segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A DOUTRINA DA IGREJA ANTES DA REFORMA

a. No período patrístico. Pelos chamados pais apostólicos e pelos apologetas a igreja é geralmente apresentada como a communio sanctorum, o povo de Deus que Ele escolheu por possessão. Não se viu logo a necessidade de fazer distinções. Mas já na segunda parte do século houve uma mudança perceptível. O surgimento de heresias tornou imperativa a enumeração de algumas características pelas quais se conhecesse a verdadeira igreja católica. Isso teve a tendência de fixar a atenção na manifestação externa da igreja. Começou-se a conceber a igreja como uma instituição externa, governada por um bispo como sucessor direto dos apóstolos e possuidor da tradição verdadeira. A catolicidade da igreja recebeu forte ênfase. As igrejas locais não eram consideradas como unidades separadas, mas simplesmente como partes componentes da igreja universal uma e única. O mundanismo e a corrupção crescentes na igreja foram levando aos poucos a uma reação e deram surgimento à tendência em várias seitas, como o montanismo em meados do segundo século, o novacianismo nos meados do terceiro e o donatismo no início do quarto, de fazer da santidade dos seus membros a marca da igreja verdadeira. Os pais primitivos da igreja assim chamados, ao combaterem esses sectários, davam ênfase cada vez maior à instituição episcopal da igreja. Cabe a Cipriano a distinção de ser o primeiro a desenvolver plenamente a doutrina da igreja em sua estrutura episcopal. Ele considerava os bispos como reais sucessores dos apóstolos e lhes atribuía caráter sacerdotal em virtude da sua obra sacrificial. Juntos os bispos formavam um colégio, chamado episcopado, que, como tal, constituía a unidade da igreja. Assim, a unidade da igreja baseada na unidade dos bispos. Os que não se sujeitavam os bispo perdiam o direito à comunhão da igreja e também a salvação, desde que não há salvação fora da igreja. Agostinho não foi totalmente coerente em sua concepção da igreja. Foi sua luta com os donatistas que o compeliu a refletir mais profundamente sobre a natureza da igreja. De um lado, ele se mostra o predestinacionista que concebe a igreja como a companhia dos eleitos, a communio sanctorum, que têm o Espírito de Deus, e, portanto, são caracterizados pelo amor verdadeiro. O importante é ser membro vivo da igreja assim concebida, e não apenas pertencer a ela num sentido meramente externo. Mas de outro lado, ele é o homem de igreja, que adere à idéia da igreja defendida por Cipriano, ao menos em seus aspectos gerais. A igreja verdadeira é a igreja católica, na qual a autoridade apostólica tem continuidade mediante a sucessão episcopal. É depositária da graça divina, que ela distribui por meio dos sacramentos. Esta igreja é, de fato, um corpo misto, no qual têm lugar membros bons e maus. Em seu debate com os donatistas, porém, Agostinho admitia que aqueles e estes não estavam na igreja no mesmo sentido. Ele preparou também o caminho para a identificação católica romana da igreja com o reino de Deus.
b. Na Idade Média. Os escolásticos não tinham muito que dizer acerca da igreja. O sistema de doutrina desenvolvido por Cipriano e Agostinho estava completo, e precisava apenas de uns pequenos retoques de acabamento para chegar ao seu desenvolvimento final. Diz Otten (historiador católico romano): “Este sistema foi recebido pelos escolásticos da Idade Média e depois foi passado por eles, praticamente nas mesmas condições em que o tinham recebido, aos seus sucessores de após o Concílio de Trento”. Incidentalmente, uns poucos pontos mais foram desenvolvidos de algum modo. Mas, se houve pequeno desenvolvimento da doutrina da igreja propriamente dita,a igreja mesma realmente se desenvolveu mais e mais, rumo a uma hierarquia hermética e compactamente organizada e absoluta. As sementes deste desenvolvimento já estavam na idéia da igreja apregoada por Cipriano e num aspecto da igreja como descrita por Agostinho. A outra idéia,e mais fundamental, daquele grande “pai da igreja”, a da igreja como communio sanctorum, em geral foi desconsiderada e, assim, ficou adormecida. Isto não quer dizer que os escolásticos negavam completamente o elemento espiritual, mas simplesmente que não lhe davam a devida proeminência. A ênfase era mui definidamente à igreja como uma organização ou instituição externa. Hugo de S. Victor fala da igreja e do estado como os dois poderes instituídos por Deus para governarem o povo. Ambos são de constituição monárquica, mas a igreja é o poder superior, porque ministra a salvação dos homens, ao passo que o Estado só providencia o seu bem-estar temporal. O rei ou imperador é o chefe do estado, mas o papa é o chefe da igreja. Há duas classes de pessoas na igreja, com direitos e deveres bem definidos; os clérigos, dedicados ao serviço de Deus, que constituem uma unidade; e os leigos, que consistem as pessoas de todas as esferas da vida e que constituem uma classe totalmente separada. Passo a passo a doutrina do pecado foi-se desenvolvendo, até que, por fim, o papa se tornou virtualmente um monarca absoluto. O crescimento desta doutrina foi auxiliado, em não pequena medida, pelo desenvolvimento da idéia de que a igreja católica era o reino de Deus na terra, e, portanto, o bispado romano era um reino terreno. Esta identificação da igreja visível e organizada com o reino de Deus teve conseqüência de longo alcance: (1) Exigia que tudo fosse colocado debaixo do poder da igreja: o lar e a escola, as ciências e as artes, o comércio e a indústria, e tudo mais. (2) Envolvia a idéia de que todas as bênçãos da salvação chegam ao homem unicamente por meio das ordenanças da igreja, em particular, mediante sacramentos. (3) Levou à gradual secularização da igreja, visto que esta começou a dar mais atenção à política do que à salvação dos pecadores e, finalmente, os papas reivindicaram domínio sobre os governantes seculares também.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 559)

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