quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Pré-milenismo

Visto que o premilenismo nem sempre assume a mesma forma, talvez seja bom indicar resumidamente a forma geralmente assumida no passado (deixando de lado toda sorte de aberrações), e depois prosseguir, dando uma descrição mais pormenorizada da teoria premilenista predominante nos dias atuais.
1. O PREMILENISMO DO PASSADO. a idéia de Irineu pode ser dada como a que reflete a melhor dos primeiros séculos cristãos. O mundo atual durará seis mil anos, correspondentes aos seis dias da criação. Para o fim deste período, os sofrimentos e perseguições dos fiéis aumentarão grandemente, até que, por fim, a encarnação de toda a iniqüidade aparecerá na pessoa do Anticristo. Depois que ele tiver completado a sua obra destruidora e se estabelecer atrevidamente no templo de Deus, Cristo aparecerá em glória celestial e triunfará sobre todos os Seus inimigos. Isto será acompanhado pela ressurreição física dos santos e pelo estabelecimento do reino de Deus na terra. O período de ventura milenar, que portanto durará mil anos, corresponderá ao sétimo dia da criação – ao dia de repouso. Jerusalém será reedificada, a terra dará seu fruto com rica abundância; e prevalecerão a paz e a justiça. No fim dos mil anos, sobrevirá o juízo final, e aparecerá uma nova criação, na qual os remidos viverão para sempre na presença de Deus.
Em seus contornos gerais, esta descrição é típica dos conceitos escatológicos dos primeiros séculos cristãos, por mais que possam diferir nalgumas minúcias. Durante todos os séculos subseqüentes e no século dezenove, o pensamento milenista permaneceu o mesmo, embora ocorrendo estranhas aberrações nalgumas seitas. Estudos continuados, porém, levaram a maior desenvolvimento e a maior clareza na apresentação de algumas das suas particularidades. As principais características do conceito comum podem ser expostas mais ou menos como segue: O vindouro advento de Cristo ao mundo está próximo, e será visível, pessoal e glorioso. Contudo, será precedido por certos acontecimentos, tais como a evangelização de todas as nações, a conversão de Israel, a grande apostasia e a grande tribulação, e a revelação do homem do pecado. Tempos trevosos e penosos estão portanto reservados para a igreja, visto que ela terá que passar pela grande tribulação. A segunda vinda será um evento grandioso, único, extraordinário e glorioso, mas será acompanhado por vários outros, impostos à igreja, a Israel e ao mundo. Os santos que já faleceram serão ressuscitados, e os que vivem serão transformados, e juntos serão trasladados para encontrar-se com o Senhor em Sua vinda. O Anticristo e os seus aliados perversos serão mortos; e Israel, o antigo povo de Deus, se arrependerá, será salvo e será restabelecido na Terra Santa. Então o reino de Deus, predito pelos profetas, será estabelecido num mundo transformado. Os gentios se converterão a Deus, em grande número, e serão incorporados no Reino. Prevalecerá em toda a terra uma condição de paz e justiça. Depois de haver-se expirado o governo terreno de Cristo, os mortos restantes ressurgirão; e esta ressurreição será seguida pelo juízo final e pela criação de novos céus e nova terra. Falando em termos gerais, pode-se dizer que este é o tipo de premilenismo defendido por homens como Mede, Bengel, Auberlen, Christlieb, Ebrard, Godet, Hofmann, Lange, Stier, Van Osterzee, Van Andel, Alford, Andrews, Ellicott, Guinnes, Kellog, Zahn, Moorehead, Newton, Trench e outros. Não esquecendo que estes homens divergem nalguns pormenores.
