quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A LEI E O EVANGELHO NA PALAVRA DE DEUS

Desde o princípio, as igrejas da Reforma distinguiam entre a Lei e o Evangelho como as duas partes da Palavra de Deus como meio de graça. Não se entendia esta distinção como idêntica à que existe entre o Velho Testamento e o Novo, mas era considerada como uma distinção aplicável a ambos os Testamentos. Há Lei e Evangelho no Velho Testamento, e há Lei e Evangelho no Novo. A Lei compreende tudo quanto, na Escritura, é revelação da vontade de Deus na forma de mandado ou proibição, enquanto que o Evangelho abrange tudo, seja no Velho Testamento seja no Novo, que se relaciona com a obra de reconciliação e que proclama o anelante amor redentor de Deus em Cristo Jesus. E cada parte destas tem sua função própria na economia da graça. A Lei procura despertar no coração do homem contrição pelo pecado, ao passo que o Evangelho visa ao despertamento da fé salvadora em Jesus Cristo. Num sentido, a obra da Lei é preparatória para a do Evangelho. Ela intensifica a consciência de pecado e, assim, faz ciente ao pecador da necessidade de redenção. Ambos são subservientes ao mesmo fim, e ambos são componentes indispensáveis do meio de graça. Esta verdade nem sempre tem sido reconhecida suficientemente. O aspecto condenatório da Lei às vezes tem sido salientado a expensas do seu caráter como parte do meio de graça. Desde o tempo de Márcion, sempre houve alguns que só viam contraste entre a Lei e o Evangelho e partiam da suposição de que eles se excluíam mutuamente. Baseavam sua opinião, em parte, na repreensão que Paulo passou em Pedro (G 2.11-14) e, em parte, no fato de que Paulo ocasionalmente traça uma aguda distinção entre a Lei e o Evangelho, e evidentemente os considera como contrastes, 2 Co 3.6-11; Gl 3.2, 3, 10-14; cf. também Jo 1.17. Não enxergavam o fato de que Paulo também diz que a Lei serviu de preceptor para conduzir os homens a Cristo, Gl 3.24, e de que a Epístola aos Hebreus descreve a Lei, não como estando em relação antitética com o Evangelho, mas, antes, como sendo o Evangelho em seu estado preliminar e imperfeito.
Alguns dos teólogos reformados (calvinistas) mais antigos apresentavam a Lei e o Evangelho como opostos absolutos. Eles entendiam que a Lei incorpora todas as exigências e mandamentos da Escritura, e que o Evangelho não contém nenhum tipo de exigência, mas unicamente promessas incondicionais; e assim excluíam dele toda sorte de solicitações imperativas. Isto aconteceu em parte pelo modo como os dois às vezes são contrastados na Escritura, mas também, em parte, como resultado de uma controvérsia com os arminianos, na qual estavam empenhados. O conceito arminiano, que faz a salvação depender da fé e da obediência evangélica como obras realizadas pelo homem, fez com que eles fossem ao extremo de dizer que a aliança da graça não exige coisa alguma da parte do homem, não lhe prescreve nenhum dever, não requer nem ordena coisa nenhuma, nem mesmo a fé, a confiança e a esperança no Senhor, e assim por diante, mas simplesmente transmite ao homem as promessas daquilo que Deus fará por ele. Outros, porém, afirmavam corretamente que nem mesmo a lei de Moisés está destituída de promessas, e que o Evangelho também contém certas exigências. Eles viam claramente que o homem não é meramente passivo, quando é introduzido na aliança, mas é chamado para aceitar ativamente a aliança, com todos os seus privilégios, conquanto seja Deus quem produz nele a capacidade de satisfazer as suas exigências. As promessas de que o homem se apropria certamente lhe impõem certos deveres, e, entre estes, o dever de obedecer à lei de Deus como norma de vida, mas também trazem consigo a segurança de que Deus operará nele “tanto o querer como o efetuar”. Os dispensacionalistas coerentes dos nossos dias voltam a apresentar a Lei e o Evangelho como opostos absolutos. Israel estava debaixo da Lei na dispensação anterior, mas a Igreja da dispensação atual está sob o Evangelho e, como tal, está livre da Lei. Isto significa que agora o Evangelho é o único meio de salvação, e que a Lei já não serve como tal. Os membros da igreja não precisam preocupar-se com as exigências da lei, visto que Cristo as satisfez todas. Ao que parece, eles se esquecem de que, embora Cristo tenha levado sobre Si a maldição da Lei, e tenha cumprido as suas exigências como uma condição da aliança das obras, Ele não cumpriu a lei por eles como norma de vida, à qual o homem está sujeito em virtude da sua criação, independentemente de qualquer acerto pactual.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg.614)

Nenhum comentário:

Postar um comentário