segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Providências Extraordinárias ou Milagres

1. NATUREZA DOS MILAGRES. Usualmente se faz distinção entre providentia ordinária e providentia extraordinária. Na primeira, Deus age por meio de causas secundárias em estrito acordo com as leis da natureza, embora possam variar os resultados, com diferentes combinações. Mas na última Ele age imediatamente ou sem a mediação de causa secundárias, em sua operação ordinária. Diz Mcpherson: “Milagres é uma coisa feita sem se recorrer aos meios ordinários de produção, um resultado produzido diretamente pela Causa Primeira, sem a mediação, pelo menos do modo habitual, das causas secundárias”. A coisa distintamente característica do feito miraculoso é que ele resulta do exercício do poder sobrenatural de Deus. E, naturalmente, isto significa que o referido feito não é ocasionado por causas secundárias que operam segundo as leis da natureza. Se fosse, não seria sobrenatural (acima da natureza), isto é, não seria milagre. Se Deus, na realização de um milagre, algumas vezes utilizou forças que estavam presentes na natureza, utilizou-as de maneira inteiramente distantes do ordinário, para produzir resultados não esperados pelo homem, e foi justamente isso que constitui o milagre. Todo milagre está acima da ordem estabelecida da natureza, mas podemos distinguir diferentes classes, conquanto não graus, de milagres. Há milagres que estão absolutamente acima da natureza, de modo que não estão ligados, de modo algum, a quaisquer meios. Mas também há milagres que são contra media, nos quais os meios são empregados, mas de modo tal, que o resultado é uma coisa completamente diversa do resultado habitual daqueles meios.
2. POSSIBILIDADE DE MILAGRES. Há objeções aos milagres, principalmente com base em que eles implicam uma violação das leis da natureza. Alguns procuram fugir à dificuldade presumindo, com Agostinho, que eles são simples exceções da natureza, como a conhecemos, implicando que, se tivéssemos um conhecimento mais completo da natureza, poderíamos explica-los de maneira perfeitamente natural. Mas esta posição é insustentável, desde que pressupõe duas ordens da natureza, mutuamente contrárias. Conforme a primeira, o azeite de botija diminuiria, mas conforme a outra, não diminui; conforme a primeira, os pães foram consumidos gradativamente, mas conforme a outra, multiplicaram-se. É preciso supor, ademais, que um sistema é superior ao outro, pois, se não fosse, haveria tão somente uma colisão e nada resultaria; mas, se o fosse, o que parece é que a ordem inferior aos poucos seria dominada e desapareceria. Além disso, esse conceito priva o milagre do seu caráter excepcional, sendo que os milagres mostram-se como eventos excepcionais da Escritura.
Há sem dúvida, uma certa uniformidade na natureza; há leis que governam a operação das causas secundárias no mundo físico. Lembremo-nos, porém, de que elas representam meramente o método usual pelo qual Deus age na natureza. É Sua boa vontade agir de maneira ordenada e por intermédio de causas secundárias. Mas isto não significa que Ele não possa deixar de lado a ordem estabelecida, e não possa produzir um efeito extraordinário, que não resulte de causa naturais, por um ato único de volição, se o julgar desejável para o fim em vista. Quando Deus opera milagres, produz efeitos extraordinários de maneira extraordinária. Quer dizer que os milagres estão acima da natureza. Diríamos também que são contrários à natureza? Houve teólogos reformados (calvinistas) mais antigos que não hesitavam em falar deles como uma ruptura ou uma violação das leis da natureza. Às vezes diziam que, ocorrendo um milagre, a ordem da natureza era suspensa temporariamente, O dr. Bruin acha correta essa maneira dever, e o afirma em sua obra intitulada Het Christelijk Geloof em de Beoefening der Natuurwetenschap, e faz objeção às idéias de Woltjer, Dennert e Bavinck. Mas o acerto dessa terminologia mais antiga pode muito bem ser posta em dúvida. Quando se realiza um milagre, as leis da natureza não são violadas, mas são superadas num determinado ponto por uma superior manifestação da vontade de Deus. As forças da natureza não são anuladas ou suspensas, mas são apenas neutralizadas, num ponto particular, por um poder superior a elas.
3. PROPÓSITO DOS MILAGRES DA ESCRITURA. Pode-se presumir que os milagres da Escritura não foram realizados arbitrariamente, mas, sim, com um propósito definido. Não são meras maravilhas e exibições de poder, destinadas a provocar admiração, mas têm significação revelacional. A entrada do pecado no mundo torna necessária a intervenção sobrenatural de Deus no curso dos eventos, para a destruição do pecado e para a renovação da criação. Foi mediante milagre que Deus nos deu a Sua revelação especial e verbal na escritura, bem como a Sua revelação suprema e fatual em Jesus Cristo. Os milagres estão relacionados com a economia da redenção, uma redenção que com freqüência eles prefiguram e simbolizam. Não visam a uma violação, mas, antes, a uma restauração da obra criadora de Deus. Daí, vemos ciclos de milagres ligados a períodos especiais da história da redenção, e especialmente durante a época do ministério público de Cristo e da fundação da igreja. Estes milagres ainda não resultaram na restauração do universo físico. Mas, no fim dos tempos, haverá outra série de milagres, que redundarão na renovação da natureza, para a glória de Deus – o estabelecimento final do reino de Deus em novo céu e nova terra.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. A doutrina da providência é um articulus purus ou um articulus mixtus? 2. qual foi o primeiro “pai da igreja” a desenvolver esta doutrina? 3. Como diferem Lutero e Calvino, em sua concepção da providência divina? 4. O que explica o fato de que os arminianos aceitam a posição dos socinianos sobre este ponto? 5. Como devemos julgar a asserção de alguns teólogos reformados (calvinistas) de que Deus é a causa única a atuar no mundo? 6. Que são as causas secundárias, e por que é importante sustentar que são causa reais? 7. A doutrina do concurso divino é antagônica à livre ação do homem? 8. Qual a concepção agostiniana dos milagres? 9. Por que é importante afirmar a realidade do miraculoso? 10. Os milagres admitem uma explicação natural? 11. Implicam eles uma suspensão das leis da natureza? 12. Qual a significação especial dos milagres da Bíblia? 13. Poderiam acontecer milagres hoje? 14. Acontecem de fato? 15. que quer dizer dos milagres da Igreja Católica Romana?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. II, p.635-670; Kuyper, Dict. Dogm., De Providentia, p.3-246; Vos, Geref. Dogm. I, De Voorzienigheid; Hodge, Syst. Theol. I, p. 575-636; Shedd, Dogm. Theol. I, p. 527-545; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p.276-291; McPherson, Chr. Dogm., p. 174-184; Drummond. Studies in Chr. Doct., p. 187-202; Pope, Chr. Theol. I, p. 437-456; Raymond, Syst. Theol. I, p. 497-527; Valentine, Chr. Theol., p. 363-382; Pieper, Christl. Dogm. I, p. 587-600; Schmidt. Doct. Theol. Of the Ev. Luth. Church, p. 179-201; Dijk, De Voorzienigheid Gods; Mozley, On Miracles; Thomson, The Christian Miracles and the Conclusions of Science; Mead, Supernatural Revelation; Harris, God, Creator and Lord of All, I, p. 519-579; Bruin, Het Christelijke Geloof en de Beoefening der Natuurwetensschap, p. 108-138.
(Teologia Sistemática - Louis Berkhof)

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