segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A Doutrina da Fé na História

1. ANTES DA REFORMA. Desde os primeiros tempos da igreja cristã, a fé sobressaia nas mentes dos lideres como a grandiosa condição da salvação. A seu lado, o arrependimento logo se tornou um tanto proeminente. Ao mesmo tempo, houve pouca reflexão, a principio, sobre a natureza da fé e apenas um ligeiro entendimento da relação da fé com as outras partes da ordo salutis. Não havia uma definição da fé, que fosse de uso comum. Conquanto houvesse a tendência de usar a palavra “fé” para denotar a aceitação da verdade com base num testemunho, nalguns casos também era empregada num sentido mais profundo, de molde a incluir a idéia de rendição pessoal à verdade recebida intelectualmente. Os alexandrinos contrastavam pistis com gnosis, e consideravam aquela primariamente como um conhecimento incipiente e imperfeito. Tertuliano salientava o fato de que a fé aceita uma coisa com base numa autoridade, e não porque fosse assegurada pela razão humana. Ele também usava o termo num sentido objetivo, como designativo daquilo que deve ser crido – a regula fidei (a regra da fé). Até ao tempo de Agostinho, pouca atenção foi dada à natureza da fé, embora esta sempre fosse reconhecida como o preeminente meio para a apropriação da salvação. Agostinho, porém, deu maior medida de consideração à matéria. Ele falava da fé em mais de um sentido. Às vezes a considerava como nada mais que o assentimento intelectual à verdade. Mas concebia a fé evangélica ou justificadora como incluindo também os elementos de rendição pessoal e amor. Esta fé é aperfeiçoada pelo amor e, assim, vem a ser o princípio das boas obras. Todavia, ele não tinha uma concepção apropriada da relação que há entre a fé e a justificação. Isto se deve em parte ao fato de que ele não distinguia cuidadosamente entre a justificação e a santificação. A concepção mais profunda de fé que se acha em Agostinho não foi compartilhada pela igreja em geral. Havia a tendência de confundir fé com ortodoxia, isto é, com a manutenção de uma fé ortodoxa. Os escolásticos distinguiam entre uma fides informis (fé informe), isto é, um simples assentimento intelectual à verdade ensinada pela igreja, e uma fides formata (charitate) – (fé formada pelo amor) – isto é, fé à qual foi dada uma forma característica pelo amor, e considerava esta última como a única fé que justifica, visto que envolve uma infusão da graça. É somente como fides formata que a fé se torna ativa para o bem e se torna a primeira das virtudes teológicas pelas quais o homem é posto na relação certa com Deus. Estritamente falando, é o amor, pelo qual a fé é aperfeiçoada, que justifica. Assim, com a fé foi feito um alicerce para o mérito humano. O homem é justificado, não exclusivamente pela imputação dos méritos de Cristo, mas também pela graça inerente. Tomaz de Aquino define a virtude da fé como um “hábito da mente, em razão do qual a vida eterna tem início em nós, considerando que ela leva o intelecto a dar o seu consentimento às coisas que se não vêem”.
