segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Elementos da Justificação

Distinguimos dois elementos na justificação, um negativo e o outro positivo.
1. O ELEMENTO NEGATIVO. Há primeiramente um elemento negativo na justificação, qual seja, a remissão dos pecados com base na obra expiatória de Jesus Cristo. Este elemento se baseia mais particularmente, embora não exclusivamente, na obediência passiva do Salvador. Calvino e alguns dos teólogos reformados mais antigos falam ocasionalmente como se este elemento constituísse a justificação completa. Isto se deve, em parte, à descrição veterotestamentária, na qual este lado da justificação está decisivamente no primeiro plano, Sl 32.1; Is 43.25; 44.22; Jr 31.34, e em parte à sua reação contra Roma que não faz justiça ao elemento da graça e do perdão gratuito. Contudo, em reação ao arminianismo, a teologia reformada sempre sustentou que a justificação é mais que perdão. Tanto o Velho Testamento como o Novo dão prova de que o perdão dos pecados é um elemento importante da justificação, como se vê em passagens como Rm 4.5-8; 5.18, 19; Gl 2.17.
O perdão concedido na justificação aplica-se a todos os pecados, passados, presentes e futuros, e, desse modo, envolve a remoção de toda culpa e de toda penalidade. Isto decorre do fato de que a justificação não admite repetição, e de passagens como Rm 5.21; 8.1, 32-34; Hb 10.14; Sl 103.12; Is 44.22, que nos asseguram que ninguém pode lançar nada na conta do homem justificado, que isento da condenação, e que é constituído da vida eterna. Também está implícito na resposta à pergunta n.º 60 do Catecismo de Heidelberg. Esta concepção de justificação, embora eminentemente escriturística, não está livre de dificuldade. Os crentes continuam a pecar depois de justificados, Tg 3.2; 1 Jo 1.8, e, como os exemplos bíblicos mostram claramente, muitas vezes caem em pecados graves. Daí, não admira que Barth goste de acentuar o fato de que o homem justificado continua sendo um pecador, se bem que um pecador justificado. Cristo ensinou os Seus discípulos a orar diariamente pelo perdão dos pecados, Mt 6.12, e os santos da Bíblia estão freqüentemente suplicando e obtendo perdão, Sl 32.5; 51.1-4; 130.3, 4. Conseqüentemente, não é surpreendente que alguns se sintam constrangidos a falar de uma justificação repetida. Dos dados para os quais chamamos a atenção, a igreja de Roma infere que os crentes precisam, de algum modo, expiar os pecados cometidos depois do batismo, e, daí, crê também numa justificação crescente. Por outro lado, os antinomianos, desejando honrar a ilimitada graça perdoadora de Deus, afirmam que os pecados dos crentes não são atribuídos como tais ao novo homem, mas unicamente ao velho homem, e que lhes é completamente desnecessário orar pelo perdão dos pecados. Por temor desta posição, até alguns teólogos reformados sentiam escrúpulos quanto a ensinar que os futuros pecados dos crentes também são perdoados na justificação, e falavam de uma justificação repetida, e mesmo de uma justificação diária. Contudo, a posição usual da teologia reformada (calvinista) é que, na justificação, Deus deveras remove a culpa, mas não a culpabilidade do pecado, isto é, Ele remove a justa sujeição do pecador à punição, mas não a culpabilidade inerente de quaisquer pecados que ele continue praticando. Esta permanece e, portanto, produz sempre nos crentes um sentimento de culpa, de separação de Deus, de tristeza, de arrependimento, e assim por diante. Daí, eles sentem a necessidade de confessar os seus pecados, mesmo os pecados da sua mocidade, Sl 25.7; 51.5-9. O crente que está realmente cônscio do seu pecado, sente no íntimo uma compulsão que o impele a confessa-lo e a buscar a consoladora segurança do perdão. Alem disso, tal confissão e oração não é apenas uma necessidade sentida subjetivamente, mas também uma necessidade objetiva. A justificação e, essencialmente, uma declaração acerca do pecador no tribunal de Deus, mas não é meramente isso; é também um actus transiens (ato em transição) que penetra a consciência do crente. A sentença divina de absolvição é dada a conhecer ao pecador e desperta a jubilosa consciência do crente. A sentença divina de absolvição é dada a conhecer ao pecador e desperta a jubilosa consciência do perdão dos pecados e do favor de Deus. Ora, esta consciência do perdão e de um renovado relacionamento filial muitas vezes é perturbada e obscurecida pelo pecado, e de novo é despertada e fortalecida pela confissão e oração, e por um renovado exercício da fé.
