quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O Caráter Imperfeito da Santificação Nesta Vida

1. IMPERFEITA EM GRAU. Quando dizemos que a santificação é imperfeita nesta vida, não queremos dizer que é imperfeita em partes, como se somente uma parte do homem santo, que se origina na regeneração, fosse afetada. É a totalidade do novo homem, mas ainda não desenvolvida, que deve crescer rumo à plena estatura. Uma criança recém-nascida é, salvo exceções, perfeita em suas partes, mas não está no grau de desenvolvimento ao qual foi destinada. Justamente assim, o novo homem é perfeito em suas partes, mas, na presente vida, continua imperfeito no grau de desenvolvimento espiritual. Os crentes terão que combater o pecado enquanto viverem, 1 rs 8.46; Pv 20.9; Ec 7.20; Tg 3.2; 1 jo 1.8.
2. NEGAÇÃO DESTA IMPERFEIÇÃO PELOS PERFECCIONISTAS.
a. A doutrina do perfeccionismo. Falando em termos gerais, esta doutrina pretende que se pode alcançar a perfeição religiosa na presente existência. É ensinada em várias formas pelos pelagianos, católicos romanos ou semipelagianos, arminianos, wesleyanos, seitas místicas como as labadistas, dos quietistas, dos quacres e outras, por alguns dos teólogos de Oberlin, como Mahan e Finney, e por Ritschl. Todos eles concordam em sustentar que é possível aos crentes, nesta vida, atingir um estado em que cumprem as exigências da lei, sob a qual agora vivem, ou sob essa lei nos termos em que foi ajustada à sua capacidade e às suas necessidades atuais, e, conseqüentemente, libertar-se do pecado. Eles diferem, porém: (1) Em sua idéia do pecado, sendo que os pelagianos, em distinção de todos os demais, negam a corrupção inerente do homem. Contudo, todos concordam na exteriorização do pecado. (2) Em sua concepção da lei, que os crentes não estão obrigados a cumprir, sendo que os arminianos, incluindo-se os wesleyanos, diferem de todos os outros na afirmação de que esta não é a lei moral original, mas as exigências do Evangelho ou a nova lei da fé e da obediência evangélica. Os católicos romanos e os teólogos de Oberlin afirmam que se trata da lei original, mas admitem que as exigências desta lei são ajustadas aos poderes deteriorados do homem e à sua capacidade atual. E Ritschl descarta toda a idéia de que o homem está sujeito a uma lei imposta externamente. Ele defende a autonomia da conduta moral, e afirma que não estamos debaixo de nenhuma lei, senão a que evolui da nossa própria disposição moral no transcurso das atividades exercidas para o cumprimento da nossa vocação. (3) Em sua idéia da dependência em que o pecador está da graça renovadora de Deus para ter capacidade para cumprir a lei. Todos, exceto os pelagianos, admitem que, nalgum sentido, ele depende da graça divina para alcançar a perfeição.
É muito significativo que todas as principais teorias perfeccionistas (com a única exceção da pelagiana, que nega a corrupção inerente do homem) julgam necessário abaixar o padrão de perfeição e não responsabilizam o homem por muita coisa que indubitavelmente é exigida pela lei moral original. E é igualmente significativo que eles sentem a necessidade de exteriorizar a idéia de pecado, quando alegam que somente o mau procedimento consciente pode ser considerado pecaminoso, e se recusam a reconhecer como pecado grande parte daquilo que é exposto como tal na Escritura.
b. Provas bíblicas aduzidas em prol da doutrina do perfeccionismo [e as respectivas réplicas].
(1) A Bíblia ordena que os crentes sejam santos, e até perfeitos, 1 Pe 1.16; Mt 5.48; Tg 1.4, e os insta a seguirem o exemplo de Cristo, que não cometeu pecado, 1 Pe 2.21, 22. Tais ordens seriam irrazoáveis, se não fosse possível alcançar a perfeição impecável. Mas o mandado escriturístico para sermos santos e perfeitos vale tanto para os regenerados como para os não regenerados, desde que a lei de Deus exige santidade desde o princípio, e nunca foi revogada. Se o mandamento implica que aqueles a quem ele chega podem cumprir a exigência, isso terá que valer para todos os homens. Todavia, somente os que ensinam o perfeccionismo no sentido pelagiano podem ter essa opinião. A medida da nossa capacidade não pode ser inferida dos mandamentos bíblicos.
(2) Muitas vezes a santidade e a perfeição são atribuídas aos crentes, na Escritura, Ct 4.7; 1 co 2.6; 2 Co 5.17; Ef 5.27; Hb 5.14; Fp 4.13; Cl 2.10. – Contudo, quanto a Bíblia descreve os crentes como santos e perfeitos, não significa necessariamente estão isentos de pecado, visto que ambas as palavras muitas vezes são empregadas com sentido diferente, não só no linguajar comum, mas também na Bíblia. A pessoas separadas para o serviço especial de Deus a Bíblia chama santas, independentemente da sua condição e vida moral. Os crentes podem ser chamados santos, porque são objetivamente santos em Cristo, ou porque são, em princípio, subjetivamente santificadas pelo Espírito de Deus. Em suas epístolas, Paulo invariavelmente se dirige aos seus leitores como a santos, isto é, chama-lhe “os santos”, e em seguida, em vários casos, põe-se a chamá-los a contas pelos pecados deles. E quando os crentes são descritos como perfeitos, nalguns casos significa meramente que alcançaram pleno desenvolvimento, 1 Co 2.6; Hb 5.14; e, noutros casos, que se acham plenamente equipados para a sua tarefa, 2 Tm 3.17. Isso tudo certamente não dá apoio à teoria da perfeição imune de pecado.
