terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Instituição da Ceia do Senhor

1. DIFERENTES NARRATIVAS DA INSTITUIÇÃO. Há quatro diferentes narrativas da instituição da Ceia do Senhor, uma em cada um dos sinóticos, e uma em 1 Co 11. João fala do comer a páscoa, mas não menciona a instituição de um novo sacramento. As referidas narrativas são independentes umas das outras e se complementam. Evidentemente, o Senhor não terminou a refeição pascal antes de instituir a Ceia do Senhor. O novo sacramento estava ligado ao elemento central da refeição pascal. O pão, que era comido com o cordeiro, foi consagrado para um novo uso. Isso é evidenciado pelo fato de que o terceiro cálice, geralmente chamado “cálice da bênção”, foi usado como segundo elemento no novo sacramento. Assim, o sacramento do Velho Testamento foi transferido para o Novo da maneira mais natural.
2. SUBSTITUIÇÃO DO CORDEIRO PELO PÃO. O cordeiro pascal tinha significação simbólica. Como todos os sacrifícios cruentos do Velho Testamento, ele ensinava ao povo que o derramamento de sangue era necessário para a remissão dos pecados. Em acréscimo a isto, ele tinha uma significação típica, apontando para o grande sacrifício futuro que seria apresentado na plenitude do tempo para tirar o pecado do mundo. E, finalmente, também tinha significação nacional como um memorial da liberdade de Israel. Era simplesmente natural que, quando o real Cordeiro de Deus fez Seu aparecimento e estava a ponto de ser morto, o símbolo e o tipo deviam desaparecer. O todo-suficiente sacrifício de Jesus Cristo tornou todo e qualquer outro derramamento de sangue desnecessário; e, portanto, era inteiramente próprio que o elemento cruento desse caminho a um elemento incruento que, como aquele, tivesse propriedades nutricionais. Além disso, pela morte de Cristo, a parede intermediária de divisão foi derrubada e as bênçãos da salvação foram estendidas ao mundo todo. E em vista disto, era muito natural que a páscoa, símbolo com sabor nacional, fosse substituído por outro, que não levasse consigo nenhuma implicação de nacionalismo.
3. SIGNIFICADO DOS DIFERENTES GESTOS E TERMOS.
a. Gestos simbólicos. Todas as narrativas da Ceia do Senhor fazem menção do partir o pão, e Jesus indica claramente que isto se destinava a simbolizar o partir do Seu corpo para a redenção dos pecadores. Porque Jesus partiu o pão na presença dos Seus discípulos, a teologia protestante geralmente insiste em que esse ato sempre deve ter lugar à vista do povo. Essa importante transação destinava-se a ser um sinal, e um sinal deve ser visível. Depois de repartir o pão, Jesus tomou o cálice, abençoou-o e o deu aos Seus discípulos. Não se vê que Ele tenha despejado o vinho na presença deles, e, portanto, isto não é considerado essencial para a celebração da Ceia do Senhor. Contudo, o doutor Wielinga infere do fato de que o pão deve ser partido, que o vinho também deve ser despejado à vista dos comungantes. Naturalmente, Jesus usou pão não levedado, visto ser o único tipo à mão, e o vinho comum, amplamente usado como bebida na Palestina. Mas, nem uma coisa nem outra é salientada, e, portanto, não se segue que não seria permitido usar pão levedado e algum outro tipo de vinho. É fora de dúvida que os discípulos receberam os elementos numa posição reclinada, mas isto não significa que os crentes não possam participar deles sentados, de joelhos ou de pé.
b. Palavras Imperativas. Jesus acompanhou Seu gesto com palavras imperativas. Quando deu o pão aos Seus discípulos, disse: “Tomai, comei”. E ao dar essa ordem, sem dúvida Ele tinha em mente, não meramente o ato físico de comer, mas uma apropriação espiritual do corpo de Cristo, pela fé. É uma ordem que, embora dada primeiramente aos apóstolos, visava à igreja de todas as eras. De acordo com Lc 22.19 (comp. 1 Co 11.24), o Senhor acrescentou as palavras: “fazei isto em memória de mim”. Alguns inferem destas palavras que a Ceia instituída por Jesus não era mais que uma refeição comemorativa. É mais que evidente, porém, especialmente à luz de Jo 6.32, 33, 50, 51; 1 Co 11.26-30; que ela foi destinada a ser muito mais que isso; e, na medida em que tinha significação comemorativa, destinava-se a ser um memorial da obra sacrificial de Cristo, e não da Sua pessoa. Houve outra voz de comando em conexão com o cálice. Após distribuir o pão, o Senhor tomou também o cálice, deu graças e disse: “Bebei dele todos”, ou (segundo Lucas).* “Tomai-o e reparti-o entre vós”. Vê-se claramente que o cálice mesmo não poderia ser repartido. Estas palavras evidenciam perfeitamente que era intenção do Senhor que o sacramento fosse usado em ambas as espécies (sub utraque specie), e que Roma está errada ao privar os leigos do cálice. O uso dos dois elementos possibilitou a Cristo dar uma vívida representação da idéia de que o Seu corpo foi partido, que a carne e o sangue foram separados e que o sacramento nutre e vivifica a alma.
