quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

CONCEITOS HISTÓRICOS A RESPEITO DOS MEIOS DE GRAÇA

Tem havido considerável diferença de opinião na igreja de Jesus Cristo, a respeito dos meios de graça. A Igreja Primitiva nada nos oferece de definido sobre este ponto. Havia muito maior ênfase aos sacramentos que à Palavra de Deus. O batismo era mui geralmente considerado como o meio pelo qual os pecadores são regenerados, enquanto que a eucaristia sobressaía como o sacramento da santificação. Com o correr do tempo, porém, certos conceitos se desenvolveram.
1. CONCEITO CATÓLICO ROMANO. Embora os católicos romanos considerassem até as relíquias e as imagens como meios de graça, distinguiam particularmente a Palavra e os sacramentos. Ao mesmo tempo, não davam a devida proeminência à Palavra, e só lhe atribuíam significação preparatória, na obra da graça. Comparados com a Palavra, os sacramentos eram considerados os verdadeiros meios de graça. No sistema que de desenvolveu gradativamente, a igreja de Roma reconhece um meio até superior aos sacramentos. A própria igreja é considerada como o primordial meio de graça. Nela Cristo continua a Sua vida divino-humana na terra, realiza a Sua obra profética, sacerdotal e real e, por intermédio dela, comunica a plenitude da Sua graça e verdade. Esta graça serve especialmente para elevar o homem, da ordem natural para a sobrenatural. É uma gratia elevans (graça que eleva), um poder físico sobrenatural infundido no homem natural por meio dos sacramentos agindo ex opere operato (por seu próprio poder). Nos sacramentos os sinais visíveis e a graça invisível estão interligados inseparavelmente. De fato, segundo este conceito, a graça de Deus está contida nos meios como uma espécie de substância, é transmitida mediante o canal dos meios e, portanto, está absolutamente atada aos meios. O batismo regenera o homem ex opere operato, e a eucaristia, mais importante ainda, eleva a sua vida espiritual a um nível superior. Fora de Cristo, da igreja e do sacramento não há salvação.
2. CONCEITO LUTERANO. Com a Reforma, a ênfase foi transferida dos sacramentos para a Palavra de Deus. Lutero deu grande proeminência à Palavra de Deus como o primordial meio de graça. Ele assinalava que os sacramentos nada significam sem a Palavra e que, na verdade, eles são apenas a Palavra visível. Lutero não conseguiu corrigir inteiramente o erro católico romano quanto à conexão inseparável entre os meios externos e a graça interna comunicada por intermédio deles. Ele também concebia a graça de Deus como uma espécie de substância contida nos meios, e não a ser obtida sem os meios. A Palavra de Deus em si mesma sempre é eficaz e efetua uma mudança espiritual no homem, a menos que este ponha uma pedra de tropeço no caminho. E o corpo e o sangue de Cristo estão “nos, com os e sob os” elementos do pão e do vinho, de sorte que quem come e bebe estes últimos, também recebe aqueles, conquanto isto só lhe traga proveito se os receber de maneira apropriada. Foi especialmente sua oposição ao subjetivismo dos anabatistas que levou Lutero a acentuar o caráter objetivo dos sacramentos e a tornar a sua eficácia dependente da sua instituição divina, e não da fé exercida pelos participantes. Nem sempre os luteranos escaparam da idéia de que os sacramentos funcionam ex opere operato.
3. CONCEITO DOS MÍSTICOS. Lutero teve que discutir muito com os místicos anabatistas, e foi principalmente sua reação contra as idéias deles que determinaram o seu conceito final sobre os meios de graça. Os anabatistas e outras seitas místicas da época da Reforma e de tempos posteriores à Reforma negavam virtualmente que Deus sempre se serve de meios para a distribuição da Sua graça. Eles salientavam que Deus é absolutamente livre para comunicar a Sua graça, e, portanto, dificilmente se pode conceber que Ele está preso a tais meios externos. Afinal de contas, esses meios pertencem ao mundo natural, e nada têm em comum com o mundo espiritual. Deus, ou Cristo, ou o Espírito Santo, ou a luz interior, age diretamente no coração, e tanto a Palavra como os sacramentos só podem servir para indicar ou simbolizar esta graça interna. Toda esta concepção é determinada por uma idéia dualista da natureza da graça.
4. CONCEITO RACIONALISTA. Os socinianos do tempo da Reforma, por outro lado, foram muito longe na direção oposta. O próprio Socino nem sequer considerava o batismo como um rito destinado a ser permanente na igreja de Jesus Cristo, mas os seus seguidores não chegaram a esse extremo. Reconheciam o batismo e a Ceia do Senhor como ritos de validade permanente, mas lhe atribuíam apenas uma eficácia moral. Significa que eles entendiam que os meios de graça operam somente através da persuasão moral, e não os associavam de modo algum com nenhuma operação mística do Espírito Santo. De fato, davam mais ênfase ao que o homem faz com os meios de graça do que ao que Deus realiza por meio deles, quando falavam deles como simples insígnias da profissão de fé e (quanto aos sacramentos) como memoriais. Os arminianos do século dezessete e os racionalistas do século dezoito compartilhavam este conceito.
5. CONCEITO REFORMADO (CALVINISTA). Enquanto a reação aos anabatistas levou os luteranos a mover-se em direção a Roma e a ligar a graça de Deus aos meios no sentido mais absoluto – posição assumida também pelos anglicanos da Igreja Alta – as igrejas reformadas (calvinistas) deram continuidade ao conceito originário da Reforma. Elas negam que os meios de graça podem, por si mesmos, conferir graça, como se fossem dotados de poder mágico para produzir santidade. Deus, e Deus somente, é a causa eficiente da salvação. E, na distribuição e comunicação da Sua graça, Ele não está atado absolutamente aos meios divinamente ordenados pelos quais Ele age ordinariamente, mas os utiliza para atenderem aos propósitos da Sua graça, de acordo com o Seu livre arbítrio. Mas, apesar de não considerarem os meios de graça como absolutamente necessários e indispensáveis, elas se opõem fortemente à idéia de que estes meios podem ser tratados como puramente acidentais e indiferentes e podem ser negligenciados impunemente. Deus os designou para serem os meios ordinários por meio dos quais Ele aciona a Sua graça nos corações dos pecadores, e negligenciá-los voluntariamente só pode redundar em prejuízo espiritual.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.609)

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