quinta-feira, 17 de julho de 2014

Racionalidade

Não vos escrevi porque não saibais a
verdade; antes, porque a sabeis, e porque
mentira alguma jamais procede da verdade.
(Jo 2.21)
Uma segunda palavra-chave que ajuda a definir uma
cosmovisão autenticamente cristã é a racionalidade. Nós
acreditamos que a revelação objetiva das Escrituras é
racional. A Bíblia faz sentido perfeitamente. Ela não contém
contradições, nem erros nem princípios mal fundamentados.
Qualquer coisa que contradiga as Escrituras é falso.
Esse tipo de racionalidade é oposto a todo o conteúdo do
pensamento pós-moderno As pessoas da atualidade são
ensinadas a glorificar a contradição, a abraçar o que é
absurdo, a preferir o que é subjetivo e a permitir que os
sentimentos (em vez do intelecto) determinem o que eles
crêem. Elas são ensinadas a não rejeitar idéias apenas
porque contradizem o que nós aceitamos ser verdadeiro. E
elas são até mesmo encorajadas a abraçar conceitos
contraditórios e mostrar-lhes o mesmo respeito como se
fossem verdadeiros. Tal irracionalidade não é nada menos do
que rejeitar o conceito da verdade.
Como cristãos nós sabemos que Deus não pode mentir
(Tt 12). Ele não "pode negar-se a si mesmo" (2Tm 2.13); e,
portanto, ele não se contradiz. Ele não é Deus de confusão
(1Co 14.33). Sua verdade é perfeitamente coerente.
Isso significa primeiro de tudo, que a Palavra de Deus é
um registro preciso e incontestável da verdade. A Bíblia não é
cheia de absurdos, contradições ou fantasias. Ela é
perfeitamente consistente com tudo o que é verdadeiro. Os
fatos colocados pelas Escrituras são fidedignos.
Os eventos históricos descritos na Bíblia são história
verdadeira, não alegorias míticas ou exóticas. A doutrina
ensinada nela é sem erro. Os detalhes das Escrituras são
preciosos, desde o dia da Criação até o dia final da
consumação, da volta de Cristo. As Escrituras em si são
completamente livres de todos os erros e deficiências.
" ... é mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til
sequer da Lei" (Lc 16.17). É desse modo que Cristo via as
Escrituras, e qualquer pessoa que adote um ponto de vista
diferente não será, nesse aspecto, um seguidor genuíno de
Cristo.
Mas existe uma segunda, igualmente importante,
implicação de nossa confiança na veracidade absoluta de
Deus: Visto que sua Palavra é verdade objetiva e
perfeitamente fidedigna em tudo que ensina, as Escrituras
deveriam ser tanto o ponto de partida como o de chegada do
teste da verdade em todo nosso pensamento. Se as
Escrituras são totalmente verdadeiras, então qualquer coisa
que as contradiga é simplesmente falsa, mesmo se estivermos
falando de crenças fundamentais sobre as quais as ideologias
mais populares do mundo são baseadas.
Esse tipo de racionalidade em branco e preto é uma das
principais razões do Cristianismo bíblico ser intolerável
numa geração que despreza a simples idéia de verdade
absoluta.
A fim de que ninguém entenda mal, nós não estamos
defendendo o racionalismo — a noção de que a razão humana
sozinha, independente de qualquer revelação sobrenatural,
possa descobrir a verdade. Um racionalista imagina que a
razão humana é tanto a fonte como o teste final de toda
verdade. O fato é que o racionalismo exalta a razão humana
acima das Escrituras.
Como cristãos nós nos opomos ao racionalismo, mas o
Cristianismo não de modo algum hostil a racionalidade. Nós
cremos que a verdade é lógica; é coerente; é inteligível. Não
apenas a verdade pode ser conhecida racionalmente; ela não
pode ser conhecida de modo algum se nós abandonarmos a
racionalidade.