c. Palavras de explicação. A palavra de ordem em conexão com o pão é imediatamente seguida de uma palavra de explicação, que deu surgimento a ásperas discussões, a saber, “Isto é o meu corpo”. Estas palavras foram interpretadas de várias maneiras.
(1) A igreja de Roma entende que a copulativa “é” é enfática. Jesus quis dizer que o que tinha em mãos era realmente o Seu corpo, embora com aparência e sabor de pão. Mas esta posição é totalmente insustentável. Com toda a probabilidade Jesus falou em aramaico, não empregando nenhuma copulativa. E, estando diante dos Seus discípulos em corpo, não poderia dizer aos Seus discípulos, com seriedade, que segurava o Seu corpo em Sua mão. Além disso, mesmo no conceito católico romano, Ele não poderia dizer com veracidade, “Isto é o meu corpo” (literalmente), mas apenas, “Isto agora está se tornando o meu corpo”.
(2) Carlstadt defendeu o original conceito de que quando Jesus pronunciou essas palavras, apontou para o Seu corpo. Ele argumentava que o neutro touto (isto) não podia referir-se a artos (pão), que é masculino. Mas também se pode conceber o pão como uma coisa, e, neste caso, podemos referir-nos a ele como neutro. Ademais, a afirmação deita nesses termos seria vã, naquelas circunstâncias.
(3) Lutero e os luteranos também dão ênfase à palavra “é”, embora admitam que Jesus estava falando figuradamente. Segundo eles, a figura não era uma metáfora, mas uma sinédoque. O Senhor simplesmente quis dizer aos Seus discípulos: Onde tendes o pão, tendes meu corpo nele, sob ele e junto dele, embora a substância de ambos continue distinta. Este conceito leva o peso da impossível doutrina da onipresença do corpo físico do Senhor Jesus.
(4) Calvino e as igrejas reformadas (calvinistas) entendem metaforicamente as palavras de Jesus: “Isto é (isso é, significa, simboliza) o meu corpo”. Essa declaração era tão inteligível para os discípulos como o eram outras declarações similares, como “Eu sou o pão da vida”, Jo 6.35, e “Eu sou a videira verdadeira”, Jo 15.1. Ao mesmo tempo, rejeitam o conceito, geralmente atribuído a Zwínglio, de que o pão simboliza meramente o corpo de Cristo, e salientam o fato de que ele também serve para selar as misericórdias pactuais de Deus e para comunicar nutrição espiritual. A estas palavras Jesus acrescenta esta afirmação, “oferecido por vós” (Lc 22.19), ou “que é dado por vós” (1 Co 11.24). Com toda a probabilidade, estas palavras expressam a idéia de que o corpo de Jesus é dado para benefício ou no interesse dos discípulos. É dado pelo Senhor para assegurar a redenção deles. Naturalmente, é um sacrifício (a morte de Cristo), não somente para os discípulos imediatos do Senhor, mas também para todos os que crêem.
Há também uma palavra de explicação em conexão com o cálice. O Senhor faz a significativa declaração: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor e vós”, Lc 22.20. Estas palavras veiculam um contraste implícito entre o sangue do Salvador, como o sangue da nova aliança, e o sangue da antiga aliança mencionado em Ex 24.8. Este último era apenas uma imprecisa representação da realidade do Novo Testamento. As palavras “em favor de vós” não têm aplicação mais ampla que as da declaração feita com relação ao pão, “que é dado por vós”. Não devem ser entendidas no sentido irrestrito de “em favor de todos os homens, indiscriminadamente”, mas, antes, no sentido limitado de “em favor de vós e todos os que realmente são meus discípulos”. As palavras de conclusão em 1 Co 11.26, “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”, indicam o perene significado da Ceia do Senhor como um memorial da morte sacrificial de Cristo; e anunciam claramente que ela deve ser celebrada regularmente, até o retorno do Senhor.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg654)

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