2. O PREMILENISMO DA ATUALIDADE. No segundo quartel do século dezenove, foi introduzida uma nova forma de premilenismo, sob a influência de Darby, Kelly, Trotter e seus seguidores na Inglaterra e na América, um premilenismo entrelaçado com o dispensacionalismo. Os novos conceitos foram popularizados em nosso país* principalmente pela Bíblia de Scofield, e se disseminaram amplamente por meio de obras de homens como Bullinger, F.W.Grant, Blackstone, Gray, Haldeman, os dois Gaebelein, Brookes, Riley, Rogers e uma hoste doutros mais. Eles apresentam realmente uma nova filosofia da história da redenção, na qual Israel desempenha o papel principal, e a igreja não passa de um interlúdio. Seu princípio orientador os move a dividir a Bíblia em dois livros, o Livro do Reino e o Livro da Igreja. Ao ler as suas descrições dos procedimentos de Deus para com os homens, a gente se perde num desnorteante labirinto de alianças e dispensações, sem o fio de Ariadne que ofereça direção segura. Sua tendência divisiva também se revela em seu programa escatológico. Haverá duas segundas vindas, duas ou três (se não quatro) ressurreições, e também três juízos. Além disso, haverá também dois povos de Deus que, segundo alguns, estarão separados eternamente, Israel habitando na terra, e a igreja no céu.
Os seguintes pontos darão uma idéia do esquema premilenista que goza a maior popularidade hoje em dia:
a. Sua visão da história. Deus trata o mundo da humanidade no transcurso da história com base em diversas alianças e conforme os princípios de sete dispensações diferentes. Cada dispensação é distinta, e cada uma delas representa uma diferente prova para o homem natural; e desde que o homem não consegue vencer nas sucessivas provas, cada dispensação acaba num juízo. A teocracia de Israel, fundada no Monte Sinai, ocupa um lugar especial na economia divina. Ela foi a forma inicial do reino de Deus ou do reino do Messias, e teve a sua idade de outro nos dias de Davi e Salomão. Se seguisse o caminho da obediência, poderia ter crescido em poder e glória, mas, em resultado da infidelidade do povo, foi finalmente derrotado, e o povo foi levado para o exílio. Os profetas predisseram essa derrota, mas também trouxeram mensagens de esperança e inspiraram a expectativa de que nos dias do Messias Israel tornaria ao Senhor com vero arrependimento, o trono de Davi seria restabelecido com inexcedível glória, e até os gentios participariam das bem-aventuranças do reino futuro. Mas quando o Messias veio e se ofereceu para estabelecer o Reino, os judeus deixaram de mostrar o requerido arrependimento. O resultado dói que o Rei não estabeleceu o Reino, mas se retirou de Israel e foi para um país distante, pospondo o estabelecimento do Reino, até o Seu regresso. Contudo, antes de deixar a terra, fundou a igreja, que nada tem em comum com o Reino, e da qual os profetas nunca falaram. A dispensação da lei abriu alas para a dispensação da graça de Deus. Durante esta dispensação, a igreja se compõe de judeus e gentios, e forma o corpo de Cristo, que agora participa dos Seus sofrimentos, mas chegará o tempo em que a noiva do Cordeiro participará da Sua glória. Desta igreja Cristo não é Rei, mas a Cabeça divina. Tem ela a gloriosa tarefa de pregar, não o Evangelho do reino,mas o Evangelho da livre graça de Deus, em todas as nações do mundo, para juntar delas os eleitos e, por cima, ser um testemunho ante elas. Este método se evidenciará um fracasso; não efetuará conversões em grande escala. No fim desta dispensação, Cristo voltará subitamente e efetuará uma conversão muito mais universal.
b. Sua escatologia. A volta de Cristo agora é iminente, isto é, Ele pode vir a qualquer momento, pois não há eventos preditos que devam precede-la. Contudo, Sua vinda consiste de dois eventos distintos, separado um do outro por um período de sete anos. O primeiro deles será a parousia, quando Cristo aparecerá nos ares para encontrar-se com os Seus santos. Todos os justos falecidos ressurgirão então, e os que estiverem vivos serão transformados. Juntos serão arrebanhados nos ares, celebrarão as bodas do Cordeiro e estarão para sempre com o Senhor. A trasladação dos santos vivos é chamada “rapto” ou “arrebatamento”, às vezes, “arrebatamento secreto”. Enquanto Cristo e Sua igreja estiverem ausentes da terra, e mesmo o Espírito presente nos crentes tiver partido com a igreja, haverá um período de sete anos ou mais, com freqüência dividido em duas partes, em que sucederão várias coisas. O Evangelho do reino tornará a ser pregado, principalmente, ao que parece, pelos remanescentes crentes dentre os judeus, e resultarão conversões em larga escala, apesar de muitos continuarem a blasfemar contra Deus. O Senhor retomará as Suas relações com Israel e, provavelmente, nesse tempo (embora alguns digam que será mais tarde), este se converterá.
