terça-feira, 1 de outubro de 2013

O caráter Multiforme da Igreja

Ao falarmos da igreja, varias distinções entrarão em consideração.
1. A DA IGREJA MILITANTE E A IGREJA TRIUNFANTE. Na presente dispensação, a igreja é militante, isto é, convocada para uma guerra santa, e de fato nela está emprenhada. Isto, naturalmente, não significa que ela deve gastar suas forças em lutas sangrentas de autodestruição, mas, sim, que tem o dever de levar avante uma incessante guerra contra o mundo hostil em todas as formas em que este se revele, seja na igreja ou fora dela, e contra todos os poderes espirituais das trevas. A igreja não pode passar o tempo todo em oração e meditação, embora estas práticas sejam tão necessárias e importantes, nem tampouco deve parar de agir, no pacífico gozo da sua herança espiritual. Ela tem que estar engajada com todas as suas forças nas pelejas do seu Senhor, combatendo numa guerra que é tanto ofensiva como defensiva. Se a igreja na terra é a igreja militante, no céu é a igreja triunfante. Lá a espada é permutada pelos louros da vitória, os brados de guerra se transformam em cânticos triunfais, e a cruz é substituída pela coroa. A luta é finda, a batalha está ganha, e os santos reinam com Cristo para todo o sempre. Nestes dois estágios da sua existência, a igreja reflete a humilhação e a exaltação do seu celestial Senhor. Os católicos romanos falam, não somente de uma igreja militante e triunfante, mas também de uma igreja padecente. Esta igreja, de acordo com eles, inclui todos os crentes que já não estão na terra, mas que ainda não penetraram nos gozos do céu, e agora estão sendo purificados dos seus restantes pecados no purgatório.
2. DISTINÇÃO ENTRE IGREJA VISÍVEL E INVISÍVEL. Quer dizer que, de um lado, a igreja de Deus é visível, e de outro, é invisível. Dizem que Lutero foi o primeiro a fazer esta distinção, mas os outros Reformadores a reconheceram e também a aplicaram à igreja. Nem sempre se entendeu bem esta distinção. Os oponentes dos Reformadores freqüentemente os acusavam de ensinarem que existem duas igrejas separadas. Lutero talvez tenha dado ocasião a esta acusação, por falar de uma ecclesiola invisível dentro da ecclesia visível. Mas tanto ele como Calvino acentuam o fato de que, quando falam de uma igreja visível e invisível, não se referem a duas igrejas, mas a dois aspectos da única igreja de Jesus Cristo. Tem-se interpretado variadamente o termo “invisível” como aplicável (a) à igreja triunfante; (b) à igreja ideal e completa, como será no fim dos séculos; (c) à igreja de todas as terras e de todos os lugares, que o homem não tem nenhuma possibilidade de ver; e (d) à igreja como ela vive nos dias de perseguição, oculta e privada da Palavra e dos sacramentos. Agora, é indubitavelmente certo que a igreja triunfante é invisível para os que se acham na terra, e que Calvino, em suas Institutas, também concebe como incluída na igreja invisível, mas, sem dúvida, a distinção foi feita principalmente com a intenção de aplicar-se à igreja militante. Em geral, é feita essa aplicação na teologia reformada (calvinista). Ela ressalta o fato de que a igreja, como existe na terra, é visível e invisível. Esta igreja é dita invisível porque é essencialmente espiritual e, em sua essência espiritual, não a pode discernir o olho humano; e porque é impossível determinar infalivelmente quem não lhe pertence. A união dos crentes com Cristo é uma união mística; o Espírito que o une constitui um laço invisível; e as bênçãos da salvação, tais como a regeneração, a conversão genuína, a fé verdadeira e a comunhão espiritual com Cristo, são todas invisíveis aos olhos naturais; – e, todavia, estas coisas constituem a forma real (o caráter ideal) da igreja. Que o termo “invisível” deve ser entendido neste sentido, vê-se pela origem histórica da distinção entre a igreja visível e a invisível na época da Reforma. A Bíblia atribui certos atributos gloriosos à igreja e a apresenta como um meio de salvação e de bênçãos eternais. Roma aplicava isto à igreja como instituição externa, mais particularmente à ecclesia representativa ou à hierarquia como distribuidora das bênçãos da salvação e, assim, ignorava e virtualmente negava a comunhão imediata e direta de Deus com os Seus filhos, colocando entre eles um sacerdócio mediatário humano. Este é o erro que os Reformadores procuraram erradicar salientando o fato de que a igreja da qual a Bíblia diz coisas tão gloriosas não é a igreja considerada como instituição externa, mas a igreja como corpo espiritual de Jesus Cristo, que é essencialmente invisível no presente, embora tendo uma encarnação relativa e imperfeita na igreja visível e esteja destinada a ter uma perfeita encarnação visível no fim dos séculos.
