segunda-feira, 18 de novembro de 2013

OS ELEMENTOS DA FÉ

Ao falarmos dos diferentes elementos da fé, não devemos perder de vista o fato de que a fé é uma atividade do homem como um todo, e não de alguma parte dele. Além disso, no exercício da fé, a alma funciona através das suas faculdades comuns, e não através de alguma faculdade especial. É um exercício da alma que tem isto em comum com todos os exercícios similares, que parece simples, e, contudo, num exame mais chegado, vê-se que é complexo e intrincado. E portanto, para se obter uma apropriada concepção da fé, é necessário distinguir entre os vários elementos que ela compreende.
a. Um elemento intelectual (notitia, conhecimento). Há um elemento de conhecimento na fé, com relação ao qual, os seguintes pontos devem ser considerados:
(1) O caráter deste conhecimento. O conhecimento que caracteriza a fé consiste de um reconhecimento positivo da verdade, em que o homem aceita como verdadeiro tudo quanto Deus diz em Sua Palavra, e especialmente o que Ele diz a respeito da profunda depravação do homem e da redenção que há em Cristo Jesus. Contrariamente a Roma, deve-se manter a posição de que este seguro conhecimento pertence à essência da fé; e em oposição a teólogos tais como Sandeman, Wardlaw, Alexander, Chalmers e outros, devemos afirmar que a aceitação intelectual da verdade não é a fé completa. De um lado, seria valorizar exageradamente o conhecimento próprio da fé, se fosse considerado como uma compreensão completa dos objetos da fé. Mas, de outro lado, seria também uma depreciação dele, se fosse considerado como um simples tomar conhecimento das coisas em que se crê, sem a convicção de que elas são verdadeiras. Alguns “liberais” modernos têm este conceito e, conseqüentemente, gostam de falar da fé como uma aventura. É um discernimento espiritual das verdades da religião cristã que acha resposta no coração do pecador.
(2) A certeza deste conhecimento. Conhecimento próprio da fé não deve ser considerado como menos certo que outras modalidades de conhecimento. O nosso Catecismo de Heidelberg nos assegura que a fé verdadeira é, entre outras coisas, “um conhecimento certo (seguro, incontestável)”. Isto se harmoniza com Hb 11.1, que fala dela como “certeza de cousas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”. Ela torna subjetivamente reais e certas para o crente as coisas futuras e invisíveis. O conhecimento próprio da fé é-nos mediado e comunicado pelo testemunho de Deus em Sua Palavra, e é aceito por nós como certo e confiável, com base na veracidade de Deus. A certeza deste conhecimento tem sua garantia em Deus mesmo e, conseqüentemente, nada pode ser mais certo. E é absolutamente essencial que seja assim, pois a fé tem que ver coisas espirituais e eternas, em que a fé é necessária, mais que em qualquer outra circunstância. É preciso haver certeza quanto à realidade do objeto da fé; se não houver, a fé será vã. Machen deplora o fato de que muitos não enxergam este fato nos dias atuais. Diz ele: “O problema todo é que a fé está sendo considerada como uma benéfica qualidade da alma, sem se levar em conta a realidade ou irrealidade do seu objeto; e no momento em que se passa a considerar a fé nestes termos, nesse momento ela é destruída”.