Na segunda metade desse período de sete anos, haverá um período de tribulação sem igual e cuja duração ainda é assunto em discussão. O Anticristo será revelado e o frasco da ira de Deus será derramado sobre a raça humana. No fim do período de sete anos, dar-se-á a “revelação”, isto é, a vinda do Senhor, agora não para os Seus santos, mas com eles. As nações existentes serão então julgadas (Mt 25.31), e as ovelhas serão apartadas dos cabritos; os santos que morreram durante a grande tribulação serão ressuscitados; o Anticristo será destruído; e Satanás será preso por mil anos. Será estabelecido então o reino milenar, um reino concretamente visível, terrestre e material, reino dos judeus, a restauração do reino teocrático, incluindo o restabelecimento da realeza davídica. Nesse reino os santos reinarão com Cristo, os judeus serão os cidadãos naturais, e muitos gentios serão cidadãos adotivos. O trono de Cristo será estabelecido em Jerusalém, que também voltará a ser o local central de culto. O templo será reconstruído no Monte Sião, e o altar exalará de novo o cheiro do sangue dos sacrifícios, sim, das ofertas pelos delitos e pecados. E conquanto o pecado e a morte ainda reclamem suas vítimas, serão dias de grande frutificação e prosperidade, quando a vida dos homens será prolongada e o deserto florescerá como um roseiral. Nesse tempo o mundo se converterá rapidamente, segundo alguns, pelo Evangelho, mas, segundo a maioria, por meios totalmente diferentes, tais como a aparecimento pessoal de Cristo, a inveja provocada pela bem-aventurança dos santos, e, acima de tudo, grandes e terríveis prejuízos. Após o milênio, Satanás será solto por breve lapso de tempo, e as hordas de Gogue e Magogue juntarão forças contra a cidade santa. Todavia, os inimigos serão devorados pelo fogo do céu, e Satanás será lançado numa cova sem fundo, precedido pela besta e pelo falso profeta. Depois desse curto período de tempo, os ímpios ressuscitarão e comparecerão a juízo, perante o grande trono branco, Ap 20.11-15. e então haverá novos céus e nova terra.
c. Algumas variantes desta teoria. De modo algum os premilenistas estão todos de acordo quanto às particularidades do seu esquema escatológico. Um estudo da sua literatura revela grande variedade de opiniões. Há indefinição e incerteza sobre muitos pontos, o que prova que a sua elaboração minuciosa é de valor muito duvidoso. Embora a maioria dos premilenistas dos dias atuais creia num vindouro governo visível de Jesus Cristo, mesmo na atualidade alguns antecipam apenas um governo espiritual, e não têm em vista uma presença física na terra. Conquanto os mil anos de Ap 20 sejam em geral interpretados literalmente, há uma tendência, da parte de alguns para considera-los como um período indefinido de maior ou menor duração. Alguns acham que os judeus se converterão primeiro, de depois serão levados para a Palestina,* ao passo que outros são de opinião que esta ordem será invertida. Há aqueles que crêem que os meios usados para a conversão do mundo serão idênticos aos empregados agora, mas prevalece a opinião de que esses meios serão substituídos por outros. Também há diferença de opiniões quanto ao lugar em que os santos ressurretos vão habitar durante o seu reinado milenar com Cristo, na terra ou no céu, ou em ambos. As opiniões diferem muito também com respeito à continuidade da propagação da raça humana durante o milênio, ao grau de pecado que prevalecerá nesse tempo, à vigência da morte e a muitos outros pontos.
