terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A União Sacramental ou a Questão da Presença Real de Cristo na Ceia do Senhor

Com esta questão estamos entrando naquilo que durante muito tempo foi, e ainda é, ocasião para consideráveis diferenças de opinião na igreja de Jesus Cristo. De modo nenhum há opinião unânime quanto à natureza da presença de Cristo na Ceia do Senhor. Especialmente quatro conceitos serão considerados aqui:
1. O CONCEITO DE ROMA. A igreja de Roma concebe a união sacramental num sentido físico. Dificilmente se pode, porém, justificar este conceito, quando se trata de uma união sacramental, pois, de acordo com a descrição feita por essa igreja, não há nenhuma união, no sentido próprio da palavra. O sinal não está ligado à coisa significada, mas abre caminho para ela, visto que aquele se transfere para esta. Quando o sacerdote profere a fórmula, “hoc est corpus meum” (“isto é o meu corpo”), o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo. Admite-se que, mesmo após a mudança, os elementos têm aparência e gosto de pão e vinho. Conquanto a substância de ambos seja transformada, as suas propriedades permanecem as mesmas. Na forma de pão e vinho, o corpo e o sangue físicos de Cristo estão presentes. A suposta base escriturística para isto acha-se nas palavras da instituição, “isto é o meu corpo”, e em Jo 6.50 e segtes. Mas, é evidente que a primeira passagem é figurada, como as de Jo 14.6; 15.1; 10.9, e outras; e a última, compreendida literalmente, ensinaria mais do que o próprio católico romano estaria disposto a conceder, a saber, que todo aquele que come a Ceia do Senhor vai para o céu, ao passo que ninguém que não a coma obterá a vida eterna (cf. versículos 53, 54). Ademais, o versículo 63 indica claramente uma interpretação espiritual. Além do mais, é deveras impossível conceber o pão que Jesus partiu como sendo o corpo que o manipulava; e devemos notar que a Escritura lhe chama pão mesmo depois de, supostamente, se haver transubstanciado, 1 Co 10.17; 11.26, 27, 28. Este conceito de Roma também faz violência aos sentidos humanos, visto pedir-nos que acreditemos que o que tem sabor e aparência de pão e vinho, na verdade é carne e sangue; e à razão humana, visto exigir fé na separação entre uma substância e suas propriedades, e na presença de um corpo material em vários lugares ao mesmo tempo, sendo que as duas coisas são contrárias à razão. Conseqüentemente, a elevação e adoração da hóstia também está destituída de fundamento válido.
2. O CONCEITO LUTERANO. Lutero rejeitou a doutrina da transubstanciação e a substitui pela doutrina correlata da consubstanciação. Segundo ele, o pão e o vinho continuam sendo o que são,mas, não obstante, há na Ceia do Senhor uma misteriosa e miraculosa presença real da pessoa completa de Cristo, corpo e sangue, nos elementos, sob eles e junto deles. Ele e seus seguidores defendem a presença local do corpo e do sangue físicos de Cristo no sacramento. Às vezes os luteranos negam que ensinam a presença local de Cristo na Ceia, mas, nestes casos, atribuem ao termo “local” um sentido não pretendido por aqueles que atribuem este ensino a eles. Quando se diz que eles ensinam a presença local da natureza física de Cristo, isto não implica que todos os demais corpos ficam excluídos da mesma porção de espaço, nem que a natureza humana de Cristo não está em nenhuma outra parte, como, por exemplo, no céu; mas significa, sim, que a natureza física de Cristo está localmente presente na Ceia do Senhor, como o magnetismo está localmente presente no imã, e como a alma está localmente presente no corpo. Conseqüentemente, eles também ensinam a manducatio oralis (mastigação oral), o que significa que os que compartem os elementos na Ceia do Senhor, comem e bebem o corpo e o sangue do Senhor “com boca corporal”, e não meramente que se apropriam deles pela fé. Comungantes indignos também os recebem, mas para a sua condenação. Este conceito não é grande melhoramento da concepção católica romana, embora não envolva o freqüentemente repetido milagre de uma mudança de substância menos uma mudança de atributos. Realmente dá às palavras de Jesus o sentido de, “isto acompanha o meu corpo”, interpretação mais improvável que qualquer das outras. Além disso, leva sobre si o fardo da impossível doutrina da ubiqüidade da natureza humana glorificada no Senhor, que boamente diversos luteranos rejeitam.