2. DEPOIS DA REFORMA. Enquanto os católicos romanos davam ênfase ao fato de que a fé justificadora é simples assentimento a tem sua sede no entendimento, os Reformadores geralmente a consideravam como fidúcia (confiança), com sua sede na vontade. Contudo, sobre a importância relativa dos elementos da fé tem havido divergências, mesmo entre os protestantes. Alguns consideram a definição de Calvino superior à do Catecismo de Heidelberg. Diz Calvino: “Teremos então uma completa definição da fé se dissermos que ela é um firme e seguro conhecimento do favor de Deus para conosco, fundado na verdade de uma promessa gratuita em Cristo, e revelada às nossas mentes e selada em nossos corações pelo Espírito Santo”. Por outro lado, o Catecismo de Heidelberg introduz também um elemento de confiança quando responde à pergunta, “Que é a verdadeira fé?”, como segue: “A fé verdadeira não é somente um seguro conhecimento pelo qual tomo como verdade tudo que Deus nos revelou em Sua Palavra, mas também uma firme confiança que o Espírito Santo produz em meu coração pelo Evangelho, em que, não somente a outros, mas a mim também, a remissão dos pecados a justiça e a salvação, são dados gratuitamente por Deus, simplesmente pela graça, unicamente em atenção aos méritos de Cristo”. Mas, pelo contexto fica evidente que Calvino pretende incluir o elemento de confiança no “firme e seguro conhecimento” de que fala. Falando da ousadia com que podemos aproximar-nos de Deus pela oração, diz ele: “Essa ousadia brota da confiança no favor e na salvação divinos. Tanto é verdade, que o termo fé é usado muitas vezes como equivalente de confiança“. Ele rejeita absolutamente a ficção dos teólogos que insistem em “que a fé é um assentimento com que qualquer desprezador de Deus pode receber o que é dado na Escritura”. Mas há um ponto de diferença mais importante ainda entre a concepção que os Reformadores tinham da fé e a dos escolásticos. Estes reconheciam na fé mesma alguma eficácia real, e até meritória (meritum ex congruo, mérito proveniente da conformidade), ao se dispor para a justificação , procura-la e obtê-la. Por outro lado, os Reformadores eram unânimes e explícitos ao ensinarem que a fé justificadora não justifica por qualquer eficácia meritória ou inerente por si própria, mas somente como o instrumento hábil para receber ou tomar o que Deus proveu nos méritos de Cristo. Eles consideravam esta fé primariamente como dom de Deus, e só secundariamente como uma atividade do homem na dependência de Deus. Os arminianos revelaram uma tendência romanizante, quando conceberam a fé como uma obra meritória do homem, com base na qual ele é bem aceito por Deus. Schleiermacher, o pai da teologia moderna, mal menciona a fé salvadora e ignora absolutamente a fé em termos de confiança como de criança em Deus. Diz ele que a fé “nada mais é que a incipiente experiência da satisfação da nossa necessidade espiritual por Cristo”. É Uma nova experiência psicológica, uma nova tomada de consciência, arraigada numa percepção, não de Cristo, nem de alguma doutrina, mas da harmonia do Infinito, da Totalidade das coisas, na qual a alma encontra a Deus. Ritschl concordava com Schleiermacher na afirmação de que a fé surge como resultado do contato com a realidade divina, mas encontra o seu objeto, não em alguma idéia ou doutrina, nem na totalidade das coisas, mas na Pessoa de Cristo, como a suprema revelação de Deus. Não é um assentimento passivo, mas um princípio ativo. Nela o homem faz da finalidade de Deus, isto é, o reino de Deus, a sua própria finalidade, começa a trabalhar pelo reino e, ao faze-lo, acha a salvação. Os conceitos de Scheleiermacher e Ritschl caracterizam grande parte da teologia “liberal” moderna. A fé, segundo esta teologia, não é uma experiência trabalhada no céu, mas uma realização humana; não o mero recebimento de um dom, mas uma ação meritória; não a aceitação de uma doutrina, mas um ato de “fazer Cristo o Mestre”, numa tentativa de padronizar a vida segundo o exemplo de Cristo. Este conceito encontrou, porem, forte oposição na teologia da crise, que salienta o fato de que a fé salvadora jamais é apenas uma experiência psicológica natural; é, estritamente falando, um ato de Deus, e não do homem, jamais constitui uma possessão permanente do homem e é, em si mesma, um simples hohlraum (espaço vazio), completamente incapaz de efetuar a salvação. Barth e Brunner consideram a fé simplesmente como a resposta divina, produzida por Deus no homem, à Palavra de Deus em Cristo, isto é, não tanto a alguma doutrina como à ordem divina ou ao ato divino na obra da redenção. A fé é a resposta afirmativa, o “sim” ao chamamento de Deus, um “sim” extraído por Deus mesmo.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 497)

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