3. OBJEÇÕES AO PREMILENISMO. Na discussão do segundo advento, o conceito premilenista já foi submetido a pesquisas e críticas especiais, e os subseqüentes capítulos, sobre a ressurreição e o juízo final, oferecerão outra ocasião mais para uma consideração crítica da formulação premilenista desses eventos. Daí, as objeções levantadas neste ponto serão de natureza mais geral, e, mesmo assim, só poderemos dar atenção a algumas das mais importantes.
a. A teoria se baseia numa interpretação literal dos delineamentos proféticos do futuro de Israel e do reino de Deus, o que é inteiramente insustentável. Isso tem sido repetidamente assinalado em obras sobre profecia, como as de Fairbairn, Riehm e Davidson, na esplêndida obra de David Brown sobre O Segundo Advento (The Second Advent), no importante livro de Waldegrave sobre o Milenismo Neotestamentário (New Testament Millennarianism), e nas obras do doutor Aalders, mais recentes, sobre Os Profetas da Velha Aliança, e A Restauração de Israel Segundo o Velho Testamento (De Profeten dês Ouden Verbonds, e Het Herstel van Israel Volgens het Oude Testament). O último citado é dedicado inteiramente a um minucioso estudo exegético de todas as passagens do Velho Testamento que, de algum modo, falam da futura restauração de Israel. É um obra exaustiva, que merece estudo cuidadoso. Os premilenistas afirmam que nada menos que uma interpretação e um cumprimento literais satisfarão as exigências dessas previsões proféticas; mas os próprios livros dos profetas já contêm indicações que apontam para um cumprimento espiritual, Is 54.13; 61.6; Jr 3.16; 31.31-34; Os 14.2; Mq 6.6-8. A alegação de que os nomes “Sião” e “Jerusalém” nunca são empregados noutro sentido que no sentido literal de que o primeiro sempre denota uma montanha, e o segundo uma cidade, é claramente contrária aos fatos. Há passagens nas quais ambos os nomes são empregados para designar Israel, a igreja de Deus veterotestamentária, Is 49.14; 51.3; 52.1,2. E este emprego dos termos passa direto para o Novo testamento, Gl 4.26; Hb 12.22; Ap 3.12; 21.9. É notável que o Novo Testamento, que é cumprimento do Velho Testamento, não contém nenhum tipo de indicação do restabelecimento da teocracia do Velho Testamento por Jesus, nem tampouco uma única predição positiva e incontestável da sua restauração, ao passo que contém abundantes indicações do cumprimento espiritual das promessas feitas a Israel, Mt 21.43; At 2.29-36; 15.14-18; Rm 9.25, 26; Hb 8.8-13; 1 Pe 2.9; Ap 1.6; 5.10.
Para mais pormenores sobre a espiritualização que se vê na Escritura, pode-se consultar a obra do doutros Wijngaarden sobre O Futuro do Reino (The Future of the Kingdom). O Novo Testamento certamente não favorece o literalismo dos premilenistas. Além disso, esse literalismo os larga em toda sorte de absurdidades, pois envolve a restauração futura de todas as antigas condições históricas da vida de Israel: os grandes poderes mundiais do Velho Testamento (egípcios, assírios e babilônicos) e as nações vizinhas de Israel (moabitas, amonistas, edomitas e filisteus) deverão reaparecer em cena, Is 11.14; Am 9.12; Jl 3.19; Mq 5.5, 6; Ap 18. O templo terá que ser reconstruído, Is 2.2; Mq 4.1,2; Zc 14.16-22; Ez 40-48, os filhos de Zadoque terão que servir de novo como sacerdotes, Ez 44.15-41; 48.11-14, e até as ofertas pelos pecados e delitos terão que ser levadas outra vez ao altar, não para comemoração, (como o querem alguns premilenistas), mas para expiação, Ez 42.13; 43.18-27. E em acréscimo a isso tudo, a situação modificada tornaria necessário a todas as nações visitarem Jerusalém anos após ano, para celebrar a festa dos tabernáculos, Zc 14.16, e mesmo após a semana, para prestar culto a Jeová, Is 66.23.
