segunda-feira, 25 de novembro de 2013

No capítulo anterior tratamos da conversão em geral, e também demos uma breve descrição do elemento negativo da conversão, qual seja, o arrependimento. O presente capítulo será dedicado a uma discussão do elemento positivo, que é a fé. Esta é de significação tão central na soteriologia, que requer um tratamento separado. É melhor faze-lo nesta altura, não somente porque a fé é uma parte da conversão, mas também porque ela está relacionada instrumentalmente com a justificação. Sua discussão constitui uma transição para a doutrina da justificação pela fé.
A. Termos Bíblicos Para Fé.
1. OS TERMOS DO VELHO TESTAMENTO E O SEU SIGNIFICADO. O Velho Testamento não contém nenhum substantivo para fé, a não ser que emunah seja assim considerado em Hc 2.4. Esta palavra significa ordinariamente “fidelidade”, Dt 32.4; Sl 36.5; 37.3; 40.11, mas o modo pelo qual a afirmação de Habacuque é aplicada no Novo Testamento, Rm 1.17; Gl. 3.11; Hb 10.38, parece indicar que o profeta empregou o termo no sentido de fé. A palavra mais comum no Velho Testamento para “crer” é he’emin, forma hiphil de ‘amam. No qal significa “amamentar”, “cuidar de” ou “nutrir”, no niphal, “ser (ou estar) firme”, ou “estabelecido”, ou “constante”; e no hiphil, “considerar estabelecido”, “ter como verdadeiro”, ou “crer”. A palavra é usada em construções gramaticais com as preposições beth e lamedh. Com a primeira, evidentemente se refere a um confiante descanso numa pessoa ou coisa ou testemunho; com a segunda, significa o assentimento dado a um testemunho aceito como verdadeiro, – A segunda palavra em importância é batach, que se constrói com beth e quer dizer “confiar-se a”, “apoiar-se em”, “confiar”. Ela não da ênfase ao elemento intelectual do assentimento, mas, antes, ao da entrega confiante. Em distinção do he’emin, geralmente traduzida por pisteuo na septuaginta, essa palavra é geralmente traduzida por elpizo ou peithomai. O homem que confia em Deus é alguém que fixa nele toda a sua esperança quanto ao presente e ao futuro. – Há mais uma palavra, a saber, chasah, que é usada menos freqüentemente e significa “esconder-se” ou “fugir em busca de refúgio”. Também nesta é evidente que o elemento de confiança está em primeiro plano.
2. OS TERMOS DO NOVO TESTAMENTO E O SEU SIGNIFICADO. Duas palavras são empregadas em todo o Novo Testamento, a saber, pistis e o verbo cognato pisteuein. Nem sempre elas têm a mesma conotação.
a. Os diferentes sentidos de pistis. (1) No grego clássico. A palavra pistis tem dois sentidos no grego clássico. Ela indica: (a) uma convicção baseada na confiança numa pessoa e no seu testemunho, que, como tal, distingue-se do conhecimento apoiado numa investigação pessoal; e (b) a confiança propriamente dita, na qual essa convicção descansa. Esta é mais que uma simples convicção intelectual de que uma pessoa é fidedigna; pressupõe uma relação pessoal com o objeto da confiança, um sair de si mesmo para descansar noutrem. Os gregos não se utilizavam ordinariamente desta palavra neste sentido, para expressar a relação deles com os deuses, visto que os consideravam hostis aos homens e, portanto, mais como objetos de termo que de confiança. – (2) Na septuaginta. A transição do emprego da palavra pistis no grego clássico para o uso do Novo Testamento, no qual o sentido de “confiança” é da máxima importância, acha-se no uso que a septuaginta faz do verbo pisteuein, e não no do substantivo pistis, que ocorre nela apenas uma vez com um sentido um pouco parecido com o do Novo Testamento. O verbo pisteuein geralmente serve como tradução da palavra he’emin, e assim expressa a idéia de fé tanto no sentido de assentimento à Palavra de Deus, como de real confiança nele. – (3) No Novo Testamento. Há uns poucos exemplos em que a palavra tem sentido passivo, a saber, o de “fidelidade”, que é o seu significado usual no Velho Testamento, Rm 3.3; Gl 5.22, Tt 2.10. Geralmente é empregada com significação ativa. Devemos distinguir os seguintes sentidos especiais: (a) uma crença ou convicção intelectual, apoiada no testemunho de outrem, e, portanto, baseada na confiança nesta outra pessoa, e não numa investigação feita pessoalmente, Fp 1.27; 2 Co 4.13; 2 Ts 2.13, e especialmente, nos escritos de João; e (b) uma completa confiança em Deus, ou, mais particularmente, em Cristo, com vistas à redenção do pecado e à bem-aventurança futura. Assim se vê especialmente nas epístolas de Paulo, Rm 3.22, 25; 5.1, 2; 9.30, 32; Gl 2.16; Ef 2.8; 3.12, e muitas outras passagens. Deve-se distinguir esta confiança daquela na qual a confiança intelectual mencionada no item (a) acima repousa. A ordem dos estágios sucessivos da fé é como segue: (a) confiança geral em Deus e em Cristo; (b) aceitação do seu testemunho com base nessa confiança; e (c) submissão a Cristo e confiança nele para a salvação da alma. A última é especificamente denominada fé salvadora.
