sexta-feira, 27 de junho de 2014

Conversão

Da discussão da regeneração e da vocação eficaz é natural a transição para a da conversão. Pela operação do Espírito, aquelas redundam nesta. A conversão pode ser uma crise agudamente marcante, mas também pode vir na forma de um processo gradual. Na psicologia da religião, geralmente a regeneração e a conversão são identificadas. Tudo isso indica a estreita relação entre ambas.
A. Os Termos Bíblicos Para Conversão.
1. VOCÁBULOS DO VELHO TESTAMENTO. O Velho Testamento emprega especialmente duas palavras para a conversão, a saber:
a. Nacham, que serve para expressar um profundo sentimento, ou de tristeza (no niphal) ou de alívio (no piel). No niphal significa arrepender-se, e este arrependimento com freqüência é acompanhado por uma mudança de plano ou de ação, ao passo que no piel significa consolar-se. Como um designativo de arrependimento – e é este o sentido que nos interessa aqui – é empregado não somente com referência ao homem, mas também a Deus, Gn 6.6, 7; Ex 32.14; Jz 2.18; 1 Sm 15.11.
b. Shubh, que é a palavra mais comum para conversão, significa volver, voltar-se, virar e retornar. Muitas vezes foi utilizado num sentido literal, tanto com relação a Deus como com relação ao homem, mas logo adquiriu uma significação religiosa e ética. Este sentido é mais proeminente nos profetas, onde se refere ao retorno de Israel ao Senhor, depois de ter-se apartado dele. A palavra mostra claramente que aquilo que o Velho Testamento denomina conversão é uma volta para Deus, de quem o pecado separou o homem. Este é um importante elemento da conversão. Acha expressão nas palavras do filho pródigo; “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai”, ou, na versão utilizada pelo Autor: “Voltarei, e irei a meu pai” (Lc 15.18).*
2. VOCÁBULOS DO NOVO TESTAMENTO. Há particularmente três palavras que requerem consideração aqui:
a. Metanoia (forma verbal, metanoeo). Esta é a palavra mais comum para conversão no Novo Testamento, e também é o mais fundamental dos termos empregados. A palavra é composta de meta e nous, que por sua vez é relacionado com o verbo ginosko (latim noscere; português, conhecer), tudo referente à vida consciente do homem. A tradução comum na Bíblia, “arrependimento”, não faz plena justiça ao original, visto que dá indevida proeminência ao elemento emocional. Trench assinala que no grego clássico a palavra significa: (1) conhecer depois, pós-conhecimento; (2) mudar a mente com resultado deste pós-conhecimento; (3) em conseqüência desta mudança da mente, lamentar o curso seguido; e (4) uma mudança da conduta quanto ao futuro, resultante de todos os fatores anteriores. Contudo, podia indicar uma mudança para pior, bem como para melhor, e não incluía necessariamente uma resipiscentia – um voltar a ser sábio. No Novo Testamento, o seu sentido é aprofundado, e denota primariamente uma mudança do entendimento, passando a ter uma visão mais sábia do passado, incluindo o pesar pelo mal praticado e levando a uma mudança da vida para melhor. Aqui o elemento de resipiscentia está presente. Em sua obra sobre O Grande Significado de Metanoia (The Great Meaning of Metanoia), Walden chega à conclusão de que o termo veicula a idéia de “uma mudança geral da mente que se torna, em se desenvolvimento mais completo, uma regeneração intelectual e moral”. Embora sustentando que a palavra denota primariamente uma mudança da mente, não devemos perder de vista que os seu significado não s limita à consciência intelectual, teórica, mas também inclui a esfera moral, a consciência propriamente dita. Tanto a mente como a consciência estão corrompidas, Tt. 1.15, e quando a nous de uma pessoa é mudada, ela não só recebe novo conhecimento, mas também a direção da sua vida consciente, a sua qualidade moral, é mudada também. Para particularizar mais, a mudança indicada pela palavra metanoia tem que ver. (1) com a vida intelectual, 2 Tm 2.25, para um melhor conhecimento de Deus