b. A teoria da posposição, assim chamada, que constitui um elo de ligação no esquema premilenista, é desprovida de toda base escriturística. Segundo ela, João e Jesus proclamaram que o Reino, isto é, a teocracia judaica, estava às portas. Mas, porque os judeus não se arrependeram e não creram, Jesus pospôs o seu estabelecimento até à Sua segunda vinda. O pivô da mudança é colocado por Scofield em Mt 11.20, por outros em Mt 12, e por outros, mais tarde ainda. Antes desse ponto decisivo Jesus não se preocupava com os gentios, mas pregava o Evangelho do Reino a Israel; e depois disso Ele não pregou mais o Reino, mas somente predizia a sua vinda futura e oferecia descanso aos cansados de Israel e dos gentios. Mas não se pode afirmar que Jesus não se preocupava com os gentios antes do suposto ponto decisivo, cf. Mt 8.5-13; Jo 4.1-42, nem que depois Ele deixou de pregar o Reino, Mt 13; Lc 10.1-11. Não há absolutamente prova nenhuma de que Jesus pregou dois evangelhos diferentes, primeiro o do Reino e depois o da graça de Deus; à luz da Escritura, esta distinção é insustentável. Jesus nunca teve em mente o restabelecimento da teocracia veterotestamentária, mas, sim, a introdução da realidade espiritual da qual o reino do Velho Testamento era apenas um tipo, Mt 8.11, 12; 13.31-33; 21.43; Lc 17.21; Jo 3.3; 18.36, 37 (comp. Rm 14.17). Ele não pospôs a tarefa para a qual tinha vindo ao mundo, mas de fato estabeleceu o Reino e se referiu a ele mais de uma vez como uma realidade presente, Mt 11.12; 12.28; Lc 17.21; Jo 18.36, 37 (comp. Cl 1.13).
Toda essa teoria de posposição é uma ficção relativamente recente, e deveras passível de objeção, porque destrói a unidade da Escritura e do povo de Deus de modo injustificável. A Bíblia apresenta a relação entre o Velho e o Novo Testamento como a de tipo e antítipo, de profecia e cumprimento; mas essa teoria sustenta que, embora fosse propósito do Novo Testamento ser o cumprimento do Velho Testamento, veio realmente a ser uma coisa inteiramente diferente. O Reino, isto é, a teocracia do Velho Testamento, foi predito e não foi restaurado, e a igreja não foi predita mas foi estabelecida. Assim, os dois ficam separados, e um deles vem a ser o livro do Reino, e o outro, com exceção dos evangelhos, o livro da igreja. Além disso, temos dois povos de Deus, um natural, e o outro espiritual, um terreno, e o outro celestial, como se Jesus não tivesse falado de “um rebanho e um pastor”, Jo 10.16, e como se Paulo não tivesse dito que os gentios foram enxertados na oliveira, Rm 11.17.
c. Essa teoria também está em flagrante oposição à descrição escriturística dos grandes eventos do futuro, a saber, a ressurreição, o juízo final e o fim do mundo. Como se mostrou anteriormente, a Bíblia apresenta esses grandes eventos como sincronizados. Não há mais a leve indicação de que estão separados por mil anos, à exceção do que se vê em Ap 20.4-6. Está patente que eles coincidem, Mt 13.37-43, 47-50 (separação do bem e do mal no fim, “na consumação do século”, e não mil anos antes); 24.29-31; 25.31-46; Jo 5.25-29; 1 Co 15.22-26; Fp 3.20, 21; 1 Ts 4.15, 16; Ap 20.11-15. Todos eles ocorrem quando da vinda do Senhor, que é também o dia do Senhor. Em resposta a esta objeção, muitas vezes os premilenistas insinuam que o dia do Senhor pode ter mil anos de duração, de maneira que a ressurreição dos santos e o juízo das nações têm lugar na manhã desse longo dia, e a ressurreição dos ímpios e o juízo do grande trono branco ocorrem no entardecer desse mesmo dia. Eles apelam para 2 Pe 3.8 “para com o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia”. Mas, dificilmente isso poderá provar o ponto, pois facilmente o feitiço poderia virar contra o feiticeiro aqui. Poder-se-ia usar a mesma passagem para provar que os mil anos de Ap 20 são apenas um só dia.