(3) A medida deste conhecimento. É impossível determinar com precisão quanto conhecimento se requer absolutamente na fé salvadora. Se a fé salvadora é a aceitação de Cristo como Ele é oferecido no Evangelho, naturalmente surge a questão: Quanto do Evangelho o homem precisa conhecer para ser salvo? Ou, colocadas nas palavras do dr. Machen : “Quais são, para dizê-lo em termos rústicos, as exigências doutrinárias mínimas para que um homem possa ser cristão?” Em geral se pode dizer que deve ser suficiente dar ao crente alguma idéia sobre o objeto da fé. A verdadeira fé salvadora deve conter pelo menos algum conhecimento, não tanto da revelação de Deus, como do Mediador e das operações da Sua graça. Quanto maior conhecimento real a pessoa tiver das verdades da redenção, mais rica e mais completa será a sua fé, se todas as outras circunstâncias forem iguais. Naturalmente, aquele que aceita Cristo pela verdadeira fé, estará igualmente pronto para aceitar o testemunho completo de Deus, e o desejará. É da máxima importância, principalmente em nossos dias, que as igrejas vejam que os seus membros tenham uma boa compreensão da verdade, e não apenas um entendimento nebuloso dela. Particularmente nesta era antidogmática, elas deveriam ser muito mais diligentes do que têm sido na instrução doutrinária da sua juventude.
b. Um elemento emocional (assensus, assentimento). Barth chama a atenção para o fato de que a hora em que o homem aceita a Cristo pela fé é o momento existencial da sua vida, quando ele pára de considerar de modo desligado e desinteressado o objeto da fé, e começa a sentir vívido interesse por ele. Não é necessário adotar a peculiar elaboração que Barth faz da doutrina da fé, para admitir a verdade do que ele diz sobre este ponto. Quando alguém abraça a Cristo pela fé, tem uma profunda convicção da veracidade e da realidade do objeto da fé, sente que ele preenche uma importante necessidade da sua vida, e tem consciência de um absorvente interesse por ele – e isto é assentimento. É muito difícil distinguir este assentimento do conhecimento próprio da fé recém-descrito, porque, como vimos, exatamente a característica distintiva do conhecimento próprio da fé salvadora está em que leva consigo uma convicção da verdade e da realidade do seu objeto. Daí alguns teólogos terem mostrado certa inclinação para limitar o conhecimento característico da fé a um mero tomar conhecimento do objeto da fé; mas (1) isto contraria a experiência, pois na verdadeira fé não há conhecimento que não inclua uma sincera convicção da verdade e da realidade do seu objeto e um interesse por ele; e (2) isto tornaria o conhecimento que há na fé salvadora idêntico ao que se vê numa fé puramente histórica, sendo que a diferença entre a fé histórica e a salvadora está em parte exatamente neste ponto. Porque é tão difícil fazer uma clara distinção, alguns teólogos preferem falar de apenas dois elementos da fé salvadora, quais sejam, o conhecimento e a confiança pessoal. São estes os dois elementos mencionados no Catecismo de Heidelberg, quando afirma que a verdadeira fé “não é apenas um certo conhecimento pelo qual eu tenho como verdadeiro tudo que Deus nos revelou em Sua Palavra, mas também uma confiança sincera que o Espírito Santo produz em mim pelo Evangelho”. Provavelmente é preferível considerar o conhecimento e o assentimento simplesmente como dois aspectos do mesmo elemento da fé. Caso em que o conhecimento poderá ser considerado como a sua faceta mais passiva e receptiva, e o assentimento como a sua faceta mais ativa e transitiva.
c. Um elemento volitivo (fidúcia, confiança). Este é o elemento culminante da fé. A fé não é apenas questão de intelecto, nem de intelecto e sentimentos combinados: também é questão de vontade, determinando a direção da alma, um ato da alma que parte ao seu objeto e dele se apropria. Sem esta atividade, o objeto da fé, que o pecador reconhece como verdadeiro e real, e como inteiramente aplicável às suas necessidades presentes, permanece fora dele. E na fé salvadora é questão de vida ou morte que a pessoa se aproprie do objeto da fé. Este terceiro elemento consiste de uma confiança pessoal em Cristo como Salvador e Senhor, incluindo a rendição da alma, culpada e corrupta, a Cristo, e o recebimento e apropriação de Cristo como a fonte de perdão e da vida espiritual. Levando todos estes elementos em consideração, fica mais que evidente que a sede da fé não pode ser colocada nem no intelecto, nem nos sentimentos, nem na vontade, de modo exclusivo, mas unicamente no coração, o órgão central do ser espiritual, do qual procedem as fontes da vida. Em resposta à indagação se esta fidúcia (confiança) inclui necessariamente um elemento de segurança pessoal, pode-se dizer, em oposição aos católicos romanos e aos arminianos, que este é indubitavelmente o caso. Ela leva consigo, naturalmente, um certo sentimento de segurança e certeza, de gratidão e alegria. A fé, que em si mesma é certeza, tende a despertar na alma um senso de garantia e um sentimento de segurança. Na maioria dos casos, a princípio isto é mais implícito e mal chega a penetrar na esfera do pensamento consciente; é algo sentido vagamente, e não claramente percebido. Mas, à medida que a fé se desenvolve e que as atividades da fé aumentam, a consciência da garantia e segurança que ela traz também se avoluma. Mesmo aquilo que os teólogos geralmente chamam de “confiança que busca refúgio” (toevluchtnemend vertrouwen) comunica à alma certa medida de segurança. Isto difere completamente da posição de Barth, que salienta o fato de que, segundo ele, a fé é um ato repetido constantemente, é sempre um salto de desespero e um salto no escuro, e jamais se torna possessão permanente do homem; e que, portanto, elimina a possibilidade de qualquer segurança subjetiva da fé.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 505)

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