítulo (João 1), em que João Batista diz: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" Trata-se de outro particípio presente, ho airôn. Se juntarmos os versículos 29 e 33, descobriremos que a obra característica de Jesus é dupla: ela inclui uma remoção e uma doação, uma retirada do pecado e um batismo com o Espírito Santo. Estes são os dois grandes dons de Jesus Cristo, nosso Salvador. Eles são sempre apresentados juntos pelos profetas do Antigo Testamento e pelos apóstolos no Novo, e não podem ser separados. Por isso Deus prometeu através do profeta Ezequiel: "Aspergirá água pura sobre vós, e ficareis purificados; ... porei dentro de vós o meu Espírito, e farei com que andeis nos meus estatutos..." (36.25,27).
Estas duas promessas de Deus na verdade são as duas grandes bênçãos da "nova aliança" profetizada por Jeremias. Porque os termos da nova aliança incluem estas palavras: "Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei... perdoarei as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei".3
É um testemunho maravilhoso à unidade da Escritura verificar como os apóstolos retomaram estas promessas relacionadas com a nova aliança. Eles sabiam que a nova aliança tinha agora sido estabelecida e ratificada pelo sangue de Jesus (Mat. 26:28, Heb. 7:22; 8:1-13), e por isso falaram abertamente que as bênçãos da aliança prometidas, agora estavam disponíveis através do mesmo Senhor Jesus. Assim Paulo chamou os ministros cristãos de "ministros de uma nova aliança", avançando em seguida para descrevê-la como "ministério da justiça" (isto é, justificação), e como "ministério do Espírito" (2 Cor 3.6-9).
De maneira semelhante, o apóstolo Pedro exclamou no dia de Pentecostes: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo" (Atos 2:36). Assim, Pedro garantiu a todos que se arrependessem e cressem,4 e dessem testemunho público de sua fé penitente em Jesus, sendo batizados em seu nome, que receberiam gratuitamente de Deus dois presentes: o perdão de seus pecados e o dom do Espírito Santo.
Além disso, uma leitura cuidadosa dos dois primeiros capítulos de Atos leva à conclusão de que este "dom do Espírito" é sinônimo com o que antes é chamado de "a promessa do Espírito" (1:4; 2:33, 39), "o batismo do Espírito" (1:5) e "o derramamento do Espírito" (2:17,33), embora possamos dizer que duas destas expressões põem mais ênfase no ato de dar, e as outras duas no ato de receber o Espírito. Podemos resumir tudo isto dizendo que aqueles crentes penitentes receberam o dom do Espírito que Deus tinha prometido antes de Pentecostes, e que foram batizados com o Espírito que Deus derramou no dia de Pentecostes. O apóstolo Pedro conservou sua convicção sobre esta identificação de significados. Quando Cornélio se converteu mais tarde e recebeu o Espírito, Pedro se referiu àquilo como o "batismo" e como o "dom" do Espírito (Atos 11:16,17).
À luz de todo este testemunho bíblico, parece-me estar claro que o "batismo" do Espírito é idêntico à promessa ou dom do Espírito, e é tão parte integrante do evangelho da salvação quanto a remissão de pecados. Certamente, jamais devemos pensar na "salvação" em termos meramente negativos, como se ela consistisse apenas em nossa libertação do pecado, culpa, ira e morte. Agradecemos a Deus porque ela inclui todas estas coisas. Mas ela abrange também a bênção positiva do Espírito Santo, que nos regenera, vem morar em nós, nos liberta e transforma. Quão truncada fica a nossa pregação do evangelho se damos ênfase somente a um lado! E que evangelho glorioso temos para compartilhar quando nos mantemos fiéis à Escritura!
Quando pecadores se arrependem e crêem, Jesus não somente tira seus pecados, mas também os batiza com o seu Espírito. De fato, Paulo coloca isto para Tito em termos dramáticos, quando Deus "salva", ele não somente nos "justifica" por sua graça, mas também nos faz passar por um "lavar" ou "banho". Se isto é uma referência ao batismo na água, como é provável, então é uma indicação do que significa o batismo na água. Paulo o descreve com uma expressão marcante, composta. E um "banho de renascimento e renovação do, isto é, por meio do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós de maneira abundante, através de Jesus Cristo, nosso Salvador" (3.4-7, tradução própria). Assim, vemos novamente que o Espírito, derramado para nos regenerar e renovar, também faz parte da salvação. O "batismo" ou "dom" do Espírito realmente é uma das bênçãos especiais da nova era iniciada por Jesus Cristo.
(Batismo e Plenitudo do Espírito Santo - J.R.W. Stott. Pg.28)

A PROMESSA DO ESPÍRITO

A vida cristã é viva no Espírito. Todos os cristãos concordam nisso com alegria. Seria impossível ser cristão, sem falar em viver e crescer como cristão, sem o ministério do gracioso Espírito de Deus. Tudo o que temos e somos como cristãos devemos a ele.
Assim, cada cristão tem uma experiência do Espírito Santo desde os primeiros momentos da sua vida cristã. Para o cristão, a vida começa com um novo nascimento, e o novo nascimento é um nascimento "no Espírito" (João 3:3-8). Ele é o "Espírito da vida", e é ele quem dá vida às nossas almas mortas. Mais que isto, era vem pessoalmente morar em nós, de maneira que a presença do Espírito é o privilégio que todos os filhos de Deus têm em comum.