d. Não há qualquer fundamento bíblico para o conceito premilenista de uma dupla ou até tripla ou quádrupla ressurreição, como a sua teoria requer, nem para espalhar o juízo final por um período de mil anos, dividindo-o em três juízos. É, para dizer o mínimo, muito duvidoso que as palavras. “Esta é a primeira ressurreição”, em Ap 20.5, se refiram a uma ressurreição física. O contexto não requer, e nem mesmo favorece esta idéia. O que poderia favorecer a teoria de uma dupla ressurreição é o fato de que os apóstolos muitas vezes falam unicamente da ressurreição dos crentes, e de modo nenhum se referem à dos ímpios. Mas isto se deve ao fato de que eles estão escrevendo para as igrejas de Jesus Cristo, aos contextos em que levantam o assunto da ressurreição, e ao fato de que desejam dar ênfase ao seu aspecto soteriológico, 1 Co 15; 1 Ts 4.13-18. Outras passagens falam claramente da ressurreição dos justos e dos ímpios num só fôlego, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15. Voltaremos a considerar esta matéria no próximo capitulo.
e. A teoria premilenista se enreda em todas as espécies de dificuldades insuperáveis, com a sua doutrina do milênio. É impossível entender como uma parte da velha terra e da humanidade pecadora poderá coexistir com uma parte da nova terra e de uma humanidade já glorificada. Como poderão os santos em corpos glorificados ter comunhão com pecadores na carne? Como poderão os santos glorificados viver nesta atmosfera sobrecarregada de pecado e em cenário de morte e decadência? Como poderá o Senhor da glória, o Cristo glorificado, estabelecer o Seu trono na terra enquanto esta não for renovada? O capítulo vinte e um de Apocalipse nos informa que Deus e a igreja dos remidos tomarão como seu lugar de habitação a terra depois que forem feitos novos céus e nova terra; então, como se pode afirmar que Cristo e os santos habitarão ali mil anos antes dessa renovação? Como poderão os santos e os pecadores na carne manter-se na presença do Cristo glorificado, sabendo-se que mesmo Paulo e João foram completamente esmagados pela visão dele. At 26.12-14; Ap. 1.17? Diz com verdade Beet: “Não podemos conceber misturados no mesmo planeta uns que ainda terão que morrer e outros que já passaram pela morte e não morrerão mais. Tal confusão da era atual com a era por vir é extremamente improvável”. E Brown exclama: “Que confuso estado de coisas é este! Que detestável mistura de coisas totalmente incoerentes umas com as outras!”
f. A única base escriturística para essa teoria é Ap 20.1-6, depois de se ter despejado aí um conteúdo veterotestamentário. É uma base muito precária, por várias razões. (1) esta passagem ocorre num livro eminentemente simbólico e é reconhecidamente muito obscura, como se pode inferir das diferentes interpretações dela feitas. (2) A interpretação literal desta passagem, como dada pelos premilenistas, leva a uma conceituação que não encontra suporte em nenhum outro lugar da Escritura, mas é até contraditada pelo restante do Novo Testamento. Esta é uma objeção fatal. Uma boa exegese requer que as passagens obscuras da Escritura sejam lidas à luz doutras mais claras, e não vice-versa. (3) Mesmo a interpretação literal dos prémilenistas não é coerentemente literal, pois entende a corrente do versículo 1 e também, conseqüentemente, a prisão do versículo 2 figuradamente, muitas vezes concebe os mil anos como um longo mas indefinido período, e transforma as almas do versículo 4 em santos ressurretos. (4) Estritamente falando, a passagem não diz que as classes referidas (os santos mártires e os que não adoraram a besta) ressuscitaram dos mortos, mas simplesmente que viveram e reinaram com Cristo. E se declara que este viver e reinar com Cristo constitui a primeira ressurreição. (5) Não há absolutamente nenhuma indicação nestes versículos de que Cristo e os Seus santos estão exercendo governo na terra. À luz de passagens como Ap 4.4 e 6.9, é muito mais provável que a cena se passa no céu. (6) Também merece nota que a passagem não faz menção nenhuma da Palestina, de Jerusalém, do templo e dos judeus, os cidadãos naturais do reino milenar. Não há nenhuma insinuação de que esses elementos estejam de algum modo relacionados com este reinado de mil anos. Para uma interpretação minuciosa desta passagem, do ponto de vista amilenista, remetemos o leitor a Kuyper, Bavinck, De Moor, Dijk, Greydanus, Vos e Hendriksen.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática)

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