Irracionalidade é uma agressão às Escrituras e aos
intentos de Deus. Quando Deus deu a Bíblia, era para que
ela fosse entendida, mas ela só pode ser entendida por
aqueles que aplicam sua mente a ela racionalmente.
Contrário ao que muitos podem pensar o significado das
Escrituras não é algo que nos vem através de meios místicos.
Não é segredo espiritual que tem de ser descoberto por algum
método enigmático ou arbitrário. Seu significado verdadeiro
pode ser entendido apenas por aqueles que a abordam
racionalmente e sensivelmente.
Neemias 8 descreve o re-avivamento que se passou
naquele tempo, motivado pela leitura pública das Escrituras.
Neemias descreve a cena:
Em chegando o sétimo mês, e estando os
filhos de Israel nas suas cidades, todo o
povo se ajuntou como um só homem, na
praça, diante da Porta das Águas; e
disseram a Esdras, o escriba, que trouxesse
o livro da lei de Moisés, que o SENHOR
tinha prescrito a Israel. Esdras, o sacerdote,
trouxe a lei perante a congregação, tanto de
homens como de mulheres e de todos os
que eram capazes de entender o que
ouviam. Era o primeiro dia do sétimo mês. E
leu no livro, diante da praça, que está
fronteira à Porta das Águas, desde a alva até
ao meio-dia, perante homens e mulheres e
os que podiam entender; e todo o povo tinha
os ouvidos atentos ao livro da lei (Ne 8.1-3).
Observe-se a ênfase na atenção do povo.
A leitura era em beneficio" ... de todos os que eram
capazes de entender o que ouviam ... os que podiam
entender." O versículo 8 descreve como Esdras e os escribas
fizeram a leitura: "Leram no livro, na lei de Deus, claramente,
dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia"
(Ne 8.8).
A leitura não foi um exercício ritualista, como um canto
ou a entoação cerimonial de alguma liturgia. Era dirigido às
faculdades cognitivas das pessoas — suas mentes racionais.
O poder da Palavra de Deus reside em seu significado,
não meramente no som das palavras. Não era um
encantamento mágico em que seu poder pode ser liberado
meramente recitando sílabas, mas o poder inerente nas
Escrituras é o poder da verdade. Eu gosto de dizer que o
significado das Escrituras é as Escrituras. Se você não
interpretar a passagem corretamente, então você não tem a
Palavra de Deus, porque apenas o significado verdadeiro é a
Palavra de Deus.
Não é como se nós pudéssemos fazer as palavras
significarem qualquer coisa que queiramos que elas
signifiquem, de forma que, seja qual for a conotação que
impusermos às palavras, elas se tornam a Palavra de Deus.
Somente a interpretação verdadeira do texto é a autêntica
Palavra de Deus e qualquer outra interpretação
simplesmente não é o que Deus está dizendo.
Lembre-se, a Palavra de Deus é a verdade objetiva
revelada e, portanto, tem um significado racional. Esse
significado, e esse significado apenas, é a verdade. Entendêla
corretamente é de suprema importância.
Por essa razão é que é tão importante interpretarmos as
Escrituras cuidadosamente a fim de entendê-la corretamente.
É um processo racional, não um processo místico ou
estranho.
É um processo espiritual? Certamente. Eu nunca início
meu estudo da Palavra de Deus sem orar: "Senhor, abre meu
entendimento para ver a verdade." Mas eu não fico sentado
esperando que alguma coisa caia do céu; eu abro meus livros
e busco o entendimento racional do texto.
Isso começa com a compreensão de que as Escrituras
são internamente coerentes. Portanto, enquanto nós
comparamos as Escrituras com as Escrituras, as partes mais
claras explicam as partes mais difíceis. Quanto mais
estudamos mais luz é lançada no nosso entendimento. É
trabalho mental duro, mas é também trabalho espiritual da
mesma forma.
De fato, nós somos totalmente dependentes do Espírito
Santo para nos ensinar a verdade, porque " ... o homem
natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente" (1Co 2.14).