2. O ELEMENTO POSITIVO. Há também um elemento positivo na justificação, o qual se baseia mais particularmente na obediência ativa de Cristo. Naturalmente, aqueles que, como Piscator e os arminianos, negam a imputação da obediência ativa de Cristo ao pecador, com isso negam também o elemento positivo da justificação. De acordo com eles, a justificação deixa o homem sem nenhum direito à vida eterna, coloca-o simplesmente na situação de Adão antes da Queda, embora, segundo os arminianos, debaixo de uma lei diferente, a lei da obediência evangélica, e deixa a cargo do homem fazer por merecer a aceitação da parte de Deus e a vida eterna, pela fé e obediência. Mas é evidente, na Escritura, que a justificação é mais que o perdão puro e simples. A Josué, o sumo sacerdote, que, como representante de Israel, estava perante o Senhor usando vestes sujas, disse Jeová: “Eis que tenho feito que passe de ti a tua iniqüidade (elemento negativo), e te vestirei de finos trajes” (elemento positivo), Zc 3.4. Segundo At 26.18, obtemos pela fé “remissão de pecados e herança entre os que são santificados”. Romanos 5.1, 2 nos ensina que a fé nos traz não somente paz com Deus, mas também acesso a Deus e alegria na esperança da glória. E segundo Gl 4.5, Cristo nasceu sob a lei também “a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Neste elemento positivo podemos distinguir duas partes:
a. A adoção de filhos. Os crentes são, antes de tudo, filhos de Deus por adoção. Isto implica, naturalmente, que eles não são filhos de Deus por natureza, como os “liberais” modernos gostariam de fazer-nos acreditar, pois ninguém iria adotar os seus próprios filhos. Esta adoção é um ato legal, pelo qual Deus coloca o pecador no estado de filho, mas não o transforma interiormente, como tampouco os pais mudam, pelo mero ato de adoção, a vida interior de um filho adotado. A mudança efetuada tem que ver com a relação em que o homem se acha com Deus. Em virtude da sua adoção, os crentes são, por assim dizer, iniciados na própria família de Deus, ficam sob a lei da obediência filial e, ao mesmo tempo, passam a ter direito a todos os privilégios da filiação. Devemos distinguir cuidadosamente a doação da filiação moral dos crentes, filiação resultante da regeneração e da santificação. Eles não são somente adotados por Deus para serem Seus filhos, mas também são nascidos de Deus. Naturalmente, as duas coisas não podem separar-se. São mencionadas juntas em Jo 1.12; Rm 8.15, 16; Gl 3.26, 27; 4.5, 6. Em Rm 8.15 é empregado o termo hyothesia (de hyios e tithenai), que significa “colocar ou posicionar como filho”, e no grego clássico é sempre empregado para denotar uma colocação objetiva na posição de filho. O versículo subseqüente contém a palavra tekna (de tikto, “gerar”), que qualifica os crentes como gerados por Deus. Em Jo 1.12 a idéia de adoção é expressa pelas palavras: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (exousian edoken) de serem feitos filhos de Deus”. A expressão aí empregada significa “dar direito legal”. Imediatamente após, no versículo 13, o escritor fala da filiação ética, devida à regeneração. A conexão entre ambas é exposta claramente em Gl 4.5, 6...”a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos (por adoção), enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. O Espírito de Cristo nos regenera e nos santifica e nos move a dirigir-nos a Deus cheios de confiança, vendo-o como o Pai que é.
b. O direito à vida eterna. Este elemento está virtualmente incluído no anterior. Quando os pecadores são adotados para serem filhos de Deus, são revestidos de todos os direitos filiais legais e se tornam herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, Rm 8.17. Isto significa, antes de tudo, que eles se tornam herdeiros de todas as bênçãos da salvação na presente vida, sendo que a mais fundamental delas é descrita com as palavras, “o Espírito prometido”, isto é, a bênção é oferecida na forma do Espírito, Gl 3.14; e, numa frase um pouco diferente, “o Espírito de seu Filho”, Gl 4.6. E no Espírito e com Ele, recebem todos os dons de Cristo. Mas isto não é tudo; sua herança inclui também as bênçãos eternas da vida futura. A glória de que Paulo fala em Rm 8.17 vem em seguida aos sofrimentos do tempo presente. De acordo com Rm 8.23, a redenção do corpo, que ali é chamada “adoção”, também pertence à herança futura. E na ordo salutis de Rm 8.29, 30, a glorificação está ligada imediatamente à justificação. Sendo justificados pela fé, os crentes são herdeiros da vida eterna.
E. Esfera em Que Ocorre a Justificação.
A questão quanto à esfera em que ocorre em que ocorre a justificação deve ser respondida com discriminação. É costume distinguir entre uma justificação ativa e uma passiva, também denominadas objetiva e subjetiva, cada qual com a sua própria esfera.
1. JUSTIFICAÇÃO ATIVA OU OBJETIVA. Esta é a justificação no sentido mais fundamental da palavra. É básica em relação ao que se chama justificação subjetiva, e consiste numa declaração que Deus faz a respeito do pecador, declaração feita no tribunal de Deus. Não se trata de uma declaração de que Deus simplesmente absolve o pecador, sem levar em conta as reivindicações da justiça, mas, sim, de uma declaração divina de que, no caso do pecador em foco, as exigências da lei são satisfeitas. O pecador é declarado justo em vista do fato de que a justiça de Cristo lhe é imputada. Nesta transação Deus comparece, não como um Soberano absoluto que simplesmente põe de lado a lei, mas como um Juiz justo, que reconhece os méritos infinitos de Cristo como uma base suficiente para a justificação, e como um Pai misericordioso, que perdoa e aceita graciosamente o pecador. Esta justificação ativa antecede logicamente à fé e a justificação passiva. Cremos no perdão dos pecados.
2. JUSTIFICAÇÃO PASSIVA OU SUBJETIVA. A justificação passiva ou subjetiva tem lugar no coração ou na consciência do pecador. Uma justificação puramente objetiva, que não fosse dada a conhecer ao pecador, não corresponderia ao propósito colimado. A concessão de perdão a um prisioneiro não significaria nada, se as alegres novas não lhe fossem comunicadas e as portas da prisão não fossem abertas. Ale´m disso, é exatamente neste ponto, melhor do que noutro qualquer, que o pecador aprende a entender que a salvação é inteiramente de graça. Quando a Bíblia fala de justificação, normalmente se refere àquilo que é conhecido como justificação passiva. Deve-se ter em mente, porem, que as duas são inseparáveis. Uma se baseia na outra. Faz-se a distinção simplesmente para facilitar a correta compreensão do ato de justificação. Logicamente, a justificação passiva vem em seguida à fé; somos justificados pela fé.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 517)

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