b. As diferentes construções gramaticais de pisteuein e seu significado. Temos as seguintes construções: (1) Pisteuein com o dativo. Geralmente significa assentir crendo. Se o objeto é uma pessoa, a construção é empregada ordinariamente num sentido um tanto denso, fértil, incluindo a idéia profundamente religiosa de uma confiança devotada. Quando o objeto é uma coisa, usualmente é a Palavra de Deus, e quando é uma pessoa, ou é Deus ou é Cristo, Jo 4.50; 5.47; At 16.34; Rm 4.3; 2 Tm 1.12. – (2) Pisteuein seguido de Hoti. Nesta construção, a conjunção geralmente serve para introduzir aquilo em que se crê. De modo geral, esta construção é mais fraca que a anterior. Das vinte passagens em que se encontra, catorze ocorrem nos escritos de João. Num par de casos, o objeto em que se crê dificilmente se eleva à esfera religiosa, Jo 9.18; At 9.26, enquanto que nalguns dos outros casos, é decididamente de significação soteriológica, Mt 9.28; Rm 10.9; 1 Ts 4.14. – (3) Pisteuein com preposição. Aqui o sentido mais profundo da palavra, o de firme e confiante entrega, alcança os seus plenos direitos. Consideremos as seguintes construções com preposições: (a) Construção com en. Esta é a construção mais freqüente na septuaginta, embora esteja pouco menos que ausente do Novo Testamento. O único caso de que se tem certeza é Mc 1.15, onde o objeto da fé é o Evangelho. Outros possíveis exemplos são Jo 3.15; Ef 1.13, onde o objeto seria Cristo. Ao que parece, a implicação desta construção gramatical é a de uma confiança firmemente posta em seu objeto.. (b) Construção com epi e o dativo. Acha-se somente na citação de Is 28.16, que aparece em três passagens, quais sejam, Rm 9.33; 10.11; 1 Pe 2.6, e em Lc 24.25; 1 Tm 1.16. Ela expressa a idéia de uma serenidade segura e repousante, uma confiante segurança em seu objeto. (c) Construção com epi e o acusativo. É usada sete vezes no Novo Testamento. Num par de casos o objeto é Deus, quando opera na salvação da alma em Cristo; em todos os demais é Cristo. Esta construção inclui a idéia de movimento moral, de um mover-se mental em direção ao objeto. A principal idéia é a de um voltar-se com segura confiança para Jesus Cristo. (d) Construção com eis. Esta é a construção mais característica do Novo Testamento. Ocorre quarenta e nove vezes. Cerca de catorze destes exemplos são joaninos, e o restante Paulino. Exceto num caso, o objeto da fé é sempre uma pessoa, raramente Deus, e muito comumente Cristo. Esta construção tem um sentido muito denso e fértil, expressando, como expressa, “uma absoluta transferência da confiança em nós para outro, uma completa rendição pessoal a Deus”. Cf. Jo 2.11; 3.16, 18, 36; 4.39; 14.1; Rm 10.14; Gl 2.16; Fp 1.29.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. 494)

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