terça-feira, 1 de outubro de 2013

A Essência da Igreja

1. A CONCEPÇÃO CATÓLICA ROMANA. Os cristãos primitivos falavam da igreja como a communio sanctorum e assim, sem contudo terem pensado na matéria completamente, já deram expressão à essência da igreja. Logo, porém, no fim do segundo século, como resultado do surgimento de heresias, a questão quanto à verdadeira igreja se lhes impôs e os levou a fixar a atenção em certas características da igreja como instituição externa. Desde o tempo de Cipriano até a Reforma, a essência da igreja foi cada vez mais procurada em sua organização visível e externa. Os chamados pais da igreja entendiam que a igreja compreende todos os ramos da igreja de Cristo e que é entrelaçada numa unidade externa e visível, tendo seu laço unificador no colégio de bispos. A concepção da igreja como organização externa com o tempo foi ganhando proeminência. Foi dada crescente ênfase à sua organização hierárquica, e nesta foi posto o selo definitivo com a instituição do papado. Os católicos romanos definem a igreja como: “A congregação de todos os fiéis que, sendo batizados, professam a mesma fé, participam dos mesmos sacramentos e são governados por seus legítimos pastores, sob um chefe visível na terra”. Eles fazem distinção entre a ecclesia docens e a ecclesia audiens (igreja docente e ouvinte), isto é, entre “a igreja que consiste dos que governam, ensinam e edificam” e “a igreja que é ensinada e governada, e que recebe os sacramentos”. No sentido estrito da palavra, não é a ecclesia audiens que constitui a igreja, mas, sim, a ecclesia docens. Esta participa diretamente dos gloriosos atributos da igreja, mas aquela só indiretamente é adornada por eles. Os católicos romanos estão prontos a admitir que há um lado invisível da igreja, mas preferem reservar o nome “igreja” para a comunhão visível dos crentes. Falam eles com freqüência da “alma da igreja”, mas não parecem estar em pleno acordo quanto à conotação exata do termo. Devine define a alma da igreja como a “sociedade daqueles que são chamados para a fé em Cristo e que são unidos a Cristo por dons e graças sobrenaturais”. Wilmers, porém, a vê “naquelas graças espirituais e sobrenaturais que constituem a igreja de Cristo e habilitam os seus membros a alcançarem o seu fim último”. Diz ele: “O que denominamos alma em geral é aquele princípio impregnante que dá vida a um corpo e capacita os seus membros a exercerem funções peculiares. À alma da igreja pertencem a fé, a comum aspiração de todos pelo mesmo fim, a invisível autoridade dos superiores, a graça interior da santificação, as virtudes sobrenaturais e outros dons da graça”. O primeiro escritor supracitado vê a alma da igreja em certas pessoas qualificadas, enquanto que o segundo a considera como um princípio totalmente impregnante, algo semelhante à alma do homem. Mas, seja o que for que os católicos romanos estejam prontos a admitir, eles não admitem que aquilo que se pode denominar “igreja invisível” preceda logicamente à visível. Diz Moehler: “Os católicos (romanos) ensinam: primeiro vem a igreja visível – depois a invisível: a primeira dá nascimento à segunda”. Quer dizer que a igreja é a mater fidelium (mãe dos crentes) antes de ser uma communio fidelium (comunidade de crentes). Contudo, Moehler concede que há um sentido em que a “igreja interna” antecede à “igreja externa”, a saber, no sentido de que não somos membros vivos desta enquanto não pertencermos àquela. Ele discute todo o assunto da relação mútua das duas em sua obra. Symbolism or Doctrinal Differences (Simbolismo ou Diferenças Doutrinárias). Salienta ele a identidade da igreja visível com Cristo: “Assim, do ponto de vista aqui tomado, a igreja visível é o Filho de Deus perenemente se manifestando entre os homens em forma humana, perpetuamente renovada e eternamente jovem – a permanente encarnação dele, como na Escritura Sagrada, pelo que os fiéis são chamados ‘corpo de Cristo’”.