(3) Há, segundo se diz, exemplos de santos que levaram vida perfeita, como Noé, Jó e Asa, Gn 6.9; Jó 1.1; 1 Rs 15.14. Mas seguramente, exemplos que tais não provam o ponto, pela simples razão de que eles não são exemplos de perfeição sem pecado. Mesmo os santos mais notáveis da Bíblia são retratados como homens que tiveram seus deslizes e pecaram, nalguns casos, gravemente. Isto vale para Noé, Moisés, Jó, Abraão e todos os demais. É certo que isto não prova que as sua vidas continuaram sendo pecaminosas enquanto viveram na terra, mas é notável o fato de que não nos é apresentado um único personagem sem pecado. A interrogação de Salomão ainda é pertinente: “Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?” – Pv 20.9. Ademais, diz João: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”, 1 Jo 1.8.*
(4) O apóstolo declara explicitamente que os nascidos de Deus não pecam, 1 Jo 3.6, 8, 9; 5.18. – Mas quando João declara que os nascidos de Deus não pecam, está pondo em contraste dois estados, representados pelo velho homem e pelo novo, quanto à sua natureza e princípio essencial. Uma das características essenciais do novo homem é que ele não peca. Tendo em vista que João emprega invariavelmente o presente para expressar a idéia de que aquele que nasceu de Deus não peca, é possível que ele deseje expressar a idéia de que o filho de Deus não vive pecando, habitualmente, como o diabo faz, 1 Jo 3.8. ** Por certo que ele não pretende asseverar que o crente jamais pratica um ato pecaminoso, cf. 1 Jo 1.8-10. Ademais, o perfeccionista não pode fazer bom uso destas passagens para provar o ponto que defende, visto que provariam demais, para o seu propósito. Ele não corre o risco de dizer que todos os crentes são de fato isentos de pecado, mas somente afirma que eles podem chegar a um estado de perfeição imune de pecado. Contudo, as passagens joaninas provariam, na interpretação perfeccionista, que todos os crentes são imunes de pecado. E, mais que isso, provariam também que os crentes jamais caem do estado de graça (pois isto é pecar); e, todavia, são justamente os perfeccionistas que acreditam que até o cristão perfeito pode cair.
c. Objeções à teoria do perfeccionismo.
(1) À luz da Escritura, a doutrina do perfeccionismo é absolutamente insustentável. A Bíblia nos dá a explícita e mui definida segurança de que não existe ninguém na terra que não peque, 1 Rs 8.46; Pv 20.9; Ec 7.20; Tg 3.2; 1 Jo 1.8. Em vista destas claras afirmações da Escritura, é difícil enxergar como alguém que se diz crente na Bíblia como sendo a infalível Palavra de Deus, pode afirmar que aos crentes é possível ter vida sem pecado, e que alguns conseguem realmente evitar todo pecado.
(2) Segundo a Escritura, há uma guerra constante entre a carne e o Espírito nas vidas dos filhos de Deus, e mesmo os melhores deles ainda estão lutando por perfeição, em sua existência terrena. Paulo nos dá uma extraordinária descrição desta luta em Rm 7.7-26, passagem que certamente se refere a ele em seu estado regenerado. Em Gl 5.16-24 ele fala dessa mesma luta como sendo uma luta que caracteriza todos os filhos de Deus. E em Fp 3.10-14 ele fala de si próprio, praticamente no final de sua carreira, como alguém que ainda não alcançara a perfeição, prosseguindo avante para a meta.
(3) Exigem-se continuamente a confissão de pecados e a oração pelo perdão. Jesus ensinou todos os Seus discípulos, sem exceção nenhuma, a orar pelo perdão de pecados e pela libertação da tentação do maligno, Mt 6.12, 13. E João diz: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”, 1 Jo 1.9. Além disso, os santos da Bíblia são constantemente descritos confessando os seus pecados, Jó 9.3, 20; Sl 32.5; 130.3; 143.2; Pv 20.9; Is 64.6; Dn 9.16; Rm 7.14.
(4) Os próprios perfeccionistas julgam necessário rebaixar o padrão da lei e exteriorizar a idéia de pecado, a fim de manterem a sua teoria. Ademais, alguns deles têm modificado repetidamente o ideal a que, em sua opinião, os crentes podem chegar. A princípio, o ideal era “estar livre de todo o pecado”; depois, “estar livre de todo o pecado consciente”; em seguida, “inteira consagração a Deus; e, finalmente, “segurança cristã”. Isto, já por si, é suficiente condenação da sua teoria. Naturalmente, nós não negamos que o cristão pode alcançar a segurança da fé.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 541)

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