e da Sua verdade, e uma salvadora aceitação desta (idêntica à ação da fé); (2) com a vida volitiva consciente, At 8.22, para um voltar-se para Deus que esta mudança é acompanhada por uma tristeza segundo Deus, 2 Co 7.10, e abre novos campos de fruição para o pecador. Em todos estes aspectos metanoia inclui uma oposição consciente à anterior. Esta oposição constitui um elemento essencial seu e, portanto, merece cuidadosa atenção. Converte-se não é apenas passar de uma direção consciente para outra, mas fazê-lo com uma aversão claramente percebida para com a direção anterior. Noutras palavras, metanoia tem, não somente um lado positivo, mas também um lado negativo: olha retrospectivamente e também prospectivamente. A pessoa convertida torna-se consciente da sua ignorância e do seu erro, da sua obstinação e da sua loucura. Sua conversão inclui a fé e o arrependimento. É triste dizer, mas a igreja foi aos poucos perdendo de vista o sentido original de metanoia. Na teologia latina, Lactânio a traduziu “resipiscentista”, um voltar a ser sábio, como se a palavra derivasse de meta e anoia, e denotasse um retorno da loucura ou da insensatez. Contudo, a maioria dos escritores latinos nos preferiu traduzi-la por “poenitentia”, o vocábulo que denota a tristeza e o pesar que se seguem quando uma pessoa para a Vulgata como tradução de metanoia, e sob, a influência da Vulgata, os tradutores ingleses traduziram a palavra grega por “repentance” (arrependimento), dando assim, ênfase ao elemento emocional e fazendo de metanoia um termo equivalente a metameleia. Nalguns casos, a deterioração foi mais longe ainda. A Igreja Católica Romana exteriorizou a idéia de arrependimento em seu sacramento da penitência, de modo que o termo metaonoeite do Testamento Grego (Mt 3.2) tornou-se poenitentiam agite – “fazei penitência”, na Versão Latina.
b. Epistrophe (forma verbal, epistrepho). Esta palavra é a segunda em importância em seguida a metanoia. Enquanto na Septuaginta metanoia é uma das traduções de nacham, as palavras epistrophe servem para traduzir as palavras hebraicas teshubhah e shubh. São usadas constantemente no sentido de retornar ou voltar. As palavras gregas devem ser lidas à luz do hebraico, para extrair-se o importante ponto, que a virada indicada é em realidade um retorno. No Novo Testamento, o substantivo epistrophe é usado só uma vez, em At 15.3, ao passo que o verbo ocorre várias vezes. Tem significação um tanto mais ampla que metanoeo, e realmente indica ao ato final da conversão. Denota, não apenas uma mudança da nous (da mente), mas acentua o fato de que uma nova relação é estabelecida, que a vida ativa é levada a mover-se noutra direção. É preciso ter isto em mente na interpretação de At 3.19, onde os dois termos são usados um ao lado do outro. Às vezes metanoeo contém unicamente a idéia de arrependimento enquanto que epistrepho sempre inclui o elemento fé. Metanoeo e pisteuein podem ser usados um ao lado do outro; não assim com epistrepho e pisteuein.
c. Metameleia (forma verbal, metamelomi). Somente a forma verbal é utilizada no Novo Testamento, e significa literalmente vir a afligir-se depois. É uma das traduções do hebraico nacham na Septuaginta. No Novo Testamento acha-se somente cinco vezes, a saber, em Mt 21.29, 32; 27, 3; 2 Co 7.10; Hb 7.21. É evidente, graças a estas passagens, que a palavra faz sobressair o elemento de arrependimento, embora não seja necessariamente o arrependimento verdadeiro. Nele o elemento negativo, retrospectivo e emocional está acima de tudo mais, enquanto que metanoeo também inclui um elemento volitivo e denota uma enérgica virada da vontade. Enquanto metanoeo ás vezes é usado no imperativo, nunca acontece isso com metamelomai. Os sentimentos não se deixam comandar. Esta palavra corresponde mais de perto ao termo latino poenitentia do que a palavra metanoeo.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 481)

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