3. O CONCEITO ZWINGLIANO. Há uma impressão amplamente generalizada, não inteiramente sem fundamento, de que o conceito que Zwínglio tinha da Ceia do Senhor era muito defeituoso. Geralmente se afirma que ele ensinava que o sacramento em foco é um simples sinal ou símbolo, representando ou simbolizando figuradamente verdades ou bênçãos espirituais; e que o seu recebimento é apenas uma comemoração daquilo que Cristo fez pelos pecadores, e, acima, de tudo, uma insígnia da profissão de fé cristã. Todavia, a rigor, isto não faz justiça ao Reformador suíço. Sem dúvida, algumas das suas afirmações dão a idéia de que, para ele, o sacramento era apenas um rito comemorativo e um sinal e símbolo do que o crente promete nele. Mas os seus escritos também contêm declarações que apontam para uma significação mais profunda da Ceia do Senhor e a vêem como selo ou penhor daquilo que Deus faz pelo crente no sacramento. De fato, parece que ele mudou um pouco de opinião com o transcorrer do tempo. É bem difícil determinar exatamente o que ele cria quanto a esta matéria. Evidentemente, era seu desejo extirpar da doutrina da Ceia do Senhor todo misticismo incompreensível, mostrando excessiva tendência para a clareza e simplicidade em sua exposição. Ocasionalmente se expressa no sentido de que se trata de mero sinal ou símbolo, uma comemoração da morte do Senhor. E conquanto fale de passagem dele como selo ou penhor, certamente não faz jus a esta idéia. Além disso, para ele a ênfase recai no que o crente promete no sacramento, e não no que Deus promete. Ele identificava o ato de alimentar-se do corpo de Cristo com a fé nele e uma confiante segurança apoiada em Sua morte. Ele negava a presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor, mas não negava que Cristo esteja presente ali de maneira espiritual, à fé do crente. Cristo só está presente em Sua natureza divina e segundo a apreensão do crente participante.
4. O CONCEITO REFORMADO (CALVINISTA). Calvino objeta à doutrina de Zwínglio sobre a Ceia do Senhor, (a) que ela permite que a idéia do que o crente faz no sacramento eclipse a dádiva de Deus nele; e (b) que ela vê no ato de comer do corpo de Cristo nada mais, nem mais elevado, que a fé no Seu nome e a segura confiança na Sua morte. Segundo Calvino, o sacramento está vinculado não meramente à obra passada de Cristo, ao Cristo que morreu (como parece que Zwínglio pensava), mas também à presente obra espiritual de Cristo, ao Cristo que agora vive na glória. Ele crê que Cristo, embora não corporal nem localmente presente na Ceia, está, contudo, presente, e é desfrutado em Sua pessoa completa, corpo e sangue. Ele dá ênfase à união mística dos crentes com a pessoa completa do Redentor. Sua apresentação do assunto não é inteiramente clara, mas ele parece querer dizer que o corpo e o sangue de Cristo, embora ausentes e localmente presentes só no céu, comunicam uma influência vivificante ao crente, quando ele está no ato de receber os elementos. Essa influência, apesar de real, não é física, mas, sim, espiritual e mística, é mediada pelo Espírito Santo e está condicionada ao ato de fé pelo qual o comungante recebe simbolicamente o corpo e o sangue de Cristo. Quanto ao modo pelo qual é efetuada esta comunhão com Cristo, há uma dupla descrição. Às vezes é descrito como se, pela fé, o comungante alçasse o seu coração ao céu, onde Cristo está; às vezes, como se o Espírito Santo fizesse baixar a influência do corpo e do sangue de Cristo ao comungante. Dabney rejeita positivamente a apresentação feita por Calvino, segundo a qual o comungante participa do próprio corpo e sangue de Cristo no sacramento. Sem dúvida, este é um ponto obscuro na exposição de Calvino. Às vezes parece que dá demasiada ênfase ao corpo e ao sangue literais. Todavia, pode ser que suas palavras devam ser entendidas sacramentalmente, isto é, num sentido figurado. Este conceito de Calvino é o que se vê em nossos padrões confessionais. Uma interpretação muito comum do dúbio ponto da doutrina de Calvino é que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes apenas virtualmente, isto é, nas palavras do doutor Hodge, que “as virtudes e os efeitos do sacrifício do corpo do Redentor na cruz se fazem presentes no sacramento e, neste, são comunicados ao participante digno pelo poder do Espírito Santo, que utiliza o sacramento como Seu instrumento, segundo Sua vontade soberana.”
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg658)

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