Será que Deus nos faz seus filhos e depois nos dá seu Espírito, ou será que ele nos dá primeiro seu "Espírito de adoção", que nos torna seus filhos? Podemos responder que Paulo diz as duas coisas. Por um lado, "porque vós sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho" (Gál. 4:6). Por outro lado, "todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção" (Rom. 8:14-15). Não importa como você encara a questão: o resultado é o mesmo. Todos os que têm o Espírito de Deus são filhos de Deus, e todos os que são filhos de Deus têm o Espírito de Deus. É impossível, até inconcebível, ter o Espírito sem ser filho, ou ser filho sem ter o Espírito. Além disso, uma das primeiras obras do Espírito que mora em nós, e, graças a Deus, sempre repetida, é assegurar-nos que somos filhos, especialmente quando oramos. Quando "clamamos: Aba, Pai!", 'o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" (Rom. 8:15,16; veja Gál. 4:6). Ele também inundou nosso coração com o amor de Deus (Rom. 5:5). Paulo resume o assunto ao dizer que "se alguém não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dele" (Rom. 8.9; veja Judas 19).
Toda esta passagem em Romanos 8 é muito importante, porque demonstra que, no entender de Paulo, estar "em Cristo" e "no Espírito", ter "Cristo em vós" e "o Espírito em vós" são todas expressões sinônimas. Ninguém pode ter Cristo, portanto, sem ter o Espírito. O próprio Jesus deixou isto claro em seu discurso no Cenáculo, quando não fez distinção entre a "vinda" a nós das três pessoas da Trindade. Ele disse "eu virei", "nós viremos" (o Pai e o Filho) e "o Consolador virá" (João 14.18-23; 16.7-8).
Depois que ele vem a nós, passando a residir em nós, tornando nosso corpo seu templo (1 Cor 6.19,20), começa sua obra de santificação. Em poucas palavras, seu ministério implica tanto em revelar-nos Cristo como em formar Cristo era nós, de maneira que cresçamos firmemente em nosso conhecimento de Cristo e em nossa semelhança com ele (veja, p. ex., Efés. 1:17; Gál. 4:19; 2 Cor. 3:18). Pelo poder do Espírito que habita em nós os desejos maliciosos da nossa natureza decaída são controlados e o bom fruto do caráter cristão é produzido (Gál. 5:16-25). Da mesma forma, o Espírito não é uma propriedade particular, que ministra somente aos cristãos individualmente; ele também une todos no Corpo de Cristo, a Igreja, de maneira que a comunhão cristã é "a comunhão do Espírito Santo", e o culto cristão é adoração no ou pelo Espírito Santo (p. ex., Filip. 2:1; 3:3). Também é ele que chega a outros através de nós, levando-nos a testemunhar de Cristo, e equipando-nos com dons para o serviço para o qual ele nos convoca. Além disso, ele é chamado de "o penhor da nossa herança" (Efés. 1:13,14), porque sua presença dentro de nós é tanto a garantia de que iremos ao céu quanto o antegozo dele. Por fim, no último dia sua atividade será a de ressuscitar nossos corpos mortais (Rom. 8:11).
Esta visão de relance de algumas das principais atividades do Espírito Santo na experiência do cristão deve bastar para mostrar que, do começo ao fim da nossa vida cristã, somos dependentes da obra do Espírito Santo – o Espírito, nas palavras de Paulo, "que nos foi outorgado (dado)" (Rom. 5:5). Eu creio nisto, e espero que todos os cristãos concordem comigo.
Todavia, será que este "dom" do Espírito prometido é a mesma coisa que o "batismo" do Espírito Santo? É neste ponto que as convicções diferem. Alguns dizem "sim"; outros, "não". Os que dizem "não", crêem que "dom" e "batismo" são diferentes, passam a ensinar que o "batismo" é uma segunda experiência, subseqüente, mesmo se, pelo menos em termos ideais, ela segue a primeira muito de perto. Por outro lado, para os que crêem que ambos são idênticos, e que ser "batizado" com o Espírito é uma figura vívida para ter "recebido" o Espírito, o "batismo" é algo que todos os cristãos tiveram. Esta é a minha convicção, e em seguida explicarei o que entendo ser a base bíblica para esta posição.
Não estamos fazendo um jogo de palavras superficial, como poderia parecer. Pelo contrário, nossa posição terá um impacto considerável sobre a compreensão da nossa peregrinação cristã pessoal e sobre nosso aconselhamento de outras pessoas. Por isso, precisamos estudar algumas passagens bíblicas importantes, porque tratam desta questão. Antes, no entanto, precisamos visualizar o cenário do nosso debate.
Ao estudarmos a Bíblia, sempre é essencial que interpretemos um texto em seu contexto, e, quanto mais amplo for o contexto, mais correta provavelmente será nossa interpretação. O contexto mais amplo possível é a Bíblia toda. Cremos que toda a Bíblia é a Palavra escrita de Deus. Por isso, já que Deus não se contradiz, concluímos que a Bíblia é uma revelação divina harmoniosa. Nunca devemos "expor uma passagem da Escritura de uma maneira que seja repugnante a outra" (Vigésimo artigo dos 39 artigos da Igreja da Inglaterra). Antes devemos interpretar cada trecho bíblico à luz de toda a Escritura.
Ao aplicarmos este princípio à nossa pesquisa do que é o "batismo do Espírito", perceberemos antes de tudo que a expressão é exclusiva do Novo Testamento (onde ocorre sete vezes), mas que, mesmo assim, é o cumprimento de uma expectativa do Antigo Testamento. Esta expectativa geralmente era expressa em termos da promessa de Deus de "derramar seu Espírito, sendo que o apóstolo Pedro, em seu sermão no dia de Pentecostes, igualou especificamente o "derramamento" do Espírito (prometido por Joel) ao "batismo" do Espírito (prometido por João Batista e Jesus). As duas expressões estavam se referindo ao mesmo evento e à mesma experiência.1
(Batismo e Plenitude do Espírito Santo - J.R.W. Stott. Pg. 23)