2. A CONCEPÇÃO ORTODOXA GREGA. A concepção ortodoxa grega da igreja é estreitamente relacionada com a dos católicos romanos, e, todavia, difere dela nalguns pontos importantes. Essa igreja não reconhece a Igreja Católica Romana como a igreja verdadeira, mas reivindica para si esta honra. Há somente uma igreja verdadeira, e essa igreja é a Ortodoxa Grega. Conquanto reconheça com maior franqueza do que os católicos romanos os dois diferentes aspectos da igreja, visível e invisível, não obstante coloca a ênfase na igreja como organização. Ela vê a essência da igreja em seu caráter de comunidade dos santos, mas na hierarquia episcopal, que ela conservou, apesar de rejeitar o papado. A infalibilidade da igreja é defendida, mas esta infalibilidade reside nos bispos, e, portanto, nos concílios e sínodos eclesiásticos. “Como invisível”, diz Gavin, “ela (a igreja) é portadora de dons e poderes divinos e está empenhada em transformar a humanidade no reino de Deus. Como visível, ela é constituída de homens que professam uma fé comum, observam costumes comuns e usam meios de graça visíveis”. Ao mesmo tempo, é rejeitada a idéia de “uma igreja invisível e ideal, da qual os vários corpos de cristãos, formando organizações distintas e se chamando ‘igrejas’, são incorporações parciais e incompletas”. A igreja é “uma entidade concreta, tangível e visível, não um ideal não realizado e irrealizável”.
3. A CONCEPÇÃO PROTESTANTE. A Reforma foi uma reação contra o externalismo de Roma em Geral, e em particular, também contra a sua concepção externa da igreja. Ela tornou a trazer ao primeiro plano a verdade de que a essência da igreja não se acha na organização externa da igreja, mas nesta como a communio sanctorum. Tanto para Lutero como para Calvino, a igreja era simplesmente a comunidade dos santos, isto é, a comunidade dos que crêem e são santificados em Cristo, e que estão ligados a Ele, sendo Ele a sua Cabeça. Esta é também a posição exposta nos padrões confessionais reformados (calvinistas). Daí, diz a Confissão Belga: “Cremos e professamos uma só igreja católica ou universal, que é uma santa congregação de verdadeiros crentes cristãos, todos esperando a sua salvação em Jesus Cristo, sendo lavados por Seu sangue, santificados e selados pelo Espírito Santo”. A Segunda Confissão Helvética expressa a mesma verdade, dizendo que a igreja é “uma assembléia dos fiéis, convocada e reunida do mundo, uma comunhão de todos os santos, isto é, daqueles que verdadeiramente conhecem e retamente adoram e servem o verdadeiro Deus em Jesus Cristo, o Salvador, pela palavra do Espírito Santo, e que pela fé participam de todos os benefícios gratuitamente oferecidos mediante Cristo”. E a Confissão de Westminster, definindo a igreja do ponto de vista da eleição, diz: “A igreja católica ou universal, que é invisível, consta do numero total dos eleitos que já forma, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, sua cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas”. A igreja universal, sito é, a igreja como existe no plano de Deus e só se concretiza no transcurso dos séculos, foi entendida no sentido de que consiste do corpo completo dos eleitos, os quais, no transcorrer do tempo, são chamados para a vida eterna. Mas a igreja, como existe realmente na terra, foi considerada como a comunidade dos santos. E não é somente a igreja invisível que foi entendida assim, mas a igreja visível também. Estas não são duas igrejas, mas uma somente e, portanto, têm apenas uma única essência. Uma, bem como a outra, é essencialmente a communio sanctorum, mas a igreja invisível é a igreja como Deus a vê, uma igreja que só contém crentes, ao passo que a igreja visível é a igreja como o homem a vê, composta dos que professam a Jesus Cristo, juntamente com seus filhos e, portanto, julgados como sendo a comunidade dos santos. Esta pode conter, e sempre contém de fato, alguns que ainda não foram regenerados – pode haver joio entre o trigo – porém não pode tolerar incrédulos declarados e pessoas ímpias. Paulo dirige as suas epístolas a igrejas empíricas, e não hesita em tratar os seus membros de “santos”, mas também insiste na necessidade de expulsar os ímpios e os que, praticam delitos, 1 Co 5; 2 Ts 3.6, 14; Tt 3.10. A igreja forma uma unidade espiritual da qual Cristo é o Chefe divino. É animada por um Espírito, o Espírito de Cristo; professa uma fé, comparte uma esperança e serve a um só Rei. É a cidadela da verdade e a agência de Deus para comunicar aos crentes todas as bênçãos espirituais. Como corpo de Cristo, está destinada a refletir a glória de Deus como esta se vê manifestada na obra de redenção. A igreja, em seu sentido ideal, a igreja como Deus quer que ela seja e como um dia virá a ser, é mais objeto de fé que de conhecimento. Daí a confissão: “Creio na santa igreja católica”.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 563)

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