Mas a maneira como o Espírito Santo nos dá
entendimento é através de nossas mentes — empregando
nossas faculdades racionais (v. 16; Ef 1.18; 4.23; 2Tm 1.7).
A teologia neo-ortodoxa, que encontrou destaque na
primeira metade do século 20, causou tremenda confusão
sobre a racionalidade da verdade. Os teólogos neo-ortodoxos
insistiam que o Cristianismo é um sistema de crença
irracional — uma religião de "paradoxo". O que eles estavam
realmente dizendo é que o Cristianismo é cheio de
contradições. Paradoxo é uma designação errônea no sentido
em que eles o usavam. “Um verdadeiro paradoxo é um jogo
de palavras, tal como "Porém, muitos primeiros serão
últimos; e os últimos, primeiros" (Mt 19.30), e ''Não é assim
entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre
vós, será esse o que vos sirva" (Mt 20.26).
Mas quando os neo-ortodoxos usam o termo paradoxo
eles estão falando de uma contradição real. Eles consideram
toda verdade como irracional, contraditória e absurda à
mente lógica. No sistema deles, fé implica no abandono da lógica.
É um pulo cego no abismo do irracionalismo. Eles
emprestaram seu irracionalismo da filosofia existencial e
fizeram dele uma marca registrada de sua teologia.
Ao fazer isto, eles lançaram fundamentos para uma
versão pós-moderna do Cristianismo.1 Mas esse não é o
Cristianismo verdadeiro porque ele abandonou a
racionalidade, que é essencial à verdade propriamente dita.
O problema com tal irracionalismo é que ele anula a lei
da não-contradição, o fundamento essencial de todo
pensamento racional. Se duas proposições contraditórias
pudessem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo, então
uma idéia que se opõe à verdade não poderia necessariamente
ser considerada errada. A antítese de uma afirmação
verdadeira não poderia automaticamente ser julgada falsa.
Este é o mesmo tipo de pensamento que reside no coração da
tolerância pós-modernista. Não é uma visão cristã da
verdade. É irracionalismo.
O apóstolo Paulo escreveu, "Se alguém ensina outra
doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é
enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e
contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação,
difamações, suspeitas malignas" (1 Tm 6.3,4). A afirmação de
Paulo assume que a verdade é racional e seja o que for que
contradiga a verdade está errado. Este é o entendimento
cristão correto da verdade bíblica.
É a antítese do pensamento pós-modernista.
Existem algumas partes difíceis de entender na doutrina
cristã. Por exemplo, nós acreditamos que Deus é soberano
sobre a vontade humana "Como ribeiros de águas assim é o
coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu
querer, o inclina" (Pv 21.1). Não obstante, cremos que a
pessoa escolhe livremente de acordo com seus desejos de
modo que cada um é moralmente responsável por suas ações
"Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a
Deus" (Rm 14.12). Muitos acham essas verdades difíceis de
reconciliar; contudo não existe de fato nenhuma contradição
entre elas. A soberania de Deus não se encontra em conflito
com a responsabilidade humana. Os dois princípios
trabalham em perfeita harmonia, mesmo embora não seja
imediatamente óbvio para nós o como eles funcionam. Nós
também acreditamos na Trindade — que Deus é um em
essência, mas subsiste em três pessoas. Alguns tentam
caracterizar esta doutrina como contraditória, mas ela não é.
Nós não cremos que Deus é três no mesmo sentido em
que ele é um. Tais verdades não são contraditórias; elas não
são nem ao menos paradoxos no sentido em que os neoortodoxos
usam os termos. Elas são verdades difíceis que, no
máximo, requerem que exercitemos cuidado extra na
aplicação da lógica com rigor, mas nós não devemos pensar
que são irracionais. Elas não são.
Irracionalidade é equivalente à negação da verdade.
Precisamente porque acreditamos que a Bíblia é
objetivamente verdadeira, nós insistimos que ela deve ser
compreendida e interpretada racionalmente.
(Princípios para uma cosmovisão bíblica – John MacArthur. Pg. 23)

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