Naturalmente , a igreja invisível assume uma forma visível. Justamente como a alma humana se adapta a um corpo e se expressa por meio do corpo, assim a igreja invisível, que consiste, não de almas, mas de seres humanas que têm alma e corpo, assume necessariamente forma visível numa organização externa, por meio da qual se expressa. A igreja é visível na profissão de fé e conduta cristã, no ministério da Palavra e dos sacramentos, e na organização externa e seu governo. Ao fazer esta distinção, diz McPherson: “O protestantismo procurou encontrar o ponto médio adequado entre o externalismo mágico e sobrenatural da idéia romanista e a extravagante depreciação de todos os ritos externos característica do espiritualismo fanático e sectário”. É muito importante ter em mente que, embora tanto a igreja invisível como a visível possam ser consideradas universais, as duas não são comensuráveis em todos os aspectos. É possível que alguns pertencem à igreja invisível nunca se tornem membros da organização visível, como as pessoas alcançadas pela ação missionária e convertidas em seus leitos de morte, e que outros sejam temporariamente excluídos dela, como crentes errantes por algum tempo afastados da comunhão da igreja visível. Por outro lado, pode haver crianças e adultos não regenerados que, apesar de professarem a Cristo, não têm a verdadeira fé nele, se achem na igreja como instituição externa; e estes, enquanto estiverem nestas condições, não pertencerão à igreja invisível. Pode-se achar boas definições da igreja invisível na Confissão de Westminster.
3. A DISTINÇÃO ENTRE A IGREJA COMO ORGANISMO E A IGREJA COMO INSTITUIÇÃO. Não se deve identificar esta distinção com a imediatamente anterior, como às vezes se faz. É uma distinção que se aplica à igreja visível e dirige a atenção a dois aspectos diferentes da igreja considerada como corpo visível. É um erro pensar que a igreja só se torna visível nos ofícios, na administração da Palavra e dos Sacramentos e numa certa forma de governo eclesiástico. Mesmo que todas estas coisa estivessem ausentes, a igreja continuaria sendo visível na vida comunitária e no testemunho público dos crentes, e em sua unida oposição ao mundo. Mas, embora salientando o fato de que a distinção em foco é feita dentro da igreja visível, não devemos esquecer que tanto a igreja como organismo como a igreja como instituição (também chamadas apparitio e institutio – função e instituição) têm seu pano de fundo na igreja invisível. Contudo, apesar de ser verdade que estes são dois aspectos diferentes da igreja visível, representam diferenças importantes. A igreja como organismo é o coetus fidelium, a união ou comunhão dos fiéis, unidos pelo vínculo do Espírito, enquanto que a igreja como instituição é a mater fidelium, a mãe dos fiéis, uma Heilsanstalt, um meio de salvação, uma agência para a conversão dos pecadores e para o aperfeiçoamento dos santos. A igreja como organismo tem existência carismática: nela todos os tipos de dons e talentos tornam-se manifestos e são utilizados na obra do Senhor. A igreja como instituição, por outro lado, existe numa forma institucional e funciona por meio dos ofícios e meios que Deus instituiu. Num sentido, ambas são coordenadas, e , todavia, há também certa subordinação de uma à outra. A igreja como instituição ou organização (mater fidelium) é um meio para um fim, e este fim se acha na igreja como organismo, a comunidade dos crentes (coetus fidelium).
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 566)

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