sexta-feira, 27 de junho de 2014

RELAÇÃO DA VOCAÇÃO EFICAZ COM A REGENERAÇÃO

a. Identificação de ambas na teologia dezessete. É um fato bem conhecido que na teologia do século dezessete a vocação e a regeneração muitas vezes são identificadas, ou, se não inteiramente identificadas, ao menos na medida em que a regeneração é considerada como inclusa na vocação. Diversos teólogos, dos mais antigos, têm um capítulo separado sobre a vocação, mas nenhum sobre a regeneração. Segundo a Confissão de Westminster, X.2, a vocação eficaz inclui a regeneração. Este conceito encontra alguma justificação no fato de que Paulo, que emprega a palavra “regeneração” somente uma vez, evidentemente a concebe como incluída na vocação em Rm 8.30. além disso, há um sentido em que a vocação e a regeneração se relacionam como causa e efeito. Contudo, devemos ter em mente que, ao dizermos que a vocação inclui a regeneração, ou que se relaciona casualmente com ela, não estamos pensando apenas naquilo que é tecnicamente denominado vocação interna ou eficaz, mas na vocação em geral, incluindo até mesmo uma vocação criadora. O extenso uso, nos tempos da Pós-Reforma, do termo “vocação”, em vez de “regeneração”, para designar o início da obra da graça na vida dos pecadores, deve-se ao desejo de salientar a estreita conexão entre a Palavra de Deus e a operação da Sua graça. E o predomínio do termo “vocação” na era apostólica encontra a sua explicação e a sua justificação no fato de que, no caso dos que, naquele período missionário, foram agregados à igreja, a regeneração e a vocação eficaz geralmente eram simultâneas, quando a mudança se refletia em sua vida consciente como um poderoso chamamento de Deus. Todavia, numa apresentação sistemática da verdade, devemos discriminar cuidadosamente entre a vocação e a regeneração.
b. Pontos de diferença entre a regeneração e a vocação eficaz. A regeneração, no sentido mais estrito da palavra, isto é, como nova geração, tem lugar na vida subconsciente do homem, e independe por completo de qualquer atitude que ele possa assumir com referência a ela. A vocação, por outro lado, dirige-se à consciência e implica certa disposição da vida consciente. Isto decorre do fato de que a regeneração age de dentro , enquanto que a vocação age de fora. No caso das crianças, falamos em regeneração, e não em vocação. Ademais, regeneração é uma operação criadora, hiperfísica do Espírito Santo, pela qual o homem é levado de uma condição para outra, de uma condição de morte espiritual para uma condição de vida espiritual. A vocação eficaz, por outro lado, é teológica, induz a nova vida e aponta numa direção que ruma para Deus. Ela assegura os exercícios da nova disposição e leva a nova vida à ação.
c. A ordem relativa da vocação e da regeneração. Talvez se compreenda melhor isto, se observarmos os seguintes estágios: (1) Logicamente, a vocação externa, que ocorre na pregação da Palavra (exceto no caso das crianças), geralmente precede à operação regeneradora do Espírito Santo, ou coincide com ela, operação pela qual a nova vida é produzida na alma do homem. (2) Depois, por uma palavra criadora, Deus gera a nova vida, mudando a disposição interna da alma, iluminando a mente, incitando os sentimentos e renovando a vontade. Neste ato de Deus, são implantados os ouvidos que capacitam o homem a ouvir o chamamento de Deus para a salvação das suas almas. Isto é regeneração no sentido mais restrito da palavra. Nela o homem é inteiramente passivo. (3) Tendo recebido os ouvidos espirituais, o chamamento de Deus pelo Evangelho é agora ouvido pelo pecador e é levado efetivamente ao coração, capacitando-o para compreendê-lo. O desejo de resistir é transformado num desejo de obedecer, e o pecador se rende à influência persuasiva da Palavra pela operação do Espírito Santo. Esta é a vocação eficaz, pela instrumentalidade da palavra da pregação, efetivamente aplicada pelo Espírito de Deus. (4) Finalmente, esta vocação eficaz assegura, pela verdade como meio, os primeiros exercícios santos da nova disposição que nasceu na alma. A nova vida começa a manifestar-se; a vida implantada resulta no novo nascimento. Esta é a consumação da obra de regeneração, no mais amplo sentido da palavra, e o ponto em que ela passa a ser conversão.
Agora, não devemos cometer o engano de considerar esta ordem lógica como uma ordem cronológica aplicável a todos os casos. Muitas vezes a nova vida é implantada nos corações das crianças muito tempo antes de poderem ouvir o chamamento do Evangelho; todavia, elas só são revestidas desta vida onde se prega o Evangelho. Sempre há, por certo, um chamamento criado por Deus, pelo qual a nova vida é produzida. No caso das que vivem sob a administração do Evangelho, existe a possibilidade de receberem elas a semente da regeneração muito antes de chegarem à idade da discrição e, portanto, muito antes também da penetração da vocação eficaz em sua consciência. Contudo, é muito improvável que, sendo regeneradas, vivam em pecado durante anos, e ainda depois de terem atingido a maturidade, sem darem quais quer evidências da nova vida nelas existente. Por outro lado, no caso das que não vivem sob a administração da aliança, não há razão para supor um intervalo entre o tempo da sua regeneração e o da sua vocação eficaz. Na vocação eficaz, ela se tornam imediatamente cônscias da sua renovação, e imediatamente vêem a semente da regeneração germinando para a nova vida. Isto significa que a regeneração, a vocação eficaz e a conversão coincidem.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 468)

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